RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31410 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20210038

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Relato de Caso

Carcinoma ductal in situ associado à fibroadenoma: relato de caso

Carcinoma ductal in situ arising in a fibroadenoma: report of a rare case

Anna Carolina Pereira Jácome1; Bárbara Mendes Pinto2; Érika Monteiro Pinheiro Mourão1; Fábia Silveira Beraldo1; Luís Cláudio dos Santos1

1. Mastologia, Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Ginecologia e Obstetrícia, Maternidade Odete Valadares, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

Anna Carolina Pereira Jácome
E-mail: annacarolinapj@gmail.com

Recebido em: 26/04/2021
Aprovado em: 24/05/2021

Conflito de Interesse: Não há

Resumo

Apesar de fibroadenoma ser uma das lesões mais comuns da mama, sua correlação a alteração maligna é rara.1,2,3,5,7 Quando ocorre tem apresentação clínica similar a dos fibroadenomas típicos, diagnóstico anatomopatológico em geral pós-cirúrgico e tratamento conforme do carcinoma do mesmo tipo histológico isolado.1,2,3,4,6 Apresentamos caso de mulher de 52 anos, apresentando em propedêutica investigativa nódulo em mama direita. Core-biopsy sugeriu carcinoma ductal in situ desenvolvido dentro de fibroadenoma, confirmado em análise anatomopatológica pós-operatória. Tratamento e seguimento se deu conforme já estabelecido pela literatura para carcinoma in situ. Devido baixa incidência, há poucas evidências científicas quanto ao diagnóstico, tratamento e prognóstico desse tipo de lesão. Portanto, apresentar à comunidade científica casos de carcinoma inclusos a fibroadenoma se faz relevante.

Palavras-chave: Carcinoma ductal in situ. Fibroadenoma. Câncer de mama.

 

INTRODUÇÃO

Fibroadenoma é a neoplasia da mama mais comum entre as mulheres jovens. Pode ocorrer em qualquer idade, sendo o pico máximo de incidência se dá nas segunda e terceira décadas de vida, uma vez que é responsivo a hormônios.1,2,3,5,7 À ultrassonografia apresenta-se como nódulo de contornos regulares e definidos com orientação de maior eixo paralelo à pele. Possui composição bifásica de componentes estromais e epiteliais e pode ser considerado simples ou complexo a depender das características histológicas.2,4,6 Aqueles que incluem cistos, adenose esclerosante, calcificações epiteliais ou metaplasia papilar apócrina são ditos complexos e estão relacionados a maior potencial de malignização4,5,6. De todo modo, fibroadenoma não é considerado lesão pré-maligna e, portando, conduta observacional é cabível.2,4

A alteração maligna associada ao fibroadenoma é rara, com prevalência de 0,02 a 2,9% relatada pela literatura científica, e maioria dos estudos relatando incidência menor que 1%.1,2,3,4,6 Quando ocorre, o diagnóstico é histopatológico, tipicamente após sua excisão, uma vez que a apresentação clínica é similar à dos fibroadenomas que ocorrem isoladamente.1,2,3,7 Deve-se atentar a esse possível diagnóstico principalmente em mulheres de idade mais avançada ao aparecimento da lesão, tipicamente única e mal definida à ultrassonografia ou exame físico.4,6,7 Carcinoma in situ é o tipo predominante de malignidade que surge dentro de um fibroadenoma.4,5,6

 

RELATO DE CASO

Trata-se de mulher de 52 anos, hígida, pós menopausada, sem fatores de risco para câncer de mama. Em exames de rastreio, apresentou à mamografia neo nódulo suspeito, sólido, irregular e de margens indistintas, em quadrante súpero-medial da mama esquerda (BI-RADS 4), correspondente à ultrassonografia mamária (também BI-RADS 4). Ao exame físico, mamas eutróficas e simétricas, sem alterações à inspeção dinâmica ou estática, sem quaisquer anormalidades identificadas à palpação, porém observada alta densidade mamária, também evidenciada aos exames descritos.

Tendo em vista este cenário, para melhor investigação, optou-se por ressonância nuclear magnética das mamas. O exame confirmou realce nodular espiculado, não circunscrito, localizado no quadrante supero-medial da mama esquerda às 10 horas, distando 6cm da papila, medindo 10x10x8 mm, em correspondência aos achados mamográfico e ecográfico. Como achado novo, em mama direita foi observado nódulo oval, circunscrito, localizado às 7h, distando 4,3 cm da papila, medindo 9x7x4 mm (Figura 1).

 


Figura 1. Nódulo oval, circunscrito, localizado em quadrante ínfero-lateral de mama direita diagnosticado primariamente em ressonância nuclear magnética das mamas.
Fonte: Autores

 

A partir destes achados foi realizada ultrassonografia mamária second_look, confirmando as lesões. À esquerda, nódulo sólido, heterogêneo, mal definido em quadrante súpero-medial e à direita, nódulo denso de contornos bem definidos e paralelo à pele em quadrante ínfero-lateral.

Paciente submetida, então, a core-biopsy guiada por ultrassonografia bilateralmente. Concordante ao suspeitado, a histologia de lesão com características tipicamente malignas de mama esquerda evidenciou invasor grau I associado a carcinoma ductal in situ.

Surpreendentemente, por sua vez, a biópsia do nódulo à direita visto pela ressonância nuclear magnética de mamas e comprovado ao ultrassom second look (Figura 2) evidenciou carcinoma intra ductal incluso ao fibroadenoma.

 


Figura 2. Ultrassonografia second look: nódulo de mama direita oval, circunscrito, localizado em quadrante ínferolateral, cujo diagnóstico pós cirúrgico firmou carcinoma ductal in situ inserido a fibroadenoma.
Fonte: Autores

 

Desta forma, deu-se seguimento de propedêutica cirúrgica com setorectomia via marcação estereotáxica de ambas as mamas e biópsia de linfonodo sentinela à esquerda. Ato operatório transcorreu sem intercorrências.

O anatomo-patológico confirmou os achados de core-biopsy. À esquerda, foi de fato diagnosticado carcinoma tubular invasivo associado a carcinoma ductal in situ cribiforme e papilar e quatro linfonodos sentinelas livres.

A lesão à direita, que realmente interessa ao presente relato de caso, também foi concordante à biópsia. Diagnosticada rara lesão de carcinoma ductal in situ de 6mm, grau intermediário e margens livres envolvendo fibroadenoma (Figuras 3a, 3b, 3c e 3d).

 


Figura 3. a e b) carcinoma intraductal in situ de 9mm no maior diâmetro envolvendo fibroadenoma; c) maior aumento evidenciando carcinoma ductal in situ de padrão cribriforme e sólido; d) imunohistoquímica positiva para receptor de estrogênio.

 

DISCUSSÃO

Embora os fibroadenomas sejam tipicamente benignos e não considerados risco para malignidade, outras lesões podem se desenvolver dentro deles. O carcinoma incluído ao fibroadenoma é raro, com incidência menor que 1%.

Para o acompanhamento dos fibroadenomas típicos, a conduta observacional é recomendada pela literatura e o diagnóstico diferencial principal é com tumor phyllodes. Porém, a biópsia está justificada se houver principalmente predição para lesão maligna, com incerteza diagnóstica aos exames de imagem ou idade maior que 35 anos ao aparecimento da lesão e tamanho maior que 2,5cm. Individualização de cada caso também deve ser levada em conta, com atenção para pacientes que apresentam neo nódulo único em idade mais avançada e com histórico familiar positivo para câncer de mama.

As características de fibroadenoma ao ultrassom incluem lesões hipoecóicas, de margens bem definidas, maior eixo paralelo à pele e ausência de sombra acústica posterior. Os achados que podem sugerir malignidade são a alteração da forma, a irregularidade dos bordos e alteração da ecogenicidade.

A ultrassonografia second-look do presente caso relatado evidenciou lesão arredondada, de margens lobuladas, em paciente com mais de 50 anos e portadora de nódulo bastante sugestivo de carcinoma em mama contra-lateral, justificando devida investigação por biópsia.

Mesmo em vista da definição ultrassonográfica tipicamente benigna para o nódulo de mama direita, a lesão única e a idade da paciente ao diagnóstico por si só seriam indicativos de biópsia. A presença de câncer em mama esquerda corrobora ainda mais para necessidade de análise histológica e definição diagnóstica.

O carcinoma intralesional em caso de fibroadenoma é tipicamente diagnosticado após abordagem cirúrgica, visto que sua apresentação clínica e imagiológica em geral é semelhante a dos fibroadenomas que ocorrem sem outras lesões associadas.

O caso clínico apresentado desafia a literatura nesse sentido, uma vez que carcinoma in situ incluso ao fibroadenoma foi diagnosticado antes da cirurgia, através de core-biopsy. Apesar de definição ecográfica típica de benignidade, a paciente apresentava outros fatores para se cogitar biópsia, como idade maior que 35 anos e presença de câncer de mama vigente em mama contralateral.

Ainda assim, vale a pena ressaltar o diagnóstico ocasional de carcionoma ductal in situ associado ao fibroadenoma. Caso a paciente não apresentasse câncer na outra mama, histórico pessoal ou familiar de câncer de mama, a lesão única e a faixa etária da paciente ao diagnóstico levariam à biópsia. Porém, não com a intenção de firmar carcinoma e sim afastar essa possibilidade.

O manejo das lesões não palpáveis sugestivas de benignidade deve ser individualizado. O contexto da paciente do caso apresentado, por exemplo, em muito difere do de paciente jovem, na segunda década de vida, com múltiplas lesões nas mamas descritas como nódulos densos de contornos bem definidos e paralelos à pele.

A decisão entre acompanhamento ecográfico, biópsia ou exérese cirúrgica depende das características ultrassonográficas mas também da idade da paciente, histórico pessoal e familiar e outros fatores de risco para câncer de mama, além de tamanho e estabilidade da lesão.

As taxas totais de detecção de carcinoma ductal in situ aumentam com a idade e tem como achado mamográfico comum microcalcificações agrupadas que estavam notavelmente ausentes em exames anteriores. No presente caso, a alta densidade mamária talvez tenha prejudicado visualização clara desse modo.

O comportamento biológ-ico dos carcinomas que ocorrerem em fibroadenomas de modo geral não é diferente dos carcinomas do mesmo tipo histológico isolados. Sendo assim, quanto à assistência para carcinoma ductal in situ incluso a fibroadenoma, setorectomia associada à radioterapia é conduta majoritariamente adotada, se assim a expectativa de vida, comorbidades, idade e tamanho da lesão da paciente permitir. Deve-se ressaltar a proposta de devido seguimento conforme já estabelecido pela literatura para carcinoma in situ.

Para o presente relato, houve devido termo de consentimento livre e esclarecido assinado pela paciente. A revisão da literatura crítica nas bases de dados PubMed Central e Scielo, com artigos publicados nos últimos cinco anos.

O presente relato de caso destaca raro carcinoma in situ, incluído a fibroadenoma. Devido baixa incidência, há poucas evidências científicas quanto ao diagnóstico, tratamento e prognóstico desse tipo de lesão. Sendo assim, se faz importante apresentar à comunidade científica para que quadros semelhantes sejam devidamente identificados e tratados no futuro.

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REFERÊNCIAS:

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