ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Ressignificação da cultura no contexto da Saúde da Mulher: como a Antropologia subsidia as ciências médicas?
Reframing culture in the context of women's healthcare: how does Anthropology support medical science?
Rafael Everton Assunção Ribeiro da Costa1; Cíntia Maria de Melo Mendes2
1. Acadêmico de Medicina. Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Centro de Ciências da Saúde, Coordenação de Medicina. Teresina, PI - Brasil
2. Professora adjunta. Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Centro de Ciências da Saúde, Coordenação de Medicina. Teresina, PI - Brasil
Rafael Everton Assunção Ribeiro da Costa
E-mail: rafaelearcosta@gmail.com
Recebido em: 22 /12/2020
Aprovado em: 16/05/2021
Conflito de Interesse: Não há
Resumo
A Antropologia moderna entende a cultura como a construção de uma série de elementos simbólicos ao longo da vida pelos indivíduos (conceito importante para a superação de determinismos vigentes anteriormente). Atualmente, as ciências médicas são entendidas também como parte das dinâmicas sociais. Desta forma, grupos historicamente minoritários por sua marginalização social, como as mulheres, encontram uma lógica muito semelhante no campo da saúde. A Saúde da Mulher pouco humanizada e não centrada na paciente é um problema ainda não superado no campo das ciências médicas, sendo uma batalha sobretudo de cunho social. É importante que as mulheres se apropriem da linguagem técnico-científica que rege o mundo contemporâneo e sejam também desmanteladoras de armadilhas sociais que estão constantemente agindo no subjugo de minorias sociais. A Antropologia moderna, como instrumento de ressignificação da cultura e de luta pela superação de problemas sociais, é um importante subsídio para as ciências médicas.
Palavras-chave: Cultura; Saúde da Mulher; Antropologia; Ciências da Saúde.
A cultura é entendida atualmente como um conjunto de elementos simbólicos construídos pelos indivíduos ao longo da vida (conceito muito importante para a superação de determinismos vigentes anteriormente).1,2 Por sua grande conexão com a construção pessoal, é notável que a cultura termina operando também no desenvolvimento do aparelho biológico individual e no entendimento que cada pessoa tem de si e do mundo. Esta nova abordagem sobre o conceito de cultura que vem sendo desenvolvida levou à uma reformulação da Antropologia enquanto ciência, havendo a superação da concepção meramente biológica do homem, que passou a ser compreendido como largamente sensível às experiências sociais.
No mundo moderno, as ciências médicas foram ganhando grande prestígio e proporcionaram também ao ser humano uma nova experiência de vida (processo constantemente em evolução).3 Atualmente, o entendimento de saúde vem sendo construído como um processo sobretudo social, o que é uma grande fronteira de subsídio da Antropologia para as ciências médicas.
O estabelecimento do papel da mulher dentro da sociedade ocorre na maior parte das populações de forma fragilizada e vigiada em relações aos homens, os quais são entendidos como detentores naturais dos mais amplos espaços sociais.3,4 No campo da saúde, esta lógica também é semelhante, sendo a mulher concebida de forma subjugada. A Antropologia moderna é uma ciência que busca entender as relações sociais, sendo também um instrumento de superação de entraves para a equidade entre grupos da sociedade.
A Saúde da Mulher pouco humanizada e não centrada na paciente é um problema ainda não superado no âmbito das ciências médicas e que exige para o seu enfrentamento a adoção de um posicionamento de defesa da equidade de gênero no campo social (papel de todos na sociedade, inclusive dos profissionais de saúde). Portanto, as lutas levantadas pela Antropologia moderna são também um importante subsídio para a superação desta importante problemática.
A saúde não é de interesse exclusivo das ciências médicas e a Antropologia pode contribuir bastante para um melhor entendimento do que é saúde nos mais diferentes aspectos.5 Motta-Maués,4 em seu texto "Lugar de mulher": representações sobre os sexos e práticas médicas na Amazônia (Itapuá/Pará), traz um miniuniverso representativo de toda a cultura ocidental, no qual, assim como no Ocidente, toda a sociedade opera de forma a vigiar os corpos femininos em idade reprodutiva e a cercear suas liberdades, bem como busca construir símbolos de subjugo de tudo o que representa o feminino. Semelhante fato ocorre também na concepção de saúde, como demonstrado no texto pelo ritual de parto da comunidade, o qual coloca o corpo da mulher abaixo de um símbolo associado ao masculino, mas que ocorre também em outras sutilezas, que sempre figuram a mulher como vítima de um determinismo biológico, enquanto o homem surge sempre como um ser cultural, dono de seu papel social.4
Atualmente, nas ciências médicas, discute-se um novo papel para a mulher dentro da saúde, no qual esta é ativa no processo, sendo a lógica dos serviços e insumos entendidas sob a perspectiva da mulher; contudo, contra o alcance deste propósito, jogam muitas forças centradas no funcionamento social e no entendimento científico da saúde. Haraway,6 no Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX, argumenta que é necessário às mulheres uma apropriação efetiva da linguagem técnico-científica que opera o aparelho social para a superação das forças que visam a todo momento desestabilizá-las, bem como fragmentar suas personalidades e relações com o universo social.6
A efetivação do empoderamento da mulher no campo da saúde é, antes de tudo, um processo social, sendo necessário que as mulheres detenham ferramentas culturais que garantam a sua igualdade na comunidade em relação aos homens. A Antropologia, como uma ciência voltada para o entendimento da cultura, é muito importante para o desmantelamento de armadilhas sociais que o mundo patriarcal cria para o não exercício saudável da vida de tudo o que não é heterossexual, branco e masculino, sendo, portanto, também uma arma poderosa na luta pelo empoderamento da mulher.
Portanto, a Antropologia moderna tem bastante a contribuir com as ciências médicas por ser um instrumento de ressignificação da cultura e de luta pelo empoderamento de grupos marginalizados (como as mulheres), condição indispensável para a equidade também na saúde, o que é, sobretudo, uma batalha social.
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REFERÊNCIAS
1. Laraia RB. CULTURA: Um conceito antropológico. 14.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 2001.
2. Laraia RB. Da ciência biológica à social: a trajetória da Antropologia no Século XX. Habitus. 2005; 3(2): 321-345.
3. Levi-Strauss C. A eficácia simbólica. In: Levi-strauss C. (Org.). Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1975. p. 215-236.
4. Motta-Maués MA. "Lugar de mulher": representações sobre os sexos e práticas médicas na Amazônia (Itapuá/Pará). In: Alves PC; Minayo MCS. (Org.). Saúde e doença. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1994. p. 113-126.
5. Azize RL. Doença e Saúde: a antropologia pode contribuir?. [publicação na web]; 2017. Acesso em: 26 de novembro de 2020. Disponível em: http://soantropologia.blogspot.com/2017/03/rogerio-azize-doenca-e-saude.html
6. Haraway DJ. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: Tadeu T. (Org.). Antropologia ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora; 2009. p. 34-118.
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