RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. 1

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Artigos de Revisão

Características biológicas e psicológicas do envelhecimento

Aging biological and psychological characteristics

Edgar Nunes de Moraes1; Flávia Lanna de Moraes2; Simone de Paula Pessoa Lima3

1. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do Núcleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do Centro de Referência do Idoso Prof. Caio Benjamin Dias /HC-UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil. Especialista em Geriatria pela SBGG
2. Especialista em Geriatria pela SBGG. Especialista em Medicina de Família e Comunidade pela SBMFC, Membro Colaborador do Núcleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil. Mestranda de Medicina Molecular
3. Pós-Graduação em Geriatria pelo HC-UFMG, Membro Colaborador do Núcleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG e Especialista em Geriatria pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, Brasil

Endereço para correspondência

Faculdade de Medicina da UFMG
Avenida: Prof. Alfredo Balena, 190 - 2º andar Bairro: Santa Efigênia
CEP: 30130100 Belo Horizonte - MG, Brasil
Email: racfled@dedalus.lcc.ufmg.br

Recebido em: 10/12/2009
Aprovado em: 10/02/2010

Instituição: Núcleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte - MG, Brasil

Resumo

O envelhecimento representa a consequência ou os efeitos da passagem do tempo no organismo (envelhecimento somático) e psiquismo (envelhecimento psíquico). Apresenta-se revisão sobre envelhecimento abordando os aspectos biológicos do desenvolvimento humano até a velhice, considerando as repercussões funcionais do envelhecimento fisiológico e psicológico.

Palavras-chave: Biologia do Desenvolvimento; Processos Fisiológicos; Envelhecimento; Idoso.

 

INTRODUÇÃO

O envelhecimento representa o conjunto de consequências ou os efeitos da passagem do tempo. Pode ser considerado biologicamente como a involução morfofuncional que afeta todos os sistemas fisiológicos principais, de forma variável. Essa involução não impede, entretanto, que a pessoa se mantenha ativa, independente e feliz. Representa, do ponto de vista psíquico, a conquista da sabedoria e da compreensão plena do sentido da vida. A velhice bem-sucedida, física e psiquicamente, constitui-se, indiscutivelmente, na grande fase da vida, onde o ser humano está preparado para entrar em comunhão com a grandiosidade da criação. A maioria das pessoas, entretanto, mantém-se fixada aos valores da juventude e não consegue enxergar a beleza dos anos vividos e da experiência acumulada. Beauvoir1 sustenta que o envelhecimento "tem, sobretudo, dimensão existencial, como todas as situações humanas, modifica a relação do homem com o tempo, com o mundo e com sua própria historia, revestindo-se não só de características biopsíquicas, como também sociais e culturais".

O envelhecimento é dividido em biológico e psíquico

Envelhecimento biológico

O envelhecimento biológico é implacável, ativo e irreversível, causando mais vulnerabilidade do organismo às agressões externas e internas. Existem evidências de que o processo de envelhecimento é de natureza multifatorial e dependente da programação genética e das alterações que ocorrem em nível celular-molecular. Pode haver, consequentemente, diminuição da capacidade funcional das áreas afetadas e sobrecarga dos mecanismos de controle homeostático, que passam a servir como substrato fisiológico para influência da idade na apresentação da doença, da resposta ao tratamento proposto e das complicações que se seguem.2

Os sinais de deficiências funcionais vão aparecendo de maneira discreta no decorrer da vida, sendo chamados de senescência, sem comprometer as relações e a gerência de decisões. Esse processo não pode ser considerado doença. Em condições basais, o idoso não apresenta alterações no funcionamento ao ser comparado com o jovem. A diferença manifesta-se nas situações nas quais se torna necessária a utilização das reservas homeostáticas, que, no idoso, são mais fracas. Além disso, todos os órgãos ou sistemas envelhecem de forma diferenciada, tornando a variabilidade cada vez maior (Figura 1).

 


Figura 1 - Envelhecimento

 

O sistema nervoso central (SNC), embora tenha evoluído filogeneticamente há milhões de anos, só recentemente adquiriu propriedades anatômicas e moleculares altamente especializadas. Os neurônios, unidades formadoras desse sistema, possuem estabilidade de estrutura, atributo este que é pré-requisito para a cognição. Essa propriedade torna o SNC apto ao acúmulo de informações do presente, à lembrança do passado e à formulação de novos conceitos. O SNC é incapaz de realizar reparos nas alterações morfológicas adquiridas com o envelhecimento.

O envelhecimento cerebral normal evidencia, a partir da segunda década de vida, um declínio ponderal discreto, lento e progressivo, que culmina com a diminuição do seu volume. O estudo microscópico dos neurônios revela mudanças caracterizadas por: diminuição do RNA citoplasmático e da substância de Nissl; acúmulo de lipofuscina; depósito amiloide nos vasos sanguíneos e células e de placa senil; e, menos frequentemente, emaranhado neurofibrilar - característico da demência de Alzheimer, que pode, entretanto, ser observado em cérebros de idosos sem indícios de demência e que resulta em atrofia neuronal reduzindo a quantidade de células nervosas. Essa perda celular não atinge as regiões corticais igualmente, pois neurônios da mesma região têm fenótipos moleculares únicos e, portanto, diferentes vulnerabilidades aos processos deletérios (córtex pré-frontal é mais sensível às mudanças do envelhecimento). O envelhecimento normal associa-se, além das alterações microscópicas dos neurônios, a mudanças nos sistemas de neurotransmissores. Os sistemas dopaminérgicos e colinérgicos apresentam ações diminuídas. O declínio de memória não necessita, necessariamente, associar-se à lesão estrutural, podendo ocorrer devido à disfunção fisiológica e não à perda neuronal. O SNC, apesar de não ser capaz de recuperar seus neurônios, tem propriedades que podem diminuir o impacto das alterações do envelhecimento, como: redundância (existem muito mais neurônios no cérebro que o necessário); mecanismos compensadores (surgem em situações de lesão cerebral e são mais hábeis conforme o centro atingido); plasticidade (habilidade de neurônios maduros, com sua rede de dendritos, desenvolverem e formarem novas sinapses, levando à formação de novos circuitos sinápticos).3

Aspectos neuropsicológicos do envelhecimento

O desenvolvimento de estudos de Psicologia e psiquiátricos no idoso proporcionou mudança no paradigma do envelhecer psíquico. Durante a velhice, não é comum o aparecimento de alterações na funcionalidade mental do idoso, ou seja, os idosos saudáveis, sem limitações físicas, podem ser bastante produtivos.

A definição de quais e como as funções psíquicas se modificam no decorrer dos anos permitiu a consideração de que o idoso não seja tratado como um ser limitado cognitivamente, mas que requer a adaptação de estímulos ambientais para possuir funcionalidade comparável à de adultos jovens. O conhecimento sobre o envelhecimento neuropsicológico ajuda a fundamentar as mudanças exigidas pela sociedade para que os idosos sejam adequadamente valorizados em nosso meio.

O termo cognição corresponde à faixa de funcionamento intelectual humano, incluindo percepção, atenção, memória, raciocínio, tomada de decisões, solução de problemas e formação de estruturas complexas do conhecimento. A grande dificuldade acerca do envelhecimento é o limite entre alterações cognitivas normais e patogênicas. O desenvolvimento do conhecimento sobre os vários tipos de demências, o avanço dos métodos de neuroimagem e estudos científicos apropriados permitiram o julgamento sobre o limite entre saúde e doença no idoso. Algumas das habilidades cognitivas se modificam em relação ao tempo, enquanto outras permanecem inalteradas. O conhecimento da evolução neuropsicológica permite aferir se alguma função cognitiva prejudicada significa doença. As habilidades que sofrem declínio com a idade são: memória de trabalho, velocidade de pensamento e habilidades visuoespaciais, enquanto as que se mantêm inalteradas são: inteligência verbal, atenção básica, habilidade de cálculo e a maioria das habilidades de linguagem.

As repercussões funcionais do envelhecimento fisiológico (senescência) do SNC são controversas e não afetam significativamente as funções cognitivas. Observa-se redução de: peso do encéfalo (10%), fluxo sanguíneo cerebral (15-20%), volume ventricular exvacuo, número de neurônios e depósito neuronal de liposfuscina. Surgem degeneração vascular amiloide, placas senis e degeneração neurofibrilar com comprometimento da neurotransmissão dopaminérgica e colinérgica, e lentificação da velocidade da condução nervosa. As regiões mais sensíveis às alterações do envelhecimento localizam-se no lobo frontal e, possivelmente, no lobo temporal medial. As alterações dos órgãos dos sentidos (visão, audição, etc.) dificultam o acesso às informações e o aprendizado.4

O lobo frontal não apresenta mudanças na sua porção ventro-medial, responsável pela regulação do comportamento social e emocional. A porção dorsolateral da região pré-frontal, entretanto, possui alterações anatômicas e funcionais mais proeminentes, percebidas em sua dificuldade aumentada na realização de tarefas dependentes da função executiva e da memória de trabalho. Há mais comprometimento na atenção (registro) e resgate das informações previamente estocadas, tarefas dependentes da memória de trabalho e também na consolidação de informações recentes (memória episódica recente, por exemplo, localização de objetos, recados, etc.). Não há alteração da memória semântica.5

Observam-se, clinicamente, lentificação no processamento cognitivo, redução da atenção (déficit atentivo), mais dificuldade no resgate das informações aprendidas (memória de trabalho) e redução da memória prospectiva ("lembrar-se de lembrar") e da memória contextual (dificuldades com detalhes). As informações estocadas (memória de longo prazo intermediária e remota) não são afetadas, e sim a análise e comparação (memória de trabalho) das informações que chegam constantemente ao cérebro, com as memórias explícitas e implícitas estocadas no neocórtex posterior. Essas alterações não trazem prejuízo significativo na execução das tarefas do cotidiano, não promovem limitação das atividades, nem restrição da participação social. A influência do tempo sobre a cognição também amplifica as diferenças entre os sexos, isto é, os homens mais velhos mostram mais facilidades nos cálculos matemáticos, enquanto as mulheres nas habilidades executivas.

O processo de atenção representa grupo complexo de comportamentos, em que o indivíduo pode selecionar informações e ignorar outras; sustentar a concentração em uma informação por um período de tempo; dividir a atenção entre dois ou mais aspectos ao mesmo tempo; e mudar o foco da atenção quando for necessário. A capacidade do idoso de dividir atenção entre vários estímulos para apreender uma situação é extremamente prejudicada. Outras funções da atenção não se modificam com o envelhecer.

Função executiva se refere à capacidade de resolução de problemas, planejamento, inibição de resposta, abstração, processamento de informações. As capacidades cristalizadas ou os conhecimentos adquiridos no curso do processo de socialização tendem a permanecer estáveis. As capacidades fluidas, isto é, envolvidas na solução de novos problemas, tendem a declinar gradualmente.

A velocidade na qual a informação é processada representa a alteração mais evidente do idoso. A lentidão cognitiva influencia todas as outras funções e pode ser responsável pelo déficit cognitivo em idosos. A lentidão no processamento de informações é observada em idosos em sua dificuldade em compreender textos, necessidade de explicações mais ricas e extensas e de mais tempo para executar cálculos.

A presbiacusia prejudica a compreensão da fala, entretanto, o déficit periférico pode ser compensado pelos recursos e experiências cognitivas. O vocabulário e expressão verbal podem aumentar durante a vida toda. A linguagem espontânea pode se tornar menos precisa e mais repetitiva com o passar do tempo.

A capacidade dos idosos em reconhecerem formas, objetos, dimensões e a distância não é prejudicada quando avaliada de forma simples. Os idosos, quando avaliados em testes mais complexos, entretanto, apresentam habilidades visuoespaciais e visuoperceptivas inferiores às dos de jovens.

Envelhecimento psicológico

O envelhecimento psíquico6 ou amadurecimento não é naturalmente progressivo nem ocorre inexoravelmente, como efeito da passagem de tempo. Depende também da passagem do tempo, mas, sobretudo, do esforço pessoal contínuo na busca do autoconhecimento e do sentido da vida.

O autoconhecimento, o estudo da estrutura e dinâmica do psiquismo e a superação dos conflitos do cotidiano são indispensáveis para que se possa atingir a independência psíquica, condição indispensável para a sabedoria. O amadurecimento é conquista individual e se traduz pela modificação dos valores de vida ou pela aquisição da consciência (para que vivemos?). "Só é consciente a pessoa que se conhece, que conhece os reais motivos do seu viver, sua capacidade de controle desses motivos e de organização desse controle". É a personalização do indivíduo, harmonizando-o consigo mesmo e com o mundo (Figura 2).

 


Figura 2 - Envelhecimento psíquico

 

Com o envelhecimento psíquico há, portanto, redução da vulnerabilidade. A pessoa idosa torna-se suficientemente sábia para aceitar a realidade, tolerar a dor ou a perda da independência biológica, pois seus dispositivos de segurança são cada vez mais eficazes na relação com o mundo. É a liberdade plena ou independência psíquica, pois compreende o sentido da vida (para quê). Os valores que regem a sua vida (filosofia de vida) são cada vez mais elevados, racionais, inteligentes, enfim, conscientes. O idoso "entrega-se à existência com a pureza das crianças, mas sem a sua ingenuidade, com o vigor do adolescente, mas sem a sua pugnacidade, com a sensatez do homem maduro, mas sem o seu orgulho. Torna-se cidadão do Universo com a astúcia da raposa e a malícia da serpente, o que faz dele um sábio"6.

A vida é uma grande viagem em busca da máxima felicidade ou êxtase místico. Para tanto, faz-se necessário o aproveitamento de todas as fases da vida, superando-se os conflitos inerentes a cada ciclo, na busca de um equilíbrio cada vez maior. (Quadro 1)

 

 

A infância psíquica é a fase inicial de preparação para a vida, na qual o indivíduo começa a se criar, isto é, instruir, disciplinar. Tem início no nascimento e perdura até os 12 anos, quando, usualmente, ocorre a instalação da sexualidade genital, com a primeira menstruação da menina e a primeira ejaculação do menino. Inicialmente, o comportamento da criança é regido pelo instinto (zero a nove meses), pois não se pode falar ainda em inteligência, que é a capacidade de resolver os problemas, nem em consciência, que é a compreensão do sentido da conduta (conhecimento da finalidade). É a fase de máxima dependência física e psíquica do indivíduo. Com o desenvolvimento, a criança alcança níveis mais sofisticados de percepção e atuação no mundo, passando pela angústia (zero a nove meses), medo (nove a 18 meses), obsessão (18 meses a três anos), farsa (três a seis anos) e praticidade (seis a 12 anos), quando surge a razão e a criança adquire a capacidade de reflexão. O indivíduo vai se tornando cada vez mais independente do adulto, capaz de atuar no mundo de forma prática ou ponderada. É capaz de compreender o que ocorreu para as coisas serem como estão sendo e o que ocorreria se o que foi feito pudesse ser desfeito e outra conduta tivesse tido lugar. Está, assim, preparada a base sobre a qual vai assentar-se a construção progressiva do ser humano, que visa sempre a assimilar o mundo exterior, conquistar as coisas e a si próprio. Tem início, então, a adolescência (12 a 18 anos), quando o indivíduo encontra-se no auge da preparação para a existência. Dois eventos modificam radicalmente a vida da criança, a puberdade e o raciocínio abstrato. Aos poucos, vai-se avolumando todo um caudal de modificações interiores, que deflagra uma série de atitudes novas, inusitadas, trazendo perplexidade para o indivíduo e para aqueles que o rodeiam. A criança latente, aparentemente equilibrada e madura (ser prático), torna-se um ser fisicamente desproporcional e com atitudes psíquicas desproporcionais aos eventos. A pré-adolescência (12 aos 15 anos) vive, mais uma vez, a angústia do desconhecido, sente fobia do seu novo corpo, raiva da liberdade e histeria do chamamento de papéis que não sabe ainda representar. Capaz de abstração, começa a questionar filosoficamente as diretrizes de vida que lhe vinham sendo impostas desde sempre. Ele retoma a dúvida do obsessivo, já agora pondo em questão não apenas os hábitos culturais, mas também, e principalmente, posições políticas, religiosas e filosóficas, em geral. Revolta-se contra a dependência infantil primitiva. Em seguida, na adolescência propriamente dita (15 a 18 anos), vive um período de acomodação e relativa acalmia. Procura considerar, sob um novo ângulo, sua sensação de angústia diante do desconhecido. Percebe que nem sempre os argumentos aguerridos levam ao resultado desejado. Percebe a sua independência psíquica, mas reconhece a sua dependência afetiva. Buscando a solução dos conflitos em um clima de reflexão sobre a noção da existência de uma mecânica da vida, passa a suspeitar da possibilidade de que essa mecânica tenha mais amplitude do que imaginava e obedeça a um direcionamento preestabelecido. Necessita, ainda, de muitas informações sobre a vida, principalmente sobre as regras do amor em geral. Percebe mais claramente que o bem e o mal podem ser complementares e que há uma "engrenagem" mais capaz de explicar as contradições da vida. Está, assim, consolidada a base sobre a qual se vinha assentando a construção progressiva do ser humano, que visa sempre a assimilar o mundo exterior, conquistar as coisas e a si próprio.

O período seguinte é o da adultez. A adultez é o período de realização da vida, em que o indivíduo adquire cada vez mais equilíbrio, atingindo estabilidade duradoura, propiciando o mergulho em profundidade que leva ao alargamento da consciência de si e de si mesmo no mundo. As etapas do período adulto são a adultez jovem (18 aos 30 anos), a adultez propriamente dita (30 aos 60 anos) e a adultez velha (acima de 60 anos). Adulto é o ser humano que se encontra preparado para existir. O indivíduo necessita, cada vez mais, para sobreviver, conhecer e se conhecer. O adulto jovem (18 aos 30 anos) é aquele que completa e efetiva os seus movimentos no sentido de garantir a sua sobrevivência e compreende as atitudes adequadas para atingir os seus fins. Tais fins incluem, necessariamente, os interesses da coletividade à qual está insofismavelmente ligado. Constata que não adianta tentar convencer as pessoas das suas verdades se elas não forem capazes de desenvolver conceitos próprios sobre o que se deseja que elas compreendam. É independente física e psiquicamente, sendo, assim, capaz de amar, devotar-se, sem criar problemas, sem deixarse levar pelos conflitos inerentes às idades anteriores. Surge o interesse fraterno, em busca do bem comum.

O adulto propriamente dito é aquele que, garantida sua sobrevivência, vive com mais empenho a busca pela compreensão, organização e interiorização, no sentido de cada vez mais personalização. Capaz de entender o mecanismo único que controla a "engrenagem" da vida e a lei geral que rege o movimento do universo como um todo, passa a suspeitar de que as percepções são ilusões que o afastam da verdade, do mergulho na visão direta no absoluto. Compreende a necessidade de adequar sua dependência afetiva aos interesses da humanidade como um todo. O amor retoma o seu ápice no sentido de ampliar seus benefícios além das fronteiras dos grupos dos quais participa. Pode ele experimentar o amor humanístico, sabendo que, sendo compreendido ou não, recebendo retribuição ou não, sua afetividade só se satisfaz na sua devoção ao bem-estar de todos os seus semelhantes. Sabe que não é o centro estático do mundo, mas fator na sua evolução. Percebe que o seu conhecimento não pode abarcar a verdade em si, mas apenas a do observador que é. Seu estilo de vida estando definido, participa, a seu modo, do processo evolutivo, seu e dos grupos dos quais é membro, sempre em direção à integração pessoal e coletiva.

A adultez velha (acima de 60 anos) ou velhice é a grande fase da vida, na qual o indivíduo, agora pessoa, atinge o grau máximo de compreensão do mistério da vida (consciência do absoluto) e do seu papel na unificação do universo. Vive a liberdade plena, permitindo-lhe compreender o lugar e a parte que cabem ao mal em um mundo em evolução. O sentido ético da sua existência permite a superação dos preconceitos e a participação ativa na evolução das pessoas e dos grupos aos quais esteja ligado. Está, assim, cumprido o destino do ser humano adulto, cuja fé em si mesmo e no destino do mundo o faz viver em um permanente comungar e servir.

Envelhecimento individual

O envelhecimento representa a consequência ou os efeitos da passagem do tempo no organismo (envelhecimento somático) e psiquismo (envelhecimento psíquico). Todas as dimensões são igualmente importantes, na medida em que são coadjuvantes para a manutenção da estabilidade somática e psíquica, indispensáveis para o ser humano cumprir a sua meta, que é ser feliz.

A busca pela paz e pela liberdade de espírito é a meta do ser humano. É necessário que o homem se liberte dos impulsos cegos e dos preconceitos e busque a virtude, com equilíbrio e serenidade.

A única batalha que traz satisfação é aquela em que o indivíduo conquista a si mesmo, o que inclui a necessidade de aperfeiçoamento moral, de uma ideia correta do bem e do mal.

A livre procura do saber garante o clima para a reflexão, mas é necessário ter-se em mente que a visão do indivíduo é subjetiva e deve ser testada objetivamente, na realidade. O homem deve ter atitude crítica também perante as ideias tradicionais e os postulados já arraigados e iniciar a análise do mundo pela busca de conhecimento de si próprio.

O envelhecimento individual depende do grau de fragilidade do organismo e do psiquismo. Pode ser dividido em quatro tipos:

Robustez física e cristalização psíquica: o envelhecimento somático não está associado a alguma perda física limitante, mas o indivíduo apresenta perturbação do seu psiquismo, que o impede de compreender o sentido da vida.

Robustez física e maturidade psíquica: o envelhecimento somático não está associado a alguma perda física limitante e o psiquismo atinge a maturidade mental, a paz e a sabedoria.

Fragilidade física e cristalização psíquica: o envelhecimento somático é patogênico, com limitações e/ou incapacidades físicas e seu psiquismo encontra-se cristalizado na infância psíquica.

Fragilidade física e maturidade psíquica: o envelhecimento somático é patogênico, com limitações e/ou incapacidades físicas. Todavia, o psiquismo do indivíduo evoluiu, conquistando a maturidade mental. O seu viver é pautado na aceitação da realidade e na tolerância à dor e seus estados de equilíbrio são cada vez mais flexíveis, pois seus dispositivos de segurança são cada vez mais eficazes na relação com o mundo. A felicidade pode ocorrer, caso as limitações físicas não sejam suficientemente graves para comprometer os mecanismos homeostáticos do organismo (Figura 3).

 


Figura 3 - Tipos de envelhecimento individual

 

CONCLUSÃO

O ser humano pode envelhecer como um sábio ancião ou permanecer nos estágios infantis do psiquismo. Autonomia e independência são, portanto, resultantes do equilíbrio entre o envelhecimento psíquico e biológico.

A singularidade individual torna-se mais exuberante quando se avaliam ambas as dimensões, biológica e psíquica, associadas ao contexto familiar e social, ou seja, a integralidade do indivíduo.

O processo de envelhecimento é, portanto, absolutamente individual, variável, cuja conquista se dá dia após dia, desde a infância. A velhice bem-sucedida é consequência de uma vida bem-sucedida.

REFERÊNCIAS

1. Beauvoir S. A velhice. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990.

2. Moraes EN. Princípios básicos de geriatria e gerontologia. Belo Horizonte: Coopmed; 2009.

3. Tallis RC, Fillit HM. Broncklehurst's textbook of geriatric medicine and gerontology. 6ª ed. Oxford: Churchill Livingstone; 2003.

4. Cançado FAX, Horta ML. Envelhecimento cerebral. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 112-27.

5. MacPherson SE, Phillips LH, Della Sala S. Age, executive function, and social decision making: a dorsolateral prefrontal theory of cognitive aging. Am Psychol Assoc. 2002;17(4):598-609.

6. Centro de Psicoterapia Analítico-Fenomenológico-Existencial - CEPAFE. Da psicoterapia analítico-fenomenológico-existencial. Belo Horizonte: CEPAFE; 2002.