RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31413 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20210042

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Relato de Caso

Sarcoidose oral e cutânea: relato de caso exuberante

Sarcoidose oral e cutânea: relato de caso exuberante

Priscila Pinto Barroso2; Camila Pedruzze Machado2; Ademar Schultz Junior2; Maria Clara de Angeli1; Marisa Simon Brezinscki3; Paulo Bittencourt de Miranda3

1. Acadêmico de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, Brasil
2. Dermatologista pelo Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, Brasil
3. Professor adjunto do departamento de Dermatologia do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, Brasil

Endereço para correspondência

Priscila Pinto Barroso
E-mail: priscilapbarroso@gmail.com

Recebido em: 05/04/2021
Aprovado em: 12/08/2021
Data de Publicação: 23/09/2021

Conflito de Interesse: Não há

Editor Associado Responsável: Enio Roberto Pietra Pedroso

Resumo

A sarcoidose é uma doença granulomatosa crônica, de etiologia ainda desconhecida, que afeta múltiplos órgãos e tecidos. O sistema respiratório é o mais comumente afetado, seguido das manifestações cutâneas. Todavia, manifestações da cavidade oral são raras, tendo sido descritos em literatura aproximadamente 70 casos. A apresentação oral pode variar de quadros assintomáticos até ulcerações com risco de infecção secundária, que comprometem a qualidade de vida do paciente. Apesar de raros, casos de sarcoidose com comprometimento da cavidade oral podem apresentar evolução clínica desfavorável ou, ainda, se apresentarem como manifestação clínica inicial de um quadro sistêmico. Portanto, é importante auxiliarmos no reconhecimento, diagnóstico e tratamento adequados desta doença.

Palavras-chave: Sarcoidose; Sarcoidose Oral; Sarcoidose Cutânea.

 

INTRODUÇÃO

A sarcoidose é uma doença granulomatosa não infecciosa, de etiologia ainda incerta, podendo acometer múltiplos órgãos e tecidos e envolvendo a pele em 25% dos casos1. Inicialmente descrito em 1899, o termo sarcoidose é derivado de um relato de Boeck, sobre a semelhança clínica das lesões cutâneas com sarcomas, porém nestes casos, de natureza benigna2.

Trata-se de uma doença que afeta comumente adultos jovens, sendo o sexo feminino mais frequentemente acometido3.

Por simular outras doenças devido ao seu polimorfismo de lesões, é um importante desafio diagnóstico. Suas apresentações clínicas são variáveis, podendo caminhar desde lesões inespecíficas, destacando-se o eritema nodoso; até lesões características, como maculopapular, placas, nódulos, cicatrizes infiltradas, ulcerações e tumorações de cor violácea4.

O acometimento da cavidade oral é raro, porém de grande importância, pois pode ser a manifestação clínica inicial de um quadro de sarcoidose multissistêmica. Aproximadamente 70 casos de sarcoidose da mucosa oral estão descritos na literatura atualmente1.

A hipótese clínica inicial de sarcoidose cutânea necessita de confirmação por anatomopatológico, após exclusão de outras causas. No exame histopatológico, deve-se investigar diagnósticos diferenciais como doenças infecciosas, granulomas de corpo estranho, neoplasias, imunodeficiências, erupções medicamentosas e outros processos granulomatosos3.

Em razão do polimorfismo de lesões da sarcoidose, o seu diagnóstico deve ser baseado em critérios clínicos, radiográficos, laboratoriais, epidemiológicos e histopatológicos. O reconhecimento das lesões de pele é importante para o diagnóstico, constituindo fontes facilmente acessíveis para exame anatomopatológico3.

Em geral, para os pacientes que demandam tratamento sistêmico, a corticoterapia é a opção de primeira escolha. Na maioria dos casos, atingindo controle satisfatório da doença, porém exigindo tratamento de manutenção de longo prazo. Ainda assim, episódios de recidiva não são infrequentes. Para aqueles pacientes que apresentam resposta desfavorável com o uso de corticosteroides, a alternativa seria o uso de antimaláricos ou imunossupressores5.

Apresentamos um caso de sarcoidose com acometimento cutâneo e mucoso, com início durante a gestação, tratado com corticoterapia sistêmica.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 31 anos, sexo feminino, sem comorbidades, com relato há 2 anos durante gestação prévia de placa eritematosa nas laterais dos lábios com crescimento progressivo. Referia seguimento com diagnóstico de rosácea, melhora parcial das lesões em uso de corticoterapia sistêmica e imidazólico tópico e ansiedade como fator precipitante das lesões, sorologias não reagentes e sem outras alterações laboratoriais dignas de nota.

Ao exame, apresentava placa eritematosa infiltrada associada ao edema local, se estendendo de metade do lábio inferior à esquerda até a região malar ipsilateral (Figura 1A). Associada à placa enantematosa infiltrada e com áreas de erosão em gengiva inferior (Figura 1B).

 


Figura 1. A. Placa eritematosa infiltrada e edema na metade do lábio inferior à esquerda até a região malar ipsilateral; B. Placa enantematosa infiltrada e com áreas de erosão em gengiva inferior.

 

Aventadas as hipóteses de sarcoidose cutânea, rosácea e granuloma facial, foi realizada biópsia incisional e exame histopatológico de pele da região infralabial à esquerda, que corroborou a hipótese de sarcoidose cutânea, apresentando dermatite granulomatosa mista, com reação gigantocelular, plasmócitos frequentes, edema e vasos ectasiados (Figura 2A), além de corpúsculos de Schaumann em células gigantes tipo Langhans (Figura 2B).

 


Figura 2. A. Exame histopatológico de região infralabial à esquerda com dermatite granulomatosa mista com reação gigantocelular, plasmócitos frequentes, edema e vasos ectasiados (aumento 10x); B. Corpúsculos de Schaumann no interior de células gigantes tipo Langhans (aumento 40x).

 

Paciente retornou para seguimento, em uso irregular de corticoterapia oral e com piora do quadro cutâneo, apresentando progressão das lesões cutânea e mucosa.

Devido ao quadro exuberante e a raridade da ocorrência de sarcoidose em mucosa oral, foi realizada biópsia incisional e exame histopatológico da mucosa gengival inferior, demonstrando mucosite crônica focalmente granulomatosa com corpúsculos de Schaumann dentro de gigantócitos, infiltrado linfoplasmocitário intersticial, focos de ectasia vascular e pronunciada hiperplasia reativa do epitélio escamoso, confirmando o quadro de sarcoidose em mucosa oral (Figura 3).

 


Figura 3. A e B. Exame histopatológico de mucosa gengival inferior com corpúsculos de Schaumann dentro de gigantócitos (aumento 40x).

 

Devido à possibilidade do acometimento de mucosa oral ser manifestação inicial de sarcoidose sistêmica, foram realizados exames complementares que excluíram a hipótese.

Paciente retornou após 10 meses, sem corticoterapia oral há 8 meses e gestante há aproximadamente 6 semanas, queixando-se de piora importante.

Ao exame físico apresentava progressão acentuada da lesão cutânea com eritema, infiltração e edema local importantes, se estendendo de metade do lábio inferior à esquerda até a região zigomática e infrapalpebral ipsilateral (Figura 4). Apresentava também piora da placa enantematosa infiltrada em gengiva inferior, com perda do 1º incisivo inferior direito (Figura 5).

 


Figura 4. A. Visão anterior da placa eritematosa infiltrada e edema na metade do lábio inferior à esquerda até a região zigomática e infrapalpebral ipsilateral; B. Visão lateral da placa eritematosa infiltrada e edema na metade do lábio inferior à esquerda até a região zigomática e infrapalpebral ipsilateral.

 

 


Figura 5. Placa enantematosa infiltrada e com áreas de erosão em gengiva inferior, evidenciando perda do 1º incisivo inferior direito.

 

Foi solicitada avaliação do obstetra assistente para retorno de corticoterapia sistêmica, com contraindicação da mesma. Atualmente a paciente mantém seguimento em uso de corticoterapia tópica, com manutenção do quadro.

 

DISCUSSÃO

A sarcoidose é uma doença inflamatória multissistêmica, de etiologia indefinida, cuja característica é o acúmulo de fagócitos mononucleares com a formação de granulomas não caseosos. Vários órgãos podem ser afetados, causando amplo espectro de manifestações clínicas. O envolvimento cutâneo é comum, ocorre em 20±25% dos casos e mais comumente no início da doença6. Já o envolvimento oral é relativamente raro e, nestes casos, a mandíbula é o local mais afetado, se apresentando na forma de perda óssea alveolar severa e dentes soltos7.

A sarcoidose cutânea pode representar um desafio diagnóstico, devido ao polimorfismo de lesões, sendo muitas vezes subdiagnosticada8. A lesão cutânea mais comum é o eritema nodoso, que indica melhor prognóstico. Porém, máculas, pápulas, placas, nódulos, eritrodermia, alopecia, lúpus pérnio e infiltrações em tatuagens ou cicatrizes podem também ser manifestações cutâneas da sarcoidose9.

No presente caso, a paciente apresentava uma lesão em placa eritematosa infiltrada no lábio inferior à esquerda até a região malar ipsilateral, associada a áreas de erosão em gengiva inferior e evoluiu com perda alveolar, havendo confirmação histopatológica em biópsias cutânea e de mucosa oral. No caso exposto, a paciente relatou início do quadro durante gestação prévia, com piora clínica no curso da segunda gestação. Cozier et al. (2012)10 avaliaram publicações prévias que descreviam os efeitos da gravidez no curso da sarcoidose, tendo observado que a maior parte dos pacientes não notou nenhuma mudança clínica na gravidade da doença ou experimentou uma melhora dos sintomas, com uma minoria de pacientes passando por piora ou progressão da doença durante o período pré-natal, como no caso exposto. Köcher et al. (2020)11 demonstrou risco elevado para pré-eclâmpsia/eclâmpsia, parto cesáreo, nascimento pré-termo e malformações congênitas em gestantes com sarcoidose. Em números absolutos, são alterações incomuns e a maioria das pacientes tiveram gestações sem complicações, porém o conhecimento dessas condições pode prevenir possíveis complicações nas pacientes e em seus recém-nascidos.

Vale ressaltar que o tratamento sistêmico da sarcoidose cutânea nem sempre é necessário. Os corticosteroides intralesionais e tópicos de alta potência podem ser efetivos na sarcoidose cutânea pura12. Quando há doença de pele desfigurante, sintomática, ulcerativa ou agravante, pode-se instituir prednisona oral, hidroxicloroquina e metotrexato13. Utilizou-se neste caso corticoterapia sistêmica, porém a paciente fez uso irregular e evoluiu com progressão do quadro. Durante a gestação atual foi suspensa a corticoterapia oral e a paciente mantém seguimento, com planos para introdução de medicação imussupressora.

 

CONCLUSÃO

Casos de sarcoidose com comprometimento da cavidade oral são raros, porém podem apresentar evolução clínica desfavorável, ou ainda representar o primeiro ou único sinal de sarcoidose em um paciente saudável. Portanto, é importante auxiliarmos no reconhecimento, diagnóstico e tratamento adequados desta doença, com acompanhamento periódico dos pacientes para seguimento e controle de progressão da doença.

 

COPYRIGHT

Copyright © 2021 Barroso et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

REFERÊNCIAS

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