RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31414 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2021e31414

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Relato de Caso

Abscesso gástrico após biópsia endoscópica: relato de caso e revisão da literatura

Gastric abscess after endoscopic biopsy: case report and literature review

Luíza Soares Moreira1; Liano Sia Moreira2

1. UNIFENAS, Campus de Belo Horizonte, Minas Gerais
2. Endoscopia Digestiva, Hospital SOCOR, departamento de Endoscopia Digestiva, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Luíza Soares Moreira
E-mail: luizasoaresmoreira@gmail.com

Recebido em: 05/07/2021
Aprovado em: 21/08/2021
Data de Publicação: 22/11/2021

Conflito de Interesse: Não há

Editor Associado Responsável: Agnaldo Soares Lima

Resumo

Paciente apresenta dispepsia, vômitos e dor epigástrica uma semana após EDA com biópsia. Exames revelaram elevação de marcadores inflamatórios e tomografia contrastada do abdome, um espessamento parietal circunferencial do corpo gástrico e da região antropilórica. Nova EDA mostrou lesão na grande curvatura do antro, no local onde foi realizada a biópsia endoscópica, com drenagem de secreção purulenta e enantema, condizente com diagnóstico de abscesso gástrico. Realizados antibioticoterapia e drenagem endoscópica com sinais clínicos de melhora. Terceira EDA evidenciou resolução da lesão. Paciente recebeu alta hospitalar em uso de amoxicilina e clavulanato por 10 dias.O abscesso gástrico é uma rara infecção da submucosa e da muscular própria e sua patogênese envolve foco de injúria à mucosa gástrica por trauma penetrante, disseminação de infecções contíguas, fontes de infecção ou casos idiopáticos. Desconforto epigástrico é o sintoma predominante, associado ou não a náusea, vômitos, febre e calafrios. Alterações laboratoriais incluem leucocitose com desvio à esquerda e elevação de marcadores inflamatórios. A propedêutica é realizada por meio de EDA, TC de abdome e ecoendoscopia. A cultura da drenagem purulenta é útil no diagnóstico e no tratamento, sendo o Streptococcus o patógeno mais comum. Antibioticoterapia, associada à drenagem percutânea ou endoscópica é o pilar do tratamento. Cirurgia está reservada para dúvidas diagnóstica, falha de tratamentos menos invasivos ou peritonite.Devido à raridade dos abscessos gástricos e à ausência de marcadores específicos, o diagnóstico requer um alto grau de suspeição e deve ser confirmado por exames endoscópicos e de imagem. É importante também, incluir essa condição nos diagnósticos diferenciais dos tumores intramurais gástricos.

Palavras-chave: Abscesso; Gástrico; Endoscópico.

 

INTRODUÇÃO

O abscesso gástrico intramural é uma forma de gastrite supurativa rara e potencialmente fatal. A patogênese envolve uma invasão bacteriana direta da mucosa gástrica ou disseminação hematogênica e / ou linfática a partir de outro sítio de infecção.1 Os achados clínico-laboratoriais são inespecíficos, o que acarreta dificuldade e atraso diagnóstico.

Descrição do Caso

Mulher, 56 anos, compareceu ao pronto atendimento médico com queixa de náusea, vômitos e plenitude epigástrica. Havia sido submetida à endoscopia digestiva alta (EDA) há uma semana para investigação de sintomas dispépticos (figura 2A).

 


Figura 1. Tomografia computadorizada de abdome com espessamento parietal circunferencial no corpo gástrico distal e da região antropilórica, de aspecto hipodenso e densificação dos planos adiposos no sulco duodenopancreático. Referência: Serviço de Radiologia do Hospital SOCOR.

 

 


Figura 2. Endoscopia Digestiva Alta. A) antro em EDA inicial realizada por sintomas dispépticos. B) antro na segunda EDA com drenagem de secreção purulenta. C) antro em EDA de controle, com resolução do abscesso. Referência: Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital SOCOR.

 

À investigação, exames laboratoriais sugeriram inflamação e a tomografia computadorizada (TC) do abdome evidenciou importante espessamento parietal circunferencial do corpo gástrico distal (figura 1).

Uma nova EDA revelou um abaulamento macio, com cerca de 20mm de diâmetro, na grande curvatura do antro pré-pilórico, local onde foi realizada a biópsia endoscópica, recoberto por enantema e com orifício central apresentando drenagem de secreção purulenta à manipulação (figura 2B).

Os achados foram consistentes com o diagnóstico de abscesso gástrico e o tratamento foi realizado através de drenagem endoscópica interna, associada à antibioticoterapia endovenosa com Amoxicilina com Clavulanato. Após 48 horas, a paciente evoluiu com sinais clínicos e endoscópicos de melhora (figura 2C). Recebeu alta hospitalar para conclusão da antibioticoterapia em regime ambulatorial, desde então sem intercorrências ou complicações.

Acredita-se que a injúria mucosa provocada pela biópsia endoscópica aleatória realizada na primeira EDA tenha sido o fator predisponente para o surgimento deste abscesso gástrico.

 

DISCUSSÃO

O abscesso gástrico é uma rara infecção da submucosa e da muscularis própria a ser considerada no diagnóstico diferencial das lesões intramurais do estômago.

Acredita-se que a patogênese envolva um foco de injúria à mucosa gástrica por um trauma penetrante, dentre eles a biópsia endoscópica.1 Casos semelhantes foram descritos após polipectomia,2 dissecção endoscópica de submucosa,2 punção transgástrica3 e ingestão acidental de corpo estranho.3

Usualmente, a apresentação clínica é inespecífica e o desconforto epigástrico é o sintoma predominante. Alterações laboratoriais revelam sinais inflamatórios, mas a propedêutica específica é realizada através da EDA, da TC de abdome e, mais recentemente, da Ecoendoscopia (EUS).

Atualmente, a antibioticoterapia associada às drenagens percutânea e / ou endoscópica é o pilar do tratamento, sendo a cirurgia um tratamento de exceção.

 

CONCLUSÃO

Abscessos na parede gástrica são raros e o diagnóstico requer um alto grau de suspeição. Devem ser incluídos entre os diagnósticos diferenciais dos tumores intramurais gástricos para que tenhamos um diagnóstico assertivo e um tratamento precoce e adequado para esta condição potencialmente grave.

 

COPYRIGHT

Copyright © 2020 Moreira et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

O primeiro nome descrito é do autor principal e correspondente. Os seguintes coautores estão listados em ordem alfabética. As contribuições dos autores estão descritas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo: Conceptualização, Curadoria de dados, Análise formal, Investigação, Metodologia & Redação - revisão e edição: Sia Moreira L; Moreira LS. Administração do projeto, Supervisão & Validação: Sia Moreira L. Visualização & Redação - rascunho original: Moreira LS.

 

REFERÊNCIAS

1. Khan M, Leya J, Dhillon S. An unusual case of recurrent gastric abscess. Gastroenterol Hepatol (NY). 2008 Sep; 4(9): 641-643.

2. Dohi O, Dohi M, Inoue K, Gen Y, Jo M, Tokita K. Endoscopic transgastric drainage of a gastric wall abscess after endoscopic submucosal dissection. World Journal of Gastroenterology. 2014 Jan; 20(4): 1119-1122.

3. Chen Y, Han Y, & Du J. Diagnostic challenges in differentiating intramural gastric abscess from gastric cancer. Medicine Baltimore. 2018 Oct; 97(43): e12756.