RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.v31supl.10.03

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Artigo Original

Incidência e Fatores Associados à Extubação Não Planejada em uma Unidade Crítica Pediátrica

Jaqueline Albert1; Alexandre Rodrigues Ferreira2; Guilherme Domingues Ferreira3; Adrianne Mary Leão Sette e Oliveira4; Fabiana Maria Kakehasi5

1. (jakialbert@hotmail.com) Mestrado em Saúde da Criança e Adolescente. Fisioterapeuta da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8091-8791
2. (feralex1403@gmail.com), Hospital das Clínicas, Professor Associado do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG. Belo Horizonte-MG, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6749-8980
3. (guilherme.domingues.f@gmail.com) Aluno de Iniciação Científica. Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2508-5747
4. (dannelsette@gmail.com), Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2133-6067
5. (fmkakehasi@gmail.com), Professora Associada do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas. Belo Horizonte, MG, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-2685-9107

Endereço para correspondência

Alexandre Rodrigues Ferreira
Avenida Alfredo Balena 110, Bairro Santa Efigênia
CEP 30.130.100. Belo Horizonte - MG
Fone 55(31)3409-9379
E-mail: feralex1403@gmail.com

Fonte Financiadora: Não houve fonte financiadora

Conflitos de interesse: nada a declarar

Instituição: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Resumo

Objetivo: Avaliar a incidência e fatores associados a extubação não planejada (ENP) em Unidade Intensiva de Pediatria de um Hospital Universitário de nível terciário. Metodologia: Estudo de coorte no período de julho de 2016 a junho de 2018. Pacientes que apresentaram ENP (autoextubação ou acidental) foram comparados a grupo com extubação planejada quanto as características demográficas, clínicas e ventilatórias. A incidência de ENP foi calculada e o modelo de regressão logística ajustado foi realizado para determinar os fatores de risco para o evento e os desfechos foram comparados entre aqueles com extubação planejada e não planejada. Resultados: Um total de 308 pacientes foram incluídos na análise. Vinte (6,4%) pacientes experimentaram ENP, a taxa de incidência foi de 1,59/100 dias de intubação. Pacientes intubados para procedimentos de pequena complexidade apresentaram mais chances para a ocorrência da extubação não programada (p<0,0001), com Odds Ratio 61; IC95%, 15,5-239,8. Não houve diferença significativa entre os grupos extubação não planejada e planejada em termos de tempo de ventilação mecânica, tempo de internação na unidade de terapia intensiva pediátrica e mortalidade. Conclussão: A incidência de ENP na unidade pediátrica apresentou valor ligeiramente superior do que é recomendado atualmente na literatura e intubação após procedimentos de pequena complexidade foi fator de risco para a ocorrência da extubação não programada.

Palavras-chave: Extubação. Fatores de risco. Pediatria. Unidade de terapia intensiva.

 

INTRODUÇÃO

A intubação endotraqueal e a ventilação pulmonar mecânica (VPM) são procedimentos rotineiros nas unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP). Atualmente, a manutenção do paciente com via aérea avançada é prática segura, porém é método passível de complicações, dentre as quais, a extubação não planejada (ENP) é uma das mais descrita1,2.

A ENP é evento adverso descrito como o deslocamento ou remoção do tubo endotraqueal (TET) em momento diferente daquele escolhido para extubação planejada (EP). Está associada com o aumento da morbimortalidade, além das complicações da intubação quando a reintubação é necessária, prolongando o tempo de ventilação mecânica (VM) e, consequentemente, de estadia na unidade de terapia intensiva (UTI)3,4,5, podendo ainda levar a um comprometimento hemodinâmico e até ao óbito6,7.

A ENP pode ocorrer como autoextubação (pela ação do próprio paciente) ou acidental (quando ocorre durante o cuidado prestado pela equipe de saúde ao paciente)8,9. Nos últimos anos a ENP tornou-se indicador de excelência na qualidade do atendimento e segurança do paciente crítico, sobretudo nas unidades pediátricas. O seu monitoramento deve ser continuo e adequado, uma vez que está intimamente ligado a qualidade assistencial prestada pela equipe multidisciplinar, considerado ainda que a ENP é evento adverso potencialmente evitável10.

Diretrizes e recomendações com o intuito de reduzir esses eventos foram recentemente publicadas3,9, incluindo fatores de risco e estratégias preventivas, porém a taxa de incidência média ainda permanece elevada na população pediátrica (1,19 / 100 dias de intubação), sendo que a taxa alvo preconizado na literatura é de menos de um evento por 100 dias de intubação11.

Dessa maneira, o presente estudo tem como objetivo avaliar, em UTIP de referência de um Hospital Universitário de nível terciário, a incidência de ENP ara cada 100 paciente/dia e identificar os fatores associados para este evento.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo de coorte realizado no período de julho de 2016 até junho de 2018, na UTIP de Hospital Universitário de nível terciário, referência no tratamento de patologias de média e alta complexidade. A UTIP possui 10 leitos e admite pacientes com idade entre 1 mês a 18 anos de vida incompletos, com média de 400 internações por ano. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CAAE 66452617.8.0000.5149 - parecer no 2.093.157).

Foram incluídos no estudo todos os pacientes admitidos na unidade, no período acima referenciado, que fizeram uso de uma via aérea artificial (tubo nasotraqueal ou orotraqueal). Foram excluídos do estudo pacientes pediátricos em que a via aérea artificial fosse a traqueostomia.

Após o paciente ser admitido com TET ou após a intubação ter sido realizada na unidade, o tubo traqueal era posicionado e fixado com método padronizada na unidade: fixado á face com uma fita adesiva em forma de "H" com os dois braços do H colocado sobre o lábio superior e os outros dois braços enrolados em espiral ao redor do tubo; em crianças maiores, era ainda reforçado a fixação com uso de cadarço) e conferida a pressão do cuff do balonete endotraqueal quando presente. Em seguida era realizada avaliação radiológica de tórax para verificar seu posicionamento, posteriormente dava-se início ao seguimento prospectivo para avaliação da ocorrência do evento da ENP (Figura 1).

 


Figura 1 - Avaliação radiológica do posicionamento do tubo endotraqueal

 

Os pacientes foram acompanhados prospectivamente durante toda a permanência da assistência ventilatória com o tubo traqueal até a ocorrência do evento da extubação não planejada ou até desfecho final da extubação planejada, independente do número de vezes que precisaram de reintubação. Não ocorreu mais de um episódio de extubação acidental em um mesmo paciente.

Definimos ENP como um evento não programado, na qual o tubo endotraqueal foi desalojado da traqueia, observado diretamente quando ocorreu perda repentina de sons respiratórios bilaterais, queda da oxigenação, vocalização ou por meio de radiografia. A ENP foi classificada em autoextubação (AE) quando a remoção do TET foi realizada pela ação do próprio paciente e extubação acidental (EA) quando a remoção do TET foi realizada durante o cuidado prestado pela equipe multidisciplinar responsavel pelo paciente.

A extubação não planejadas e as principais causas associadas a este evento foram analisadas por meio de avaliação dos relatos clínicos da equipe, através de entrevistas e registro nos prontuários, fichas de avaliação ventilatória e formulário referente a ENP feitas pela equipe de fisioterapia.

Foram incluídas as seguintes variáveis demográficas e clínicas para acompanhamento das extubações planejadas e não planejadas: idade a admissão (em meses), gênero, peso à admissão, Risco Pediátrico de Mortalidade (PIM II), tempo de internação na unidade intensiva (dias), classificação da admissão (clínico ou cirúrgico), motivo da admissão na UTIP os pacientes foram divididos em: respiratório, cardiovascular, neurológico, hepático, renal, oncohematológico, pós PCR e cirurgias (pediatria geral, neurológico, cardiovascular, ortopédica). Além disso, foram analisados via da intubação (nasotraqueal ou orotraqueal), tamanho do tubo de acordo com a idade (adequado ou inadequado), posicionamento do TET no momento da admissão ou após intubação, avaliado através da imagem radiológica (adequado, alto ou baixo), presença de balonete endotraqueal, duração total da assistência ventilatória (em horas), causa da necessidade da VM, sendo divididas em: ventilação devido procedimentos cirúrgicos (pós operatório), pós procedimentos de pequena complexidade (como por exemplo: endoscopia, acesso venoso central, cateterismo cardíaco ou qualquer outro procedimento que necessitasse de via aérea artificial); rebaixamento de sensório, instabilidade hemodinâmica, pós PCR ou devido IRPA. Também foram analisados o uso de opiáceos ou benzodiazepínicos durante a assistência ventilatória e a taxa de mortalidade. As variáveis foram definidas por meio dos estudos registrados na literatura. Para o grupo ENP, além das variáveis clinicas e demográficas foram avaliadas as circunstancias no momento do evento, tais como: período do dia que ocorreu o episódio da ENP (matutino, vespertino, noturno ou durante a troca de plantão), escala de sedação (COMFORT-B)12 prévia a extubação, situação do paciente no momento do evento (os pacientes foram divididos em três categorias: (1) pacientes sedados, (2) pacientes que estavam apenas aguardando despertar adequado para evoluir para extubação e, (3) pacientes que estavam em desmame de sedação para evoluir com a extubação); também foram analisados necessidade de reintubação após o evento, motivo da reintubação, diagnostico do que motivou a ENP , presença de restrições físicas no momento do evento, complicações após o evento e dados relacionados a parâmetros ventilatórios.

A densidade de incidência de extubação não planejada foi calculada para cada 100/paciente/dia em ventilação, dividindo o número absoluto de extubações não planejadas ocorridas no mês pelo número total de pacientes-dia ventilados multiplicado por 100. Cada dia de ventilação foi considerado um paciente-dia13.

 

ANÁLISE ESTATÍSTICA

A análise estatística foi realizada por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA). Para caracterizar os grupos foram utilizadas para as variáveis quantitativas média ± desvio padrão (DP) e mediana (1o quartil; 3o quartil) e para as variáveis categóricas frequências absolutas e porcentagens. As variáveis contínuas sem distribuição normal foram expressas através das medianas e quartis (1o quartil e 3o quartil) e comparadas pelo teste não-paramétrico de Mann Whitney U.

A comparação da variável categórica foi analisada através dos testes de Qui-quadrado de Pearson assintótico (quando 20% do valor esperado entre 1 e 5) e teste Qui-quadrado de Pearson exato (quando mais que 20% do valor esperado entre 1 e 5). A probabilidade de significância será considerada significativa quando inferior a 0,05 (p ≤0,05).

O método estatístico para análise multivariada quanto aos fatores associados ao EA foi o de regressão logística. Todas as variáveis com valor de p ≤0,20 na análise univariada foram incluídas na análise multivariada. Na avaliação do modelo logístico, passo a passo, foram retiradas as variáveis com maiores valores de p até restarem no modelo final as variáveis significantes ao nível de 0,05. A medida de efeito do risco utilizada foi a odds ratio (OR), com intervalo de confiança de 95% para as variáveis associadas ao primeiro episódio de EA. A qualidade de ajuste foi avaliada pelo teste de Hosmer & Lemeshow.

 

RESULTADOS

Durante o período avaliado, um total de 953 pacientes foram hospitalizados na UTIP. Destes 308 (32,3%) fizeram uso de VPM por meio de um tubo endotraqueal, sendo que 307 (99%) fizeram uso da intubação pela via orotraqueal (Figura 2). Esses pacientes foram ventilados por um período total de 1.572 dias.

 


Figura 2 - Fluxograma dos pacientes admitidos na UTIP e processo de amostragem
TET: tubo endotraqueal; TQT: traqueostomia; EP: extubação planejada; ENP: extubação não planejada.

 

Houve um total de 288 (93,5%) extubações planejadas e 20 (6,5%) extubações classificadas como não planejada (Figura 1). A densidade de incidência de ENP durante o período de 2 anos foi de 1,59 ENP/100 dias de intubação, sendo o maior índice nos primeiros seis meses do estudo, com 3,01 ENP/100 dias de intubação, seguido por 1,62 ENP/100 dias de intubação no segundo semestre do estudo, 1,17 ENP/100 dias de intubação no terceiro semestre do estudo e o menor índice nos ultimos seis meses do estudo com 0,68 ENP/100 dias de intubação. Como a avaliação da extubação não planejada do serviço em tela é um indicador de qualidade da unidade avaliado semestramente junto a gestão da instituição, a equipe ficou ciente das taxas e a partir daí ocorreu um alerta que gerou atenção e maior cuidado.

Os dados demográficos, clínicos e análise univariada nos grupos de pacientes extubação planejada (EP) e extubação não planejada (ENP) são mostrados na Tabela 1. Os grupos foram semelhantes em gênero, idade, peso, risco pediátrico de mortalidade (PIM II) e casos clínicos e casos cirúrgicos.

 

 

Foi realizada uma distribuição por idade nas duas populações. Com o objetivo de avaliar associação de diferentes faixas etárias quanto a ENP, dividimos em: <1 ano, 1-6 anos e >6 anos. Ao realizar a análise pelo teste Qui-quadrado, foi possível verificar que não houve significância estatística (p=0,18) na ocorrência de ENP conforme a faixa etária.

Quando avaliados os motivos que levaram a VM, os pacientes admitidos pós procedimento de menor complexidade (endoscopia digestiva alta e baixa, implantação de cateter e cateterismo) apresentaram uma maior taxa de ENP quando comparados ao grupo admitido no pós-operatório, com significância estatística (p=0,0001).

Na análise por regressão logística multivariada, pacientes admitidos na UTI após procedimento de menor complexidade apresentaram um maior fator de risco para a ocorrência da ENP com significância estatística, Odds ratio 6,1; Intervalo de Confiança [15,5-239,8], coeficiente de estimativa de 5,89 com p<0,0001.

No grupo de pacientes com ENP, 10 ocorreram por auto extubação (AE) e 10 por extubação acidental (EA). Das extubações acidentais, 3 (30%) foram durante mudanças de decúbito, 2 (20%) durante transporte, 2 (20%) durante realização de procedimentos de menor complexidade, 1 (10%) devido aumento da quantidade de secreção no trato respiratório e 1 (10%) durante procedimento de aspiração endotraqueal.

Em relação às AE, todas estavam relacionadas à agitação do paciente, com significância estatística quando comparado ao grupo EA (p<0,0001). No grupo da EA foi observada diferença com significância estatística quando comparado com o grupo AE quanto as variáveis: pressão inspiratória de pico (PIP) (p=0,014), necessidade de reintubação endotraqueal (p=0,022), e cianose (p=0,028). Veja a tabela 2.

 

 

Complicações após a ENP ocorreram em (60%) eventos, sendo importante destacar que o grupo EA apresentou maior prevalência na ocorrência de reintubação (40%) e de parada cardiorrespiratória (PCR) (30%) quando comparados ao grupo AE (p=0,006) (Tabela 2). Não foi possível análise multivariada entre os grupos AE e EA em decorrência do tamanho amostral.

 

DISCUSSÃO

A extubação não planejada é uma preocupação em diferentes centros de terapia intensiva14,15,16, e vem sendo utilizada como importante marcador de controle de qualidade e melhoria de atendimento em pacientes criticamente doentes14,16. Embora sub-relatadas e pouco estudadas, sobretudo na população pediátrica, as extubações não planejadas acarretam risco significativo de danos ao paciente, podendo leva-lo a morte. Uma avaliação dos fatores de risco baseadas na realidade de cada hospital é crucial para diminuir a incidência de tal evento.

Ao longo de dois anos encontramos uma prevalência de 6,5% de extubações não planejadas em nosso serviço, com uma incidência de 1,59 ENP/100 dias de intubação, equiparável ao encontrado na literatura, que relata taxas que variam de 0,4 até 3,55 ENP/100 dias de intubação11,14. Vale ressaltar que nossa taxa de incidência, está próxima da referência sugerida para a ENP que é inferior a 1 evento por 100 dias intubados11.

Muitos fatores de risco são descritos na literatura como sendo um dos principais determinantes para a ocorrência da ENP3,9, são eles: idade menor de 1 ano, nível inadequado de sedação e analgesia, má fixação do tubo traqueal, ausência de restrições físicas em pacientes de risco, mobilização inadequada durante procedimentos (banho, transporte, mudança de decúbito e exames) e período de 24 horas prévio a extubação programada.

Em nosso estudo, após análise multivariada, verificamos que pacientes admitidos após procedimento de menor complexidade, como endoscopia, implantação de cateteres e cateterismo, apresentaram 61 vezes mais chances de extubação não planejada em relação a outras categorias de pacientes. Uma possível hipótese para explicar tal achado é que nesses procedimentos o tempo de sedação é menor, ocasionando um despertar mais rápido por analgesia e sedação inadequadas e consequente agitação. Por serem pacientes de menor gravidade, pode haver um descuido na monitorização por parte da equipe assistencial, gerando maior risco para ENP, sobretudo no grupo auto extubação. Tais resultados vão de acordo com estudos anteriores14,17, nos quais a agitação ou sedação inadequada estavam associadas ao risco aumentado de extubações não programadas.

Estudos prévios14,18 relatam a idade menor que um ano como um fator preditor para a ocorrência das extubações não planejadas. Em nosso estudo não encontramos diferença com significância estatística entre o grupo ENP/EP no que diz respeito à faixa etária, porém, na análise univariada da classificação da ENP, observamos que pacientes que realizaram auto extubação apresentaram uma mediana de idade menor. Isto enfatiza a necessidade de maior vigilância pela equipe assistencial nestas crianças, devido principalmente a imaturidade do desenvolvimento cognitivo para aceitar e tolerar as vias aéreas artificiais, além da anatomia traqueal curta que contribui para uma maior prevalência do evento.

Embora não estatisticamente significativo, a reintubação ocorreu com maior prevalência nos pacientes que sofreram extubação acidental, achado que vai de encontro ao estudo de Tripathi e colaboradores.14 A perda abrupta do controle das vias aérea e do suporte ventilatório pode resultar em complicações cardiopulmonares e até a morte.19 Em nosso estudo, complicações maiores após ENP ocorreram em 70% dos pacientes que sofreram extubação acidental, sendo superior a relato na literatura que apresentaram taxas de até 28%19, ressaltando a importância de prevenir a ENP.

A prevalência de reintubação nos pacientes que tiveram ENP foi de 35%, inferior à descrita na literatura, na qual a prevalência é de 52% a 61%.3,20,21,22,23 Um dado importante nesse estudo foi que a reintubação não ocorreu em nenhum dos pacientes que apresentaram autoextubação, diferentemente dos pacientes do grupo extubação acidental. Embora sem valor significativo, o tempo de ventilação mecânica, bem como o tempo de internação da UTI, foi menor no grupo AE, o que corrobora com estudos prévios5,11. Este achado pode sugerir que tais pacientes apresentaram atraso para a extubação. A adequada seleção dos pacientes potencialmente elegíveis para a extubação e a retirada da prótese endotraqueal o mais rápido possível é de suma importância nas unidades críticas; com isso, complicações relacionadas a ventilação mecânica são evitadas. Não houve diferenças na mortalidade entre pacientes com ou sem extubação não planejada.

Podemos considerar como limitações para o presente estudo a experiência em uma única UTIP, o que limita o número amostral e pode justificar ausência de associação entre alguns fatores de risco relatados na literatura e a ENP em nossa amostra.

A incidência de ENP em nossa unidade pediátrica apresentou um valor ligeiramente superior ao que é encontrado atualmente na literatura e a intubação após procedimentos de pequena complexidade foi fator de risco para a ocorrência da extubação não programada. Sendo assim, faz-se necessária a implementação de programas de melhorias na qualidade da assistência ao paciente intubado e a realização de educação continuada para a equipe assistencial, com o intuito de reduzir a ocorrência desse evento potencialmente evitável. Há a necessidade de protocolos e avaliações constantes da prontidão de extubação e adequada monitorização de pacientes em processo de retirada do TET (e TOT?), afim de evitar períodos desnecessários de ventilação mecânica e as complicações associadas

 

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