RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31113 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2021e31113

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Artigo Original

Uso de Tecnologia Educacional durante a graduação médica

Use of Educational Technology during medical graduation

Laryssa de Sá Bragança Gonçalves1,2; Ana Luísa Scafura da Fonseca1,2; Bruno Ferraz de Almeida1; Cintya Martins Vieira1,2; Gabriel Vinicius Trindade de Abreu1,2; Jonas Munck de Oliveira1,2; Renato Erothildes Ferreira2,3; José Antonio Chehuen Neto2,4

1. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
2. Núcleo de Cirurgia Experimental, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
3. Pós-graduação em Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
4. Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Laryssa de Sá Bragança Gonçalves
E-mail: laryssa.braganca@medicina.ufjf.br

Recebido em: 19/08/2020
Aprovado em: 09/06/2021
Data de Publicação: 07/12/2021

Conflito de Interesse:Não há

Editor Associado Responsável: Nestor Barbosa de Andrade

Resumo

INTRODUÇÃO: "Tecnologia Educacional" é o conjunto de procedimentos que visa criar um diálogo entre ciência e o processo de ensino-aprendizagem a partir da utilização de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) com acesso à internet e das ferramentas digitais para aprendizagem oferecidos por meio da mesma. O presente estudo tem como objetivo investigar quais equipamentos eletrônicos e que tipos de ferramentas digitais são mais utilizadas pelos estudantes da graduação médica no Brasil.
MÉTODO: Pesquisa transversal, descritiva e quantitativa, com aplicação de questionários pela internet a 1.215 acadêmicos do primeiro ao último período de cursos de medicina das cinco regiões geográficas brasileiras.
RESULTADOS: Do total de entrevistados, 94,6% e 98,9% responderam ter acesso a infocentro na instituição de ensino e dispor de internet na própria residência, respectivamente. Os equipamentos mais utilizados são os computadores/notebooks (97,8%) e os smartphones (98,4%). O uso de tablets foi verificado em apenas 33,1% dos alunos. Ferramentas digitais de aprendizagem são utilizadas por 83,0% (n=1008) dos participantes, destes, 91,2% perceberam melhora em seu conhecimento teórico ou prático ao iniciar o uso, sendo a videoaula a mais utilizada (93,2%).
CONCLUSÕES: O uso das TDICs já está consolidado entre os estudantes de medicina do Brasil e as ferramentas digitais para aprendizagem são utilizadas em larga escala de forma complementar ao ensino médico a fim de otimizar os estudos no dia a dia. A maior parte dos recursos utilizados são gratuitos, apesar de o uso de ferramentas pagas não estar relacionado à renda familiar dos estudantes.

Palavras-chave: Tecnologia, Tecnologia Educacional, Tecnologia da Informação, Educação Médica, Educação de Graduação em Medicina, Aprendizagem.

 

INTRODUÇÃO

Até o fim do século XX, o aprendizado na graduação em medicina era essencialmente centrado no professor como emissor do conhecimento e por meio de aulas presenciais. Entretanto, com os recursos tecnológicos e a internet, novas tendências estão surgindo e afetando o processo com o qual se produz e se obtém o conhecimento atualmente. Nessa perspectiva, cenários de ensino-aprendizagem digitais com suporte online têm se firmado como uma atual forma de ensino, mais prática e interativa, e vêm se popularizando entre os estudantes por ser disponível em tempo integral e por oferecer mais recursos e ferramentas em tempo hábil do que as salas de aula tradicionais1,2,3.

As inovações tecnológicas sempre produziram relevante impacto na medicina, desde a introdução do estetoscópio por René Laënnec em 18154. A tendência de incorporar novas tecnologias ganhou mais espaço com o surgimento da internet, combinada com os dispositivos móveis como smartphones e tablets no cotidiano do profissional moderno5. A tecnologia é progressivamente mais influente na sociedade em geral e há grande necessidade de estudos para avaliar usos no âmbito educacional, trazendo impactos na maneira com a qual se adquire conhecimento e se constrói o aprendizado em medicina6.

É necessário esclarecer conceitos e distinguir o que configura o uso de tecnologia de maneira ativa como suporte educacional para o estudante. A plataforma digital é um software desenvolvido dentro de um sistema operacional, que fornece uma interface entre computador e usuário e é programada com objetivos específicos7. A expressão "tecnologia educacional" é o conjunto de procedimentos que visam criar um diálogo entre ciência e o processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) são compreendidas como um conjunto de equipamentos (como notebooks, smartphones, tablets, etc.) e aplicações tecnológicas que geralmente utilizam a internet e estão aliadas ao propósito da oferta de suporte educacional por meio de softwares específicos8.

Na prática existem diversas plataformas digitais que têm se tornado cada vez mais populares e são desenvolvidas com diferentes objetivos voltados ao aprendizado em medicina, oferecendo recursos interativos, como videoaulas, exercícios e tarefas dinâmicas para memorização como quizzes e flashcards9,10.Existem ainda plataformas que integram alguns desses recursos e os organizam em forma de módulos e/ou cursos. Algumas podem ser acessadas através de um navegador conectado à internet que direciona o usuário ao site onde o software está hospedado ou de aplicativos, que são os mesmos softwares usados com auxílio do navegador, porém desenvolvidos especificamente para o sistema operacional de dispositivos como smartphones, tablets, dentre outros eletrônicos portáteis.

Nosso estudo tem como objetivo investigar quais são os equipamentos eletrônicos e que tipos de recursos interativos das plataformas digitais para fins de aprendizagem são mais utilizados pelos estudantes da graduação médica no Brasil. Além disso, buscamos averiguar a autopercepção do impacto desses conteúdos digitais como incremento da formação, avaliar o grau de satisfação dos estudantes que fazem uso da tecnologia educacional e prospectar o crescimento do uso das plataformas nos próximos anos pelos estudantes de medicina.

 

MÉTODOS

O delineamento do estudo é transversal e descritivo, com características quantitativas. Trata-se de pesquisa aplicada, original, realizada com acadêmicos do primeiro ao último período de vários cursos de medicina no Brasil, divididos por regiões geográficas de abrangência. Os dados foram colhidos entre maio e agosto de 2019.

A amostragem foi realizada em três etapas. O Brasil possui 289 escolas de medicina com um total de 29271 vagas anuais autorizadas11. A primeira etapa foi calcular o número necessário de escolas por região. Uma proporção de 10% das escolas de medicina existentes no país (n=30). A divisão foi estratificada e proporcional para cada região, desta forma: a região Sul representa 13,4% (n=4 escolas), Sudeste 43,3% (n=13 escolas), Centro-oeste 10,0% (n=3 escolas), Norte 10,0% (n=3 escolas) e Nordeste 23,3% (n=7 escolas). A segunda etapa foi o cálculo do tamanho da amostra de alunos necessária que foi estimado por meio do software OpenEpi para estudos de prevalências de diferentes desfechos explorados pelo trabalho. Para o cálculo utilizou-se um poder de 80%, um erro alfa de 5%, com um efeito de tamanho 2, pelo método Fleiss com correção acrescido de 8,7% para possíveis perdas por digitação, totalizando 1215 estudantes a serem distribuídos de maneira homogênea entre os locais selecionados para coleta dos questionários. A amostra foi dividida em estratos proporcionais ao número de cursos por região: Sul (n=219 estudantes), Sudeste (n=491 estudantes), Centro-oeste (n=110 estudantes), Norte (n=106 estudantes) e Nordeste (n=289 estudantes).

O critério de inclusão foi estar matriculado no curso de medicina das faculdades pesquisadas, públicas ou particulares, mediante concordância por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Como critério de exclusão foram considerados os estudantes em situação de trancamento de matrícula do curso de medicina. Os questionários com respostas incompletas não eram aceitos pelo sistema de coleta, portanto, não houve perda amostral.

Para levantamento das informações utilizou-se questionário estruturado, composto por 35 perguntas divididas em quatro partes: Parte 1: identificação/perfil socioeconômico; Parte 2: questionário específico para os alunos que utilizam as plataformas digitais; Parte 3: questionário específico para alunos que não utilizam as plataformas; Parte 4: questionário geral acerca da opinião dos alunos sobre as plataformas digitais. Os questionários foram enviados por e-mail e pelo aplicativo WhatsApp® para os acadêmicos.

Recorreu-se à plataforma online Google Forms®, que exigiu identificação do nome completo e endereço de e-mail do participante, impedindo que uma pessoa respondesse o questionário mais de uma vez. O TCLE foi disponibilizado na plataforma online no imediato momento do acesso e os participantes, ao assinalarem indicando estarem de acordo, puderam acessar e responder as perguntas.

As variáveis foram descritas em frequências absolutas e relativas, e suas diferenças comparadas por meio de média (quando pertinente), mediana, e medidas de variabilidade (desvio padrão ou amplitude). A comparação da correlação entre a variável desfecho (utilizar ferramentas de aprendizagem digitais) para amostras independentes foi realizada através do teste de Qui Quadrado de Pearson (sem correção) ou Fisher quando for pertinente. O nível de significância para os testes foram alfa ≤ 0,05 para um intervalo de confiança de 95%. As análises foram realizadas no STATA 15 (Data Analysis and Statistical Software College Station, Texas, USA).

A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CEP/UFJF) sob parecer 4.013.342 e CAAE 11529119.1.0000.5147. Os critérios de confiabilidade e privacidade foram garantidos aos participantes de acordo com a Resolução N°466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata de pesquisas envolvendo seres humanos.

 

RESULTADOS

O estudo avaliou 1215 estudantes de medicina do 1° ao 12° período de faculdades públicas e privadas, distribuídos nas cinco regiões brasileiras. As idades dos participantes da pesquisa variam entre 16 e 57 anos, com média de 22,2 ± 3,8 anos e mediana de 21 anos. A maioria dos alunos é do sexo feminino (66,2%). Dentre os entrevistados a maioria estuda em instituição pública (60,7%), e 39,3% estuda em instituição privada. Em relação à metodologia de ensino adotada, 39,8% relataram estudar em uma faculdade com metodologia de ensino predominantemente tradicional, 22,1% totalmente tradicional, 21,6% ativa e 16,5% mista. Foi questionada a possibilidade de acesso a computadores na instituição de ensino (infocentro) e disponibilidade de internet na própria residência e a maioria dos graduandos, 94,6% e 98,9% respectivamente, responderam que possuem. Dos acadêmicos, 97,8% têm computador/notebook, 98,4%, smartphone, e somente 33,1% tablet.

Do total de entrevistados, 1008 (83,0%) afirmaram utilizar alguma plataforma digital para estudar e 207 (17,0%) afirmaram não utilizar nenhuma. Em relação ao gênero 82,5% das mulheres e 83,2% dos homens participantes fazem uso das plataformas, não demonstrando predileção por sexo (p=0,75). O uso varia por região, sendo a porcentagem de 81,7% no Sul, 78,2% no Sudeste, 87,3% no Centro-Oeste, 89,6% no Nordeste e 84,9% no Norte (p=0,0007). O uso dessas ferramentas não apresenta variação estatisticamente significativa entre universidades privadas (82,2% dos alunos) e universidades públicas (83,5% dos alunos) (p=0,56).

Os alunos de faculdades com metodologias ativas usam mais plataformas digitais, 86,7%, em comparação com as demais metodologias: tradicional 78,0%, predominantemente tradicional 83,1% e mista 84,5% (p=0,053). A prevalência de utilização das plataformas digitais aumentou durante a graduação, sendo de 81,9% de uso do primeiro ao quarto período, 82,0% do quinto ao oitavo período e 89,8% do nono ao décimo segundo período (p=0,051).

Não foi evidenciada diferença estatisticamente significativa na relação entre uso das plataformas e a renda dos estudantes com 84,2% de uso entre aqueles com renda de até 6 salários mínimos e 81,8% entre os com 6 ou mais salários mínimos (p=0,138). Aos que utilizam pelo menos alguma das plataformas questionamos quais recursos das mesmas usam e o valor pago pelo serviço (Tabela 1).

 

 

Ao utilizar alguma dessas plataformas 76,7% relataram tê-la conhecido através de busca ativa na internet, 73,5% utilizam alguma plataforma pela indicação de amigos e 34,7% por indicação de professores. Foi relatada melhora no rendimento acadêmico por 38,8% dos usuários, 67,9% afirmaram se sentir mais seguros nas atividades práticas da faculdade e 91,2% perceberam alguma melhora em seu conhecimento teórico ou prático; 82,7% disseram que indicam a utilização da plataforma que usam e 57,7% afirmaram que irão continuar usando o recurso depois de formado. Eles foram perguntados há quanto tempo usam e com que frequência (Tabela 2).

 

 

Dos 1215 alunos que estavam matriculados, 207 (17,0%) disseram não utilizar ferramentas digitais para aprendizagem e os motivos pelos quais não utilizam (Tabela 3). Dos alunos que não utilizam, 81,2% conhecem alguém que usa, 60,4% tiveram alguma indicação para usar tais ferramentas, 68,6% não tem vontade de utiliza-las e 4,8% disseram que já usaram, mas não gostaram.

 

 

Todos os 1215 alunos responderam às perguntas da Parte 4 variando suas respostas de discordo totalmente a concordo totalmente quanto à confiabilidade, essencialidade, eficácia e utilização futura dessas ferramentas (Tabela 4).

 

 

DISCUSSÃO

É notória a evolução do acesso à internet no Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2011, 46,5% da população com 10 anos ou mais teve acesso à internet, proporção que aumentou em 2018 para 74,7%12,13. O meio acadêmico seguiu essa tendência, uma vez que em nosso trabalho 98,9% dos estudantes relataram ter acesso à internet banda larga em casa. Essa popularização da internet, bem como das novas tecnologias na rotina do estudante, geram uma transformação no processo de aprendizagem tornando necessário que as bibliotecas universitárias se adaptem às novas necessidades dos alunos14. Nesse cenário, a presença dos chamados infocentros, acessíveis para 94,6% dos estudantes em nossa pesquisa, pode exemplificar a criação de um novo ambiente para construção do conhecimento acadêmico e contribuir para utilização das plataformas digitais de aprendizagem.

Dentre os principais dispositivos para acesso à internet, os smartphones aparecem como os aparelhos mais utilizados pela população geral comparado aos computadores e tablets12. A utilização desses dispositivos foi notável em nossa pesquisa, os smartphones e computadores foram os aparelhos mais utilizados (98,4% e 97,8% respectivamente), os tablets foram utilizados por somente 33,1% dos participantes. Corroborando nosso estudo, uma pesquisa realizada entre acadêmicos de administração demonstrou que 94,2% dos estudantes utilizavam smartphones, que também foi o meio preferido para acesso à internet, enquanto 78,0% usavam computadores portáteis e somente 36,2% utilizavam tablets15. Enquanto os smartphones destacam-se por sua portabilidade e multifuncionalidade, os tablets apresentam empecilhos, como o fato da maioria desses aparelhos não possuir redes de dados móveis (3G, 4G), limitando seu acesso à internet à disponibilidade de rede banda larga sem fio, o que pode explicar sua baixa utilização.

Apesar de o rendimento médio per capita ser um importante indicador para presença de computadores e tablets nos domicílios12, o alto custo dos dispositivos digitais (computadores/notebooks, smartphones e tablets) não se mostrou impeditivo para utilização das plataformas digitais de aprendizagem pelos acadêmicos de medicina. Além disso, a renda apareceu como um fator de baixa relevância estatística na utilização dessas plataformas. Esses achados permitem confirmar a popularização dos dispositivos eletrônicos no meio acadêmico, tornando as plataformas digitais de aprendizagem um meio acessível e democrático para construção e difusão do conhecimento universitário.

No que diz respeito à utilização dos recursos de videoaula, nossa pesquisa demonstrou que 93,2% dos estudantes de medicina fazem uso dessa ferramenta. Na literatura, há divergências em relação a isso. Um estudo transversal observacional com 342 alunos realizado em uma escola médica do Norte do Brasil, em 2019, demonstrou que o recurso de videoaula era menos utilizado (43,6%) pelos alunos16. A vídeoaula é um recurso de fácil acesso que pode ajudar a complementar o ensino de forma paralela à sala de aula. Assim, a utilização dessa ferramenta tecnológica por meio de acesso aos ambientes virtuais de aprendizagem atuam de forma colaborativa para a aprendizagem médica 17, apresentando benefícios tais como repetição do conteúdo assistido e determinação do ritmo de estudo pelo próprio aluno18.

Os jogos educacionais têm se tornado populares entre os estudantes de medicina e se mostrado úteis em promover o engajamento dos alunos, de forma lúdica e mais agradável para a assimilação de conteúdos comparados as aulas tradicionais. Um estudo realizado em uma universidade do Arizona nos Estados Unidos com estudantes de medicina evidenciou que 91,0% dos participantes concordaram que os jogos ajudam a manter o foco e o interesse pelo tema médico abordado19. Outro trabalho avaliou o desempenho dos estudantes que utilizavam flashcards na preparação para o Exame de Licenciamento Médico dos Estados Unidos (USMLE) e concluiu que eles obtiveram melhor desempenho em comparação ao grupo de estudantes que não utilizaram 20. Em uma pesquisa patrocinada pela Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos (ASPS), 98,3% dos estudantes utilizavam o smartphone semanalmente para quaisquer objetivos médicos, incluindo flashcards e jogos educacionais, sendo o uso diário de 89,27%21. Em nosso trabalho, o panorama nacional da utilização dessas estratégias por graduandos de medicina não se encontra consolidado, uma vez que 37,0% dos participantes não utilizam jogos de perguntas e respostas (quizzes) e 50,6% não relatam utilizar cartões de memorização (flashcards). Assim, desconhecemos os motivos pelos quais o uso dessas ferramentas não é tão difundido no cenário brasileiro, sendo necessário mais estudos sobre o assunto.

Do total de participantes em nossa pesquisa, apenas 59,3% dos alunos fazem uso de aplicativos que forneçam conteúdos de forma didática e lúdica, através de esquemas, fluxogramas e tabelas. Comparando com trabalhos internacionais, entre os estudantes de medicina da Universidade de Alberta no Canadá em 2011, 77,0% fazia uso de pelo menos um aplicativo médico regularmente, sendo que 50,0% o fazia diariamente22. Em outros estudos com acadêmicos de medicina, foi demonstrado que 89,1%23 e 87,5%24 dos estudantes tinham aplicativos médicos instalados no próprio smartphone. Desses estudantes, 66,0%23 e 90,0%24 os utilizavam pelo menos uma vez por semana, sendo 27,0%23 e 50,0%24 diariamente. Ainda, 72,0% dos alunos de medicina de diversas instituições de ensino do Paquistão usam aplicativos médicos rotineiramente25. Portanto, apesar da maioria (59,3%) dos nossos entrevistados usarem aplicativos médicos, o uso é inferior se comparado aos estudantes de medicina de outros países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento. Como nosso estudo é mais recente e considerando que os smartphones e aplicativos médicos foram aprimorados, bem como a difusão do acesso à internet, seria esperado maior semelhança do uso dos aplicativos médicos em comparação à literatura internacional, o que não foi evidenciado.

Os cursos online de aprofundamento teórico são definidos como conteúdos teóricos ofertados por meio de plataforma digitais, às quais os estudantes acessam de forma gratuita ou não pela internet, com propósitos variados, desde o reforço escolar durante a graduação até a preparação para concursos. Segundo a Demografia Médica Brasileira de 2018, do total de 451777 profissionais em atividade no Brasil, 62,5% possuem um ou mais títulos de especialista e 80,2% dos recém-formados pretendem prestar provas de residência médica11. Porém, existe um descompasso entre o número crescente de médicos formados nos últimos 5 anos e a oferta de vagas de residência de acesso direto26. Com o aumento da concorrência e a escassez de vagas para residência médica, levanta-se a hipótese do uso das ferramentas digitais como um recurso para otimizar os estudos durante os últimos anos da graduação, uma vez que 54,5% do total de entrevistados declarou fazer uso de cursos online de aprofundamento teórico e constatou-se maior prevalência entre alunos do internato, que constituem 89,8% deste grupo.

Além disso, também existem os cursos voltados à melhoria de performance em habilidades práticas - como suporte avançado de vida, intubação orotraqueal, suturas e demais procedimentos - que podem ser ofertados à distância como cursos de exposição de técnicas específicas em alternativa à modalidade presencial. Essas ferramentas são utilizadas por 39,7% dos entrevistados. Um estudo realizado em três diferentes unidades do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, constatou que o conhecimento médico sobre intubação orotraqueal em terapia intensiva não era satisfatório, mesmo entre profissionais ditos qualificados para tal procedimento27, o que demonstra a necessidade constante de atualização do profissional médico. Ainda nesse contexto, constatamos em nosso estudo que 57,7% dos estudantes afirmaram possuir a intenção de continuar utilizando alguma ferramenta digital mesmo depois de formados, criando uma perspectiva do uso prolongado desse tipo de tecnologia como forma de educação médica continuada.

O amplo acesso à internet pelo estudante28,29, o emprego das novas ferramentas digitais de aprendizagem30,31, bem como os resultados encontrados permitem concluir que as ferramentas digitais são bem difundidas entre os estudantes de medicina entrevistados, uma vez que a maioria os utiliza e mais de 80,0% dos que não utilizam conhecem alguém que usa. Além disso, uma pesquisa revelou que os graduandos consideraram que a variedade, rapidez e facilidade para encontrar os conteúdos desejados na internet têm otimizado seus estudos32. Essa praticidade é demonstrada em nosso estudo pela alta frequência de busca por esses recursos, visto que mais de 70,0% dos alunos os acessaram no mínimo uma vez por semana.

 

CONCLUSÕES

O uso das tecnologias digitais de informação e comunicação já está consolidado no Brasil, sendo o smartphone e o computador os principais equipamentos eletrônicos utilizados pelos estudantes de medicina, o tablet assume um papel secundário. No Brasil, as plataformas digitais para aprendizagem são utilizadas em larga escala, sendo as principais ferramentas as videoaulas e aplicativos com conteúdo médico. A maior parte dos recursos utilizados são gratuitos, apesar de o uso de ferramentas pagas não estar relacionado à renda familiar dos estudantes. Os usuários têm uma percepção positiva acerca do impacto das plataformas digitais em sua formação e encontram-se satisfeitos com os conteúdos ofertados. Eles pretendem continuar a utilizar as ferramentas digitais após a graduação médica, tornando possível inferir que o uso de tais ferramentas pode aumentar significativamente nos próximos anos. No que tange às plataformas digitais interativas de aprendizagem, destaca-se a baixa utilização em comparação ao cenário internacional, sendo necessários mais estudos acerca do tema para elucidar os motivos pelos quais esse panorama é verificado.

 

COPYRIGHT

Copyright © 2021 GONÇALVES et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Laryssa de Sá Bragança Gonçalves, Ana Luísa Scafura da Fonseca, Bruno Ferraz de Almeida, Cintya Martins Vieira, Gabriel Vinicius Trindade de Abreu e Jonas Munck de Oliveira conceberam o projeto, realizaram a pesquisa bibliográfica, coletaram os dados e redigiram o artigo. Renato Erothildes Ferreira colaborou com o desenho do estudo, a análise estatística e a interpretação dos dados. José Antonio Chehuen Neto orientou e revisou o projeto, bem como formatou e revisou o texto.

 

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