RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 31 e-31115 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2021e31115

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Artigo Original

Avaliação do conhecimento em Oftalmologia na Graduação Médica

Evaluation of Ophthalmology knowledge in Medical Graduation

Márcia Benevides Damasceno1; Juliana de Lucena Martins Ferreira1; Laura da Silva Girão Lopes1; Gabriella Eneas Peres Ricca1; Lucas Santos Girão1; Ilana Frota Pontes Canuto1; Paulo Goberlânio de Barros Silva2

1. Faculdade de Medicina Christus, Centro Universitário Christus- Ceará. Brasil
2.Departamento de Odontologia , Universidade Federal do Ceará-UFC- Ceará. Brasil

Endereço para correspondência

Márcia Benevides Damasceno
E-mail: marciabd9@gmail.com

Recebido em: 05/10/2021
Aprovado em: 14/10/2021
Data de Publicação: 28/01/2022

Conflito de Interesse: Não há

Editor Associado Responsável: Fernanda Belga Otoni Porto

Resumo

OBJETIVO: avaliar o nível de conhecimento oftalmológico dos estudantes de medicina sobre achados do fundo de olho e alterações da retinopatia diabética, assim como o interesse destes alunos por um maior aprendizado sobre o assunto.
MATERIAIS E MÉTODOS: A amostra foi constituída por alunos do curso de medicina do Centro Universitário Christus (Unichristus), na cidade de Fortaleza - Ceará - Brasil, durante os meses de novembro e dezembro de 2018. Eles responderam a um questionário composto por 20 questões de múltipla escolha, com quatro itens cada, contendo apenas um único item correto, com assuntos relacionados à fundoscopia e à retinopatia diabética. Foram escolhidos o quinto semestre (s5), por ter finalizado recentemente o módulo de oftalmologia, e o sétimo semestre (s7), para avaliação da retenção de conteúdo após um ano do término da disciplina. O questionário também abordou o interesse dos alunos em obter maior aprendizado sobre o assunto.
RESULTADOS: o questionário foi aplicado em 120 alunos (62 alunos do s5 e 58 alunos do s7). Houve um maior número de acertos no s5, com média de 57,2% de acertos, em relação ao s7, cuja média de acertos foi de 49,9%.
CONCLUSÃO: Diante de uma média de acertos abaixo do desejável, e do interesse da maioria dos alunos em obter maior aprendizado, fica clara a demanda por uma maior inserção da disciplina de oftalmologia na graduação médica, por meio das instituições de ensino, dando a devida relevância ao tema, oferecendo aos seus alunos suporte para um aprendizado concreto e contínuo.

Palavras-chave: Educação Médica; Oftalmologia; Retinopatia Diabética; Oftalmoscopia.

 

INTRODUÇÃO

Mundialmente, temos observado, há algumas décadas, uma redução ou até eliminação do conteúdo de oftalmologia do currículo médico.1 Várias escolas de medicina no Canadá, EUA e Reino Unido não requerem esta disciplina como obrigatória, ou não possuem um currículo padronizado como recomendado pelo International Council of Ophthalmology.2,3

Em decorrência disto, observa-se uma carência de conhecimentos oftalmológicos básicos entre os estudantes de medicina e um baixo nível de confiança e habilidade dos médicos da atenção primária em abordar doenças oftalmológicas comuns e rotineiras, afetando o cuidado básico à saúde ocular. 4 Além disso, muitas doenças sistêmicas são acompanhadas de manifestações oculares em diversas áreas médicas e necessitam de cuidado ou encaminhamento adequados.5

O ensino da oftalmologia, na graduação médica, favorece a compreensão do sistema visual, e a sua interação com os outros sistemas, e enfatiza a importância dos sinais e sintomas oculares relacionados com várias alterações sistêmicas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, colagenoses, hipertensão intracraniana e outras, que podem ser detectadas pela simples avaliação do fundo de olho. Além disso, estudos mostram que as queixas oftalmológicas são motivos frequentes de visitas ao ambulatório do médico generalista (5 a 19%). A fundoscopia é, portanto, uma ferramenta clínica essencial, que permite detectar doenças que ameaçam a visão, ou até a vida, devendo fazer parte do arsenal clínico do médico generalista. 4,6,7.

Portanto, é crucial que os médicos que estão na linha de frente do atendimento médico tenham habilidade, segurança e efetividade para diagnosticar, tratar ou referenciar apropriadamente as doenças oculares. 6,8 Diante disso, o objetivo deste estudo foi avaliar o nível de conhecimento oftalmológico dos estudantes de medicina sobre achados básicos do fundo de olho e alterações da retinopatia diabética (RD), assim como, o interesse destes alunos por um maior aprendizado sobre o assunto.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa seguiu os princípios delineados na Declaração de Helsinque, submetida previamente à Plataforma Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com o número CAAE: 76733417.0.0000.5049. A amostra foi constituída por alunos do curso de medicina do Centro Universitário Christus (Unichristus), na cidade de Fortaleza - Ceará - Brasil.

O estudo foi efetuado no mês de novembro de 2018, com os alunos no quinto semestre (s5), e em dezembro de 2018, com os alunos do sétimo semestre (s7) de medicina da Unichristus. Os estudantes foram convidados a responder um questionário, elaborado por docentes da graduação médica da Unichristus, composto de 20 questões de múltipla escolha, com quatro itens cada, contendo apenas um único item correto, que abordava assuntos sobre fundoscopia e retinopatia diabética (Tabela 1). Este questionário também abordou o interesse dos alunos em obter maior aprendizado sobre o assunto.

 

 

A coleta dos dados foi realizada em sala de aula, tendo sido disponibilizado 20 minutos para responder ao questionário. Após esta etapa, os estudantes realizaram uma avaliação sobre o questionário aplicado. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi disponibilizado antes da coleta dos dados.

Os dados foram tabulados no Microsoft Excel e exportados para o software Statistical Packcage for the Social Siences (SPSS) versão 20.0 para Windows, no qual foram expressas as frequências absoluta e percentual de cada item, comparadas entre semestres, adotando uma confiança de 95%, por meio dos testes exato de Fisher ou qui-quadrado de Pearson. Foi calculada a média e desvio-padrão do percentual de acertos de cada grupo que foram comparados pelo teste de Mann-Whitney (dados não paramétricos). Valores de p<0.05 foram considerados como estatisticamente significativos

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por 120 alunos (62 do quinto semestre e 58 do sétimo semestre). O percentual de acertos médio dos alunos do s5 (57.25±11.86) foi significantemente maior que dos alunos do s7 (49.90±12.60) (p=0.021, teste de Mann-Whitney). O número total de itens corretos nos alunos do s5 (n=710, 57.4%) também foi significantemente superior aos alunos do s7 (n=489, 51.7%) com uma taxa de acertos 1.26 (IC95% = 1.06 - 1.49) vezes superior (p=0.008) (Figura 1)

 


Figura 1. O percentual de acertos médio dos alunos do quinto semestre e do sétimo semestre (p=0.021, teste de Mann-Whitney)

 

Destacaram-se as seguintes questões: questão 1, na qual apenas três alunos (4,8%) do s5 acertaram-na e nenhum do s7 acertou-a; questão 11 também obteve um baixo índice de acertos, com 9,7% no s5 e 4% no s7. Já nas questões 14 e 19, houve um maior número de acertos por parte do s7 em relação ao s5. Na questão 14, 76,9% de acertos no s7, comparado com 53,2% no s5, e, na questão 19, 52,6% no s7 contra 38,7% no s5. Na questão 20, houve a mesma quantidade de acertos absolutos para ambos os semestres, totalizando oito acertos por semestre, entretanto, o s7 apresentou maior acerto proporcional, quantificado em 13,8% contra 12,9% do s5. Nas demais questões, o s5 manteve-se à frente em números absolutos de acertos em relação ao s7 (Tabela 2).

 

 

A tabela 3 apresenta a quantidade média, absoluta e proporcional, de acertos por parte de ambos os semestres.

 

 

No que diz respeito ao interesse dos alunos em ter um conhecimento maior sobre oftalmologia, 88,7% dos alunos do s5 e 86,2% dos alunos do s7 concordaram ou concordaram fortemente que gostariam de aprender mais sobre o assunto.

 

DISCUSSÃO

A maior média de acertos no s5 (57,2%), em relação ao s7 (49,9%), era esperada, em decorrência da disciplina de oftalmologia ser ministrada durante o quinto semestre na faculdade de medicina Unichristus, sendo, portanto, natural que os resultados gerais do s5 sejam superiores aos do s7. No entanto, o número médio de acertos do s7 não foi tão inferior ao do s5, sugerindo que houve uma retenção perceptível do conhecimento sobre oftalmologia nos semestres seguintes, ou que os assuntos foram explorados novamente em outros contextos clínicos. Vale ressaltar que foram escolhidos o s5, por ter finalizado recentemente o módulo de oftalmologia, e o s7, para avaliação da retenção de conteúdo após um ano do término da disciplina. Em estudo realizado no Brasil, na Universidade Federal do Piauí, sobre conhecimentos oftalmológicos dos alunos que cursaram a disciplina, houve uma média de acertos de 72,22%, valor este superior ao encontrado no presente estudo, porém não foi avaliada a retenção de conhecimento em semestres seguintes. Apesar do bom índice de acertos no referido estudo, 99,1% dos estudantes consideraram-se inseguros em atender pacientes com doenças oftalmológicas.9

Ao serem questionados sobre o interesse em ter mais conhecimento sobre oftalmologia, a grande maioria dos estudantes do quinto e do sétimo semestres (88,7% e 86,2%, respectivamente) concordou que gostaria de obter mais conhecimento sobre o assunto. Outro estudo publicado, em 2016, também demonstrou interesse dos estudantes (74,1%) em obter mais informação e ter mais exposição à disciplina de oftalmologia na graduação médica.6 Corroborando com o resultado deste estudo, Howie e colaboradores10 mostraram que 92% dos médicos recém-graduados, em Universidades da Austrália, consideraram importante o conhecimento em oftalmologia para sua prática médica, porém não consideraram suficiente o treinamento recebido durante a graduação, e afirmaram que gostariam de ter mais oportunidades de aprendizado.10

Dentre as limitações do presente estudo, destaca-se o fato da avaliação ter sido realizada em uma única faculdade de medicina, limitando a sua abrangência, porém com um número considerável de participantes (n=120). Ficou evidente o resultado pouco satisfatório e abaixo da média exigida pela faculdade de medicina Unichristus (que seria de 70%), no que tange ao conhecimento em fundoscopia e retinopatia diabética, mas mantendo uma retenção deste aprendizado, após um ano de disciplina ministrada, conferindo talvez uma abordagem continuada do assunto, mesmo considerada insuficiente pelos alunos.

 

CONCLUSÃO

Diante de uma média de acertos abaixo do desejável, fica clara a necessidade dos estudantes por um ensino ampliado em oftalmologia e a demanda por uma maior inserção da disciplina na graduação médica, por meio das instituições de ensino.

Dando-se a devida relevância ao tema, poderá ser ofertado aos alunos suporte para um aprendizado concreto e contínuo, permitindo a melhora nos índices de conhecimento e retenção do conteúdo. Essa medida poderá propiciar uma maior segurança, dos estudantes e médicos generalistas, no reconhecimento de doenças oculares ou sistêmicas, contribuindo para a preservação da visão e da vida do paciente.

Os resultados do presente estudo fundamentaram o nosso interesse na elaboração de um dispositivo portátil para aquisição de imagens do fundo de olho, com o objetivo de favorecer o aprendizado teórico-prático dos alunos da disciplina de Oftalmologia sobre a fundoscopia e a retinopatia diabética. Futuramente, teremos estes dados para nova publicação.

 

COPYRIGHT

Copyright © 2021 DAMASCENO et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Conceptualização, Investigação, Metodologia, Administração do Projeto, Visualização, Redação - revisão e edição: Autora Márcia Benevides Damasceno.Visualização, Validação, Redação- revisão e edição: Autora Juliana de Lucena Martins Ferreira Administração do Projeto, Supervisão, Metodologia: Autora Laura da Silva Girão Lopes Investigação, Redação: Autora Gabriella Eneas Peres Ricca; Autor Lucas Santos Girão; Autora Ilana Frota Pontes Canuto Análise formal: Autor Paulo Goberlânio de Barros Silva

 

REFERÊNCIAS

1. Mottow-Lippa L. Ophthalmology in the medical school curriculum: reestablishing our value and effecting change. Ophthalmology.2009;116(7): 1235-1236 e1.

2. Shah M, Knoch D, Waxman, E. The state of ophthalmology medical student education in the United States and Canada, 2012 through 2013. Ophthalmology.2014;121(6):1160-1163.

3. Chan Toby YB, Rai AS, Lee E et al. Needs assessment of ophthalmology education for primary care physicians in training: comparison with the International Council of Ophthalmology recommendations. Clinical Ophthalmolology (Auckland, NZ).2011; 5: 311.

4. Succar T, Mccluskey P, Grigg J. Enhancing medical student education by implementing a competency-based ophthalmology curriculum. The Asia-Pacific Journal of Ophthalmology.2017; 6(1): 59-63.

5. Kara Jose AC, Passos LB, Kara Jose FC, Kara Jose N. Ensino extracurricular em Oftalmologia: grupos de estudos / ligas de alunos de graduação. Rev Bras Educ Med. 2007; 31(2):166-172.

6. LI Bo, Curtis D, Iordanous Y, Proulx A, Sharan S. Evaluation of Canadian undergraduate ophthalmology medical education at Western University. Can J Ophthalmol. 2016;51(5): 373-377.

7. Rached CR, Oliveira TC, Sousa CLMM et al. Avaliação do conhecimento sobre urgências oftalmológicas dos acadêmicos da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Rev Bras Oftalmol. 2012; 71(2):100-105.

8. Baylis O, Murray PI, Dayan M. Undergraduate ophthalmology education-A survey of UK medical schools. Med Teach. 2011; 33(6):468-471.

9. Lopes Filho JB, Leite RA, Leite DA, Castro AR, Andrade LS. Avaliação dos conhecimentos oftalmológicos básicos em estudantes de Medicina da Universidade Federal do Piauí. Rev Bras Oftalmol. 2011; 70(1): 27-31.

10. Howie AR, Abell RG, Darian-Smith E, Allen PL, McCartney PJ, Vote BJ. Ophthalmology education in Australian medical schools: a survey of Australian junior medical officers. Clin Exp Ophthalmol. 2014;42(9):902-904. Tabela 1. Questões e seus respectivos assuntos