ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Implicações da COVID-19 no Sistema Cardiovascular: uma Revisão de Literatura
Implications of COVID-19 on the Cardiovascular System: a Literature Review
Nivin Mazen Said; Alline Peralta Castro; Isabella Mesquita Sfair Silva; Gisele Alves Morikawa Caldeira; Thirza Damasceno Ramos Oliva; Ícaro José Araújo de Souza; Danillo Monteiro Porfírio; Lucas Favacho Pastana; Marilia Brasil Xavier
Universidade Federal do Pará. Rua Augusto Corrêa, 01 - Guamá. Belém - Pará - Brasil. CEP 66075-110
Endereço para correspondênciaNivin Mazen Said
E-mail: nivinmsaid@gmail.com
Recebido em: 26/06/2020
Aprovado em: 10/11/2021
Data de Publicação: 28/01/2022
Conflito de Interesse: Não há
Editor Associado Responsável: Mario Benedito Costa Magalhaes
Resumo
Introdução: O novo coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2), responsável pela Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19), é um vírus capaz de causar pneumonia viral, além de complicações extrapulmonares. Revisou-se conceitos básicos sobre a COVID-19, focando nos seus efeitos sobre o sistema cardiovascular. Métodos: Realizou-se revisão de literatura a partir de buscas nas bases de dados PUBMED, Scielo e LILACS entre Janeiro de 2019 a Maio de 2020, com as palavras chaves: "COVID-19" AND "Cardiovascular" e seus correlatos em português e inglês. Foram excluídos estudos repetidos, relatos de caso, estudos experimentais em animais, cartas ao editor, comentários, estudos não disponíveis em inglês ou português e os que limitavam-se à terapêutica da doença. Selecionaram-se estudos observacionais, estudos descritivos, revisões de literatura e revisões sistemáticas. Resultados: A ligação entre a injúria miocárdica e a infecção pelo novo coronavírus é consequência, em grande parte, da sua relação fisiopatológica com o receptor ECA-2, interação capaz de desequilibrar os sistemas imune e cardiovascular. As complicações mais comuns incluem arritmia, lesão cardíaca, miocardite fulminante, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar e Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD). Ademais, pacientes com condições cardíacas prévias possuem risco aumentado, inclusive para morbimortalidade hospitalar. Conclusão: Conclui-se que a COVID-19 é uma doença com tropismo por vários órgãos, capaz de gerar agressões em diversos sistemas, entre eles, o cardiovascular, cujos danos se devem a mecanismos que afetam tanto a estrutura do miocárdio quanto dos vasos, podendo levar ao óbito. Desta forma, há necessidade de avaliação precoce e monitoramento contínuo dos danos cardíacos.
Palavras-chave: COVID-19. Sistema Cardiovascular. Receptor ECA-2.
INTRODUÇÃO
A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, vírus zoonótico, um vírus de RNA da ordem Nidovirales, da família Coronaviridae, responsável por uma doença recente que ganhou dimensões globais¹. Por sua dimensão mundial e por ainda não apresentar medidas de prevenção e tratamento adequados, essa doença requer estudos direcionados, visando a constante atualização médica acerca da sua capacidade em afetar os diversos sistemas a longo e a curto prazo, bem como a compreensão da fisiopatologia atrelada a esses efeitos². A maior parte da população infectada demonstrou um quadro brando, semelhante a uma Infecção de Vias Aéreas Superiores (IVAS), associado à mialgia, tosse e febre. No entanto, a doença passou a preocupar especialistas quando foi associada com uma dispneia importante e dessaturação dos infectados. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maior preocupação está em um grupo específico, o chamado grupo de risco, formado por pessoas mais velhas e pessoas de todas as idades com condições médicas pré-existentes como diabetes, pressão alta, doenças cardíacas, doenças pulmonares ou câncer, por possuírem maior risco de desenvolver complicações graves com mais frequência do que outras³.
Em vista dos grupos de risco mais afetados e diante das grandes consequências devastadoras ao sistema cardiovascular, o estudo de revisão de literatura em questão objetiva compilar os dados expostos em artigos acerca das consequências da ação viral no sistema cardiovascular e seus respectivos achados clínicos.
MÉTODOS
Para identificar os artigos acerca do assunto, realizou-se a busca nas bases de dados PUBMED, Scielo e LILACS, no período de janeiro de 2019 a maio de 2020, com as seguintes palavras chaves: "COVID-19" and "Cardiovascular". Foram utilizados somente termos em inglês. Para a inclusão dos artigos, foram empregados os seguintes critérios: estudos observacionais, estudos descritivos, revisões de literatura e revisões sistemáticas totalizando 137 artigos do PUBMED, 25 da Scielo e 3 da LILACS. Destes, foram selecionados 27 artigos após a leitura do título. Foram excluídos estudos de relato de caso, pela limitação a um único paciente de um achado que podem não representar uma verdade científica, estudos experimentais em animais, artigos que não estivessem em língua inglesa ou portuguesa, os que se limitavam ao aspecto terapêutico da doença, artigos repetidos, cartas ao editor e comentários. Foram lidos todos os resumos resultantes dos artigos selecionados e foram excluídos 12 artigos cujos enfoques não eram as implicações cardiológicas da COVID-19, restando 15 artigos para a revisão, conforme demonstrado na figura 1.
REVISÃO DE LITERATURA
Histórico de Doença Cardíaca e Comorbidades Preexistentes
Identificou-se que pacientes que apresentavam histórico de hipertensão e doenças cardíacas têm risco de 2 a 4 vezes aumentado de desenvolver doença severa. Além disso, pacientes com COVID-19 com histórico de doença cardíaca ou injúria cardíaca recentemente adquirida tem um risco aumentado para morbidade e mortalidade hospitalar. Outras condições como: diabetes mellitus, tabagismo, doença pulmonar crônica e câncer também cursam com pior prognóstico²,4-6.
Em pacientes com predisposição aumentada de lesões ateroscleróticas, processos inflamatórios remotos, como a pneumonia grave (complicação comum do COVID-19), podem provocar eventos aterotrombóticos e isquemia miocárdica, devido à exacerbação aguda da inflamação crônica latente característica das lesões ateroscleróticas coronarianas. Nessa situação, células inflamatórias nos locais de infecção produzem citocinas que propagam a inflamação local ao entrarem na circulação sistêmica. As citocinas circulantes, além de estimularem os macrófagos dentro das placas ateroscleróticas, recrutam outras células inflamatórias e aumentam o fator tecidual, tornando estas lesões mais trombogênicas7.
Infecções secundárias, distúrbios da homeostase do sódio e da água, hipóxia, hipoperfusão de tecidos e choque ocorridos durante o COVID-19 podem resultar em agravamento de doenças cardiovasculares existentes e desencadear eventos graves, como síndromes coronarianas agudas ou exacerbação da insuficiência cardíaca8.
Doenças Cardíacas e Complicações
Houve um aumento na incidência de lesão aguda do miocárdio em pacientes diagnosticados com coronavírus (manifestada principalmente por níveis elevados de troponina altamente sensível), cuja causa mais provável é a lesão miocárdica não coronária direta via desregulação da ECA-2. Outros mecanismos são: tempestade de citocinas, cálcio intracelular induzido por hipóxia - levando à apoptose do cardiomiócito, toxicidade por injúria viral direta, disfunção microvascular ou ruptura de plaquetas. Observando-se também depleção e desregulação de linfócitos T as quais contribuem com a desregulação e consequente hiperatividade imunológica2,4,9-12.
As complicações mais comuns incluem arritmias (fibrilação atrial, taquiarritmia ventricular e fibrilação ventricular), lesão cardíaca - identificada pelos níveis elevados de troponina I altamente sensível (hs-cTnI) e creatina quinase (CK) - miocardite fulminante, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar e coagulação intravascular disseminada (CIVD)5,6,9-11,13. Dentre os pacientes que tiveram insuficiência cardíaca e disfunção do miocárdio, 52% não sobreviveram11.
Além disso, vários medicamentos utilizados off label no tratamento de COVID-19 como Azitromicina, Hidroxicloroquina, Cloroquina e Lopinavir associado ao Ritonavir foram vinculados ao prolongamento do intervalo QT. Tal fenômeno, particularmente naqueles com fatores de risco subjacentes, tem sido associado a arritmias ventriculares letais, sendo provavelmente por consequência de uma combinação entre miocardite e efeitos colaterais desses medicamentos.10,11
Mecanismos da Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ECA-2)
A entrada viral direta no miocárdio e nos vasos sanguíneos pode elevar o risco de lesão miocárdica, assim como ampliar a resposta inflamatória subsequente. A Proteína Transmembrana Protease Serina tipo 2 (TMPRSS2) e a Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ECA-2) - um homólogo da ECA - facilitam a entrada viral e a co-presença destas nos tecidos, a exemplo do coração, explicando, em grande parte, o tropismo da proliferação viral. O SARS-CoV-2, após a clivagem proteolítica de sua proteína S por uma serina protease, liga-se à ECA-2 para inserir-se em pneumócitos do tipo 2, macrófagos, pericitos perivasculares e cardiomiócitos. Disfunção e dano do miocárdio, disfunção endotelial, disfunção microvascular, instabilidade da placa e infarto do miocárdio (IM), são algumas consequências dessa invasão, mecanismo ilustrado na Figura 3.6,8,10,11,14
O receptor ECA-2 são altamente expressados nos pericitos do coração, os quais possuem um papel fundamental na microcirculação do miocárdio, consequentemente a infecção celular pelo vírus gera um desarranjo no microambiente, causando injúria cardíaca. Pacientes com insuficiência cardíaca exibiram um aumento da expressão de ECA-2, indicativo de alta possibilidade de infarto e progressão para condição severa pós-infecção14. Outros mecanismos, como trombos e microtrombos são causadores de desarranjo na coagulação e no sistema fibrinolítico, levando à injúria do miocárdio11.
A fase inicial da infecção pelo vírus pode ser marcada por evidências de lesão cardíaca com a liberação de troponina, indicativo de mau prognóstico. A liberação desses marcadores e o aumento da resposta imune do indivíduo amplificam ainda mais os danos ao miocárdio, resultando em prognósticos piores nesses casos. A diminuição da expressão do receptor ECA-2, pelo vírus, resultou na ativação exacerbada de Angiotensina II e por redução de mecanismo contrarregulador, aumentou efeitos pró-inflamatórios, pró-trombóticos e pró-oxidantes, resultando em complicações como: hipertensão, inflamação aumentada e trombose10.
Mecanismos Imunológicos
As respostas imunes e inflamatórias iniciais induzem uma severa tempestade de citocinas, como Interleucina (IL) 6, IL-7, IL-22 e IL-17 durante a fase de rápida progressão da COVID-19, quando somado a presença de vasculite e estado pró trombótico, pode induzir lesão miocárdica e insuficiência cardíaca6,10. Ainda por meio da liberação de citocinas inflamatórias e infiltrado de células inflamatórias é possível a ocorrência de apoptose e necrose das células do miocárdio. Essa exacerbação foi confirmada laboratorialmente pela frequente elevação de marcadores inflamatórios como procalcitonina, proteína C reativa e amilóide sérica A em pacientes com COVID-1915.
Constatou-se que pacientes com uma resposta imune exuberante podem manifestar miocardite com insuficiência cardíaca ou choque cardiogênico, acompanhada de hipercetonemia e infiltração celular inflamatória do coração, podendo evoluir com melhorar ou persistir com cardiomiopatia inflamatória10. Pacientes com infiltrados inflamatórios mononucleares intersticiais no tecido cardíaco apresentaram células T CD4 e CD8 hiperativas e concentração aumentada de células Th17 altamente pró-inflamatórias. Além disso, IFN-α possui efeito cardiotóxico direto, facilitando a ocorrência de arritmias, infarto do miocárdio e cardiomiopatia, além de agravar a disfunção miocárdica subjacente8.
Pacientes com predisposição aumentada de lesões ateroscleróticas, processos inflamatórios remotos, como a pneumonite grave, uma complicação comum do COVID-19, podem ter eventos aterotrombóticos e isquemia miocárdica, devido a uma exacerbação aguda da inflamação crônica latente que caracteriza as lesões ateroscleróticas coronárias. Nesses casos, as células inflamatórias nos locais de infecção podem produzir citocinas como IL-1, IL-6 e TNF que propagam a inflamação local, entrando na circulação sistêmica. Essas citocinas circulantes aumentam a produção de outras citocinas por meio do estímulo de macrófagos de dentro da placa, provocando maior na expressão de fator tecidual e tornando as lesões mais trombogênicas. Além disso, podem estimular a expressão de moléculas de adesão de leucócitos às células endoteliais sobrejacentes ao ateroma estabelecido, aumentando ainda mais o recrutamento local dessas células inflamatórias, resultando em maior propensão de rompimento da placa e pode provocar uma síndrome coronariana aguda7.
Mecanismos Vasculares
Um dos fatores que predispõem o paciente a microinfartos, exacerbando ainda mais o estado de lesão e falha do órgão é a presença de microangiopatias e microtrombos devido à entrada e à proliferação do vírus no músculo liso vascular e ao aumento da expressão de PAI-I (inibidor 1 do ativador do plasminogênio), consequentemente, maior expressão de células inflamatórias que contribuem para a propagação de lesões na microcirculação e aceleração da inflamação vascular e de um estado pró trombótico. A presença de vasculite e do estado pró trombótico pode levar ao aumento da tendência de embolia, com piora da hipoxemia, associada à inflamação sistêmica e ao aumento de citocinas inflamatórias, resultando em piora da lesão cardíaca e pior prognóstico, conforme descrito na Figura 210.
Pacientes com curso grave ou fatal da doença foram os mais propensos a apresentar trombose e embolia pulmonar, cujas principais reverberações laboratoriais são trombocitopenia e nível elevado de D-dímero, devido aos processos fibrinolíticos e posterior repercussão na corrente sanguínea. O prolongamento do tempo de protrombina (TP) e coagulação intravascular disseminada pode ser explicado apenas pela resposta inflamatória sistêmica, resultando tanto na ativação maciça de vias de coagulação quanto na inibição da fibrinólise, que pode ser causada pela regulação do gene PAI-1. Além disso, observou-se atividade elevada do fator von Willebrand, deficiências de antitrombina, níveis anormalmente altos de fator VIII e, em menor escala, IgA anti cardiolipina transitória, anti-B2-glicoproteína IgA e presença de anticorpos IgG, comumente associados à Síndrome Antifosfolípide9.
Uma possível causa da lesão cardíaca por déficit de perfusão coronariana é a hipoxemia produzida pela pneumonite, por diminuição do fornecimento de oxigênio ao cardiomiócito. A hipotensão em casos de sepse e da tempestade de citocinas limitam ainda mais o fluxo sanguíneo nas artérias coronárias e reduzem o suprimento de oxigênio, enquanto aumentam a demanda miocárdica por oxigênio, resultando em elevada probabilidade de isquemia miocárdica em pacientes com pouca ou nenhuma aterosclerose arterial coronariana. Ademais, cardiomiopatia por estresse, síndrome coronária aguda e injúria do miocárdio secundária à demanda incompatível no suprimento de oxigênio foram consideradas também como possíveis consequências da hipóxia7,11.
Maior tempo de protrombina (TP), elevação do D-dímero e tempo de tromboplastina parcialmente ativada (TTPa) prolongado são alguns achados relatados em pacientes hospitalizados com casos moderados ou graves de COVID-19 e nos que cursaram com piores desfechos da doença. Esse padrão resulta em trombose intravascular disseminada, com possível associação ao estado de trombose venosa e arterial pela infecção viral11.
Alterações Laboratoriais
Níveis de troponina sérica I (TnI) maiores e menor densidade de tecido adiposo epicárdico, indicando inflamação cardíaca aumentada, foram observados pacientes críticos. Altos níveis séricos de TnI, creatina quinase MB (CK-MB), desidrogenase lática (DHL) e α-hidroxibutirato desidrogenase, marcadores de lesão cardíaca aguda, foram relacionados a taxas de mortalidade maiores. Na avaliação sérica de troponina, a média de dias para o desenvolvimento da injúria cardíaca foram 15 dias a partir dos sintomas iniciais, ocorrendo após o desenvolvimento de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Nesse cenário, o aumento de troponina foi associado com maiores taxas de mortalidade11.
DISCUSSÃO
Apesar de inicialmente ser compreendida como uma pneumonia viral, o novo coronavírus evidenciou efeitos extrapulmonares. Sendo assim, diversos sistemas são afetados, inclusive o sistema cardiovascular. A doença provocada pela infecção do SARS-CoV-2 apresenta uma série de complicações cardíacas e vasculares, demonstrando a extensão dos danos e seus mecanismos, viabilizados pela afinidade viral aos receptores ECA-2 e TMPRSS2 nos tecidos cardíaco e vascular. A ação inflamatória exacerbada, ocasionada pela entrada direta do vírus no cardiomiócito, reduzem a oxigenação tecidual periférica, com aumento na demanda de oxigênio pelo coração, levando a graves repercussões neste sistema. Os riscos de desenvolver complicações ou evoluir a óbito são maiores, consequentemente apresentando uma maior morbimortalidade, em pacientes que apresentem um histórico de doenças prévias, com necessidade de controle contínuo. Ainda assim, em pacientes sem comprometimentos cardiovasculares prévios, o dano inflamatório pela doença é consideravelmente alto, havendo chances de lesões vasculares novas e progressão para danos existentes previamente com evolução fatal.
Em cardiopatas, a COVID-19 pode descompensar a doença de base, provocando disfunções vasculares e riscos de insuficiência cardíaca. Esse grupo apresenta, na maioria dos casos, redução na expressão de receptores na presença da infecção, representando maior risco na ocorrência de infarto e uma evolução na condição prévia do coração. Os estudos analisados, demonstraram enfoque no sistema cardiovascular, bem como suas graves sequelas. No que se refere aos achados, as complicações mais comuns incluem arritmia, lesão cardíaca, miocardite fulminante, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar e coagulação intravascular disseminada (CIVD), conforme ilustrado na Tabela 1. Além disso, pacientes com histórico de doenças cardíacas possuem risco aumentado, inclusive para morbimortalidade hospitalar4-6,16.
Libby et al, 2020 afirma que as lesões cardíacas podem ocorrer pela hipoxemia produzida pela pneumonite, ao gerar déficit de perfusão coronariana, diminuindo o fornecimento de oxigênio do tecido cardíaco, resultando em necrose. Nesse contexto, a presença de receptores de ECA-2 no miocárdio requer destaque, na medida em que diversos estudos consideram a entrada viral direta nesse tecido por meio desses receptores como fator chave para o tropismo neste órgão. Segundo Chen et al, 2020, o receptor ECA-2 é amplamente expresso em pericitos adultos podendo, assim, gerar problemáticas nesse microambiente7,17.
Os problemas gerados pelo desbalanço imunológico, com aumento da atividade inflamatória, principalmente relacionada à tempestade de citocinas e redução na trombólise são exemplos da fisiopatologia das lesões vasculares, insuficiência cardíaca, arritmias e lesões ateroscleróticas, com desbalanço, também, em fatores de coagulação, maior TP e TTPa e aumento nos níveis de troponina e D-dímero, sendo os pacientes mais graves frequentemente acometidos por eventos tromboembólicos. É necessário atentar-se para níveis séricos elevados de troponina, CK-MB, DHL e α-hidroxibutirato desidrogenase com a ocorrência de complicações, pois há relatos da relação entre lesão cardíaca e pior prognóstica com os achados laboratoriais característicos.
Nesse cenário, estudos relatam os problemas gerados pelo desbalanço imunológico, com um aumento na atividade inflamatória, principalmente relacionados ao grande número de citocinas e consequente alterações enzimáticas. Assim, a avaliação precoce e o monitoramento contínuo dos danos cardíacos (cTnI e NT-proBNP) e da coagulação (dímero D) após a hospitalização podem identificar pacientes com lesão cardíaca e prever complicações na COVID-19²,6,8,11,13,15.
CONCLUSÃO
Os resultados evidenciam que a COVID-19 é potencialmente uma doença com tropismo por vários órgãos, capaz de gerar agressões em vários sistemas, entre eles, o cardiovascular, cujos danos se devem a mecanismos que afetam tanto a própria estrutura do miocárdio quanto dos vasos, podendo levar ao óbito. Desta forma, há necessidade de avaliação precoce e o monitoramento contínuo dos danos cardíacos.
As pesquisas sobre COVID-19 ainda são incipientes, apesar dos estudos já realizados acerca da temática, estes ainda são incapazes de contemplar toda a complexidade do problema. O número de publicações crescente da temática fomenta a representação de uma crise de saúde pública de proporções globais, sendo reforçada como tal problemática pelo anúncio oficial para categorizar como pandemia, pela OMS em março de 2020.
Diante das limitações apresentadas, faz-se necessário reforçar estudos para melhor conhecer tanto o agente quanto sua doença característica, sobretudo com novas ferramentas para melhor compreensão e entendimento da magnitude de riscos, consequências e mecanismos da COVID-19 num sistema tão importante quanto o sistema cardiovascular.
COPYRIGHT
Copyright © 2020 SAID et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
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