ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Hérnia Lombar Gigante de Grynfelt: Relato de Caso
Grynfelt's Giant Lumbar Hernia: Case Report
Marcelo Barros Weiss; Camila Pereira Testa; Carla de Mendonça Rêgo; Danielle Costa Nazareth
Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora - SUPREMA
Endereço para correspondênciaDanielle Costa Nazareth
E-mail: danicostann@gmail.com
Recebido em: 24/06/2020
Aprovado em: 26/09/2021
Data de Publicação: 28/01/2022
Conflito de Interesse: Não há
Editor Associado Responsável: Claudemiro Quireze Jr
Resumo
Hérnia lombar é definida como a extrusão de órgãos intra ou extraperitoneais através da descontinuidade da parede abdominal posterolateral. Corresponde a menos de 1% a 2% de todas as hérnias da parede abdominal, sendo poucos os casos descritos na literatura. Quando a hérnia ocorre no triângulo de Grynfelt, ela é definida como hérnia lombar superior. Uma vez que são incomuns na prática médica, podem ser confundidas com lipomas ou mesmo abscessos. Este artigo apresenta o caso de hérnia gigante de Grynfelt em um paciente do sexo masculino, submetido ao atendimento hospitalar inicial devido à dor lombar associada à massa palpável. Descoberto o diagnóstico, foi realizada incisão transversa no ápice da hérnia onde foi identificado o saco herniário e o trígono de Grynfelt. O reparo foi realizado por meio da colocação de uma tela de polipropileno com resultados satisfatórios. Reforça-se a importância do diagnóstico de uma afecção rara e a experiência do cirurgião para uma abordagem adequada.
Palavras-chave: Hérnia Abdominal. Cirurgia Geral. Laparoto
INTRODUÇÃO:
Este artigo apresenta um quadro de hérnia lombar gigante de Grynfelt, a qual corresponde a menos de 1% a 2% de todas as hérnias da parede abdominal. A hérnia lombar é definição como uma falha da fáscia fibromuscular da parede posterior do abdome, resultando na extrusão de órgãos intra ou extraperitoneais1. Quando a hérnia ocorre no triângulo de Grynfelt, ela é definida como hérnia lombar superior. Já quando ocorre no trígono de Petit, ela é definida como inferior2.
Quanto à sua apresentação, o mais esperado é o acometimento unilateral. Já a sua etiologia pode ser dividida em adquirida ou congênita. A hérnia lombar adquirida é classificada em primária ou secundária, quando primária está relacionada principalmente ao aumento da pressão intra-abdominal ao longo dos anos, correspondendo à cerca de 55% de todos os casos3. A outra metade é marcada principalmente pelas hérnias adquiridas secundárias, pós procedimentos cirúrgicos e, em um menor número, a causa congênita. Esta última se manifesta na criança, podendo estar relacionada a distúrbios hereditários3, 4.
A apresentação clínica mais comum da hérnia lombar de Grynfelt adquirida primária é a presença de massa palpável, geralmente redutível, que aumenta de tamanho de acordo com a pressão intra-abdominal, entretanto, podem ser eventualmente confundidas com lipomas ou abscessos3. Os sintomas associados podem ser lombalgia, desconforto abdominal, fadiga, ou até mesmo complicações agudas emergenciais como quadros obstrutivos urinários e intestinais2, 5.
Anamnese, exame físico e de imagem são essenciais para o diagnóstico. No entanto, devido à raridade dessa doença, não há protocolo específico para seu manejo. Assim, o objetivo do atual estudo é analisar retrospectivamente a abordagem diagnóstica e terapêutica no departamento de urgência e emergência de um hospital pronto socorro referência em Juiz de Fora, Minas Gerais.
RELATO DE CASO:
Paciente do sexo masculino, caucasiano, 48 anos, residente de Guarani, Minas Gerais (MG), hígido, foi admitido no ambulatório de cirurgia do hospital de atendimento em urgência e emergência referência em Juiz de Fora - Minas Gerais no ano de 2015, apresentando importante tumoração em região lombar à direita, mais especificamente, em região superior. Paciente queixava-se de dor na região em caráter de aperto com piora progressiva há 15 meses.
Ao exame físico, verificou-se a presença de uma tumoração com cerca de 20 cm de comprimento em região lombar superior, no trígono de Grynfelt (Figuras 1 e 2). Durante a manobra de valsava a herniação se tornava mais evidente, não apresentando sons intestinais à ausculta. Além disso, se mostrou timpânica na percussão e apresentou redução após a palpação.
A partir da formulação da hipótese diagnóstica de hérnia lombar prosseguiu-se a investigação mediante a tomografia computadorizada, a qual identificou defeito posterolateral na parede abdominal em região de flanco direito, ao nível do trígono lombar superior, constatando o diagnóstico de hérnia lombar gigante de Grynfelt. A partir do diagnóstico confirmado, foi proposto a hernioplastia eletiva.
Após a realização de exames pré-operatórios com avaliação cardiovascular e laboratorial, o paciente foi considerado apto para a cirurgia. O procedimento foi realizado no referente hospital de atendimento de urgência e emergência referência em Juiz de Fora e região, no departamento de cirurgia geral, sem dificuldades técnicas.
O paciente foi posicionado em decúbito lateral esquerdo, o qual permitiu a execução de uma incisão lombocostal na topografia do abaulamento de aproximadamente 20 cm de comprimento. O conteúdo intraoperatório da hérnia incluía a gordura retroperitoneal e observaram-se defeitos da fáscia na região do triângulo superior, foi então isolado o saco herniário e o trígono de Grynfelt (figura 3).
A reparação incluiu a redução da hérnia, ressecção do saco herniário com ligadura transfixante do defeito, seguindo com a colocação de tela de polipropileno 3-0 livre de tensão sobre a herniorrafia (Figura 4).
Posteriormente, foi realizada a colocação de dreno com sistema fechado no subcutâneo. A evolução do paciente ocorreu sem intercorrências, recebendo alta hospitalar em 3 dias com dreno de aspiração contínua, o qual foi removido após 7 dias.
DISCUSSÃO:
A maioria das hérnias lombares ocorre no sexo masculino e tem caráter unilateral, sendo o lado esquerdo o mais recorrente. O trígono lombar superior é uma região composta pela fáscia transversalis6. É a fragilidade dessa estrutura que pode ocorrer ao longo da vida relacionada a uma pressão intra-abdominal elevada, como a obesidade, ascite, gravidez, quadros crônicos pulmonares e fraqueza da parede abdominal posterior causada pelo envelhecimento, que justifica a etiologia das hérnias lombares adquiridas primárias 1,4.
O diagnóstico de hérnia lombar é geralmente simples pelos achados típicos no exame físico. Os tumores subcutâneos, especialmente os lipomas, devem ser excluídos7. A tomografia computadorizada é considerada o padrão ouro para o diagnóstico e avaliação da hérnia, ela permite analisar a anatomia da parede abdominal, identificar o defeito, caracterizar o conteúdo ou sua ausência e excluir os diagnósticos diferenciais, como hematomas, abscessos, neoplasias de partes moles (lipomas) e fragilidade de parede por atrofia muscular6,7.
Diante desse quadro clínico, o paciente deve receber tratamento cirúrgico se seu estado geral de saúde permitir. A cirurgia laparoscópica oferece um método alternativo de reparo, desde que o tamanho do defeito permita tal abordagem8. Apesar das desvantagens oferecidas pela técnica aberta, como dor pós-operatória e maior tempo de internação. Reparos abertos são mais comumente realizados. A abordagem aberta, com a realização de uma incisão lombocostal, parece ter vantagens por apresentar maior facilidade da técnica diante hérnias gigantes, visto que devido à raridade da doença, não apresenta manejo adequado estabelecido na literatura. Além disso, por via aberta não há necessidade de pneumoperitôneo ou anestesia geral e é mais barata, o que não exclui à importância da experiência do cirurgião2,5.
Conclui-se então que as hérnias lombares, embora raras, devem ser consideradas em pacientes com queixa de abaulamento em região lombar associado à dor, quando em sua anamnese apresentar fatores de risco significativos, como a idade, o ganho de peso e doenças pulmonares. Seu diagnóstico é confirmado pelo exame de tomografia computadorizada, a qual auxilia no diagnóstico diferencial com outras patologias da região. Por ser uma doença incomum, não há consenso sobre o melhor tratamento. No entanto, o conhecimento sobre a anatomia da região lombar e a experiência do cirurgião deve ser considerado para realização de um procedimento seguro e eficaz.
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REFERÊNCIAS
1. Zhou X, et al. Lumbar hernia: clinical analysis of 11 cases. Hernia, 2004; 8(3): 260-3.
2. Cesar D, Valadão M, Murrahe RJ. Grynfelt hernia: case report and literature review. Hernia. 2012 Feb; 16(1):107-11.
3. Prieto-Díaz-Chávez E, Medina-Chavez JL, Prieto-Díaz S. Grynfeltt's hernia. Hernia. 2000; 4: 159-6.
4. Liang TJ, Tsai CY. Imagens in clinical medicine. Grynfeltt hernia. The New England Journal of Medicine, 2013; 369(11): e14.
5. Moreno-Egea A, Baena EG, Calle MC, Martínez JA, Albasini JL. Controversies in the current management of lumbar hernias. Arch Surg. 2007 Jan;142(1):82-8. 5. Ravaton H. Traite dês plaies.
6. Guillem P, Czarnecki E, Duval G, et al. Lumbar hernia: anatomical route assessed by computed tomography. Surg Radiol Anat. 2002; 24:53-6.
7. Mingolla GP, Amelio G. Lumbar hernia misdiagnosed as a subcutaneous lipoma: a case report. Journal of Medical Case Reports, 2009; 3:9322.
8. Claus CMP, et al. Laparoscopic repair of lumbar hérnia (Grynfelt): technical description. ArquivosBrasileiros de CirurgiaDigestiva, 2017; 30(1): 56-59.
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