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CAPES/Qualis: B2
Análise do impacto de programa de atendimento a pacientes asmáticos, 15 anos após sua implementação, em município no leste mineiro
Analysis of the impact of the asthma care program, 15 years after its implementation, in a municipality in the East of Minas Gerais
Lea Rache Gaspar1*; Guilherme Rache Gaspar2; Lívia Laube Cajaíba1; Nathan Fernandes de Oliveira1; Priscilla dos Reis Oliveira1; Syssi Oliveira Lara1
1. Faculdade de Medicina, UNIVAÇO, Ipatinga, Minas Gerais, Brasil
2. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Guilherme Rache Gaspar
E-mail: learache@usp.br
Recebido em: 21 Julho 2020
Aprovado em: 28 Novembro 2021
Data de Publicação: 31 Março 2022
Conflito de Interesse: Não há.
Editor Associado Responsável: Nestor Barbosa de Andrade
Resumo
OBJETIVO: Avaliar a prevalência de hospitalização por asma, 15 anos após início de programa de atendimento a pacientes asmáticos, "Respirar", no período de 1998 a 2017, no município de Ipatinga/MG.
MÉTODOS: Estudo longitudinal, quantitativo, retrospectivo. As prevalências de hospitalização por asma foram realizadas a partir de dados do IBGE, com estimativas populacionais das faixas etárias pediátricas, e pelos dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, entre os anos 1998 a 2017, em Ipatinga. A análise estatística foi executada pelo programa Open Epi 2.3, e para as comparações, o teste qui-quadrado.
RESULTADOS: A comparação entre as taxas de hospitalização por asma, entre 1998 a 2003 e 2004 a 2009, mostrou diminuição de hospitalização por asma estatiscamente significativa, nas faixas etárias: abaixo de 1 ano de idade, de 1 a 4 anos de idade e de 5 a 9 anos de idade, mas a comparação entre os períodos de 2010 a 2013 e 2014 a 2017, após quinze anos de programa, verificou redução significativa das taxas de prevalência de hospitalização por asma em todas as faixas etárias (p<0,001).
CONCLUSÃO: Este trabalho ressalta que o aspecto organizacional de programa de atendimento ao paciente asmático na rede pública necessita de tempo para consolidar as práticas e normatizações, a fim de que sejam observadas as repercussões nos índices de saúde relacionados à doença, como no caso do município estudado: este mostrou redução estatisticamente significativa das taxas de prevalência de hospitalização por asma após 15 anos de programa.
Palavras-chave: Asma; Prevalência; Hospitalização.
INTRODUÇÃO
A asma é uma das condições crônicas mais comuns da infância. O acometimento de cerca de 358 milhões de indivíduos, de todas as idades e grupos étnicos, dos quais aproximadamente 20 milhões estão no Brasil, reflete a amplitude do impacto da doença. Em 2016, a asma mostrou que 26,2 milhões em DALYs (ano de vida ajustado por incapacidade) eram gerados por essa enfermidade em todo o mundo. Estima-se que, em 2025, o aumento do número de casos ultrapasse mais de 100 milhões de asmáticos1-3.
Segundo o Sistema de Informações Hospitalares - 2019 (DATASUS), a asma é uma das principais causas de internações no Brasil, com o Ministério da Saúde registrando 79.876 admissões por asma em todas as idades4.
Estimativas mostram que os países em desenvolvimento projetam que 1 a 2% dos gastos em saúde estejam comprometidos com a asma2,5. O DATASUS mostrou, em 2019, 79.876 internações por asma no Brasil, distribuídos da seguinte maneira: 7.970 casos na região Norte; 31.239 casos na região Nordeste; 21.716 casos na região Sudeste; 12.528 casos na região Sul; e 6.453 casos na região Centro Oeste4.
Em dezembro de 1999, foi criado o "Plano Nacional de Controle à Asma" (PNCA), com o lançamento do I Consenso Brasileiro de Educação em Asma e incentivada a criação de programas de atendimento a pacientes asmáticos no país, como o programa "Criança que Chia", em Belo Horizonte, em 19966.
A necessidade de implantar e ampliar um plano de atendimento a pacientes asmáticos pelo Sistema Única de Saúde (SUS) no Brasil foi ressaltada no III Congresso Brasileiro de Asma e culminou na assinatura da portaria GM-1318, em 2002, a qual disponibilizava os medicamentos para tratamento e controle da asma para portadores de asma grave7,8.
Em 2006, representantes de treze programas de atendimento a pacientes asmáticos se encontraram em Brasília para discutir linhas de capacitação, implantação, cobertura epidemiológica, entre os pontos mais importantes. Foi reforçada, nessa ocasião, a relevância de políticas públicas de prevenção à asma, com ênfase na integralidade assistencial, fundamental para os bons resultados constatados pelos programas existentes9.
Ipatinga, cujo nome significa "pouso de água limpa" na língua tupi, é um município localizado no leste de Minas Gerais, situado no encontro dos rios Piracicaba e Doce, na mesorregião do Vale do Rio Doce e microrregião de mesmo nome; possui área total de 166,5Km2: 74,0Km2, de área urbana e 92,5Km2, de área rural10-12. A população foi estimada em 261.344 pessoas, em 2017, e 239.468 pessoas, no censo de 201013.
A cidade de caráter industrial reproduz a realidade da doença da mesma maneira que outras cidades brasileiras. Em Ipatinga, a asma é uma das principais causas de morbidade na infância, ocasionando grandes prejuízos para a comunidade. O programa "Respirar" foi implantado em abril de 2002, como projeto piloto em uma UBS, inicialmente voltado para a faixa etária até os 13 anos, visando ao atendimento às crianças asmáticas com indicação do uso de corticoide inalado profilático. Em 2008, o programa foi ampliado para pessoas até os 19 anos, quando todas as 24 UBS do município estavam capacitadas para a adesão, envolvendo suas respectivas equipes multidisciplinares14.
O "Respirar" foi idealizado conforme normas preconizadas pelo Global Initiative for Asthma (GINA): diagnóstico essencialmente clínico; recursos terapêuticos eficazes; e acesso do paciente às informações técnicas e educativas3. A equipe avalia a técnica inalatória no momento da consulta, por meio da demonstração do uso dos dispositivos e espaçadores pelo próprio paciente ou seu responsável. O acompanhamento da adesão medicamentosa é realizado pela farmácia de cada UBS. O controle ambiental é realizado pelos agentes comunitários da UBS, por meio de visitas mensais no domicílio dos pacientes inseridos no programa. Os atendimentos médicos são realizados, conforme necessidade individual de cada paciente, com intervalo máximo de três meses14.
O programa disponibiliza gratuitamente medicamentos inalados de alívio e controladores da asma, espaçadores valvulados e um curso de educação para profissionais de saúde, estratégia sabidamente efetiva para o controle da asma6,15.
O indicador de saúde hospitalização é considerado um dos principais instrumentos para avaliação do impacto da qualidade do manejo da criança asmática em um município. A análise dos dados relativos à morbidade infantil no ano de 2000, verificou que a asma se destacava como a segunda maior causa de consultas médicas nas UBS do município. Quanto às hospitalizações, as doenças respiratórias foram a segunda maior causa, nos anos 1999, 2000, 2001 e 200214.
O presente estudo tem como objetivo avaliar o impacto do "Respirar" na diminuição do número de hospitalizações por asma em crianças e adolescentes em 15 anos do programa. O trabalho justifica-se para entender a trajetória do processo de implementação necessário, a fim de se estabelecer diretrizes e normatizações de um programa de atendimento descentralizado a pacientes asmáticos na faixa pediátrica, com equipes multidisciplinares em cada UBS, em município no interior do estado de Minas Gerais.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo longitudinal, quantitativo e retrospectivo. A prevalência das taxas de hospitalização de asma foi realizada utilizando dados consolidados do IBGE e do DATASUS para as estimativas populacionais das faixas etárias pediátricas: abaixo de 1 ano de idade, de 1 a 4 anos, de 5 a 9 anos, 10 a 14 anos e 15 a 19 anos, e para o número de hospitalizações, entre 1998 a 2017, no município de Ipatinga/MG.
As taxas de hospitalização por asma em Ipatinga foram analisadas comparando quatro períodos: o que precedeu o programa de atendimento a asmáticos na faixa pediátrica, de 1998 a 2003, e cinco anos após a implantação do programa - de 2004 a 2009 - e nos períodos de 2010 a 2013 e de 2014 a 2017, quinze anos após estruturação do "Respirar".
A análise estatística foi executada pelo software Open Epi 2.3, e para as comparações entre os dados foi realizado o teste qui-quadrado. Considerou-se um nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Análise das taxas de hospitalização por asma no período de 1998 a 2003, antes, e entre os anos de 2004 a 2009, depois da implantação do programa:
A comparação das taxas de hospitalização por asma no período de 1998 a 2003, anos que precederam o programa "Respirar", e de 2004 a 2009, período imediatamente após a implantação do programa, não mostrou diminuição significativa de hospitalização nas faixas etárias de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos e aumento das taxas de prevalência entre menores de 1 ano, de 1 a 4 anos e de 5 a 9 anos (Tabela 1).
Foi observada elevação acentuada na prevalência de hospitalizações de todas as faixas etárias pediátricas por asma no ano de 2008, seguida de diminuição destas, exceto abaixo de um ano, mas sem diferença significativa conforme o Gráfico 1.
Análise das taxas de hospitalização por asma após a consolidação do programa entre os anos de 2010 a 2013 e de 2014 a 2017:
Na comparação das taxas de hospitalização entre os anos de 2010 a 2013 e de 2014 a 2017 evidencia-se redução significativa das hospitalizações por asma em todas as faixas etárias, inclusive entre os pacientes menores de um ano de idade, com significância estatística. Essa queda nos índices de hospitalização é observada principalmente, a partir de 2014 conforme Tabela 1 e Gráfico 1.
DISCUSSÃO
Estudos brasileiros demonstram que as cidades que adotaram programas para atendimento aos asmáticos mostraram significativa redução das taxas de hospitalização por asma, melhora da renda familiar e da qualidade de vida desses pacientes, após o ingresso dos pacientes nesses programas9,16.
Neste estudo, a taxa de prevalência de hospitalização por asma, por faixa etária, comparando os períodos de 1998 a 2003 e de 2004 a 2007, mostrou redução das hospitalizações com significância estatística nas faixas de crianças abaixo de 1 ano de idade, de 1 a 4 anos, de 5 a 9 anos e no total. Não ocorreu redução significativa de internações nas faixas etárias entre 10 a 19 anos. Esse comportamento pode ser explicado pelo fato de este grupo ter sido incluído no programa após 2005, resultando em prejuízo desses pacientes no acesso ao controle da asma em relação às demais crianças.
Em 2008, o aumento da prevalência da hospitalização por asma em todas as faixas etárias, principalmente no grupo de menores de 1 ano de idade, pode ser atribuído à faixa etária, pelo fato de que o DATASUS engloba nesse grupo duas patologias: a asma e a bronquiolite, no qual a prevalência da bronquiolite é marcante.
É importante ressaltar que, no ano de 2008, ocorreu aumento expressivo das taxas de prevalência de hospitalizações por asma em todas as faixas etárias, com significância estatística. Esse fato foi provavelmente originado da suspensão do gás propelente clorofluorcarboneto (CFC) empregado nos dispositivos inalados para controle da asma e troca pelo gás propelente hidrofluoralcano (HFA), conforme determinação do "Protocolo Montreal", que preconizou a troca do uso de CFC em medicamentos até o ano de 2005. Dessa maneira, decorreu um lapso de tempo para a regularização da produção de corticoides inalatórios, durante essa troca de insumos. Nesse contexto, surgiu outro entrave que dificultou a reintrodução das medicações inaladas: a normatização da concentração do princípio ativo presente na medicação para que atingisse o nível terapêutico, pelas diferenças farmacocinéticas de um dos gases propelentes. Após esse período de transição, conseguiu-se regularizar a oferta de medicamento e foi normatizada a dose. A partir de 2008, observa-se a consolidação do programa "Respirar", com a redução da prevalência de hospitalizações por asma em todas as faixas etárias pediátricas, mais evidente após 201417,18.
Outros estudos demonstraram estabilização das taxas de admissão hospitalares após melhora do atendimento a pacientes asmáticos e fornecimento de medicações gratuitos, principalmente naqueles pacientes com condição socioeconômica desfavorável, com dificuldades de aquisição de medicamentos de controle e resgate da doença, que por isso utilizam mais os serviços de emergência e hospitalização19-21.
A falta de acesso de pacientes asmáticos pediátricos a serviços de acompanhamento de sua doença, de maneira descentralizada e multidisciplinar, aumenta a procura por atendimento de emergência, diante da exacerbação da doença ou da automedicação22.
Muitos estudos de coorte retrospectivo mostram a efetividade de programas de atendimento ao paciente asmático pediátrico na redução de recursos de saúde, pelo emprego de corticosteroide inalado, e a influência de intervenções educacionais na redução das hospitalizações em até 95,5%22-24.
As taxas de hospitalização devem ser analisadas de maneira ampla, como a observância do sistema de saúde local, oferta de leitos, práticas dos profissionais de saúde e grupo social mais atingido nessa situação clínica24,25.
O estudo em questão mostrou que o tempo necessário para que programa de atendimento a pacientes asmáticos pediátricos para comunidades basicamente operárias, estruturado no fortalecimento do vínculo do paciente com a unidade básica de saúde, profissionais de saúde capacitados e assistência farmacêutica gratuita reduzisse as taxas de hospitalização por asma, na faixa etária pediátrica, foi de 15 anos.
CONCLUSÃO
Este trabalho ressalta que o aspecto organizacional de programa de atendimento ao paciente asmático na rede pública necessita de tempo para consolidar as práticas e normatizações, para que os índices de saúde relacionados à doença sejam observados, como a repercussão no número de hospitalizações. No caso do município estudado, a redução estatisticamente significativa das taxas de prevalência de hospitalização por asma, em todas as faixas etárias, ocorreu após 15 anos de programa de atendimento ao paciente asmático.
COPYRIGHT
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