ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Leucemia linfocítica crônica associada a melanoma metastático em homem de 53 anos
Metastatic melanoma in a 53-year-old male with relapsed chronic lymphocytic leukemia
Emilly Neves Souza; Claudia Stein da Silva; Gabriela Scaramussa Sonsim; Victor Hugo Rodrigues de Carvalho; Marcos Daniel de Deus Santos
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, Espírito Santo, Brasil
Endereço para correspondênciaEmilly Neves Souza
E-mail: neves.emilly@hotmail.com
Recebido em: 09 agosto 2020
Aprovado em: 03 Janeiro 2022
Data de Publicação: 31 Março 2022
Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.
Conflito de interesses: Os autores declaram não ter conflitos de interesse
Instituição onde o trabalho foi desenvolvido: Departamento de Clínica Médica - Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (HUCAM), Vitória, Espírito Santo, Brasil.
Resumo
INTRODUÇÃO: A associação de leucemia linfocítica crônica (LLC) e melanoma tem sido estudada nos últimos anos. Acredita-se que a imunossupressão causada pelo tratamento da doença seja o fator de risco mais importante para o aumento da susceptibilidade ao desenvolvimento e disseminação do câncer de pele.
RELATO DE CASO: Este relato de caso descreve homem de 53 anos, em tratamento de leucemia linfocítica crônica desde 2018, já submetido a diversos ciclos de quimioterapia com fludarabina. Apresentou histórico de exérese de melanoma nodular epitelioide no couro cabeludo em 2019, removido com margens livres. Um ano após a cirurgia, paciente evoluiu com piora do estado geral com necessidade de hospitalização. Investigação adicional revelou focos de metástase em pulmões, fígado, rins, estômago, sistema nervoso central e linfonodos. Análise histopatológica foi positiva para melanoma. A possibilidade de tratamento foi descartada pela equipe de oncologia, que sugeriu cuidados paliativos.
DISCUSSÃO: Um dos mecanismos mais discutidos para explicar esta associação de neoplasias é a imunossupressão resultante do tratamento da LLC, que deixa o paciente suscetível ao desenvolvimento e à disseminação do melanoma. Além disso, a fludarabina, quimioterápico geralmente usado para remissão da LLC, é conhecida por depletar células T-helper e tem sido descrita como cofator deste processo. A associação de leucemia e melanoma cutâneo têm sido descrita nos últimos anos, porém não há nenhum protocolo de tratamento para esta condição.
Palavras-chave: Câncer de pele; Melanoma; Leucemia Linfocítica Crônica; Oncologia
INTRODUÇÃO
A leucemia linfocítica crônica (LLC) é a leucemia mais comum do adulto e acredita-se que a imunossupressão causada pela doença tenha relação com aumento no risco de desenvolvimento de melanoma1 e outros tumores sólidos, principalmente dentro dos primeiros 5 anos do diagnóstico2. Outros fatores como quimioterapia e exposição à radiação ultravioleta podem também contribuir para o quadro3.
Outros tipos de linfoma não-Hodgkin mostram associação com maior predisposição ao surgimento de cânceres de pele em comparação com a população geral2, entretanto, sabe-se que em portadores de LLC a incidência e mortalidade é significativamente maior1,4.
Os progressos conquistados no tratamento da LLC permitiram melhor prognóstico, com aumento da sobrevida nas últimas décadas. Nesse contexto, é válido ressaltar que trata-se de doença de curso indolente, mais comum em faixas etárias mais altas (>60 anos), o que coincide com a fase de maior incidência dos cânceres em geral, entre eles o melanoma1,2,5. É importante que médicos, pacientes e acompanhantes estejam atentos aos dados expostos na literatura em relação à associação de LLC e cânceres de pele.
RELATO DE CASO
Homem, 53 anos, branco, agricultor, em tratamento para LLC desde 2018. Já realizados cinco ciclos de quimioterapia, sendo os primeiros quatro ciclos com uso combinado de fludarabina e ciclofosfamida, seguidos de um ciclo com esquema de segunda linha - por reativação da doença - com fludarabina, ciclofosfamida e rituximab. História de exérese de melanoma nodular epitelioide amelanótico em couro cabeludo, em 2019, com biópsia evidenciando Breslow 12mm, índice mitótico 4 mitoses/mm2, nível de Clark V e margens livres. Internou neste hospital com queixa de tosse seca, fraqueza, pirose, distensão abdominal e perda de peso de cerca de 20kg há 2 meses. Ao exame, paciente em estado geral ruim, emagrecido, com linfonodomegalias em cadeias cervicais bilaterais; ausculta respiratória com roncos difusos e murmúrio vesicular reduzido em bases; dor à palpação de epigástrio. Tomografias de tórax e abdome com moderado derrame pleural bilateral com atelectasia pulmonar, múltiplos nódulos pulmonares, hepáticos e renais de provável natureza secundária, além de linfonodomegalias abdominais e pélvicas (Figuras 1, 2 e 3). Broncoscopia sem alteração em árvore brônquica direita, árvore brônquica esquerda com compressão extrínseca da luz sem possibilidade de passagem do aparelho a partir da narina esquerda. Realizado lavado broncoalveolar em lobo inferior direito com ausência de células neoplásicas. Na tomografia de crânio constatou-se áreas hiperatenuantes em giro do cíngulo à direita, giro frontal superior e região subcortical insular esquerda, sugestivas de lesões infiltrativas com alta celularidade, porém sem efeito expansivo ou desvio de linha média. Endoscopia digestiva alta evidenciou gastrite erosiva severa, cujo histopatológico foi compatível com melanoma metastático. Punção aspirativa por agulha fina de linfonodo cervical também evidenciou células melanocíticas neoplásicas (Figura 4). Optou-se por suspender tratamento hematológico e avaliar possibilidade de tratamento de melanoma metastático, que foi descartado pela equipe de oncologia. No momento, paciente encontra-se em cuidados paliativos domiciliares.
DISCUSSÃO
A associação de leucemias e melanoma cutâneo tem sido relatada desde 19602. Estudo conduzido nos Estados Unidos evidenciou que o risco de desenvolvimento de câncer de pele em pacientes com LLC é elevado, especialmente nos primeiros cinco anos de diagnóstico e em homens brancos entre 45-64 anos1. Outro estudo americano, publicado em 2015, descreveu que a associação de melanoma com LLC ou linfoma não-Hodgkin (LNH) é cerca de 107 casos/100.000 habitantes, enquanto a estatística para a população geral é de 25,9 casos/100.000 habitantes4. Um dos mecanismos mais discutidos para explicar esta associação de neoplasias é a imunossupressão resultante do tratamento da LLC, que deixa o paciente suscetível ao desenvolvimento e à disseminação do melanoma.
A fludarabina, quimioterápico geralmente usado para remissão da LLC, é conhecida por depletar células T-helper e tem sido descrita como cofator deste processo3. O paciente relatado nesta comunicação fez cinco ciclos de tratamento, todos incluindo fludarabina. Outros potenciais fatores de risco são: exposição à radiação ultravioleta, genética, pele clara e idade avançada5. Neste caso, a atividade laboral do paciente como agricultor, sem a proteção solar adequada, também pode ter contribuído para o aparecimento de câncer de pele. A mortalidade quando há associação de melanoma com LLC é 2,46 vezes maior do que a esperada para pacientes sem esta neoplasia hematológica4.
REFERÊNCIAS
1. Turk T, Saad AM, Al-Husseini MJ, Gad MM. The risk of melanoma in patients with chronic lymphocytic leucemia; a population-based study. Curr Probl Cancer. 2019 Apr;44(2):e100511.
2. Gunz FW, Angus HB. Leukemia and cancer in the same patient. Cancer. 1965;18(2):145-52.
3. Lam CJK, Curtis RE, Dores GM, Engels EA, Caporaso NE, Polliack A, et al. Risk factors for melanoma among survivors of non-Hodgkin lymphoma. J Clin Oncol. 2015 Oct;33(28):3096-104.
4. Famenini S, Martires KJ, Zhou H, Xavier MF, Wu JJ. Melanoma in patients with chronic lymphocytic leukemia and non-Hodgkin lymphoma. J Am Acad Dermatol. 2015 Jan;72(1):78-84.
5. Leiter U, Garbe C. Epidemiology of melanoma and nonmelanoma skin cancer--the role of sunlight. Adv Exp Med Biol. 2008;624:89-103.
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