ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Aspectos oftalmológicos relacionados à Covid-19: uma revisão narrativa
Ophthalmological Aspects Related to COVID-19: A Narrative Review
Anna Carlinda Arantes de Almeida Braga1; Laura Fontoura Castro Carvalho2; Fernanda Guimarães Lopes2; Bruno José Guedes Silva3; Fábio Nishimura Kanadani3,4
1. Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte - MG, Brasil
2. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
3. Instituto de Olhos Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil
4. Mayo Clinic, Jacksonville - USA
Laura Fontoura Castro Carvalho
Email: laurafontourac@gmail.com
Instituição: Instituto de Olhos Ciências Médicas. Belo Horizonte - MG, Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: No final de 2019, o novo coronavírus foi identificado e relacionado com sinais e sintomas que poderiam levar a suspeita clínica, como tosse, dispnéia, rinorréia, febre e anosmia. Com o aumento de trabalhos científicos sobre esse vírus, alguns estudos apontaram outras manifestações extra-respiratórias que poderiam estar associadas à infecção, como conjuntivites, paralisia oculomotora e, possivelmente, retinopatia.
OBJETIVO: Discutir sobre as manifestações oculares que podem estar relacionadas à infecção pelo novo coronavírus e facilitar o acesso à informação, a fim de auxiliar na identificação da etiologia das alterações oftalmológicas.
METODOLOGIA: Revisão narrativa que utilizou artigos disponíveis na íntegra publicados até julho de 2021.
RESULTADOS: Dos 14 artigos incluídos neste estudo, havia 5 revisões narrativas, 6 revisões sistemáticas, 1 série de casos e 2 relatos de caso. Todos os trabalhos realizaram uma análise multinacional.
CONCLUSÃO: Estudos ainda precisam ser realizados a fim de compreender melhor a possibilidade da conjuntivite representar um sintoma inicial da COVID-19 e dos olhos representarem uma importante via de contágio e de disseminação da doença. É imprescindível nesse contexto, portanto, o uso de equipamentos de proteção individual, além de outras medidas protetivas, capazes de contribuir para menor propagação da doença.
Palavras-chave: SARS-CoV-2. Eye Diseases
INTRODUÇÃO
No final de 2019, um novo tipo de coronavírus foi identificado em Wuhan, uma província de Hubei, na China. O novo coronavírus foi relacionado com o aumento de casos de pneumonia, sendo transmitido a partir do contato próximo entre indivíduos, principalmente a partir de gotículas respiratórias, quando o indivíduo infectado espirra, fala ou tosse.1
Ainda em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) nomeou a nova forma de pneumonia como COVID-19, que significa Coronavirus Disease do ano de 2019 e relacionou alguns sinais e sintomas que poderiam levar à suspeita clínica, como tosse, dispnéia, rinorréia, febre e anosmia.1
Além disso, observou-se em alguns estudos, outras manifestações extra-respiratórias, como conjuntivite viral, conjuntivite imunomediada, paralisia oculomotora e, possivelmente, retinopatia.2
Por se tratar de uma doença nova, muitos trabalhos científicos são publicados diariamente, mostrando novos métodos diagnósticos, desfechos, sinais e sintomas que poderiam estar relacionados à COVID-19. Dessa forma, este estudo visa discutir o que se sabe até o momento sobre as manifestações oculares que podem estar relacionadas à infecção pelo novo coronavírus, a fim de resumir e facilitar o acesso à informação e auxiliar na identificação da etiologia das alterações oftalmológicas.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão narrativa, na qual a busca dos artigos foi realizada nas bases de dados PubMed, Scielo e LILACS, utilizando as palavras-chave: SARS-CoV-2 AND Eye Diseases, em Julho de 2021. Como critérios de inclusão, adotou-se artigos disponíveis na íntegra, em humanos, publicados nos últimos 2 anos e nos idiomas inglês e espanhol. Os critérios de exclusão, por sua vez, consistiram em artigos que abordaram diferentes manifestações, como as neurológicas e outras alterações extrapulmonares e que não se enquadraram nos critérios de inclusão (Figura 1).
RESULTADOS
Dos 14 artigos incluídos neste estudo, havia 5 revisões narrativas, 6 revisões sistemáticas, 1 série de casos e 2 relatos de caso (Tabela 1). Todos os trabalhos realizaram uma análise multinacional, com destaque à China por ser o epicentro inicial do SARS-CoV-2.
DISCUSSÃO
Formas de transmissão
A entrada do vírus SARS-CoV-2 nas células do hospedeiro ocorre pelo receptor da enzima conversora de angiotensina-2 (ECA-2), encontrada principalmente na mucosa respiratória, mas também em outros tecidos do organismo, como a conjuntiva e a córnea3. No entanto, Siedlecki et al. (2020) destacaram a presença da ECA-2 apenas na retina e no humor aquoso, diferentemente da enzima conversora de angiotensina I, que é encontrada em praticamente todos os tecidos oculares.4
Latalska e Mackiewicz (2020), estudaram que o vírus raramente é encontrado no saco conjuntival, mas justificam que isso pode ser explicado pela baixa sensibilidade do teste e pela inexistência do SARS-CoV-2 na conjuntiva no momento da coleta da amostra.5 Essas teorias são reforçadas por um estudo com 28 pacientes positivos para COVID-19, em que apenas 2 apresentaram o vírus na conjuntiva, apesar de 12 terem manifestado alterações oculares.6
Nesse sentido, sugere-se uma baixa taxa de detecção de SARS-CoV-2 em lágrimas e secreções conjuntivais de pacientes testados positivos para COVID-19, o que confere pouca probabilidade de contaminação e de transmissão. Entretanto, a comunicação anatômica existente entre o saco lacrimal e cavidade nasal, permite que o vírus atinja o trato respiratório, através do mecanismo de drenagem, favorecendo a ocorrência da infecção.4,7
Para evitar o risco dessa transmissão, mesmo que com resultados inconclusivos, Cao et al. em sua metanálise propuseram que os oftalmologistas utilizassem óculos de proteção junto aos demais equipamentos de proteção individual.8 Siedlecki et al (2020) também destacaram a importância do uso de escudo protetor fixado na lâmpada de fenda pela proximidade entre o examinador e o paciente. Além disso, boas práticas como desinfecção de superfícies e equipamentos após cada paciente e, preferencialmente, a adoção de materiais descartáveis, como as pontas do tonômetro de uso único são condutas importantes para se evitar a propagação do SARS-CoV-2.4
Manifestações oculares
O principal sintoma ocular observado em todos os estudos analisados foi a conjuntivite viral. Em sua revisão sistemática, Inomata et al. (2020) analisaram 1526 pacientes com COVID-19, sendo que 11,2% desses apresentaram manifestações nos olhos. Além da conjuntivite presente em cerca de 86% dos casos, a dor ocular e o olho seco foram os sintomas destacados como os mais prevalentes.9 Já Latalska e Mackiewicz (2020), identificaram 108 casos de olho vermelho e conjuntivite em 1882 indivíduos positivos para o SARS-CoV-2.5 Dois estudos selecionados para análise relataram a conjuntivite como o sintoma inicial da COVID-19.8,10 Em uma análise de 1930 pacientes com a doença, Cao et al. (2020) descreveram que 1% desses apresentaram a inflamação da conjuntiva como a primeira manifestação.8 Aggarwal et al. (2020) destacaram que a descrição das características dessas alterações são escassas na literatura, já que o exame com lâmpada de fenda passou a não ser realizado em muitos casos, pelo alto risco de transmissão do vírus.10 Além disso, novas formas de assistência ao paciente, como o uso da telemedicina, foram utilizadas e tiveram boa aceitação diante da atual conjuntura, evitando que os pacientes fossem ao hospital desnecessariamente.7 Importante ponto a ser destacado é o descontrole de patologias oculares pré-existentes que requerem um acompanhamento periódico, como o glaucoma, a retinopatia diabética e degeneração macular relacionada à idade, por exemplo.11
Ao levar em consideração a forma de transmissão do vírus SARS-CoV-2 são propostas duas formas de manifestações oculares: a primeira pela exposição direta que é positiva nos exames e a segunda que é negativa na análise do saco conjuntival, sendo essa última consequência da inflamação sistêmica causada por uma resposta imune exacerbada.6 A importância dessa análise é destacada por Martins et al. e Santana e Puerta por relatarem que a presença dos sintomas oculares e a alta carga viral de SARS-CoV-2 no líquido conjuntival podem estar relacionados à maior gravidade da doença.7,11 Um teste que pode ser realizado para a coleta de lágrimas e secreções conjuntivais é a técnica de esfregaço conjuntival, que se dá a partir da coleta de material da conjuntiva do fórnice da pálpebra inferior com um swab, seguida de ensaio de RT-PCR.12 Os pacientes que apresentam as alterações nos olhos também podem apresentar maiores níveis de leucócitos, neutrófilos, procalcitonina, proteína C reativa e desidrogenase láctica. Essas relações ainda não possuem teorias que as elucidam, sendo necessários estudos posteriores.4
Seah e Agrawal, em uma revisão acerca da patogenicidade dos coronavírus em geral, esclareceram que conjuntivite, uveíte anterior, retinite e neurite óptica foram documentadas em felinos e em ratos.13 Segundo Siedlecki et al. (2020), alterações retinianas e no humor aquoso são possíveis, devido a presença da ECA-2 nessas estruturas e podem estar relacionados a pacientes com alta carga viral.4 Gascon P et al. descreveram um quadro de retinopatia associada a baixa visual após contato com portador de COVID-19 14. Ja Sheth et al. descreveram um caso de oclusão da veia central da retina após vasculite secundária à infecção por Covid-19.15
Tratamento
O tratamento recomendado para a conjuntivite viral, alteração oftalmológica mais comum dentre as possíveis alterações oculares propiciadas pelo COVID-19, é de suporte, uma vez que a maioria dos casos é autolimitada. Ademais, algumas recomendações para diminuir as taxas de transmissão devem ser seguidas pelo paciente, como a lavagem das mãos e evitar tocar os olhos.7
CONCLUSÃO
Diante da velocidade de propagação e da gravidade da COVID-19, a OMS declarou, no início de 2020, emergência internacional. Nesse contexto, observou-se grande impacto na oftalmologia, tendo em vista a necessidade de entender-se melhor a possibilidade dos olhos representarem uma importante via de contágio e de disseminação da doença, o que corrobora a necessidade do uso de equipamentos de proteção individual, além de outras medidas protetivas, capazes de contribuir para menor propagação da doença. Apesar de a conjuntivite ser a manifestação ocular mais prevalente entre os acometidos pelo SARS-CoV-2, é controverso entender que poderia representar um sintoma inicial da COVID-19. Assim, apesar de um avanço substancial nos estudos, ainda faz-se necessário o desenvolvimento de mais trabalhos de qualidade para trazer resultados mais robustos acerca da relação entre o novo coronavírus e o tropismo ocular.
REFERÊNCIAS
1. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Novel coronavirus situation report -2. 2020. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200122-sitrep-2-2019-ncov.pdf.
2. Pérez-Bartolomé F, Sánchez-Quirós J. Ocular manifestations of SARS-CoV-2: Literature review. Manifestaciones oftalmológicas del SARS-CoV-2: Revisión de la literatura. Arch Soc Esp Oftalmol (Engl Ed). 2021;96(1):32-40. doi:10.1016/j.oftal.2020.07.020
3. Aiello F, Afflitto GG, Mancino R, Li JPO, Cesareo M, Giannini C, et al. Coronavirus disease 2019 (SARS-CoV-2) and colonization of ocular tissues and secretions: a systematic review. Eye (Lond). 2020;34(7):1206-1211. doi:10.1038/s41433-020-0926-9
4. Siedlecki J, Brantl V, Schworm B, Mayer WJ, Gerhardt M, Michalakis S, et al. COVID-19: Ophthalmological Aspects of the SARS-CoV 2 Global Pandemic. Klin Monbl Augenheilkd. 2020; 237(5):675-680. doi:10.1055/a-1164-9381
5. Latalska M, Mackiewicz J. The implication of ocular manifestation of COVID-19 for medical staff and patients - systematic review. Ann Agric Environ Med. 2020 Jun 19;27(2):165-170. doi: 10.26444/aaem/122790.
6. Almaguer MG, Díaz TC, López MR, Suárez RGP, Aranguren LV. Manifestaciones oftalmológicas de la COVID-19. Rev Cubana Oftalmol. 2020; 33(2): e943.
7. Martins TGS, Martins DGS, Martins TGS, Marinho P, Schor P. COVID 19 repercussions in ophthalmology: a narrative review. Sao Paulo Medical J. 2021; 139(5): 535-542.
8. Cao K, Kline B, Han Y, Ying GS, Wang NL. Current Evidence of 2019 Novel Coronavirus Disease (COVID-19) Ocular Transmission: A Systematic Review and Meta-Analysis. Biomed Res Int. 2020 Oct 24; 2020:7605453.
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