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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Perfil de pacientes pediátricos de um centro de trauma no Brasil: um estudo transversal
Profile of pediatric patients from a trauma center in Brazil: a cross-sectional study
Isabella M F Faria1,3; Carolina B Moura2;5; Alexandra Buda3; Alice R Sousa1; Fernanda C C Solar1; Larissa S A Carvalho1; Mariana C Bueno4; Laura P V Chaves5; Ana Laura M Teixeira6; Fernanda G C Campos7; Paul Truche3; Aline Bentes1; Simone Abib3; Fabio M Botelho1,9
1. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil
3. Program in Global Surgery and Social Change, Harvard Medical School (HMS), Boston, MA, USA
4. Hospital Pronto Socorro João XXIII (HJXXIII), Belo Horizonte, MG, Brasil
5. Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH), Vespasiano, Belo Horizonte, MG, Brasil
6. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte, MG,
7. Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), Belo Horizonte, MG, Brasil
8. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil
9. Montreal Children's Hospital, Montreal, Canada
Carolina Braga Moura
E-mail: carolinabragamoura@hotmail.com
Recebido em: 10 Janeiro 2022
Aprovado em: 06 Fevereiro 2022
Data de Publicação: 27 Maio 2022
Fontes Apoiadoras: Não há.
Conflito de Interesse: Não há.
Editor Associado Responsável:
Agnaldo Soares Lima
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil
Resumo
OBJETIVOS: Descrever a epidemiologia dos pacientes pediátricos internados em um centro de trauma em Minas Gerais, Brasil; caracterizar os dados desde admissão hospitalar até a propedêutica.
MÉTODOS: Trata-se de estudo retrospectivo cuja coleta de dados aconteceu entre outubro de 2017 e março de 2018 no Hospital João XXIII. Foram incluídas crianças menores de 14 anos que foram classificadas como vítimas de trauma de "muito urgência" ou "emergência" pelo protocolo de Manchester. Foi realizada análise descritiva, que incluiu as seguintes variáveis: idade, sexo, mecanismo de trauma, especialidade médica do provedor de primeira avaliação, necessidade de procedimentos cirúrgicos, propedêutica e óbito.
RESULTADOS: A média de idade os pacientes foi 6,9 anos. O principal mecanismo de trauma identificado foi a lesão por queda mecânica (104; 37,9%). O traumatismo cranioencefálico foi o tipo de trauma mais frequente observado, acometendo 174 (65,4% dos pacientes). No total, 44 (16,1%) crianças foram operadas. Cinco crianças (1,8%) morreram durante o período desta avaliação epidemiológica.
CONCLUSÃO: O mecanismo de trauma pediátrico mais frequente foi a queda mecânica, a lesão mais comum foi o traumatismo cranioencefálico, as crianças do sexo masculino foram mais afetadas do que as do sexo feminino. A avaliação focada com ultrassonografia no trauma demonstrou ser um exame seguro para triagem de lesão traumática. Este estudo revelou informações importantes para futuras atualizações em protocolos de trauma pediátrico.
Palavras-chave: Lesões Pediátricas; Trauma; Epidemiologia.
INTRODUÇÃO
O trauma é considerado a principal causa de morte nas primeiras quatro décadas de vida1. Globalmente, o trauma é responsável por 950.000 mortes anualmente entre pacientes menores de 18 anos2. Aproximadamente 95% das mortes por trauma nesta população ocorrem em países em desenvolvimento. No Brasil, 375 crianças são hospitalizadas diariamente por causa de lesões traumáticas2,3. Somente em Minas Gerais, as taxas de mortalidade por trauma pediátrico superam as taxas da Argentina e do Chile juntas1,3-5.
De acordo com os poucos estudos epidemiológicos brasileiros publicados anteriormente6-8, os mecanismos de trauma mais comuns são: lesão por queda; acidentes com veículos automotores/pedestres, afogamentos, queimaduras, esportes e violência6. Não foi encontrado nenhum estudo brasileiro que avaliasse a qualidade do atendimento ao trauma pediátrico em um centro de trauma ou que propusesse intervenções para melhorá-la, reforçando o descaso da sociedade com um importante problema de saúde pediátrica. Esses estudos estão desatualizados e concentram-se principalmente em um único sistema orgânico do corpo - por exemplo, lesão cerebral traumática6-10.
Embora a abordagem para o tratamento dos casos de trauma difira entre crianças e adultos, apenas 10% dos traumas envolvendo crianças são tratados em centros de trauma treinados para lidar com o trauma pediátrico11. Caso esses pacientes fossem tratados em centros de trauma com treinamento adequado, haveria redução da mortalidade, tempo de internação e melhora do prognóstico12.
Considerando que o primeiro passo para o fortalecimento de um sistema de trauma pediátrico em Minas Gerais é compreender os tipos de traumas e as características das crianças que chegam ao hospital de referência, aqui se reúnem as informações epidemiológicas dos pacientes com traumas pediátricos do Hospital João XXIII (HJXXIII). Acreditamos que esses dados serão de fundamental importância para a formulação de políticas públicas de saúde, como campanhas de prevenção ao trauma pediátrico e melhorias no atendimento a esses pacientes.
MÉTODOS
Este é um estudo retrospectivo realizado no Hospital João XXIII localizado em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil. Os dados foram coletados de prontuários médicos por pesquisadores treinados no local. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa sob o número 094B/2017.
Cenário de estudo
O Hospital João XXIII é o hospital de referência do estado de Minas Gerais para vítimas de traumas, com 8.300 consultas médicas por mês, 540 cirurgias e 980 internações. Na rede municipal, o HJXXIII é responsável pelo atendimento a todos os pacientes pediátricos com queimaduras, traumas cranioencefálicos (TCE) moderados a graves, politraumatizados com TCE, além de ser referência para 5 das 9 macrorregiões de Belo Horizonte. O hospital é responsável por todos os casos de trauma pediátrico do estado quando o hospital mais equipado da macrorregião ultrapassar sua capacidade de atendimento, seja por excesso de pacientes ou por falta de recursos.
Vinte por cento das visitas do HJXXIII são para crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, resultando em aproximadamente 55 pacientes pediátricos por dia. São tratados casos de trauma contuso, feridas perfurantes, acidentes com animais, queimaduras, pequenas suturas, ingestão de corpos estranhos e outros casos clínicos13. Dada a relevância do HJXXIII como centro de referência em trauma e sua abrangência de atuação no estado, o hospital foi escolhido como cenário ideal para o estudo da epidemiologia do trauma pediátrico em Minas Gerais.
Coleção de dados
Os dados foram coletados dos prontuários de todos os pacientes com trauma pediátrico menores de 14 anos considerados graves pelo protocolo de Manchester14, que foram encaminhados ao pronto-socorro entre outubro de 2017 e março de 2018. Todos os pacientes com diagnóstico final de trauma de acordo ao Capítulo XIX ou XX do código internacional de doenças foram definidas como vítimas de trauma. A gravidade do caso foi estabelecida de acordo com o protocolo de Manchester14, e foram incluídos os pacientes classificados como emergência (vermelho) ou muito urgente (laranja).
Critérios de exclusão: pacientes com 15 anos ou mais; casos de trauma classificados como não urgentes (azul), pouco urgentes (verde) ou urgentes (amarelo) pelo protocolo de Manchester14 e quaisquer emergências não traumáticas.
Análise
Foi realizada análise descritiva, que incluiu as seguintes variáveis: idade, sexo, mecanismo do trauma, procedimentos cirúrgicos realizados, diagnóstico por imagem utilizado, diagnóstico do trauma, gravidade dos casos, especialidade médica que prestou o atendimento inicial e óbito. Os resultados foram descritos com números absolutos e relativos.
RESULTADOS
Entre outubro de 2017 e março de 2018, ocorreram 274 internações por trauma em crianças entre menores de 14 anos. A média de idade dos pacientes foi de 6,9 anos e a mediana de 6,5 anos. O 25º percentil equivalia a 3,0 anos e o 75º percentil a 10,7 anos. O Gráfico 1 mostra a distribuição dos dados por idade. Crianças do sexo masculino foram mais vítimas de traumas, representando 177 (64,7%) dos pacientes; 96 (35,2%) pacientes eram mulheres.
O principal mecanismo de trauma foi a lesão por queda mecânica (104; 37,9%), seguida por atropelamento-veículo (50; 18,2%) e colisão entre veículos (41; 15,0%), dos quais 6 (2,2%) envolveram motocicletas. Outros mecanismos de trauma observados foram acidentes de bicicleta (30; 10,9%), queimaduras (22; 8,0%), ferimentos por arma de fogo (3; 1,1%), violência interpessoal (2; 0,7%), afogamento (1; 0,4%) e feridas por arma branca (1; 0,4%). No total, 20 pacientes foram vítimas de trauma não identificado, dos quais 15 (5,5%) foram trauma contuso. Os mecanismos mais comuns de trauma pediátrico são apresentados no Gráfico 2.
No Hospital João XXIII, 151 (55,1%) pacientes pediátricos traumatizados tiveram a avaliação inicial realizada por um cirurgião geral, 53 (19,3%) por um pediatra e 48 (17,5%) por um residente de cirurgia. O restante dos pacientes (22; 8,0%) foram avaliados primeiramente por outros profissionais de saúde, como neurocirurgiões ou cirurgiões maxilofaciais. No HJXXIII, não há cirurgiões pediátricos disponíveis para realizar a primeira avaliação.
No total, 44 (16,1%) crianças foram operadas. O tipo de procedimento cirúrgico mais comum foi a cirurgia ortopédica, que representou 55,2% dos procedimentos, seguida dos neurocirúrgicos, que representou 20,7% dos casos. Toracotomias e laparotomias combinadas constituíram 17,2% das intervenções cirúrgicas.
O diagnóstico final do trauma com base na parte do corpo acometida foi feito em 266 casos, conforme ilustrado no Gráfico 3. O mais prevalente foi o traumatismo cranioencefálico, observado em 174 (65,4%) dos pacientes. 76 (28,6%) crianças apresentaram lesões em membros superiores e/ou inferiores e 67 (25,2%) traumas faciais. Além disso, os diagnósticos menos comuns para pacientes pediátricos com trauma incluíram trauma torácico (29; 10,9%), trauma abdominal (23; 8,6%), queimaduras (21; 7,9%), trauma cervical (19; 7,1%); trauma pélvico (15; 5,6%) e lesão medular (3; 1,1%).
Em relação ao tipo de exame de imagem solicitado pelos médicos assistentes (Gráfico 4), observou-se que 50,5%, 31,3% e 15,7% dos pacientes pediátricos com trauma receberam radiografia de tórax, membros e pélvica, respectivamente. A tomografia computadorizada de crânio foi o tipo mais comum de tomografia computadorizada solicitada (58,8%), seguida pela tomografia computadorizada de medula espinhal (24,6%) e tomografia computadorizada de tórax (9,5%). Os exames de avaliação focada com sonografia para trauma (FAST) foram realizados em 20,4% dos pacientes. Dos 56 exames FAST realizados, 4 (7%) tiveram resultados positivos, enquanto das 16 tomografias abdominais, apenas 7 (43,75%) conseguiram identificar lesão considerável, ou seja, lesão que alterou o quadro da equipe médica. O curso de ação, revelou a necessidade de cirurgia ou internação, ou estabeleceu a necessidade de consulta com outra especialidade médica.
De acordo com critérios de gravidade previamente estabelecidos (como escore na escala de coma de Glasgow menor que 15, necessidade de internação, tomografia computadorizada, cirurgia, ventilação mecânica ou transfusão de sangue, bem como choque circulatório e óbito), 59,4% dos pacientes foram considerados críticos15,16. Cinco crianças (1,8%) morreram durante o período desta avaliação epidemiológica.
DISCUSSÃO
As lesões traumáticas estão entre as principais causas de morte em pacientes pediátricos acompanhando doenças infecciosas, pulmonares e neoplásicas. No Brasil, cerca de 117.000 crianças menores de 14 anos são hospitalizadas no sistema público de saúde por causas externas a cada ano e 4.000 (3,4%) dessas crianças morrem por consequência do trauma6.
Grupo de idade e gênero avaliados no estudo
Apesar da alta mortalidade de pacientes pediátricos com trauma, poucos estudos avaliaram a epidemiologia, a qualidade dos serviços médicos e o mecanismo do trauma. Nesta análise não foram incluídos pacientes maiores de 14 anos, pois suas necessidades se mostraram semelhantes às dos adultos13.
A maioria dos casos de trauma envolve crianças com mais de 4 anos. Os acidentes podem estar associados ao fato de ambos os pais terem que trabalhar e deixar a criança aos cuidados de responsáveis que têm conhecimento limitado sobre os acidentes e como evitá-los. Essas circunstâncias podem explicar a alta incidência de traumas nessa faixa etária.
A proporção entre meninos e meninas foi de 1,8:1. Esse dado é semelhante a dados encontrados em outros países, que relataram uma proporção de 1,5:17,8.
Mecanismo de trauma
Os mecanismos de lesão mais comuns encontrados neste estudo foram quedas mecânicas e acidentes automobilísticos, assim como relatado em outros estudos7-9. Esse aumento de quedas mecânicas e acidentes automobilísticos pode ser explicado pelo processo de maturação psicomotora e introdução de atividades de lazer/esportivas nessa faixa etária8,9. Além disso, essas crianças muitas vezes são colocadas em creches sem infraestrutura e medidas de segurança adequadas, contribuindo para o risco de queda mecânica2. Uma limitação deste estudo foi agrupar as quedas mecânicas de pequenas e grandes alturas, que poderiam envolver diferentes mecanismos e levar a lesões em diferentes níveis de gravidade.
A incidência de acidentes automobilísticos ou acidentes graves com pedestres é significativamente elevada nos países em desenvolvimento. As crianças estão expostas a inúmeros fatores de risco, como grande circulação de veículos e baixas condições socioeconômicas, associados à falta de educação adequada em segurança no trânsito e à falta de equipamentos de segurança disponíveis7,17-19.
Características da assistência médica
O Hospital João XXIII é um centro de traumas de primeira linha, capaz de atender pacientes gravemente feridos e de alta complexidade, oferecendo-lhes a possibilidade de tratamento definitivo das lesões traumáticas20. Neste hospital há equipes multiprofissionais compostas por cirurgião geral, pediatra, anestesiologista, enfermeiro e técnico de enfermagem.
Profissionais de saúde de outras especialidades médicas, como ortopedistas, neurocirurgiões e cirurgiões vasculares são agregados à equipe conforme a necessidade16. Em geral, o atendimento inicial ao trauma pediátrico pode ser realizado por qualquer profissional médico treinado, independente da especialidade, sem diferença qualitativa no desfecho do caso12. No entanto, possuir cirurgiões pediátricos para o manejo de casos hospitalizados e mais complexos em crianças seria benéfico para o atendimento à criança, o que não está disponível no Hospital João XXIII.
Propedêutica
A falta de padronização do atendimento médico tem levado a solicitações excessivas de tomografias, expondo as crianças aos riscos da radiação intensa. Ao analisar a propedêutica dos 274 pacientes, observou-se a utilização do FAST como método de rastreamento de lesões importantes de órgãos abdominais, ao invés da tomografia computadorizada. Das 56 crianças (20,4% da amostra total do estudo) que realizaram o FAST, 4 testes (7%) tiveram resultados positivos. A análise subsequente mostrou que dos testes FAST positivos, 3 correspondiam a lesões de órgãos sólidos na tomografia abdominal e 1 era um resultado falso negativo. Cinquenta e dois testes FAST foram negativos e nenhuma lesão abdominal adicional foi encontrada no manejo dos casos. O FAST no HJXXIII é realizado por médico radiologista, o que aumenta a acurácia do exame.
Dos 16 pacientes (6% da amostra total do estudo) que realizaram tomografia computadorizada de abdome, 6 deles (37,5%) apresentaram lesão de órgão sólido e 1 paciente apresentou pneumoperitônio, submetido à cirurgia. Os 10 pacientes restantes não apresentavam alterações tomográficas, mas apenas 1 havia sido submetido previamente ao FAST. A solicitação de exames médicos de imagem desnecessários é uma causa conhecida de atraso nas transferências e no tratamento definitivo em centros de trauma equipados com os recursos necessários21.
Além disso, também há uma preocupação maior na realização de tomografias computadorizadas devido ao aumento do risco de exposição à radiação. A realização de tomografias adicionais desnecessárias (com grandes doses de radiação) aumenta o risco de neoplasia ou dano ao sistema nervoso em desenvolvimento21,22.
Diagnóstico do trauma
Fatores de risco inerentes à faixa etária pediátrica influenciam o padrão e o tipo das lesões traumáticas. As diferenças anatômicas entre crianças e adultos tornam as crianças mais suscetíveis a traumas com maior exposição de estruturas importantes e menor proteção em acidentes23. O traumatismo cranioencefálico (TCE) é frequentemente visto no centro de trauma neste estudo24. Esse aumento da frequência pode ser explicado pelo fato de a cabeça da criança ser proporcionalmente maior que o resto do corpo, contendo o centro de gravidade mais alto e a base do crânio mais frágil24,25.
Apesar da maior incidência de TCE, a maioria é considerada leve e apenas alguns traumatismos cranianos resultam em lesões cerebrais ou sequelas. A estratificação de gravidade média do TCE, de acordo com a escala de coma de Glasgow, foi de 14,31, com mais de 90% dos casos com pontuação acima de 14. Complicações mais graves ocorrem em apenas 10% dos casos10. Portanto, é importante destacar o uso indiscriminado da tomografia de crânio no TCE leve.
Cirurgias realizadas
No total, apenas 16,1% das crianças foram operadas. Os procedimentos cirúrgicos realizados, em ordem de frequência, foram: ortopédico, neurocirúrgico, toracotomia e laparotomia. Considerando o pequeno número de casos de trauma pediátrico que necessitaram de cirurgia, os dados demonstram a importância do tratamento conservador e do manejo do trauma. O manejo não operatório de vísceras parenquimatosas com lesões de diferentes gravidades tem sido mais bem-sucedido em crianças do que na população adulta. Este método de tratamento conservador para lesão visceral pode ser usado se as diretrizes de tratamento forem rigorosamente seguidas e se o paciente for monitorado de forma adequada durante toda a hospitalização13.
Gravidade e mortalidade do paciente
Em todo o Brasil, a maioria dos hospitais utiliza o protocolo de triagem Manchester na triagem14. Este protocolo tem mais de 50 fluxogramas de classificação para várias lesões de pacientes. No fluxograma para pacientes com trauma grave, os pacientes são classificados em várias categorias de gravidade. Pacientes com via aérea comprometida, consciência alterada, dispneia, choque, dor intensa (maior ou igual a 6 na escala de dor) ou mecanismo de trauma significativo são classificados como casos de emergência (vermelho) ou muito urgentes (laranja)13. Esse sistema de categorização é subjetivo e altamente dependente do profissional de saúde responsável pelo atendimento ao paciente. Em comparação com as escalas canadenses, Índice de Gravidade de Emergência (ESI) e um protocolo de triagem holandês26-28, o protocolo de Manchester aumenta de forma imprecisa o nível de prioridade de pacientes menos urgentes. Portanto, ele pode levar a um aumento de pacientes classificados com trauma de menor urgência, aumentando a demanda por serviços de emergência e contribuindo para a superlotação29. Utilizando este protocolo - ECG<15, uso de tomografia, necessidade de cirurgia, óbitos, hospitalização, uso de sangue ou ventilação mecânica e choque - estima-se que 59,4% dos pacientes atendidos foram graves, logo, mais crianças foram levadas para salas de emergência do que o necessário30. Isso pode levar à superlotação das unidades de emergência e ao excesso de intervenções.
Embora os acidentes traumáticos sejam a causa mais comum de morte nas primeiras quatro décadas de vida1, a taxa de mortalidade observada neste estudo no HJXXIII foi relativamente baixa. Como aproximadamente 60% das mortes por trauma ocorrem antes de o paciente chegar ao hospital, sua taxa de mortalidade abaixo do esperado pode ser devido ao paciente estar morrendo no local do acidente ou durante o transporte para o hospital3.
Prevenção
A prevenção é a melhor estratégia para diminuir a mortalidade associada aos acidentes traumáticos que afetam crianças e adolescentes no Brasil6. Particularmente em Minas Gerais com o aumento da prevalência de acidentes traumáticos, programas que promovam educação em segurança no trânsito, ensinem o uso correto de equipamentos de segurança no trânsito e estimulem outras estratégias de redução de risco são imperativos30.
CONCLUSÃO
A avaliação epidemiológica do Hospital João XXIII mostrou que os meninos em idade escolar são os mais acometidos por trauma pediátrico. O mecanismo de trauma pediátrico mais frequente é a queda mecânica, seguida dos acidentes de trânsito. A primeira avaliação de um caso de trauma pediátrico foi realizada na maioria das vezes por um cirurgião geral. O FAST, quando usado, foi capaz de identificar com precisão todos os casos de lesão intra-abdominal significativa. Apenas um pequeno número de casos necessitou de cirurgia e a taxa de mortalidade foi extremamente baixa. Algumas soluções possíveis para melhorar a qualidade do atendimento ao trauma pediátrico são: 1) o desenvolvimento de uma nova ferramenta de triagem que poderia ser usada para melhorar o sistema de classificação de triagem existente; 2) redesenhar a equipe das equipes de provedores médicos da sala de emergência para garantir uma adequada distribuição de conhecimentos e habilidades médicas; 3) encorajando o uso de ferramentas de diagnóstico eficazes e seguras, como FAST e imagens de raios-X para evitar radiação desnecessária; e 4) o estabelecimento de programas de prevenção comunitários robustos que visam quedas mecânicas, acidentes de carro e traumatismo craniano.
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Copyright© 2022 Faria et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons. Atribuição que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
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