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ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Tratamento não-cirúrgico de fístula de alto débito pós-"bypass" gástrico em paciente portador de superobesidade: relato de caso
Non-surgical treatment of high-output fistula after gastric bypass in a patient with superobesity: case report
Laura Moretti Vidotto1*; Ingrid Jordana Bernardes Ferreira2; Rodrigo Azevedo de Oliveira3; Irineu Rasera Jr.1,2,4
1. Universidade Anhembi Morumbi, Piracicaba, São Paulo, Brasil
2. Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida, Redenção, Pará, Brasil
3. Clínica Bragalha, São Paulo, SP, Brasil
4. Clínica Bariátrica de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil
Laura Moretti Vidotto
E-mail: laaaumv@gmail.com
Recebido em: 08 Dezembro 2021
Aprovado em: 14 Fevereiro 2022
Data de Publicação: 27 Maio 2022
Fontes Apoiadoras: Não há.
Conflito de Interesse: Não há.
Editor Associado Responsável:
Claudemiro Quireze Jr.
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
Goiânia/GO, Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: A cirurgia bariátrica é atualmente o tratamento indicado para a obesidade mórbida e a técnica do bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) largamente utilizada em todo o mundo, mesmo para pacientes superobesos. No Brasil, o BGYR é a técnica de escolha da maioria dos cirurgiões bariátricos. As deiscências de anastomose ou da linha de grampeamento estão entre as complicações cirúrgicas mais temidas.
RELATO DE CASO: Paciente com fístula da anastomose gastrojejunal após bypass gástrico em Y de Roux comunicando com a ferida operatória, foi tratado com sucesso com tratamento endoscópico conservador. Após o diagnóstico, o paciente foi submetido à endoscopia digestiva alta em ambiente de centro cirúrgico com passagem de sonda nasoenteral. Onze dias após, foi realizada uma segunda endoscopia com dilatação da anastomose gastrojejunal com vela de Savary-Gillard. A fístula fechou em 21 contando da data de seu diagnóstico.
CONCLUSÃO: A partir desse relato, conclui-se que a abordagem conservadora de fístulas pós-BGYR em pacientes estáveis com auxílio endoscópico para o posicionamento da sonda nasoenteral e dilatação com vela pode reservar bons resultados terapêuticos para a condução dessa complicação e evitar intervenções cirúrgicas mais complexas.
Palavras-chave: Cirurgia Bariátrica; "Bypass" Gástrico; Fístula Anastomótica; Tratamento Conservador; Endoscopia Gastrointestinal.
INTRODUÇÃO
A Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), de 2018, do Ministério da Saúde, mostrou que os brasileiros atingiram o maior índice de obesidade nos últimos treze anos - com um aumento de 67,8% da população obesa entre 2006 e 20181. Frente a estatísticas bastante significativas, o Brasil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) vem propondo ações e abordando a temática de maneira preventiva, terapêutica e curativa. Em virtude de estudos com resultados substanciais a favor da incorporação da cirurgia bariátrica para o tratamento da obesidade2, no Brasil, desde 2001, as cirurgias bariátricas passaram a ser realizadas pelo SUS3. De acordo com os dados do SUS, 93,22% dos procedimentos bariátricos realizados no Brasil pelo sistema público em 2017 eram com a utilização da técnica de derivação gástrica em "Y de Roux"4.
A taxa de complicações desse procedimento tornou-se bastante reduzida ao longo do tempo, principalmente quando a cirurgia é realizada em centros especializados, com grande volume de pacientes operados e por cirurgiões experientes5. As fístulas representam uma das complicações possíveis da intervenção cirúrgica para o tratamento da obesidade, ocorrendo entre 0,1% a 8,3% dos casos6. Essa complicação define-se pela inadequada cicatrização do tecido que permite comunicação entre duas superfícies epitelizadas (por exemplo, fístula gastrocutânea, como a do caso), enquanto a pura saída de conteúdo gastrointestinal pela linha de sutura é definida como vazamento ou deiscência de anastomose. O cenário de inadequada cicatrização representa um desafio para equipe médica, muitas vezes com diagnóstico inicial difícil, internação prolongada, altos dispêndios financeiros e exigindo tratamento complexo, multidisciplinar, com controle da sepse, do déficit nutricional e da fístula em si, podendo também ser fatal, com taxa de mortalidade entre 37,5% e 50%7-9.
A respeito dos fatores de risco para o desenvolvimento, de uma análise realizada através da base de dados Metabolic and Bariatric Surgery Accreditation and Quality Improvement, que incluiu mais de 77 mil pacientes, concluiu que o nível de albumina sérica é um importante preditor para o desenvolvimento de fístulas e vazamentos - aqui enfatiza-se a relevância de um bom aporte e orientação multidisciplinar nutricional no pré-operatório da cirurgia bariátrica. Além dos níveis de albumina, outros parâmetros foram analisados e correlacionaram-se com estatística significativa: índice de massa corporal (IMC), idade, duração da cirurgia, pontuação do American Society of Anesthesiologists (ASA) >3, embolia pulmonar prévia e estado funcional parcialmente dependente8. Também é observável na literatura que indivíduos homens, com dependência de oxigênio no pré-operatório, apneia do sono, hipertensão arterial sistêmica e diabetes, assim como a experiência do cirurgião também são fatores contribuintes para aumentar as taxas de incidência de vazamentos na anastomose5,9,10.
O manejo dessa complicação varia desde tratamento clínico conservador até laparotomia exploradora com fechamento primário da fístula, assim como drenagem radiológica ou laparoscópica em casos de formação de coleção intra-abdominal. Apesar da abordagem cirúrgica da fístula ainda ser o procedimento padrão em muitos centros de cirurgia bariátrica, essa alternativa é geralmente pouco resolutiva para o vazamento, resultando em ressurgimento da fístula e necessidade de abordagens operatórias consecutivas no doente, apesar de ainda existirem controvérsias11. Ao mesmo tempo, a condução totalmente conservadora dos casos pode resultar em cronificação da fístula, o que torna a condução desses casos ainda mais desafiadora.
As intervenções endoscópicas têm sido propostas como a base do tratamento de diversas complicações de cirurgias gastrointestinais e, recentemente, várias alternativas terapêuticas minimamente invasivas vem apresentando desfechos bem-sucedidos ou com resultados promissores12. Frente a esse cenário específico, a abordagem endoscópica tem sido proposta como tratamento das fístulas pós-bypass gástrico. Diversas modalidades desse tipo de tratamento estão em avaliação e sendo colocadas em prática por equipes de cirurgia bariátrica nacional e internacionalmente, incluindo aplicação de colas, clips e drenos, além do uso de próteses auto expansivas, suturas e septotomias. Em virtude desses avanços, as equipes bariátricas vêm incorporando os endoscopistas ao seu próprio time de especialistas ou no referenciamento direto.
O propósito deste relato é mostrar a evolução clínica de um paciente superobeso submetido ao bypass gástrico aberto, cujo quadro fistuloso se desenvolveu e se mostrou diverso da rotina, bem como discutir as opções de tratamento clínico e endoscópico que culminou com sua resolução total e fechamento completo do orifício fistuloso e da incisão.
RELATO DO CASO E MÉTODOS
O termo de consentimento livre e esclarecido foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi - número do parecer 4.419.093 e assinado pelo paciente.
Paciente LFB, do sexo masculino, 27 anos, branco, altura 1,76m, peso inicial 243,6kg, IMC inicial 78,64kg/m2, entrou no Centro de Atenção ao Obeso Grave do Hospital dos Fornecedores de Cana de Piracicaba em 13 de maio de 2019, com atendimento ambulatorial multidisciplinar na clínica bariátrica. Apresentava as seguintes comorbidades: hipertensão arterial sistêmica e apneia obstrutiva do sono (não usava CPAP, embora fosse indicado). Tabagismo com carga tabágica de 10 maços/ano. Etilismo de 34g de álcool/dia. Ex-usuário de cocaína, referiu remissão por 8 meses antes da cirurgia. No pré-operatório, após breve ganho de peso chegando a 247,20kg (+3,4kg), emagreceu até peso 227kg, com IMC 73,28kg/m2 prévio à operação. Finalizado o preparo pré-operatório, assinou consentimento informado da cirurgia. Submetido ao bypass gástrico em Y de Roux, sem anel, por laparotomia no dia 18 de dezembro de 2019, mantido em observação na unidade de terapia intensiva por 24 horas. A técnica cirúrgica utilizada na anastomose foi terminolateral, em dois planos de sutura contínua de polidioxanona 3-0, interrompida nos ângulos, checada com teste de azul de metileno infundido através de sonda orogástrica (Faucher 11). Não são utilizados drenos (de cavidade) na rotina das gastroplastias eletivas deste serviço. Evoluiu sem intercorrências no pós-operatório imediato, recebeu alta para domicílio no 3º dia pós-operatório (DPO).
Reinternado no 4º DPO após sofrer queda da altura da cama enquanto dormia, com trauma abdominal, segundo próprio relato, com realização de esforço para levantar-se. Reiterou que estava assintomático, que não teve vertigem ou qualquer sinal de pré-síncope antes do ocorrido, além de não ter perdido a consciência em nenhum momento. Negou dor abdominal prévia ao acidente e afirmou que se alimentava com dieta líquida conforme recomendado. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, eupneico, corado e hidratado. Apresentava grande hematoma na incisão, com saída de secreção sanguinolenta através de uma pequena deiscência de 4cm na porção média. Sinais vitais: PA = 134x65mmHg; frequência cardíaca de 73 batimentos por minuto; frequência respiratória de 15 respirações por minuto; temperatura de 36,9ºC. Saturando 96% em ar ambiente. O abdome encontrava-se globoso, flácido à palpação, sem sinais de peritonite. O exame físico cardiovascular e pulmonar apresentava-se sem alterações dignas de nota. Nos exames laboratoriais realizados na admissão, observou-se queda da hemoglobina (Hb) desde sua alta hospitalar da realização da cirurgia (Hb [18/12/2019 - pós-operatório imediato] = 16,7g/dL Hb [21/12/2019 - PO4] = 12,3g/dL), assim como discreta leucocitose (leucócitos = 11.140/mm3, referência = 4.000-11.000/mm3).
A conduta inicial foi de observação clínica, com internação hospitalar, repouso e antibióticos. Mantido em dieta líquida sem resíduos, o paciente evoluiu bem e teve alta hospitalar em quatro dias (7º DPO).
Dois dias após a alta, retornou ao mesmo serviço hospitalar com queixa de suspeita de saída da dieta pela incisão após se alimentar. Ao exame físico, constatou-se liberação de saliva através da ferida operatória. Na ocasião apresentava-se em bom estado geral, sem dor abdominal ou alteração dos parâmetros vitais.
Novamente foi admitido em internação hospitalar, com suporte clínico e antibioticoterapia. Foi solicitada endoscopia digestiva alta (EDA), realizada no 10º DPO (27/12/2019), que evidenciou grande fístula no local da anastomose gastrojejunal, com grande trajeto fistuloso gastrocutâneo, o qual era possível adentrar com o aparelho, contendo debris alimentares. Foi realizado passagem de sonda nasoenteral com posicionamento 20cm abaixo da alça eferente, para administração de dieta enteral. Foi realizada uma segunda EDA (21º DPO - 07/01/2020) para avaliar a progressão do fechamento da fístula e dilatação da anastomose gastrojejunal com vela de Savary-Gillard nº 16, observando-se ótimo avanço na cicatrização da mesma. Foi realizado teste com azul de metileno via oral dia 17/01/2020, resultando negativo. Uma terceira EDA foi realizada cinco dias depois (21/01/2020), com constatação da resolução completa da fístula. Todas as etapas foram documentadas (Figura 1).
DISCUSSÃO
Os vazamentos após BGYR ocorrem entre 0,1% a 8,3% dos casos, podendo apresentar-se como cenários agudos ou tardios. Segundo a International Sleeve Gastrectomy Expert Panel Consensus13 podemos classificar os vazamentos conforme o tempo de aparecimento - aguda (1º DPO - 7º DPO), precoce (7º DPO - 42º DPO), tardia (42º DPO - 84º DPO) e crônica (>84º DPO). A classificação também vale para as fístulas, que conservam potencial para um desfecho bastante desfavorável7,12,13 - segundo a literatura, vazamentos anastomóticos que cursaram com fístulas, acabam por ser ainda mais desafiadores, demandando maior tempo e maior leque de opções terapêuticas14. Embora essa complicação atualmente tenha baixa incidência, ainda representa um desafio no seu tratamento direto e nas repercussões sistêmicas da infecção e resposta inflamatória, no manejo dos pacientes com grande massa corporal, com múltiplas doenças associadas e com aspectos psicossociais envolvidos na internação prolongada e nas intervenções múltiplas.
Ainda, as fístulas após BGYR são consideradas menos graves que as após gastrectomia em manga, visto que a existência do estômago excluso aparentemente bloqueia a área de vazamento, além da pressão intraluminal ser considerada menor e pelo fato de ter menor envolvimento pulmonar (fístula gastrobrônquica). Na técnica BGYR, as fístulas de anastomose gastrojejunal são as mais frequentes, representando aproximadamente de 67.8% a 69% do total15,16 e foi o achado diagnóstico do caso relatado.
Este não foi o primeiro caso de fístula tratada sem cirurgia e com observação/intervenção endoscópica mínima neste serviço bariátrico, mas as dimensões da fístula, o elevado índice de massa corporal e a inusitada história de trauma abdominal o diferenciam e merecem destaque. A respeito disso, dois pontos chamam à discussão.
Primeiramente, pode-se fazer aqui algumas reflexões sobre o mecanismo causador da fístula. A primeira é que ela já existia antes do paciente ter a queda, causando ou contribuindo para ocasionar hipotensão ortostática e a queda com trauma abdominal. Como mensagem, destaca-se: a busca dos sinais precoces de fístulas, como a taquicardia. Entretanto, o paciente encontrava-se com todos os parâmetros vitais dentro da normalidade na sua primeira alta hospitalar, bem como na readmissão no dia da queda.
É importante atentar-se ao fato de que os sintomas de dor abdominal e febre são mais tardios nos quadros de fístulas, podendo até estar ausentes, principalmente nos superobesos. Ballesta et al. (2008)15 revisou os pacientes que cursaram com surgimento de fístula no pós-operatório do BGYR e 49,2% estavam assintomáticos no momento do diagnóstico (o serviço tinha como rotina a drenagem da cavidade)15. Alguns estudos têm demonstrado que a taquicardia sustentada com frequência cardíaca acima de 120 batimentos por minuto é sensível indicador de deiscência17,18. Sendo assim, a hipótese de fístula deve ser considerada em todas as ocorrências que tenham alguma repercussão clínica ou evolução não favorável no pós-operatório de uma gastroplastia. Dada a suspeita, é mandatório a realização de tomografia computadorizada quando disponível. Os resultados serão sensíveis o suficiente a depender do índice de massa corporal do paciente, bem como a experiência do radiologista.
Ainda, o consumo de sólidos durante o período da dieta líquida pode contribuir para a formação de fístulas ou deiscências. A primeira EDA desse caso mostrou resíduos alimentares, embora o paciente negasse o consumo de sólidos. A terceira possibilidade é de uma queda acidental e que a fístula GJ tenha ocorrido como consequência de uma elevação súbita da pressão intra-abdominal causada pelo impacto, levando à rotura da linha de sutura da anastomose gastrojejunal. Um trauma abdominal em pós-operatório recente de cirurgia bariátrica é de ocorrência rara e inesperada, nos remetendo à mesma mensagem da hipótese anterior: suspeitar de quadro fistuloso diante de uma ocorrência clínica nesse período, como é o caso da queda. Uma quarta possibilidade, também após queda acidental, é que tenha ocorrido uma eventração aguda no momento do trauma abdominal, não diagnosticada à admissão hospitalar pelo fato de estar contida pelas camadas mais externas da parede abdominal. As alças abdominais evisceradas podem ter gerado uma suboclusão intestinal, aumentando a pressão sobre a anastomose GJ recente, levando à sua abertura e consequente vazamento. É necessário o registro, há muito já publicado, dos benefícios dos procedimentos laparoscópicos frente aos laparotômicos (técnica utilizada no caso), principalmente no que se refere às complicações de parede abdominal. Uma reflexão a posteriori seria a abordagem cirúrgica precoce da deiscência aponeurótica da parede, medida que poderia aliviar a pressão na anastomose.
O segundo ponto chamado à discussão e objetivo deste relato é a condução clínica de uma fístula GJ grave, de alto débito, em paciente superobeso, com base na abordagem endoscópica, cuja intervenção foi pequena, mas suficiente para assegurar a resolução do quadro. Em princípio, nos algoritmos clássicos, a abordagem cirúrgica se impõe diante da suspeita ou confirmação de fístula aguda/precoce, com presença de coleção organizada ou não, tendo como objetivo direcionamento do trajeto e limpeza da cavidade. Raramente há intenção de ressutura, reforço ou oclusão do orifício fistuloso, já que muitas vezes há inviabilidade tecidual para tal, embora quase que invariavelmente seja realizada alguma tentativa de fechamento primário da fístula.
Nos casos em que o diagnóstico de fístula anastomótica ocorre em estabilidade clínica abre-se um leque de opções não cirúrgicas, dentre elas as variantes do manejo endoscópico. Os benefícios dos tratamentos endoscópicos são notadamente observados neste caminho, com ganhos de abreviação de tempo de internação e redução de custos6. Exigem, entretanto, equipe multidisciplinar de gastroenterologistas, endoscopistas e radiologistas em união com o cirurgião bariátrico. Existem poucos ensaios clínicos comparando as opções cirúrgicas, endoscópicas e puramente clínicas/não-intervencionistas, haja vista a baixa ocorrência dessas complicações, a heterogeneidade dos pacientes e das opções de tratamento, bem como os aspectos éticos envolvidos. Entretanto, a literatura disponível aponta a abordagem endoscópica com bons resultados frente à resolução do quadro fistuloso19-21.
A endoscopia digestiva alta terapêutica vem ganhando campo em diversas complicações pós-bariátricas. Além das fístulas, as estenoses, hemorragias, retiradas de bandas de silicone e anéis de Silastic®, aplicações de plasma de argônio e as técnicas suturas endoscópicas vêm sendo aprimoradas e colocadas na prática diária. Especificamente nas complicações fistulosas, as técnicas de drenagem interna com ampliação do orifício fistuloso através da septotomia e dilatação com balão, e as drenagens externas com alocação de drenos a vácuo ou capilares, ambos transparietais, tem resultados promissores na condução de complicações que apresentaram clínica relativamente estável22.
Stents, clips e materiais biológicos como a cola de fibrina são as opções mais comentadas na literatura, com resultados eficazes e altas taxas de sucesso no fechamento da fístula14. Entretanto, a associação de materiais adjuvantes para o fechamento da fístula acaba por exigir, em muitos dos casos, a realização de várias endoscopias para reposicionamento do stent ou reaplicação da cola, por exemplo, além das complicações decorrentes da migração13. A partir disso, uma das abordagens endoscópicas a ser colocada em pauta é a dilatação com balão associada ou não à septotomia.
As fístulas geralmente cursam com aumento da pressão intragástrica devido à estenose reacional a jusante, o que pode ser resolvido pela dilatação, que irá agir permitindo drenagem interna natural do abscesso perigástrico quando presente, diminuindo a passagem de secreção através da fístula - o que, por sua vez, são medidas que permitem o fechamento gradual do orifício fistuloso. Logo, alguns fatores que alimentam a existência da fístula, como abscesso não drenado, reação inflamatória importante e aumento da pressão intraluminal são abordados de maneira a facilitar a cicatrização dentro de um ambiente de suporte clínico e nutricional adequado.
Ainda, a simples EDA com acesso a alça eferente auxilia a drenagem, por ocorrer diminuição da pressão dentro da alça em decorrência da passagem do endoscópio. O paciente foi submetido a três endoscopias: na primeira, houve diagnóstico efetivo da fístula e posicionamento da sonda nasoenteral abaixo da anastomose gastrojejunal e na segunda houve dilatação da anastomose com vela de Savary-Gillard nº 16, já com observação de bom/ótimo avanço na cicatrização. Conforme descrito no laudo da EDA, a dilatação da anastomose oferece redução da área de estenose a jusante para acelerar o fechamento da fístula por possibilitar melhor drenagem das secreções. A última endoscopia digestiva alta observou fechamento da fístula.
Conforme relatado, foi alocada sonda nasoenteral com acesso distal à fístula, a cerca de 20cm abaixo do defeito no ato da primeira EDA. Dentro desse quesito, a nutrição enteral com acesso distal ao vazamento, sendo ofertada o mais precocemente possível, promove suporte mais fisiológico, reduz o risco de mortalidade no manejo de fístulas gastrointestinais, conforme apontam as evidências, de além de reduzir os custos envolvidos na nutrição estritamente parenteral23-25.
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CONCLUSÃO
A partir desse relato e da experiência do serviço, conclui-se que a abordagem conservadora com auxílio endoscópico para o posicionamento da sonda nasoenteral e dilatação com vela pode reservar bons resultados terapêuticos para a condução de fístulas pós-BGYR. Como mensagem, fica a atenção para o desenvolvimento das técnicas endoscópicas como uma alternativa nos casos de fístulas pós-bariátricas e incorporação de profissionais habilitados nas equipes, cujo estado atual já vem contribuindo ao arsenal terapêutico bariátrico.
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