RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 32 e-32404 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2022e32404

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Relato de Caso

Vertigem inicial em paciente com COVID-19 oligossintomática e prolongada: relato de caso

Early vertigo in a patient with oligosymptomatic and prolonged COVID-19: a case report

Izabella Lobato Menezes1; Leonardo de Assis Freitas Velloso1,2,3,4

1. Hospital Metropolitano Odilon Behrens, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
2. Faculdade da Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, Minas Gerais, Brasil
3. Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG - Hospital Eduardo de Menezes, Minas Gerais, Brasil
4. Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde - CIEVS Minas/SES-MG, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Izabella Lobato Menezes
E-mail: izabellalmenezes@gmail.com

Recebido em: 11 Fevereiro 2022
Aprovado em: 14 Fevereiro 2022
Data de Publicação: 27 Maio 2022

Fontes Apoiadoras: Não há.

Conflito de Interesse: Não há.

Editor Associado Responsável:

Alexandre Moura
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
Belo Horizonte/MG, Brasil

Resumo

A doença infecciosa emergente COVID-19, causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, tem sido descrita como potencialmente multissistêmica. Apesar de sua apresentação sindrômica predominantemente respiratória, uma série de manifestações extrapulmonares, incluindo neurológicas, têm sido documentadas. Este relato se refere a um homem de 61 anos, atendido em regime ambulatorial para controle de comorbidades crônicas, com queixas de congestão nasal, vertigem e com PCR SARS-CoV-2 positivo à avaliação inicial e por até 21 dias após início dos sintomas. Não houve sinais de gravidade durante o curso de doença e a resolução completa dos sintomas ocorreu em aproximadamente dois meses após apresentação clínica inicial.

Palavras-chave: COVID-19; Vertigem; Manifestações Neurológicas.

 

INTRODUÇÃO

O novo coronavírus, denominado síndrome respiratória aguda severa - coronavírus 2 (SARS-CoV-2), causador da COVID-19, é um RNA-vírus de fita única com potencial relevante de alastramento rápido global, sendo associado a importantes morbidade e mortalidade1. O vírus possui infectividade associada à presença da proteína estrutural S (spike), que se liga a receptores da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2), o que é relevante para o tropismo celular2. A expressão de ECA-2 ocorre em vários tipos celulares incluindo pulmão, rins, intestino e cérebro, implicando possibilidades de apresentações clínicas variáveis. Dessa forma, a infecção não se restringe apenas ao sistema respiratório e, sendo multissistêmica, pode também acometer sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP)2. O espectro de apresentação clínica é amplo e as manifestações neurológicas da COVID-19 são de apresentação sindrômica complexa e diversa. Elas podem ocorrer de forma independente do sistema respiratório e, às vezes, como apresentação clínica inicial inespecífica3. Os sintomas indicam expressões de gravidade variável e incluem desde cefaleia, tontura, vertigem e parestesia, a formas de doença complexas com convulsões, meningoencefalites, síndrome de Guillain-Barré e complicações cerebrovasculares agudas2. Neste relato, apresentamos evolução clínica atípica de um paciente com apresentação clínica inicial inespecífica, suspeita de acometimento neurológico e evolução prolongada, com sintomatologia e reação de transcriptase reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) positivo persistentes.

 

RELATO DE CASO

Trata-se de paciente do sexo masculino, 61 anos, brasileiro, que se apresentou para atendimento ambulatorial eletivo em ambulatório da rede privada em um município de Minas Gerais, em 06 de junho de 2020, para controle de comorbidades crônicas. Queixava-se de congestão nasal há uma semana e, no início do quadro, apresentou por um dia desequilíbrio leve observado com mudança brusca de posição da cabeça (para levantar-se rápido ou deitar-se e durante movimento rotacional). A vertigem era de qualidade leve, transitória e esporádica. O paciente negou síncope, febre ou outros sintomas sistêmicos ou respiratórios, como odinofagia e tosse. Também não havia sintomas de náusea ou vômito, cefaleia, zumbidos, hipoacusia ou outros sintomas de disfunção vestibular.

Sua história médica abrange diabetes mellitus (DM) tipo I e hipertensão arterial sistêmica (HAS), sem história prévia notória para comorbidades específicas ou eventos prévios de vertigem. Sua medicação nessa época incluía: insulina degludeca 52UI/dia, insulina asparte 42UI/dia, losartana 50mg/dia, rosuvastatina 10mg/dia e ácido acetilsalicílico 100mg/dia. O exame clínico inicial não evidenciou sinais de anormalidades relevantes, nem havia presença de taquicardia, febre, sinais de desconforto respiratório ou taquipneia, e sua pressão arterial era de 120/70mmHg. Não havia instabilidade postural ou de marcha.

Foi aventada hipótese diagnóstica de rinossinusite aguda, de provável etiologia viral. RT-PCR para COVID-19 coletado sete dias após o início dos sintomas evidenciou resultado positivo. Os atendimentos subsequentes ocorreram todos através de teleconsulta, considerando não apenas peculiaridades do caso que permitiam tal modalidade de acompanhamento, mas também a ausência de sinais de gravidade. Durante todo o período de acompanhamento, o paciente negou a emergência de sintomatologia nova que fosse significativa. Hipotensão ortostática foi investigada e não detectada.

A evolução clínica foi marcadamente caracterizada por sintomas prolongados. Congestão nasal persistiu por 24 dias após o início dos sintomas, mas houve melhora rápida após introdução de budesonida nasal. Houve recidiva de episódios de vertigem e evolução com padrão estável em relação à avaliação inicial, com períodos de melhora breves, porém não sustentados, e presença de dias livres de sintomatologia.

Propedêutica complementar, realizada 28 dias após o início dos sintomas, evidenciou provas de função hepática, renal, hemograma completo, ionograma, possíveis marcadores de gravidade (LDH, CK), sorologias para hepatites e outras infecções sexualmente transmissíveis (anti-HIV, anti-HTLV I/II e VDRL) normais. Pesquisa de anticorpos para COVID-19, IgA e IgG, foi negativa e RT-PCR SARS-CoV-2 permaneceu positivo após 21 dias do início dos sintomas, não tendo sido detectado no 34º dia.

O paciente recebeu tratamento sintomático para vertigem com dimenidrinato e, posteriormente, betaistina, ambos com resposta parcial. Devido ao prolongamento do quadro, o paciente foi encaminhado para avaliação da otorrinolaringologia (consulta após 39 dias do início dos sintomas). O diagnóstico foi de vertigem paroxística posicional benigna (VPPB), sustentado por manobra de Dix-Hallpike positiva à eletronistagmografia. Audiometria foi considerada normal. Recebeu prescrição de cinarizina 45mg três vezes ao dia e triancinolona acetonida nasal, com remissão dos sintomas após três semanas. O paciente optou por não realizar reabilitação vestibular devido à melhora clínica com uso da medicação prescrita.

 

DISCUSSÃO

Apesar do acometimento respiratório preponderante, sintomas neurológicos podem afetar até 30% dos pacientes com COVID-194. Conforme Mao et al. (2020)6, 36.4% dos pacientes hospitalizados podem apresentar anormalidades relacionadas5. O neurotropismo do SARS-CoV-2 é possivelmente heterogêneo e multifatorial. Envolvimento direto cerebral, fatores autoimunes e inflamatórios ("tempestade de citocinas"), efeitos adversos a medicamentos, distúrbios metabólicos e neuropatia por cuidados críticos são mecanismos possíveis descritos5 que estão relacionados às características neurotrópicas desse vírus.

As complicações neurológicas usualmente ocorrem de forma precoce, são mais comuns em doença grave e podem ser apresentação clínica isolada em alguns pacientes sem outros sintomas típicos da COVID-193,4,6,7. Vertigem tem sido descrita como uma das manifestações neurológicas possíveis6. Em Viola et al. (2020)8 18,4% dos participantes relataram presença de distúrbio do equilíbrio após o diagnóstico da infecção pelo SARS-CoV-2. Destes, 94.1% alegaram queixa de tontura inespecífica, e ataques agudos de vertigem foram relatados em 5.9% dos casos8. Korkmaz et al. (2021)9 encontraram taxa de vertigem em 6,1% dos casos e tontura em 31,8%.

Picciotti et al. (2021)10 observaram oito pacientes com COVID-19 e vertigem, com achados vestibulares sugestivos de VPPB, principal causa de vertigem vestibular periférica. Em relação à gravidade, três pacientes apresentaram quadro leve e cinco pacientes foram hospitalizados com demanda de cuidados em terapia intensiva. A Tabela 1 apresenta um sumário de descrições prévias da literatura de vertigem associada à infecção pelo SARS-CoV-2.

 

 

Uma importante preocupação no cenário de vertigem aguda é o diagnóstico de exclusão de eventos vasculares agudos do SNC afetando tronco cerebral e/ou cerebelo, sendo essencial a confirmação da origem periférica da vertigem11,12. Dados minuciosos da história, incluindo a presença de sintomas e sinais neurológicos (disartria, disfagia, fraqueza, perda sensorial ou assimetria facial), exame clínico e neurológico (manobra de Dix-Hallpike, reflexo vestibulo-ocular e testes HINT) são importantes na orientação do diagnóstico diferencial entre causas de vertigem periférica e central, e podem determinar a necessidade de neuroimagem13.

No presente caso, essa ampla avaliação ficou limitada devido à melhora da queixa relatada à avaliação inicial, modalidade de seguimento por teleconsulta, considerando o cenário de pandemia ainda precoce e sem vacinas, e períodos de melhora da sintomatologia com certa estabilidade clínica. Entretanto, o caso traz peculiaridades como: modalidade de apresentação clínica atípica com vertigem precoce e suspeita de acometimento neurológico, associada a padrão de doença respiratória leve e oligossintomática com evolução prolongada. Tais circunstâncias levaram a questionamentos sobre diagnóstico diferencial, imunidade e período de segurança para descontinuação do isolamento social. O olhar atento às peculiaridades de manifestações do complexo sintomático da COVID-19 é importante para diagnóstico oportuno, medidas de prevenção, vigilância clínico-epidemiológica e controle infeccioso.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à Dra. Cristiane A. Menezes de Pádua por suas valiosas discussões e conselhos. Também somos gratos a Yuri Hayashi Isayama pela tradução e revisão do manuscrito.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2020 Menezes et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons. Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

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