RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 32 e-32405 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2022e32405

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Relato de Caso

Enfisema pulmonar congênito: relato de caso

Congenital pulmonary enphysema: case report

Laíse Oliveira Resende1*; Rafaela Alves Freitas2; Júlia Pio Fernandes Nery1; Júlio César Veloso3

1. Universidade Federal de São João del-Rei, Divinópolis, MG
2. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG
3. CTI infantil do Hospital São João de Deus (HSJD). Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Divinópolis, MG

Endereço para correspondência

Laíse Oliveira Resende
E-mail: laiseresende.ufu@gmail.com

Recebido em: 22 Agosto 2020
Aprovado em: 29 Março 2022
Data de Publicação: 01 Junho 2022

Editor Associado Responsável:

Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes
Faculdade de Ciências Médica de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil

Fontes Apoiadoras: Não há.

Conflito de Interesse: Não há.

Resumo

INTRODUÇÃO: O enfisema pulmonar congênito (EPC) é uma doença rara, possuindo uma incidência de 1:20-30 mil nascimentos, é mais comum no sexo masculino do que no feminino, em uma razão de 3:1 e sua etiologia permanece desconhecida. Um terço dos casos são sintomáticos ao nascer e praticamente todos são diagnosticados nos primeiros seis meses de vida.
RELATO DE CASO: Recém-nascido (RN) do sexo masculino, evoluiu com desconforto respiratório precoce, sendo encaminhado ao centro de terapia intensiva. Após uso de continuous positive airway pressure (CPAP) e cateter nasal de oxigênio de 12 horas, resultou em bom padrão respiratório e boa saturação. Após realização de tomografia computadorizada, foi diagnosticado o EPC.
CONCLUSÃO: O EPC é uma patologia rara e deve ser suspeitado em RN com desconforto respiratório, atribuindo-se importância aos vários diagnósticos diferenciais possíveis. Apesar da etiologia incerta, é de fácil diagnóstico e possui opções de manejo clínico e cirúrgico.

Palavras-chave: Enfisema Pulmonar; Anormalidades Congênitas; Recém-nascido.

 

INTRODUÇÃO

O enfisema pulmonar congênito (EPC) é uma doença rara, possuindo uma incidência de 1:20-30 mil nascimentos, é mais comum no sexo masculino do que no feminino, em uma razão de 3:1 e sua etiologia permanece desconhecida1,2. Um terço dos casos são sintomáticos ao nascer e praticamente todos são diagnosticados nos primeiros seis meses de vida1-3.

Neste artigo apresentamos um relato de caso de EPC, o qual obteve seu diagnóstico já na primeira semana de vida, confirmado por meio de exames de imagens e quadro clínico compatível.

 

RELATO DE CASO

Recém-nascido, masculino, teve concepção antecipada devido à bradicardia, sem causa aparente. O pré-natal não apresentou intercorrências, nasceu de parto vaginal, com Apgar 10/10, porém evoluiu com desconforto respiratório precoce, sendo encaminhado ao centro de terapia intensiva (CTI).

Utilizou o continuous positive airway pressure (CPAP) por 36 horas, cateter nasal de oxigênio nas 12 horas seguintes e, por fim, cateter nasal de oxigênio e ar ambiente, resultando em bom padrão respiratório e boa saturação.

Durante a internação, realizou-se radiografia de tórax, a qual apresentou hipertransparência mediastinal mal definida (Figura 1). Em seguida, foi realizada uma tomografia computadorizada de tórax (TC) com o seguinte laudo: formações císticas aeradas agrupadas em projeção dos campos pulmonares periféricos do lobo médio, língula e pequeno segmento anterior do lobo superior direito (Figura 2).

 


Figura 1. Radiografia de tórax com evidência de hipertransparência mediastinal.

 

 


Figura 2. Tomografia computadorizada de tórax com formações císticas aeradas agrupadas.

 

Seguiu-se com avaliação da especialidade de cirurgia torácica do hospital, a qual optou por não fazer a lobectomia. Dessa forma, a criança recebeu alta dia 17/06/2019, com orientações básicas de puericultura, optando-se por manejo conservador do quadro e, em caso de emergência, retorno ao hospital.

 

DISCUSSÃO

O EPC é uma doença caracterizada por hiperinsuflação de um ou mais lobos pulmonares, sendo o lobo mais acometido o superior esquerdo (43%), seguido pelo médio (32%) e superior direito (21%); as formas mais raras são as que afetam os lobos inferiores (2%)1.

A hiperinsuflação lobar é provavelmente o resultado final de inúmeras falhas no processo de desenvolvimento broncopulmonar, como interações anormais entre os componentes endodérmicos e mesodérmicos do pulmão. Alguns distúrbios podem levar a mudanças no número de alvéolos ou mesmo do tamanho do alvéolo. Entretanto, um agente causal definitivo não pode ser identificado em 50% dos casos1,4.

A causa mais frequente é a obstrução na via aérea em desenvolvimento, a qual ocorre em 25% dos casos. Essa obstrução pode ser intrínseca ou extrínseca, sendo que a primeira é a mais comum. Isso acarreta na criação de um mecanismo no qual um maior volume de ar entra no lobo afetado durante a inspiração, produzindo aprisionamento de ar1,4,5.

Macroscopicamente, a superfície de corte do segmento ressecado pode parecer relativamente normal, embora alguns alvéolos distendidos possam ser aparentes. Histologicamente, o parênquima pulmonar apresenta espaços aéreos terminais distendidos e, às vezes, alvéolos são rompidos. A compressão ou colapso brônquico, geralmente secundária a um processo intrínseco, como a broncomalácia, é responsável pela lesão. Como pode resultar de compressão brônquica externa, outras anormalidades congênitas, particularmente doenças cardíacas congênitas, como defeitos do septo interventricular ou tetralogia de Fallot, são as associações comuns1.

Com relação ao quadro clínico, geralmente é de uma criança com insuficiência respiratória, cuja radiografia do tórax revela um lobo pulmonar hiperinsuflado, às vezes com herniação pulmonar para o hemitórax contralateral e desvio mediastinal contralateral. Podem ser observadas retrações, sibilos, cianose, tosse crônica, infecções recorrentes do trato respiratório e dificuldade na alimentação. No exame físico, é provável que a hiperressonância na percussão no lobo afetado seja detectada, porque os sons respiratórios diminuem nessa parte do pulmão. Roncos e estertores podem ser ouvidos raramente1,5-7.

O diagnóstico é realizado por meio da clínica e da radiografia de tórax, podendo ser confirmado por TC. A TC de pulmão é o padrão-ouro no diagnóstico de EPC. É útil para avaliação da anatomia do lobo enfisematoso e para avaliar o status dos lobos adjacentes e determinar se o tecido pulmonar contralateral é hipoplásico. A TC com contraste fornece também informações sobre anomalias vasculares e massas mediastinais. Há a possibilidade de o diagnóstico ser feito durante o pré-natal, porém pode ser confundido à ultrassonografia com uma doença cística pulmonar1,7-9.

A broncoscopia é controversa visto que seu uso em recém-nascidos com dificuldade respiratória pode ser perigoso. Assim, em pacientes planejados para tratamento conservador, pode ser utilizada para remover os brônquios, avaliar variações anatômicas ou distinguir corpos estranhos1,8,9.

Para iniciar o tratamento, deve-se ponderar os diagnósticos diferenciais, visto que a radiografia de tórax será o primeiro passo usado no diagnóstico de angústia respiratória, mostrando hiperinflação do lobo afetado, que pode ser facilmente confundida com pneumotórax, pneumatocele, hipoplasia pulmonar e hiperinsuflação pulmonar contrária devido a atelectasias1-3.

Em caso de sintomas leves ou moderados, recomenda-se tratamento conservador. Se o paciente tem progressão clínica ou é clinicamente grave, a opção tradicional de tratamento é a lobectomia, porém, ela pode ser difícil em decorrência do lobo hiperinsuflado e espaço limitado para realizar a cirurgia1,2,8,9.

No caso apresentado, observa-se que se trata de uma apresentação típica de EPC, acometendo mais o sexo masculino e apresentando dispneia nos primeiros dias de vida. Ao analisar a TC de pulmão, verifica-se que o enfisema é predominante no lobo médio, o que corresponde ao segundo local mais comum (32% conforme a literatura)1.

Foi necessária a realização de radiografia de tórax e de tomografia computadorizada a fim de refutar diagnósticos diferenciais como pneumonia, pneumotórax hipertensivo, hipoplasia pulmonar, entre outros. Além disso, a TC se faz crucial na exclusão de anomalias vasculares, malformação adenomatoide cística pulmonar, pneumatoceles, herniação de diafragma, entre outros1,2,7,8. Apesar de não haver consenso na literatura com relação à abordagem em crianças com sintomas leves, deve-se considerar que as crianças assintomáticas com EPC podem deteriorar-se e apresentar eventos com risco de vida mais tardiamente. Os tratamentos conservadores e cirúrgicos têm resultados após um acompanhamento a longo prazo, apesar de o EPC geralmente seguir um curso progressivo e, se não for reconhecido e tratado por cirurgia, pode ser fatal. Contudo, a abordagem não operatória é a mais recomendada em pacientes assintomáticos ou com sintomas leves acometidos por tal patologia1,7,8.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2020 Resende et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons. Atribuição que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

CONCLUSÃO

O EPC é uma patologia rara e deve ser suspeitado em RN com desconforto respiratório, atribuindo-se importância aos vários diagnósticos diferenciais possíveis. Apesar da etiologia incerta, é de fácil diagnóstico e possui opções de manejo clínico e tratamento cirúrgico, o qual é eficaz, seguro e viável em diversas faixas etárias.

 

REFERÊNCIAS

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