RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 32 e-32112 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2022e32112

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Artigo Original

O aluno com diabetes: avaliação dos pais sobre o ambiente escolar

The student with diabetes: parental assessment of the school environment

Cristina Borim Coda Dias Gonçalves1; Rafael Machado Mantovani2; Cristiano Tulio Maciel Albuquerque3; Janice Sepúlveda Reis1; Virginia Mara Reis Gomes4

1. Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) da Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
3. Hospital Infantil João Paulo II, Belo Horizonte, MG, Brasil
4. Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

Cristina Borim Coda Dias Gonçalves
E-mail: cristinaborim@gmail.com

Recebido em: 21 Outubro 2021
Aprovado em: 23 Abril 2022
Data de Publicação: 18 Agosto 2022

Instituição: Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte/MG, Brasil

Conflito de Interesse: Não há

Editor Associado Responsável: Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes
Faculdade de Ciências Médica de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma das doenças crônicas mais comuns da infância. O adequado controle do DM1 engloba uma ação multidisciplinar e envolve ambientes nos quais as crianças passam grande parte do tempo do seu dia, as escolas.
OBJETIVOS: Identificar a realidade vivenciada pelo aluno com diabetes no ambiente escolar sob a visão dos pais ou responsáveis.
MÉTODOS: Aplicado um questionário a 200 pais ou responsáveis por alunos com diabetes matriculados na educação infantil, nos ensinos fundamental e médio de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte, compreendidos entre a faixa etária dos quatro aos dezoito anos.
RESULTADOS: A escolha da escola pelos pais foi influenciada pelo fato da criança ter diabetes em 16,5% dos casos. Houve negação inicial de matrícula. Foram necessárias explicações sobre o DM1 para os professores em 67,5% dos casos. Para 74,5% dos pais, os professores das escolas envolvidas não possuem o conhecimento necessário sobre diabetes. A maioria das crianças tem a permissão para realizar a glicemia capilar em sala de aula. Cerca de 54,5% dos alunos com diabetes fazem o uso de insulina na escola, entretanto, grande parte delas não oferecem um local específico para tal procedimento. A merenda escolar foi considerada inadequada. Houve relato de bullying. Alguns foram impedidos de participarem de excursões e até mesmo da educação física.
CONCLUSÃO: Os alunos com DM1 vivenciam uma realidade inadequada no ambiente escolar. A maioria das escolas não está preparada do ponto de vista técnico e estrutural para receber estas crianças.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus; Educação; Escolas.

 

INTRODUÇÃO E LITERATURA

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma das doenças crônicas mais comuns da infância1-4. No Brasil, a incidência é de aproximadamente sete pacientes para cada 100.000 habitantes. Ele é uma doença autoimune caracterizada pela perda das células beta pancreáticas produtoras de insulina e dependência de insulina exógena para a sobrevivência5. É uma doença crônica que necessita de constante supervisão e cuidado, a fim de evitar possíveis complicações micro e macrovasculares a longo prazo, como retinopatia, doenças vasculares, neuropatia e nefropatia2,4.

Consiste em um desafio o manejo do diabetes em crianças. Para esse grupo etário, a dificuldade na compreensão de sua condição e a necessidade da manutenção de um bom controle glicêmico gera tristeza, angústia e, em alguns casos, revolta. Além do obstáculo psicológico, o manejo técnico diário do DM1 modifica a rotina da criança, da família e de todos que participam do seu dia-a-dia desde o momento do diagnóstico, limitando algumas atividades e podendo gerar um impacto negativo2,6,7. Conflitos familiares são comuns e estão associados a menor aderência ao tratamento e ao pior controle glicêmico6.

Os pacientes com DM1 estão sujeitos a situações de emergências médicas, em que necessitam de um atendimento imediato. A hipoglicemia é a complicação aguda mais comum8. Os episódios hipoglicêmicos, quando recorrentes e graves podem levar a sérias consequências adversas como a incapacidade de concentração e distúrbios comportamentais. Hipoglicemia grave e prolongada, especialmente noturna, se não devidamente tratada, pode resultar em coma, convulsões e até mesmo a morte2,9.

O adequado controle do DM 1 engloba uma ação multidisciplinar que ultrapassa os limites da equipe médico-hospitalar e envolve ambientes nos quais a criança e o adolescente passam grande parte do tempo do seu dia, como por exemplo, as escolas3,10,11. Cerca de 5 a 7 horas diárias, aproximadamente 25% do dia, são gastas em atividades escolares, longe dos pais10. O manejo e acompanhamento de diabéticos nas escolas é um dos aspectos do tratamento mais complexos e envolvem paciente, família e até mesmo funcionários da escola de diversos setores, além de colegas não-diabéticos, tornando uma tarefa de difícil manejo7.

O despreparo dos professores e de toda a equipe escolar em lidar com um aluno com diabetes é percebido tanto em estudos nacionais quanto internacionais. Jacquez et al. (2008)12 em estudo sobre o manejo do diabetes nas escolas perceberam que muitas crianças foram impedidas de aferir a glicemia capilar e até mesmo de aplicarem insulina em salas de aula. Os pais se mostraram preocupados com os episódios de hipoglicemias e hiperglicemias na escola devido à falta de preparo dos professores. Pinelli et al. (2011)13, em "The ALBA Project", realizaram um grande estudo na Itália em 2011. Um questionário foi aplicado aos responsáveis pelos alunos com diabetes e outro aos professores representativos das escolas. Evidenciaram que 40,4% dos professores entrevistados haviam recebido treinamento específico sobre diabetes, sendo que em 61,9% o treinamento foi oferecido pelos próprios pais de alunos. Apenas 2,9% possuíam o manejo de aplicação de insulina. Um problema listado por Bechara et al. (2018)7 relacionado ao treinamento dos professores é o acesso limitado a material e o custo.

A relevância deste estudo deve-se à difícil realidade dos alunos com diabetes evidenciada através de trabalhos científicos sobre o assunto, queixas em consultórios, depoimentos publicamente divulgados em redes sociais e sites institucionais sobre a doença. Portanto, o objetivo deste trabalho é identificar a realidade vivenciada pelo aluno com diabetes no ambiente escolar sob a visão dos pais ou responsáveis.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, realizado no período de agosto de 2014 a março de 2015, em Belo Horizonte, após a aprovação pelo comitê de ética e pesquisa do hospital responsável.

Um questionário com 21 questões foi elaborado a partir de queixas recorrentes nos ambulatórios de referência em DM1 bem como em artigos publicados sobre o assunto: a dificuldade dos alunos com diabetes e seus familiares em conciliarem as tarefas do dia-a-dia no ambiente escolar com as suas necessidades específicas para um adequado controle da doença. Um pré-teste foi realizado para a correção de problemas e dúvidas que pudessem surgir durante a aplicação do questionário. O mesmo foi revisado e utilizado como o instrumento definitivo para a coleta de dados.

O documento apresentava inicialmente o nome do aluno, a idade, o sexo e o tempo de evolução da doença além de dados da instituição de ensino: pública ou privada. A seguir, foram abordadas 21 questões sobre o assunto, sendo uma dissertativa opcional.

A população estudada foi composta por 200 pais ou responsáveis por alunos com diabetes matriculados na educação infantil, nos ensinos fundamental e médio de escolas privadas (62,5%) e públicas (37,5%: sendo 52% municipais e 48% estaduais) de Belo Horizonte, compreendidos entre a faixa etária dos quatro aos dezoito anos. Após devidamente orientados quanto ao estudo, todos os 200 participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Destes, 162 participantes (81%) foram abordados presencialmente, durante as consultas de rotina de seus filhos nos ambulatórios de referência em DM1 - Hospital Belo Horizonte, Hospital das Clínicas, Santa Casa de Belo Horizonte - e consultórios privados de endocrinologia. Os questionários foram respondidos sem a ajuda do pesquisador. Outra forma de coleta de dados foi através da disponibilização eletrônica do questionário, criado através do Google forms14. Neste caso, 38 responsáveis (19%) foram contatados previamente via correio eletrônico ou contato telefônico.

Realizou-se a análise descritiva e comparativa dos dados. Na análise descritiva foi calculado para as variáveis contínuas a média, desvio padrão, mínimo, máximo e quartis. Para as variáveis categóricas foi calculado a frequência e proporção. Para comparar as respostas entre o tipo de escola foi considerado o teste qui-quadrado. As análises foram realizadas no software STATA (Stata Corporation, College Station, Texas) versão 12.0.

 

RESULTADOS

A média de idade dos alunos foi de 11,5±3,7 anos, 6% pertenciam à educação infantil, 69% ao ensino fundamental e 25% ao ensino médio, a maioria do sexo feminino (53,0%), com tempo de doença de 4,8±3,3 anos. A maior parte estudava em escola privada (62,5%), sendo que dentre as escolas públicas, 52% eram municipais e 48% estaduais. A regional centro-sul foi a que apresentou maior número de entrevistados (20,5%) e a norte menor quantidade (9,5%).

Na Tabela 1 são apresentadas as respostas ao questionário.

 

 

A escolha da escola pelos pais foi influenciada pelo fato da criança ter diabetes em 33 dos 200 questionários respondidos (16,5%). Destes 33, duas crianças pertenciam à educação infantil (16,7%), 26 ao ensino fundamental (18,8%) e cinco ao ensino médio (10%), não havendo diferença na escolha pela faixa de idade (p<0,353). Houve negação inicial de matrícula em três escolas envolvidas no estudo (1,5%). Dentre elas, duas eram municipais, cujos alunos pertenciam ao ensino fundamental, e uma privada, cujo aluno pertencia à educação infantil.

Para 74,5% dos pais, os professores das escolas envolvidas não possuíam o conhecimento necessário para receber um aluno com diabetes em sala de aula, sem diferença estatística entre escolas públicas e privadas. Dessa forma, foi necessário que os pais ou algum responsável dessem explicações sobre o DM1 para os professores na maioria dos casos, 67,5% - em ambas instituições.

Com relação à aferição da glicemia capilar em sala de aula, a maioria dos pais (82,5%) respondeu que os filhos tinham a permissão para realizá-la quando necessário, tanto nas escolas públicas como privadas (92,5% e 86,6%, p<0,216, respectivamente). Os filhos foram os responsáveis pelo procedimento em 77% dos casos. Situação semelhante encontrada com relação ao uso de insulina, 45,5% faziam o uso de insulina em período escolar e foram os principais responsáveis pela aplicação da mesma. Entretanto, a maioria das escolas (60%) não oferecia um local específico para a aplicação de insulina, sendo este dado mais prevalente nas escolas públicas em comparação com as privadas (públicas 84,8%, privadas 54,2%, p<0,001).

Os casos de hipoglicemia ocorridos nas escolas, tiveram os seguintes desfechos: houve a tentativa de controle pela própria criança com ou sem a ajuda de professores em 53% dos casos. Os pais foram convocados em 40% dos episódios hipoglicêmicos. Chamado o serviço de urgência em 0,5%. Não souberam responder em 6,5% dos casos. Interessante relato a seguir: "Ligam para minha casa quando minha filha fica sonolenta, não sabem o que fazer. Não sabem nem medir a glicose."

A maioria das escolas (84,5%) foi permissiva aos seus alunos com relação ao livre acesso ao banheiro e a alimentação fora dos horários estabelecidos, tanto em escolas públicas como privadas (87,3 e 84,9%, respectivamente; p<0,736).

Com relação ao preconceito sobre o diabetes, 16,5% das crianças ou adolescentes já sofreram algum tipo de "bullying" nas escolas envolvidas no estudo, sendo que 5% dos pais desconheciam sobre essa possibilidade. Não foi encontrada diferenças entre as escolas públicas e privadas (15,5 e 18,5%, respectivamente; p<0,598).

Em 97,5% das escolas envolvidas, os alunos com diabetes puderam participar das atividades de educação física regularmente. Em somente cinco escolas, dentre elas apenas uma particular, houve negação para tal atividade pelas crianças ou adolescentes, sendo que dois alunos pertenciam ao ensino fundamental e três ao ensino médio.

Em 15 instituições (7,5%), oito particulares e sete públicas, houve a proibição do aluno de participação em excursões ou festas comemorativas. Com relação ao nível de ensino, esta associação foi significativa: 3 crianças do ensino infantil (25%), 10 do ensino fundamental (7,2%) e 2 do ensino médio (4%) (p<0,045).

Na maioria das escolas envolvidas (76%) não houve a presença de um profissional de saúde (médico ou enfermeiro) devidamente capacitado no cuidado do aluno com diabetes. Dentre as escolas que possuíam este profissional, as instituições privadas se sobressaíram em relação às instituições públicas (34,4% x 6,7%, p<0,001).

Quanto à presença de um posto de enfermagem ou ambulatório para atendimentos de primeiros-socorros aos alunos e funcionários dentro da escola, a maioria das instituições (59%) foi deficiente neste aspecto. Esta estrutura de apoio foi evidenciada em maior número nas instituições privadas (48,7%) em comparação às instituições públicas (9,2%), p<0,001.

Em situações emergenciais, algumas instituições de ensino possuem um hospital de referência ou mesmo um posto de saúde indicado para o atendimento aos seus alunos fora do ambiente escolar. Entretanto, a maioria dos pais (38%) demonstraram-se desinformados quanto a existência deste fluxo, 28% confirmaram esta estrutura de atendimento e 34% negaram haver qualquer forma de suporte extraescolar.

A grande maioria das escolas (75,5%) não oferecia alimentos adequados à dieta de filhos. Este fato ocorreu tanto nas cantinas das escolas particulares (72,1%) quanto nas merendas escolares fornecidas pelas escolas municipais e estaduais (81,1%), p<0,158. A presença de um nutricionista nas instituições foi confirmada na minoria das instituições (22,4%).

Entretanto, 77% dos pais e responsáveis indicariam a escola na qual seu filho(a) estuda para outros pais de filhos com diabetes. Comparativamente, as instituições privadas foram mais indicadas pelos pais de alunos com diabetes (88,8%) do que as instituições públicas (57,3%) (p<0,001).

 

DISCUSSÃO

A escolha da escola pelos pais foi influenciada pela localização. A escola perto de casa facilitava o acesso em situações emergenciais que pudessem eventualmente ocorrer com os filhos, conforme relato a seguir: "Escolhi uma escola perto de casa para dar o apoio necessário à minha filha". Este fato, por si só, mostra a insegurança dos pais ao deixarem seus filhos em tais instituições, principalmente na ausência de uma pessoa disponível a ajudar seus filhos2.

A negação da matrícula escolar pelo fato da criança ter diabetes também foi percebida em outros países. Em estudo espanhol, Amillategui et al. (2009)15 mostraram que cerca de 7% dos pais apresentaram problemas ao matricularem seus filhos e para informar sobre o diagnóstico. Houve sugestão para mudança de instituição em 1% e não aceitação da matrícula em 2% dos casos. Fato que demonstra o despreparo das instituições escolares, públicas e privadas, em receber estas crianças.

Vários estudos mostraram que os professores não estão adequadamente treinados para atender as necessidades dos alunos com diabetes. Gormanous et al. (2002)16, em estudo conduzido em Arkansas, dirigido a 463 professores, demonstrou que 90% não haviam recebido nenhum treinamento sobre o assunto e tampouco foram capazes de identificar sintomas de hipoglicemia e tratá-la. Manchón et al. (2009)17 revelaram que os professores sentiram-se inseguros diante aos alunos com DM1, principalmente no que se refere às complicações agudas e revelaram a falta de instruções explícitas sobre o assunto. De acordo com Nabors et al. (2003)18, em entrevista com 105 crianças e adolescentes com diabetes e 68 pais de alunos, demonstraram que os professores necessitavam de maiores informações sobre as necessidades especiais dos alunos com diabetes. Tendo em vista a prevalência da patologia, seu número crescente de diagnósticos e necessidade de monitoramento, os professores, que estão na linha de frente com os estudantes, deveriam estar mais preparados a lidar com possíveis situações agravantes desses alunos2,7.

Segundo a Associação Americana de Diabetes (ADA)19, a escola deve fornecer um local apropriado para a aplicação de insulina e aferição de glicemia capilar ou garantir a permissão para a realização destes procedimentos em sala de aula. Entretanto, no presente estudo, a maioria das escolas (dado mais prevalente nas escolas públicas) não possui este local. São direitos dos alunos com diabetes alimentarem-se durante as aulas, caso seja necessário para a prevenção de hipoglicemia e o livre acesso ao banheiro.

Um grande problema social notado também neste estudo foi o bullying associado ao diabetes. Essa situação esteve diretamente relacionada com a presença de sintomas depressivos, menor adesão ao tratamento e pior controle glicêmico com índices maiores de hemoglobina glicada, segundo Storch et al. (2006)20. No presente trabalho, o preconceito com o diabetes foi associado ao desconhecimento sobre a doença, conforme relato a seguir: "Minha filha sofreu bullying, algumas crianças não queriam brincar com ela com medo de contrair a doença."

Outra situação vivenciada pelo aluno com diabetes é a exclusão das atividades extraclasses, como festas comemorativas, excursões e até mesmo viagens. Seguem dois relatos sobre o assunto descritos neste estudo: "Os colegas de minha filha pensaram que a doença fosse contagiosa e evitaram sua companhia. A escola sugeriu gentilmente uma vez que ela não participasse de uma excursão do colégio."; "Uma vez me pediram que minha filha não fosse a excursão em Ouro Preto." Esta realidade também foi percebida em outros países. Lewis et al. (2003)21, em estudo conduzido em Washington através de questionário dirigido a pais de alunos com diabetes, perceberam a insatisfação por 20% dos entrevistados: as crianças não tinham permissão para participar de excursões a não ser que estivessem acompanhadas de um parente ou enfermeiro da escola.

A atividade física, juntamente à dieta e insulinoterapia são os pilares do tratamento do DM12,4,22. Entretanto, a exclusão das aulas de educação física foi revelada por alunos das escolas envolvidas no estudo. As causas não foram justificadas. Acredita-se, que possivelmente seja devido a um despreparo do professor de educação física, como relatado em trabalho nacional. Pereira (2014)23 avaliou em 2013 o nível de conhecimento de 119 professores do primeiro ciclo do ensino fundamental de escolas públicas de Belo Horizonte frente à atuação com crianças com diabetes tipo 1, nas aulas de educação física. A maioria dos professores entrevistados afirmou nunca ter recebido treinamento em diabetes (97.5%), embora número considerável dos avaliados já tivesse acompanhado, em algum momento de sua profissão, alunos com diabetes (37.8%). Das escolas visitadas, 63% delas não contavam com profissionais capacitados para atender os alunos em caso de emergência.

A merenda escolar oferecida pelas escolas envolvidas no estudo foi considerada inadequada pela maioria dos pais, tanto nas escolas públicas quanto privadas. Em 2009, foi realizado em Belo Horizonte um estudo comparativo entre fatores nutricionais e o controle glicêmico de 140 crianças e adolescentes com DM1 através de um questionário semiestruturado respondido pelos pais ou pelo próprio paciente24. Interessante ressaltar que entre os entrevistados que consumiam a merenda oferecida pelas escolas públicas de Belo Horizonte, houve predomínio de indivíduos com controle ruim, ou seja, valores mais altos de hemoglobina glicada. Este fato sugere a inadequação na qualidade do lanche oferecido pelas escolas.

A partir desses dados, é possível perceber o despreparo da equipe escolar no atendimento ao aluno com diabetes tanto nas escolas públicas quanto privadas de Belo Horizonte. As escolas públicas contam com um agravante ainda maior, a grande maioria delas não apresenta um espaço físico adequado, como uma sala de enfermagem e um profissional devidamente treinado para o acolhimento dessas crianças em situações emergenciais. Entretanto, por mais que se esperasse uma situação melhor em escolas privadas, a maioria delas também não havia estrutura física adequada para atendimentos de primeiros socorros, e um percentual ainda maior não tinha um profissional de saúde contratado. Ainda, as instituições privadas não difeririam das públicas em relação à oferta de alimentos inadequados. A partir disso, pode-se inferir que a precariedade de manejo nas escolas também afeta diretamente na saúde, sendo necessário intervenções para melhor assistência e controle da doença e, consequentemente, benefício em longo prazo em termos de saúde pública. É necessário formar equipes multiprofissionais, através de parcerias em escolas públicas, cujos os investimentos são escassos, e em escolas particulares é necessário conscientizar a importância desse envolvimento profissional. Deve-se, então, intensificar a educação em diabetes para tratamento precoce e adequado das crianças e adolescentes nas escolas, além do reconhecimento do papel da família na manutenção dos cuidados em casa25.

Em estudo de Oliveira et al. (2020)26, foi realizada intervenção com 10 professoras de uma escola pública no Rio Grande do Sul, onde foi aplicado questionário sobre a concepção da DM antes e depois de ação educativa a respeito do tema. Os resultados demonstraram que as informações que as profissionais obtinham eram de forma leiga e superficial, entretanto, após a intervenção, apresentaram maior clareza nas respostas com relação a definição, causas, tratamento e prevenção da DM, demonstrando o efeito positivo da ação educativa. A partir desse exemplo, é possível expandir o estudo para demais profissionais da educação, podendo auxiliar na elaboração de atividades pedagógicas lúdicas26, para os próprios estudantes, familiares e demais funcionários das escolas para desenvolver um plano de cuidado do DM eficaz11.

 

CONCLUSÃO

Os alunos com diabetes vivenciam uma realidade inadequada no ambiente escolar. A maioria das escolas não estão preparadas do ponto de vista técnico e estrutural para receber estas crianças de acordo com a visão dos pais ou responsáveis: há falta de conhecimento dos professores sobre o tema, inexistência de locais apropriados para a aplicação de insulina, merendas escolares inadequadas, ausência de um enfermeiro ou profissional de saúde habilitado para atender estudantes com necessidades especiais. Este despreparo foi percebido tanto em escolas públicas quanto privadas de Belo Horizonte e, também, nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio. Esse trabalho aponta para a necessidade de implementações de políticas públicas e do setor privado, no sentido de melhor adequar a recepção do paciente com diabetes no ambiente escolar, a fim de criar um ambiente seguro e acolhedor para essas crianças e adolescentes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Gonçalves, CBCD: revisão da literatura, coleta de dados, análise dos resultados. Mantovani, RM: coleta de dados. Albuquerque, CTM: coleta de dados. Reis, JS: revisão da literatura, coleta de dados, análise dos resultados. Gomes, VMR: revisão da literatura.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2020 Gonçalves et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

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