RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 32 e-32501 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2022e32501

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Carta ao Editor

Essa publicação é um comentário da publicação: "A psicologia humanista de Carl Rogers na educação médica: Espaços e desafios" publicado no volume 31. Acesse Aqui!

Comentário sobre "A psicologia humanista de Carl Rogers na educação médica: espaços e desafios"

Comment on "Carl Rogers' humanistic psychology in medical education: spaces and challenges"

Paulo Marcos Brasil Rocha1,2; Aline Siqueira de Souza2; Ana Luíza Silva Müller2

1. Departamento de Saúde Mental - Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Programa de Residência Médica de Psiquiatria Geral - Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

Aline Siqueira de Souza
E-mail: siqueiradesouza.aline@gmail.com

Recebido em: 10 Setembro 2021
Aprovado em: 08 Abril 2022
Data de Publicação: 18 Agosto 2022

Conflito de Interesse: Não há

Editor Associado Responsável: Agnaldo Soares Lima
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Diretor Científico da Associação Médica de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil

 

Prezado editor,

Lemos com enorme interesse o artigo publicado recentemente neste periódico científico com o título "A psicologia humanista de Carl Rogers na educação médica: Espaços e desafios"1. Nele, os autores exploram as possíveis contribuições do psicólogo estadunidense Carl Rogers e seu método da "Abordagem Centrada na Pessoa" como ferramenta para a prática e o ensino na graduação médica2. De início, devemos declarar que compartilhamos integralmente da visão e conceitos expostos pelos autores. Em tempos de preferência por publicações de estudos clínicos experimentais pelos periódicos científicos, é extremamente louvável que também se abra espaço para artigos conceituais que exploram ideias e discussões igualmente importantes para a formação e educação profissional. Como bem asseveram os autores, esse debate é importante para fomentar a construção de uma formação humanizada do profissional médico, habilidade tão relevante para a prática clínica quanto o conhecimento e domínio da semiologia, da construção do raciocínio clínico ou mesmo do uso consciencioso do instrumental oferecido pela medicina baseada em evidências. Ressalta-se ainda a relevância de tais competências para a condução de uma entrevista médica adequada, uma vez que dados indispensáveis ao raciocínio clínico são mais bem obtidos por meio de um diálogo pautado numa relação de acolhimento e escuta. Além disso, a simples percepção de acolhimento na relação médico paciente pode, por si só, proporcionar satisfação e adesão às propostas terapêuticas. Adiante serão discutidos alguns aspectos adicionais acerca do tema que se fazem pertinentes e, em nosso entendimento, poderiam também ser utilizados pelos cursos de medicina com a finalidade de capacitar os graduandos em habilidades humanísticas.

Inicialmente, é necessário mencionar que existem na psicologia diversas escolas e correntes clínicas de contribuições extremamente relevantes para o tratamento e abordagem das desordens e transtornos psíquicos. Todavia, nos parece que a adequação da abordagem humanista da psicologia de Carl Rogers para o objetivo em tela, se revela justamente à medida que o que aqui se pretende construir são habilidades e competências da relação intersubjetiva entre médico e paciente. Ou seja, mais do que a expertise clínica na abordagem de transtornos psiquiátricos específicos, aqui se busca um referencial teórico adequado e prático ao desenvolvimento de competências para uma prática clínica humanizada dentro do perfil "generalista" do egresso da graduação em medicina. Ademais, como apontam os autores, cabe enfatizar que, além da evidente importância das competências descritas para a prática profissional, há expressa recomendação nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ministério da Educação do Brasil (DCN) no sentido de uma formação com base humanística para a educação e formação médica3.

Em segundo lugar, avaliamos que as disciplinas curriculares de Psiquiatria e Saúde Mental representam uma excelente oportunidade e cenário para o desenvolvimento das referidas habilidades e competências humanistas. Assim, atitudes e habilidades como empatia, o desenvolvimento de uma vinculação terapêutica ou "rapport" com o paciente, bem como de inúmeras estratégias de comunicação, poderiam ser satisfatoriamente treinadas e desenvolvidas nos cenários e contextos clínicos dessas disciplinas. Além disso, já existe disponível uma ampla gama de referências bibliográficas acerca do tema e adequadas para a graduação que, embora já utilizadas, talvez ainda não tenham assumido a devida centralidade que deveriam ocupar na formação do profissional médico4-6. Ademais, a Psiquiatria é uma especialidade médica que, reconhecidamente, tem na capacidade de entrevista clínica uma das suas principais habilidades7. Dessa forma, valendo-se da boa bibliografia disponível sobre o tema, o cenário clínico dessas disciplinas poderia ser utilizado para integrar o aprendizado teórico-prático, oferecendo talvez uma oportunidade única dentro da graduação para o aluno, sob a supervisão de um professor psiquiatra ou profissional da saúde mental, desenvolver habilidades humanistas e de boa entrevista clínica e anamnese.

Em terceiro lugar, e como alternativa de adaptação ao contexto atual da pandemia, ferramentas como vinhetas clínicas em vídeo amplamente disponíveis na internet, poderiam ser utilizados em contexto de aprendizado remoto para os mesmos objetivos. Modelos de abordagem e técnicas de entrevista poderiam ser explorados e, posteriormente discutidos, entre alunos e professor em ambiente compartilhado. Naturalmente, tais ferramentas pedagógicas poderiam ser mantidas durante a transição para o ensino híbrido emergencial e, no futuro, serem eventualmente incorporadas nas atividades acadêmicas após o retorno às aulas presenciais. Em quarto lugar, em um cenário mais adiantado da graduação, dentro do contexto dos internatos, os cursos de graduação médica poderiam, a exemplo da iniciativa pioneira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), valer-se de experiências como o internato integrado de Saúde Mental e Medicina da Família e Comunidade para reforçar e desenvolver as habilidades para uma prática humanizada em cenários reais de prática clínica na atenção primária e sob supervisão multidisciplinar8. Tal cenário de aprendizagem poderia certamente ser utilizado para o desenvolvimento dessas competências e parece ser uma possibilidade perfeitamente exequível para a maior parte dos cursos de graduação médica no Brasil.

Em síntese, buscou-se nessa carta ao editor contribuir brevemente com algumas considerações para a necessária discussão sobre como construir um currículo dentro do contexto da graduação médica que fomente a formação de profissionais capacitados a uma prática clínica humanizada conforme preconizado pelas DCN3. Descrevemos algumas razões para corroborar com a visão dos autores sobre a adequação da abordagem humanista de Carl Rogers como ferramenta para o desenvolvimento das referidas competências clínicas. Posteriormente, foram exploradas algumas alternativas sobre como essas habilidades e competências poderiam ser desenvolvidas e trabalhadas nas disciplinas ligadas aos departamentos de psiquiatria e saúde mental e seus cenários de prática para promover a formação de profissionais capazes de exercer uma prática clínica humanizada. Por fim, e principalmente em um contexto aparentemente irreversível de progressiva incorporação de tecnologias disruptivas como a inteligência artificial e a ciência de dados (big data) na prática profissional, sem prejuízo das demais habilidades médicas, a competência para uma prática clínica humanizada que efetivamente compreenda a dimensão biopsicossocial do processo saúde-doença nos parece ser exatamente o alicerce fundamental para balizar uma boa prática da medicina.

 

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REFERÊNCIAS

1. Bicalho MGP, Lucino MBS, Silva LT, Diniz ACO. A psicologia humanista de Carl Rogers na educação médica: espaços e desafios. Rev Med Minas Gerais. 2021;31:e-31304.

2. Rogers CR. Client centered therapy: its current practice, implications and theory. 70a ed. Londres: Editora Robinson; 2021.

3. Ministério da Educação (BR). Resolução no 3, de 20 de junho de 2014 (BR). Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): Portal MEC; 2014; [acesso em 2021 Set 08]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15874-rces003-14&category_slug=junho-2014-pdf&Itemid=30192

4. Carlat DJ. Entrevista psiquiátrica. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.

5. Marco M, Abud CC, Luchese AC, Zimmermman VB. Psicologia médica: abordagem integral do processo saúde-doença. Porto Alegre: Artmed; 2012.

6. Rios IC. Subjetividade contemporânea na educação médica: a formação humanística em medicina [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP); 2010.

7. McCready JR, Waring EM. Interviewing skills in relation to psychiatric residency. Can J Psychiatry. 1986 Mai;31(4):317- 22.

8. Cavalcanti MT, Gomes MK, Azevedo LMS. Internato de Saúde Mental para alunos de Medicina: qual o melhor cenário de formação?. Interface (Botucatu). 2020;24:e190159. DOI: https://doi.org/10.1590/interface.190159