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CAPES/Qualis: B2
Perfil epidemiológico do autoextermínio na microrregião de Barbacena/MG entre os anos 2012 e 2019
Epidemiologic self-extermination profile in the microregion of Barbacena/MG from 2012 to 2019
Raissa Novelli Ulhôa; Adriana Caixeta Brida Ávila; Clara dos Reis Aguiar; Paola Carvalho Megale; Sarah Machado Salvador Elias; Carlos Eduardo Leal Vidal
Faculdade de Medicina de Barbacena - FUNJOBE
Endereço para correspondênciaRaissa Novelli Ulhôa
E-mail: raissanulhoa@gmail.com
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Barbacena - MG; CEP 36202-336; (32) 3339-2950
Resumo
INTRODUÇÃO. O suicídio é um fenômeno humano complexo e universal, representando um importante problema de saúde pública. Ao longo dos anos o Brasil apresenta coeficientes de mortalidade por autoextermínio de graus baixo e médio, mas figura entre os 10 países com maior número absoluto de suicídio. Em Minas Gerais, um estudo apontou taxas elevadas na microrregião de Barbacena, superiores ao coeficiente nacional.
OBJETIVO. Verificar o perfil epidemiológico dos óbitos por suicídio ocorridos no período de 2012 a 2019 em Barbacena/MG, comparando a série histórica anterior.
MÉTODO. Estudo transversal referente à mortalidade por suicídio na microrregião de Barbacena, Minas Gerais, utilizando dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade.
RESULTADOS. Durante o período estudado ocorreram 191 mortes por suicídio, com coeficiente médio de 10,1 óbitos/100 mil habitantes, superior ao coeficiente do estudo citado, que foi de 6,9 óbitos/100 mil habitantes. Predominaram as mortes em homens (78,1%), no grupo etário de 40-49 anos (26,6%), nas pessoas solteiras (49,2%) e da raça branca (62,8%). O método mais empregado foi o enforcamento (64,9%).
CONCLUSÃO. Os dados encontrados mostraram que a taxa de mortalidade por suicídio na região permanece elevada, indicando a necessidade de mais estudos para se evidenciar os possíveis fatores associados e a formulação de estratégias preventivas regionais.
Palavras-chave: Suicídio. Medidas em epidemiologia. Mortalidade.
1. INTRODUÇÃO
O suicídio é um fenômeno humano complexo e universal que representa um grande problema de saúde em todos os países.1 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 800.000 pessoas morrem por suicídio anualmente, o que corresponde a aproximadamente uma morte a cada 40 segundos. Em função dos elevados coeficientes e do impacto psicossocial que estas mortes provocam, os Estados-Membros da OMS se comprometeram a reduzir as taxas de suicídios dos seus respectivos países em 10% até 2020. Em 2012 o coeficiente mundial médio foi de 11,4 por 100 mil habitantes e em 2016 verificou-se uma taxa de suicídio padronizada por idade de 10,5 óbitos para cada 100.000 habitantes.2 No entanto, essa redução não foi observada globalmente, havendo um incremento de 6% na região das Américas.3 Estimativas precisas das taxas de suicídio são difíceis de se obter, já que nem todos os países membros da OMS possuem registros atualizados dos dados.
As taxas de suicídio variam ao longo do tempo, dentro de um mesmo país e entre países, podendo chegar a diferenças de até dez vezes entre as regiões, o que parece estar relacionado com questões geográficas, socioeconômicas, culturais e até mesmo com a subnotificação. Influências culturais podem superar o aspecto de localização demográfica, visto que as taxas de suicídio de imigrantes têm relação mais íntima com seu país de origem do que com seu país adotivo. Além disso, ao redor de todo o mundo, os povos indígenas, por exemplo, apresentam taxas de suicídio acentuadamente aumentadas, o que parece ser devido à ruptura de suportes culturais e familiares tradicionais, nível socioeconômico mais baixo e alta prevalência no uso de álcool e substâncias psicoativas - que também são fatores de risco do suicídio para as outras camadas da população.4 Apesar dos países desenvolvidos apresentarem coeficientes mais elevados que países de baixa e média renda (12,7 e 11,2 por 100.000 habitantes, respectivamente), em números absolutos, os países menos desenvolvidos respondem por mais de 75% dos suicídios no mundo.5 O Brasil, por ser um país populoso, figura entre os dez países que registram os maiores números absolutos de suicídios.6
As taxas de suicídio também diferem por sexo e idade,2 sendo que o coeficiente de mortalidade por suicídio é cerca de três vezes maior nos homens do que em mulheres e esta diferença entre os gêneros é ainda maior nos países de alta renda.5 Com relação à faixa etária, em perspectiva global, o suicídio ocupa o segundo lugar como principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, sendo elevado também entre os idosos.7 Quanto aos métodos utilizados, os mais frequentes mundialmente são o enforcamento, o uso de armas de fogo e envenenamento por pesticidas, padrão que se repete no Brasil.4
A distribuição da mortalidade por suicídio no Brasil mostra diferenças regionais, com as taxas mais elevadas observadas nas regiões Sul e Centro-Oeste. Já nas regiões Norte e Nordeste foram verificados coeficientes médios mais baixos no período de 1980 a 2006. No entanto, até 2001, nestas duas regiões estavam concentrados os municípios não notificadores de mortes por suicídio,8 o que parece ter contribuído para as taxas mais baixas. No geral, os coeficientes de mortalidade sofrem oscilações temporais, no período de 1996 a 2015, por exemplo, as regiões Norte, Nordeste e Sudeste apresentaram tendência de crescimento, enquanto no Sul houve tendência decrescente e na região Centro-Oeste estabilidade.9 Diferenças nos coeficientes de mortalidade são também observadas entre os estados componentes de cada região e suas respectivas capitais, com taxas médias variando de 1,2 mortes por 100.000 habitantes em Salvador até 7,6 mortes por 100.000 habitantes em Boa Vista no período de 1980 a 2006. Enquanto, em Belo Horizonte, o coeficiente médio de mortalidade por suicídio situa-se em torno de 4,7 óbitos para cada 100.000 habitantes,4 semelhante ao observado em Minas Gerais, que é de aproximadamente 5,0 mortes a cada 100.000 habitantes.
Uma pesquisa nacional sobre taxas de suicídio em municípios brasileiros abrangendo o período de 2004-2010 apontou a cidade mineira de Barbacena com coeficiente médio de 8,8 óbitos por 100 mil habitantes, classificado como o 4º maior coeficiente em cidades da Região Sudeste com população entre 100 e 200 mil habitantes. Outro dado expressivo é que o número de suicídios na microrregião de Barbacena é 25% maior que o número de homicídios, ao contrário do observado na maioria das outras regiões de Minas Gerais.10 Discute-se a possibilidade da existência de conexões inversamente proporcionais entre homicídio e suicídio,11 mas essas suposições são inconclusivas.12
O último levantamento epidemiológico sobre a mortalidade por suicídio na referida microrregião compreendeu o período de 1997- 2012. Desde então, não houve atualização sobre tais dados. No estudo mencionado, o coeficiente médio verificado foi de 6,9 óbitos por 100 mil habitantes, superior ao observado no Brasil e em Minas Gerais, que se situava em torno de cinco óbitos por 100 mil habitantes.13
Considerando o exposto, o objetivo desta investigação foi o verificar o perfil epidemiológico das mortes por suicídio ocorridas durante o período de 2012 a 2019 em Barbacena/MG e comparar os achados com o estudo realizado anteriormente.
2. MÉTODOS
2.1. Tipo, população e período do estudo
Trata-se de estudo transversal no qual foi realizada análise dos dados referentes à mortalidade por suicídio na Região de Saúde de Barbacena, Minas Gerais, área composta por 15 municípios e população aproximada de 230.000 habitantes.13 A pesquisa teve caráter censitário, utilizando dados de mortalidade do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) incluindo todos os indivíduos de ambos os sexos e com mais de 10 anos de idade. O período considerado no levantamento dos dados compreendeu os anos de 2012 a 2019. O ano de 2012 foi incluído neste estudo visto que na série anterior (1997-2012) os dados referentes àquele ano não estavam atualizados. O município de Barbacena é referência regional para atendimento em diversas áreas da saúde, possuindo a seguinte estrutura de serviços:
Dezenove Unidades Básicas de Saúde (UBS), vinte e cinco equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF), três equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), uma equipe de Consultório na Rua, uma equipe de Melhor em Casa e um Centro de Convivência e Cultura; três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) sendo um CAPS-AD III, um CAPS III e um CAPS-I; uma unidade de internação psiquiátrica para pacientes em crise com vinte leitos masculinos e dez leitos femininos; quatro hospitais gerais e uma central reguladora do SAMU; trinta e duas Residências Terapêuticas com, aproximadamente, duzentos e vinte moradores egressos de internações de longa permanência nos hospitais psiquiátricos de Barbacena e dois ambulatórios de saúde mental. E a maioria dos demais municípios componentes da microrregião possuíam ou estavam estruturando serviços básicos de saúde mental na modalidade CAPS I durante a realização desse estudo.
2.2. Procedimentos e Análise Estatística
Os dados relativos à mortalidade por suicídio foram obtidos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS - SIM) e do Portal de Vigilância em Saúde de Minas Gerais.14,15 O cálculo da população no período selecionado foi realizado com base nos dados obtidos do DATASUS e por meio das estimativas e projeções populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).16
Foram estudadas as seguintes características e indicadores: a) sexo, idade, estado civil, escolaridade e raça; b) taxa de mortalidade geral; c) mortalidade proporcional por grupo de causas; d) coeficiente de mortalidade específico por causas externas e por suicídio; e) coeficiente de mortalidade específico por sexo; f) descrição dos meios empregados para o suicídio. As faixas etárias, em anos completos, foram descritas conforme a especificação do DATASUS e agrupadas como se segue: a) 10 a 19; b) 20 a 29; c) 30 a 39; d) 40 a 49; e) 50 a 59; f) Acima de 60.
Para os casos de suicídio foram incluídas aquelas mortes codificadas entre X60 e X84 e para o cálculo das taxas de mortalidade por suicídio utilizou-se como numerador o número de casos notificados anualmente por local de residência na microrregião, dividido pela população no mesmo período. Os coeficientes de mortalidade foram expressos como número de óbitos por 100 mil habitantes por ano.
Os dados foram analisados em termos de frequências simples absoluta (números absolutos) e relativa (proporções, razão e taxas). As variáveis dependentes consideradas foram as taxas brutas de mortalidade (total e por sexo), sendo o ano da ocorrência a variável explanatória. Foi calculada também a variação percentual anual (Annual Percent Change - APC) e a variação percentual anual média (Average Annual Percent Change - AAPC) por meio do modelo de regressão Joinpoint.17 Tal modelo permite analisar tendências temporais, utiliza como variável dependente a transformação logarítmica da taxa e verifica se vários segmentos reta explicam melhor a tendência temporal do que uma única reta.
Os dados foram colhidos em formulário próprio, criado para tal finalidade pelos pesquisadores, e digitados em planilhas no programa Excel. A análise estatística foi realizada no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0 e por meio do software Joinpoint Regression Program. Versão 4.8.0.1.17 Para cada tendência detectada foram considerados Intervalos de Confiança de 95% e nível de significância de 5%.
Por se tratar de pesquisa que utilizou informações de acesso público e banco de dados sem possibilidade de identificação individual, não houve necessidade de submissão do estudo ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), conforme Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
3. RESULTADOS
Nos 15 municípios que constituem a microrregião de Barbacena ocorreram 14.078 óbitos no período de 2012 a 2019, sendo 1.219 por causas externas e 191 por suicídio. As mortes por suicídio corresponderam a 15,7% das mortes por causas externas e, aproximadamente, a 1,36% da mortalidade geral. E, conforme o estudo anterior, o número de mortes por suicídio foi bem maior que o número de mortes por agressão, que foi de 94 óbitos.
As mortes de indivíduos do sexo masculino corresponderam a 78,1% do total de suicídios. Entre homens, o maior percentual de óbitos ocorreu no grupo etário de 40-49 anos (26,2%), seguido pelos indivíduos na faixa etária de 30-39 (20,8%) e 20-29 anos (18,8%), correspondendo a 65,8% de todos os óbitos masculinos. Já entre as mulheres, ocorreram mais óbitos na faixa etária dos 50-59 anos (28,6%) e 40-49 anos (19,0%).
Tanto para homens quanto para mulheres os óbitos predominaram nas pessoas solteiras (49,2%) e nas da raça branca (62,8%). Em relação ao local de ocorrência o mais comum foi o domicílio, registrando 53,9% dos casos. E quanto ao grau de instrução, não foi possível obter informações para a maioria dos casos de suicídio.
Em ambos os sexos e em todas as faixas etárias o método mais empregado para consumar o suicídio foi o enforcamento, correspondente a 64,9% das mortes, seguido por intoxicação medicamentosa. Os dados referentes às características da amostra e aos métodos utilizados são apresentados na Tabela 1.
Os coeficientes anuais de mortalidade por suicídio variaram de 12,0 em 2012, a 12,6 mortes por 100 mil habitantes, em 2019. O coeficiente médio no período foi de 10,1 óbitos por 100 mil habitantes. No sexo masculino, o coeficiente médio de mortalidade foi de 15,9 óbitos por 100 mil, variando de 12,8 a 20,4; no sexo feminino, o coeficiente foi de 4,3 por 100 mil, com variação de 0,8 a 6,7, indicando uma razão homem/mulher de 3,7:1. Esses dados são apresentados na Tabela 2.
A análise de regressão verificou tendência estacionária para a mortalidade por suicídio no sexo masculino e no coeficiente médio global (respectivamente APC/AAPC = -1,2 e -0,8). Para as mulheres observou-se tendência crescente no período de 2014 a 2019 (APC = 26,7). Considerando-se todo o período, a tendência temporal no sexo feminino foi estacionária (AAPC = -1,3 - IC 95%: -15,7; 15,8). Esses dados são apresentados nas Figuras 1,2 e 3 e na tabela 3.
4. DISCUSSÃO
Os resultados apresentados indicaram elevados coeficientes de morte por suicídio no período estudado, superiores aos verificados na série histórica anterior. Apesar de elevados, observou-se tendência temporal estável, com exceção do período de 2014-2019 para o sexo feminino. No estudo que compreendeu o período de 1997 a 2012, o coeficiente médio foi de 6,9 óbitos para cada 100 mil habitantes, atingindo, em alguns anos, coeficientes duas vezes superiores aos verificados nos níveis estadual e nacional.13 Apesar da tendência estável, a comparação dos dois períodos mostrou diferenças expressivas em relação ao coeficiente médio de mortalidade por suicídio, evidenciando um aumento de 46% em relação ao período anterior.
Da mesma forma, a análise dos dois períodos indicou diferenças importantes nos coeficientes de mortalidade por suicídio entre os sexos, evidenciando aumento de 41,9% no coeficiente médio de mortalidade para os homens e de 72% para as mulheres. Consequentemente, houve diminuição da razão de mortalidade homem/mulher (3,7:1), apontando um aumento dos suicídios no sexo feminino. No Brasil, de 2012 a 2019 houve aumento de aproximadamente 30% no número de suicídios em ambos os sexos, com razão de mortalidade homem/mulher de 3,6:1.14 A mesma proporção de óbitos por sexo foi também observada em todas as cinco regiões brasileiras no período de 1996 a 2015.9 No mundo, a taxa de mortalidade padronizada por idade é 1,8 vezes maior nos homens (13,7 por 100 mil) do que nas mulheres (7,5 por 100 mil). Em países de alta renda a mortalidade por suicídio nos homens é três vezes superior a taxa feminina, enquanto a razão de mortalidade entre homens e mulheres é menor e mais uniforme em países de baixa e média renda, situando-se em torno de 1,6:1.18 Os únicos países onde a taxa de suicídio foi estimada como mais alta em mulheres do que em homens foram Bangladesh, China, Lesoto, Marrocos e Mianmar.3
No Brasil, a taxa de mortalidade por suicídio apresentou coeficiente médio de 5,7 mortes por 100 mil habitantes durante o período 2004-2010, aumentando para 6,1 mortes por 100 mil habitantes em 2016, com 3,1 e 10,0 óbitos por suicídio a cada 100 mil habitantes para os sexos feminino e masculino, respectivamente, evidenciando tendência crescente.3,19 Globalmente, o número total de mortes por suicídio aumentou em 6,7% entre 1990 e 2016, mas a taxa de mortalidade padronizada por idade diminuiu 32,7%, passando de 16,6 mortes por 100.000 em 1990 para 11,2 mortes por 100.000 em 2016. No entanto, essa redução não ocorreu de forma homogênea, sendo de 23,8% para os homens e de 49,0% para as mulheres.20
A respeito do local de ocorrência do óbito houve mudanças entre os dois períodos considerados, com aumento de 13% no percentual de óbitos femininos ocorridos em domicílio e de 5% para os óbitos masculinos. Paralelamente verificou-se diminuição das mortes em ambiente hospitalar, tal redução parece estar relacionada ao método utilizado para o suicídio, uma vez que, houve aumento considerável do número de suicídios por enforcamento em ambos os sexos, principalmente entre as mulheres, em que o enforcamento foi responsável por mais da metade das mortes. A letalidade associada ao enforcamento é elevada e cerca de 70% das vítimas são declaradas mortas no local da tentativa, devido à dificuldade de socorro médico. Em contrapartida, quando o indivíduo chega com vida ao hospital a probabilidade de sobrevivência é de 80-90%. O aumento do suicídio por enforcamento tem sido observado globalmente, principalmente entre homens jovens e mulheres com idade inferior a 45 anos, no entanto, tem diminuído em mulheres acima dessa faixa etária.21
Igualmente, com relação à variável idade, foram observadas diferenças no percentual de óbitos por faixa etária. No presente estudo, aumentos ocorreram nos indivíduos com idade superior a 50 anos, também mais expressivo nas mulheres, correspondendo a 45,2% do total dos óbitos femininos por suicídio. Ao passo que com relação ao sexo feminino houve redução dos óbitos em todas as outras faixas etárias. Em relação ao sexo masculino, houve pequeno aumento percentual verificado nos suicídios de adolescentes. Nesse mesmo grupo, verificou-se redução dos percentuais entre aqueles indivíduos com 20 a 39 anos e uma relativa estabilidade na faixa etária dos 40-49 anos. Globalmente, mais da metade (52,1%) dos suicídios ocorreram antes dos 45 anos em 2016.3 Entre 1990 e 2016, para ambos os sexos, o maior percentual de mortes por suicídio ocorreu antes dos 30 anos no sul da Ásia (46,0%), América Latina e Caribe (38,7%) e Norte da África e Oriente Médio (38,6%), o que pode estar relacionado à estrutura etária dessas regiões. Todavia, mortes por suicídio para menores de 30 anos representaram menos de 30% do total de mortes por suicídio em regiões mais desenvolvidas. No mesmo período, um quinto das mortes por suicídio ocorreu entre pessoas com 60 anos ou mais.20
Em relação à distribuição dos óbitos de acordo com a raça/cor das vítimas, houve aumento dos suicídios naquelas de cor parda, mas a cor da pele é uma variável de difícil mensuração, dificultando a interpretação dos dados. Quanto ao estado civil, a comparação dos dois períodos não mostrou diferenças expressivas, com predominância em indivíduos solteiros.
Algumas limitações deste estudo merecem ser consideradas, visto que a utilização de dados obtidos do SIM apresenta desvantagens e limitações metodológicas, como viés de informação, por exemplo. No caso específico das causas externas existe subnotificação ou preenchimento inadequado das declarações de óbito. Apesar da legislação brasileira determinar que a declaração de óbito, nas mortes suspeitas ou decorrentes de causa externa, seja sempre fornecida por médico legista após necropsia,22 os registros costumam assinalar apenas a natureza da lesão, negligenciando o aspecto relativo ao tipo de causa externa. Junto a isso, a não consideração dos casos codificados como intoxicação exógena de intenção indeterminada (Y10 a Y19) e das sequelas de lesões autoprovocadas intencionalmente (Y87.0) pode ter subestimado as taxas, portanto, casos suspeitos de suicídio podem ter sido registrados como mortes acidentais por envenenamento ou por outras causas externas de mortalidade.13 De qualquer modo, apesar da qualidade das informações do SIM ainda ser controversa, é possível observar a crescente ampliação da sua cobertura e confiabilidade.23
5. CONCLUSÃO
Os resultados obtidos com esse estudo indicaram que os coeficientes médios de mortalidade por suicídio em homens, mulheres e para ambos os sexos permaneceram elevados e foram bem superiores aos observados no período de 1997 a 2012.
Levando-se em consideração que a microrregião de Barbacena possui serviços de saúde suficientes para atender indivíduos que necessitam de algum tipo de assistência e que as taxas de mortalidade por suicídio aumentaram de forma expressiva, cabem pelo menos duas indagações: a primeira diz respeito ao funcionamento e efetividade da rede de atenção psicossocial no manejo desses pacientes e na adequada condução dos casos atendidos; já a segunda aponta para a necessidade da realização de estudos mais abrangentes, contemplando aspectos geográficos, históricos, econômicos e sociais.
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