RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 32 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.v32supl.11.05

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Revisão de literatura

Morbimortalidade associada ao sangramento de varizes de esôfago em crianças e adolescentes com hipertensão porta

Maria Carolina Feres de Lima Rocha Gama1; Eleonora Druve Tavares Fagundes2; Thaís Costa Nascentes Queiroz3; Adriana Teixeira Rodrigues4; Alexandre Rodrigues Ferreira5

1. Gastroenterologista Pediátrica, Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG
2. Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG ORCiD: 0000-0002-5671-9570
3. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG
4. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG Orcid: 0000-0002-1735-5073
5. Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG Orcid: 0000-0001-6749-8980

Endereço para correspondência

Eleonora Druve Tavares Fagundes
E-mail: eleonoradruve@uol.com.br
Endereço de correspondência: Faculdade de Medicina da UFMG - Departamento de Pediatria
Avenida Alfredo Balena 190, 2º andar - Santa Efigênia - Belo Horizonte, Minas Gerais - CEP 30.130.100
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

O sangramento de varizes de esôfago é a principal causa de morbimortalidade nos pacientes com doença hepática crônica e está relacionada às complicações secundárias como ascite, encefalopatia hepática e peritonite bacteriana espontânea, entre outras. Em crianças acreditava-se que a mortalidade e morbidade associadas ao evento hemorrágico eram consideravelmente menores que adultos. No entanto, novos estudos vêm mostrando a relevância dos índices de complicações em crianças cirróticas. O objetivo deste estudo foi revisar a literatura e trazer as evidências mais recentes sobre as principais complicações secundárias à hemorragia digestiva alta nas crianças e adolescentes com hipertensão porta cirróticos e não cirróticos e avaliar a taxa de mortalidade associada. As principais complicações observadas após episódio de sangramento agudo de varizes são ascite, complicações infecciosas e respiratórias, e internação em Unidade de Terapia Intensiva. Complicações em geral e eventos ameaçadores à vida variam de 19,1 a 57% dos episódios de HDA. As taxas de mortalidade em crianças e adolescentes, embora menores que em adultos, não são desprezíveis.

Palavras-chave: Hipertensão Portal. Hemorragia. Varizes. Hemorragia Digestiva Alta. Morbidade. Mortalidade. Fibrose. Criança. Adolescente. Pediatria.

 

INTRODUÇÃO

O sangramento de varizes de esôfago (VE) é a principal causa de morbimortalidade nos adultos com doença hepática crônica. Cerca de metade dos adultos com cirrose apresenta VE. Com seguimento a longo prazo, 20 a 50% dos adultos com varizes irão apresentar hemorragia digestiva alta (HDA). A mortalidade decorrente de HDA em adultos varia de 14 a 30%.1-4 A morbimortalidade devido ao sangramento está relacionada às complicações secundárias como ascite, encefalopatia hepática, peritonite bacteriana espontânea, choque hemorrágico, infecções entre outras.5

Pacientes com cirrose atravessam estágios de progressão da doença com prognósticos diferentes: a cirrose compensada e descompensada.6 A transição para o estágio de cirrose descompensada é marcada clinicamente pelo desenvolvimento de complicações como o sangramento de VE, desenvolvimento de ascite e encefalopatia.3,6 Segundo del Olmo et al.,7 após o primeiro episódio de sangramento de varizes a história natural da cirrose hepática é alterada, uma vez que está associada a outras complicações como insuficiência renal, insuficiência hepática e encefalopatia com consequente aumento nas taxas de morbimortalidade.7  Desta forma, estratégias que visem a diminuição da HP, a prevenção da descompensação da cirrose e da HDA são altamente desejáveis. Com esta finalidade, o Comitê Baveno reuni periodicamente, desde 1990, especialistas para a elaboração de diretrizes para manejo da HP com base nas melhores evidências científicas disponíveis. O último encontro, Baveno VII, foi em outubro de 2021.6

Devido à alta taxa de morbimortalidade, a triagem endoscópica para pesquisa de VE antes do primeiro episódio de HDA tem sido indicada para adultos cirróticos. O consenso Baveno VII considera o uso de betabloqueadores não seletivos para prevenção da descompensação em pacientes com HP clinicamente significativa antes de qualquer complicação como HDA, independente da triagem de VE 6.Considera ainda que a realização de endoscopia digestiva alta (EDA) para triagem de varizes com alto risco de sangramento (VARS) em adultos pode ser evitada em pacientes com contagem de plaquetas acima de 150.000 e com medida da rigidez hepática por elastografia transitória ≤20kpa. Os pacientes com VARS devem receber profilaxia primária com beta-bloqueadores não-seletivos ou ligadura de varizes esofágicas caso haja contraindicação ou intolerância aos betabloqueadores6,8.

Inicialmente a abordagem de crianças e adolescentes com HP era extrapolada das condutas em adultos devido à escassez de estudos nesta faixa etária. Apenas em 2005, no Baveno IV, houve a publicação de um consenso direcionado para crianças e adolescentes. No Baveno VI não havia recomendação para triagem de VARS e profilaxia primária para HDA em crianças cirróticas devido à falta de evidências científicas que suportassem tais recomendações como é feito em adultos.6,8 No Baveno VII, não houve recomendações para a faixa etária pediátrica, mas a formação de um grupo multicêntrico que irá conduzir estudos que possam embasar as orientações para crianças e adolescentes.

Desta forma, a maioria dos dados sobre a história natural das VE decorrentes de HP é proveniente de estudos em adultos. A cirrose é a principal causa de varizes esofagianas em adultos. Em estudos pediátricos, existe parcela considerável de pacientes representada pela obstrução extra-hepática da veia porta (OEHVP). Neste caso, o mecanismo de hipertensão porta é diferente e a função hepática está preservada.11 Consequentemente pacientes com OEHVP apresentam taxa de mortalidade mais baixa, variando de 0 a 2%.9,10

Estudos mais recentes têm separado as causas intra-hepáticas (cirrose) das causas extra-hepáticas (OEHVP) de hipertensão porta. Em crianças com cirrose, pelo menos dois terços apresentam varizes.11,12 No entanto, estudo multicêntrico prospectivo de crianças com atresia biliar demonstrou um risco de HDA de 8 a 9% em cinco anos de seguimento. Este baixo risco pode ser atribuído, em parte, ao transplante hepático que é indicado precocemente em parcela considerável dos pacientes, especialmente aqueles sem fluxo biliar.13 A mortalidade entre os cirróticos é maior do que em crianças com OEHVP, variando de 0 a 8%, mas ainda menor que em adultos cirróticos.13-15 Com isso, a indicação de profilaxia primária para o primeiro episódio de HDA ainda não está bem estabelecida na literatura.8 No entanto, novos estudos vêm mostrando a relevância dos índices de complicações em crianças cirróticas com taxas não desprezíveis de mortalidade, chegando a quase 10% e índices de complicações em mais da metade das crianças.5,14,16 

O objetivo deste estudo foi revisar a literatura e trazer as evidências mais recentes sobre as principais complicações secundárias à hemorragia digestiva alta nas crianças e adolescentes com hipertensão porta cirróticos e não cirróticos e avaliar a taxa de mortalidade nessa faixa etária.

 

METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão não sistemática da literatura científica nos últimos 20 anos nas bases de dados disponíveis no Portal Capes (Medline, PubMed, Elsevier, SciELO e LILACS). Para a busca nas bases de dados foram utilizados os termos: "Variceal bleeding", "Portal Hypertension", " Upper gastrointestinal bleeding", "morbidity", "mortality", "cirrhosis", "children", "adolescentes", "pediatrics" com os seguintes filtros: artigos em inglês ou português, idade de 0 a 18 anos, estudos em humanos. Foram ainda incluídos trabalhos relacionados nas referências dos artigos identificados inicialmente na pesquisa mesmo que em período anterior ao previamente definido.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

MORTALIDADE E MORBIDADE APÓS EPISÓDIO DE HDA

A taxa de mortalidade em pacientes com hipertensão porta após episódio de sangramento agudo de varizes é bastante variável e diversos fatores como prevalência de pacientes cirróticos X OEHVP, a presença de complicações e protocolo de abordagem podem contribuir para tal variação. Mas de modo geral, em crianças acreditava-se que a mortalidade após o evento hemorrágico era consideravelmente menor que adultos.17 No entanto, nos últimos 10 a 15 anos, vários estudos têm demonstrado que a HDA varicosa pode ser um evento dramático com taxas mais altas de morbimortalidade.5,10-14,16,18-21 A tabela 1 sintetiza os principais dados em mortalidade descritos nos trabalhos levantados.

 

 

Os poucos dados que tínhamos por volta dos anos 2000 eram derivados de estudos com casuísticas muito pequenas e com outros objetivos primários, que apresentavam as taxas de mortalidade como dados secundários. Como exemplo, temos o estudo de Stringer et al.,12 que demonstraram os resultados de manejo endoscópico de crianças com atresia biliar, em que houve um óbito entre 17 crianças que evoluíram com HDA (5,9%). Outro estudo comparando a eficácia e segurança da escleroterapia e ligadura de varizes na HDA por OEHVP encontrou mortalidade por HDA de 2% (um paciente entre 49 que sangraram).10

Eroglu et al.18 em 2004 avaliaram retrospectivamente, de 1995 a 2000, os desfechos do uso de octreotide na HDA devido a hipertensão porta; no entanto, o estudo tem várias limitações como o fato do tratamento não ser padronizado. Todos pacientes receberam octreotide, mas apenas cinco receberam abordagem endoscópica com escleroterapia, o que pode explicar a mortalidade mais alta encontrada. Os autores descreveram 21 crianças com hipertensão porta, sendo 15 cirróticas, que apresentaram 35 episódios de HDA. Ocorreram 4 óbitos entre os 15 cirróticos (26,7%) no período de 3,5 a 53 dias após suspensão do octreotide: falência de múltiplos órgãos em um paciente, sepse pós transplante em outro e dois óbitos por hemorragia durante o per-operatório do transplante hepático. Não houve nenhum óbito entre os não cirróticos. A mortalidade geral por episódio foi de 11,4% (4/35 episódios).18

Poddar et al11 descreveram 517 crianças menores de 14 anos com hipertensão porta, sendo 279 com algum episódio de HDA: 236 pacientes com OEHVP (84,5%) e 27 com cirrose (10%). A mortalidade devido a HDA foi de 1,7% entre os pacientes com OEHVP e 29,6% entre os cirróticos que apresentaram HDA, diferença estatisticamente significativa (p<0,001).11

Da mesma forma, outros estudos como Van Heurn et al,19 Wanty et al,20 Bass et al13 e Luoto et al21 com outros objetivos principais, também apresentam as taxas de mortalidade variando de 0 a 15,4% conforme apresentado na tabela 1.13 19-21 Observa-se marcada tendência de diminuição das taxas de mortalidade na última década, provavelmente fruto dos protocolos de ressuscitação cardiopulmonar pediátrica e abordagem do episódio agudo de HDA, por sua vez, provenientes dos estudos de adultos.

Nos últimos anos, novos trabalhos com objetivos primários de avaliar a morbimortalidade têm sido conduzidos para responder essa importante lacuna e procurar justificar ou não a profilaxia primária nesta faixa etária. Estes trabalhos vêm mostrando a relevância desses índices.5 14

Os três estudos mais recentes dos grupos da França, Duche et al,16 Canadá, Carneiro de Moura et al5 e dos Estados Unidos, Molleston and Bennett14 apresentam casuísticas de tamanhos diferentes, com metodologias diversas, mas que demonstram a relevância das taxas de morbimortalidade. Estes artigos serão descritos com detalhes abaixo e resumidos na tabela 1 e 2 que descreve as complicações associadas.

 

 

Duché et al16 analisaram, entre 1989 e 2014, o histórico de 1.300 crianças com hipertensão porta (1076 pacientes pediátricos cirróticos e 224 pacientes não cirróticos), sendo que 238 crianças apresentaram varizes de alto risco de sangramento (VARS) e HDA (141 cirróticos). Este estudo tinha outros objetivos principais como a definição de VARS e a experiência do serviço com a profilaxia primária, mas também apresenta descrição sucinta de dados de morbimortalidade dos episódios de HDA. Embora não seja seu objetivo principal, os autores mostram dados relevantes. Os autores definiram um evento ameaçador a vida como aquele resultante em morte ou com necessidade de transplante de emergência, incluindo sangramento refratário, descompensação hepática, síndrome hepatorrenal ou encefalopatia hepática grave. Estes eventos ocorreram em 27 dos 141 cirróticos (19,1%), sendo 12 óbitos antes do transplante (8,5%). Não houve detalhamento de cada complicação em separado. A maioria dos pacientes com eventos era cirrótico secundário à atresia biliar (18/27 - 66,7%). Morte ou transplante hepático ocorreu numa mediana de oito dias após sangramento. Como o período do estudo foi extenso (25 anos), os autores compararam o período antes e depois de 2000, mas não houve diferença na proporção de eventos nos dois períodos. Entre os 97 pacientes não cirróticos, a mortalidade foi significativamente menor, com dois óbitos por sangramento refratário (2%).16

Carneiro de Moura et al5 apresentaram o primeiro estudo detalhado e voltado para avaliação da morbimortalidade de HDA em pediatria. Os autores avaliaram retrospectivamente 70 episódios de HDA em 57 crianças e adolescentes com hipertensão porta menores de 18 anos, admitidas entre 2000 a 2015, sendo 33 cirróticas (58%) e 17 (30%) com OEHVP. Os autores avaliaram as complicações e mortalidade entre todos os episódios de HDA (70 episódios) e entre apenas os primeiros episódios (47 primeiros episódios). Morbidade significativa aconteceu em 57% dos pacientes de todos os episódios de HDA e em 64% dos primeiros episódios e esteve associada com permanência hospitalar maior (média de 18 dias entre os pacientes com complicações versus quatro dias nos pacientes sem complicações - p< 0,0001). De modo geral, as complicações foram relativamente mais frequentes nos primeiros episódios de HDA do que quando calculadas entre todos os episódios, no entanto, não foi informada se houve diferença estatística.5

Neste estudo, ascite foi a complicação mais frequente, sendo identificada desenvolvimento ou piora de ascite prévia em 34% de todos os 70 episódios de HDA. Apesar do uso de antibióticos dentro das primeiras 24 horas de HDA em 54% dos episódios de HDA (não há informação se em todos cirróticos), infecção foi a segunda complicação mais frequente, ocorrendo em 30% de todos os episódios. Nove pacientes tiveram bacteremia, três tiveram sepse e nove infecções localizadas (um pneumonia aspirativa, um colangite, um abscesso hepático, dois infecções respiratórias, dois enterite viral, dois infecção urinária). A média de tempo para diagnóstico da complicação infecciosa após a HDA foi de três dias. Complicações respiratórias foram encontradas em 24% de todos os episódios de HDA, sendo que 82% destes pacientes necessitaram de oxigênio ou ventilação não invasiva e 35% de ventilação invasiva. No total, 20% dos episódios de HDA necessitaram de admissão em CTI com mediana de permanência de 48 horas (variando de 7 a 192 horas); 86% das admissões em CTI ocorreram no primeiro episódio de HDA. Outras complicações como ressangramento, encefalopatia, injúria renal aguda e falência de controle de sangramento foram menos frequentes, mas ainda significativas e estão descritas na tabela 2. Um paciente com atresia biliar foi submetido a transplante hepático nas primeiras seis semanas após HDA. As complicações foram similares entre cirróticos e não cirróticos.5 Na avaliação de possíveis fatores preditivos para complicações, a análise univariada mostrou que doença hepática cirrótica, PELD escore (Pediatric End-stage Liver Disease score) e a bilirrubina total foram estatisticamente associadas com início ou piora da ascite. No entanto, apenas o PELD permaneceu significativo após regressão logística. Para todas as outras complicações, não foram identificadas nenhum fator preditivo com significância estatística.5

Carneiro de Moura et al,5 verificaram mortalidade geral foi de 3%. Foram relatados dois óbitos dentro das seis semanas do primeiro episódio de hemorragia digestiva, ambos cirróticos, devido a falha de controle de sangramento sendo um com sepse associada. Com isso, a mortalidade para o primeiro episódio de HDA entre os cirróticos foi de 8%. Não houve óbitos entre os não cirróticos.5

Molleston and Bennett,14 avaliaram dados retirados do PHIS (Pediatric Helth Information System), um banco de reconhecida qualidade e confiabilidade que contém dados de internações, departamentos de emergência e cirurgia ambulatorial de 50 hospitais terciários pediátricos dos Estados Unidos. O período de análise foi de 2004 a 2019 e a busca foi feita a partir dos códigos CID 9 e 10 para sangramento de varizes esofágicas e procedimentos associados. Os autores encontraram 1.902 pacientes que tiveram pelo menos um episódio de sangramento de VE (50,2% sexo feminino; 66,7% brancos e 11,1% negros; hispânicos 25,9%); 63,2% tiveram apenas um episódio de HDA e 20,1% tiveram dois episódios. Não foi possível distinguir a real percentagem de crianças com doença hepática crônica ou cirrose daquelas com hipertensão porta extra-hepática isolada pelas limitações do banco de dados. A mortalidade foi primeiramente avaliada por paciente. A taxa de mortalidade geral foi de 20,1% por paciente por todas as causas no período total de seguimento. A taxa de mortalidade por HDA por paciente foi de 7,3% aumentando para 8,8% em seis semanas após HDA sendo maior entre cirróticos do que em não cirróticos (8,4% X 5,4% respectivamente), no entanto, sem significância estatística (p=0,08). Um total de 628 pacientes (33%) da coorte necessitaram de transplante hepático em algum momento durante o seguimento. A taxa de mortalidade ou necessidade de transplante hepático foi de 10,1% em seis semanas e 26,9% durante o período de observação. O tempo médio entre o transplante e o episódio inicial de HDA foi de 457,2 ± 804 dias (variando de 0-4.269 dias) e a mediana de tempo de 128 dias. Oito pacientes foram transplantados durante a admissão hospitalar por HDA.14

Neste estudo os dados também foram avaliados por episódios de HDA que totalizaram 3.399. A mortalidade geral por episódio de HDA foi de 4,1%, aumentando para 4,9% dentro das seis semanas de sangramento. Ascite foi a complicação mais frequente (21,3% dos episódios), seguida de bacteremia (11,4%); índices menores que os relatados por de Moura et al.5 Não houve relato sobre encefalopatia. No entanto, é importante ressaltar a metodologia diferente entre os dois estudos, ambos retrospectivos, no entanto, o estudo de Molleston and Bennet14 baseado em banco administrativo de dados, poderia apresentar mais limitações em relação a perda de informações mais detalhadas sobre complicações dos pacientes e procedimentos e limitações em relação aos códigos CID9/10. Por outro lado, é o estudo mais robusto com maior número de pacientes e episódios de HDA. Embora possa ter ocorrido perda de dados pela metodologia, podemos concluir que a mortalidade relacionada à HDA em crianças foi no mínimo a relatada.14 Os índices de complicações estão detalhados na tabela 2. Foram ainda avaliados os fatores de risco para mortalidade através de regressão logística. A OEHVP como causa de hipertensão porta foi associada a menor mortalidade (OR 0,58, p=0,027). Outros fatores foram associados a maior mortalidade como bacteremia (OR 2,29 p<0,001), peritonite (OR 2,18 p=0,011), ventilação mecânica (OR 1,93 p=0,005), falência renal aguda (OR 6,33 p<0,001) e transfusão (OR 1,81 p=0,005). A raça negra e etnicidade hispânica tiveram impacto na mortalidade com OR de 2,59 (p<0,001) e 2,31 (p=0,001) respectivamente mesmo controlados fatores como renda familiar e condições de seguro saúde. Disparidades de desfechos relacionados à saúde/doença para negros e hispânicos já são descritos e ficam evidentes também entre crianças neste estudo.14

 

CONCLUSÃO

Diante dos poucos dados na literatura em crianças e adolescentes cirróticos, é importante avaliar as principais complicações associadas aos episódios de hemorragia digestiva, principalmente as tratáveis, que devem ser reconhecidas e revertidas prontamente para adequada condução do caso, melhora do prognóstico à longo prazo, e redução da mortalidade.6,14 As principais complicações observadas após episódio de sangramento agudo de varizes são ascite, complicações infecciosas e respiratórias, e internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Complicações em geral e eventos ameaçadores à vida variam de 19,1 a 57% dos episódios de HDA.5,16 As taxas de mortalidade em crianças e adolescentes, embora menores que em adultos, não são desprezíveis. Esses resultados são importantes para que se possa considerar de forma mais consistente a profilaxia primária nesta faixa etária.

 

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