ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Indução de parto em mulheres com pré-eclâmpsia: desfechos maternos e neonatais
Labor induction in women with pre-eclampsia: maternal and neonatal outcomes
Tailanne Xavier dos Santos1; Carolina Amaral Oliveira Rodrigues2; Edson Borges de Souza3; Álvaro Luiz Lage Alves4; Dalton Dittz Júnior5; Sibylle Emilie Vogt2
1. Hospital Municipal José Mario dos Santos. Bahia, Brasil
2. Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Minas Gerais, Brasil
3. Hospital Sofia Feldman. Belo Horizonte. Minas Gerais, Brasil
4. Faculdade da Saúde e Ecologia Humana. Minas Gerais, Brasil
5. Universidade Federal do Piauí. Piauí, Brasil
Carolina Amaral Oliveira Rodrigues
E-mail: carol_oliveira13@hotmail.com
Recebido em: 31 Maio 2021
Aprovado em: 18 Novembro 2022
Data de Publicação: 08 Março 2023
Editor Associado Responsável:
Dr. Henrique Vitor Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil
Instituição onde o trabalho foi desenvolvido: Hospital Sofia Feldman/Fundação de Assistência Integral à Saúde. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Fontes apoiadoras: Não há
Conflito de Interesse: Não há
Comitê de Ética: Número do Parecer - 2.164.770
Registro de Ensaio Clínico: Não se aplica
URL do Preprint: Não se aplica
Resumo
OBJETIVO: Identificar o processo de indução de parto e os desfechos maternos e neonatais em mulheres com pré-eclâmpsia assistidas em um hospital filantrópico com atendimento 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal e retrospectivo. Os dados foram coletados a partir de 222 prontuários entre janeiro de 2016 a junho de 2017. Calculou-se medidas de frequência absoluta e relativa mediante o software SPSS versão 23.
RESULTADOS: Do total, 43% das mulheres encontraram-se na faixa etária entre 20 e 29 anos, 62,6% se autodeclararam pardas e 68% foram primíparas. A principal classificação encontrada foi pré-eclâmpsia (PE) com critério de gravidade (63,5%). O tempo da indução de 12 a 24 horas foi o mais recorrente (36,9%) e o método de amadurecimento cervical mais utilizado foi o misoprostol vaginal (92,8%). A indução foi bem-sucedida para 59% das mulheres sendo a principal indicação de cesariana a falha de indução (59,3%). As complicações mais graves no pós-parto foram hemorragia (9,5%), convulsão (1,4%) e uma morte materna por acidente vascular cerebral (AVC) e hemorragia pós-parto (0,5%). Em relação aos resultados neonatais, 98,6% dos recém-nascidos apresentaram um valor de Apgar ≥7 no 5º minuto; e, destes, apenas um necessitou de admissão na unidade de terapia intensiva neonatal.
CONCLUSÃO: A escolha pela indução do parto nesse grupo de gestantes se apresenta como uma valiosa intervenção a fim de minimizar os riscos maternos a curto, médio e longo prazo associados à realização da cesariana.
Palavras-chave: Pré-eclâmpsia; Trabalho de parto induzido; Gravidez de alto risco, Recém-nascido.
INTRODUÇÃO
Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas do ano de 2015, as doenças hipertensivas durante a gravidez foram uma das complicações mais prevalentes causadoras de óbitos maternos evitáveis1 e foram apontadas como segunda causa de morte materna em todo o mundo, sendo responsáveis por 14% de todos os óbitos de mulheres em idade fértil entre os anos de 2003 a 20092. No Brasil, entre os anos de 1996 a 2018, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) registrou 38.919 óbitos maternos, sendo a hipertensão a principal causa direta desses óbitos3.
A pré-eclâmpsia (PE) é uma desordem hipertensiva específica do ciclo gravídico puerperal com repercussão sistêmica, que pode ocorrer a partir da 20ª semana de gestação4. Ela é caracterizada pelo aumento de níveis pressóricos (pressão arterial sistólica ≥140mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥90mmHg) acompanhado de proteinúria (proteinúria igual ou acima de 300mg em 24 horas ou relação proteína/creatinina e amostra sanguínea de pelo menos 0,3). No quadro clínico sem proteinúria, o diagnóstico se baseia, além do surgimento da hipertensão, na presença e pelo menos um dos seguintes sinais clínicos: trombocitopenia (plaquetas <100.000/mm³), insuficiência renal (concentrações de creatinina sérica superior a 1,1mg/dL ou uma duplicação da concentração de creatinina sérica na ausência de outra doença renal), insuficiência hepática: concentrações sanguíneas elevadas das transaminases hepáticas para o dobro do normal), edema pulmonar, ou cefaleia de início recente que não responde à medicação e não explicada por diagnósticos alternativos ou sintomas visuais. Mesmo na ausência de proteinúria, a presença de um desses critérios já respalda o diagnóstico de PE com critério de gravidade5. Por ter um caráter multissistêmico, a PE pode evoluir para quadros graves como: eclâmpsia, acidente vascular cerebral hemorrágico, síndrome HELLP (Hemolisys, Elevated Liverfunctionstests e Low Plateletcounts) e morte6.
Considerando que a única opção para interromper o processo da PE é a interrupção da gestação, a conduta a ser adotada deve contrabalançar os riscos de um parto prematuro para o feto e o risco da deterioração do estado clínico da mãe e do feto em caso de continuação da gestação. Segundo o American College of Obstetricians and Gynecologists (AGOG)5 a observação contínua é apropriada para mulher com feto prematuro, com idade gestacional (IG) abaixo de 37 semanas se ela tiver PE sem características graves, sem rotura prematura de membranas e sangramento vaginal e com bem-estar do feto assegurado, enquanto a interrupção da gravidez recomenda-se quando a gestação chega a 37 semanas ou em caso de deterioração do quadro clínico do feto ou se instalam as condições acima mencionadas ou o feto. Em casos de PE com características graves com menos de 34 semanas de gestação e condição fetal favorável, a conduta expectante pode ser considerada, utilizando critérios de seleção rigorosos em ambientes com recursos adequados para cuidados maternos e neonatais. Embora o uso do corticoide para amadurecimento pulmonar do feto seja indicado em gestações abaixo de 34 semanas, ele não deve atrasar a interrupção da gestação em caso de risco de deterioração imediata das condições maternas ou fetais.
A partir da indicação da interrupção, se considera a via de parto de acordo com critérios obstétricos levando em conta cada caso e a probabilidade da progressão da PE. Na decisão para a indução do parto devem ser avaliados a paridade materna, via de parto anterior, idade gestacional, classificação da PE e o estado de saúde materno e fetal7.
A indução do parto consiste em estimular o início das contrações em uma mulher que não está em trabalho de parto, a fim de que ela evolua para o parto vaginal em um período entre 24 e 48h após o início do processo8. O método a ser utilizado para iniciar a indução do trabalho de parto depende do grau de maturidade cervical a qual pode ser avaliado pelo índice de Bishop9, que contempla itens como a altura da apresentação, a dilatação cervical, o apagamento, a consistência do colo e sua posição, estabelecendo assim, a predição de sucesso à indução do trabalho de parto. Dentre os métodos capazes de modificar o colo uterino, destacam-se os medicamentos análogos da prostaglandina, como o misoprostol administrado via oral ou vaginal, ou processos mecânicos, como a sonda de Foley, conhecida como método de Krause10.
Após o preparo do colo, a mulher poderá entrar em trabalho de parto ou necessitar o uso de ocitocina ou da amniotomia ou de ambos para estimulação de contrações fortes, regulares e frequentes capazes de provocar alterações progressivas na cérvix11.
Considerando a gravidade da doença e a importância da indução para possibilitar um parto via vaginal, este trabalho tem como objetivo identificar o processo de indução de parto e os desfechos maternos e neonatais em mulheres com pré-eclâmpsia assistidas em um hospital filantrópico com atendimento 100% pelo SUS em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de delineamento transversal e retrospectivo, realizado no Hospital Sofia Feldman, localizado no Distrito Norte do município de Belo Horizonte - Minas Gerais (MG). Este hospital é referência Municipal e Estadual para o alto risco e realiza em média 900 partos por mês12, sendo que a indução do trabalho de parto em mulheres com PE é uma realidade cotidiana do serviço.
O cálculo amostral foi realizado tomando por base os estudos de Alanis et al. (2008)13 e Nassar et al. (1998)14 com média de prevalências de induções de parto por PE de 57,4% e 47,4%, respectivamente. Considerando uma prevalência média de induções de parto desses dois estudos, igual a 52,4 % (0,524) e uma precisão de 7% (0,07), previu-se a coleta de dados de 196 prontuários. Ainda foi adicionado 10% à coleta por causa de possíveis perdas de dados, totalizando 216 prontuários.
A coleta de dados foi realizada entre os meses de agosto e dezembro de 2017, tendo por fonte, os prontuários selecionados das mulheres submetidas ao processo de indução secundário à PE, entre os anos de 2016 a 2017. Do universo de gestantes diagnosticadas com PE nesse período, foram incluídas no estudo todas as gestantes com idade mínima de 18 anos, internadas com feto vivo, gestação acima de 24 semanas e indicação médica de indução de trabalho de parto. A partir da análise do livro de registro das pacientes admitidas na unidade de gestantes de alto risco foram levantados 280 prontuários. Destes, 58 foram excluídos após consulta do prontuário, por não atenderem os critérios de inclusão resultando em 222 prontuários.
O protocolo de assistência a gestantes com PE, que estava em vigor na instituição na época da coleta, não se diferencia substancialmente das diretrizes da ACOG5. Foram considerados critérios diagnósticos para a PE: elevação da pressão arterial igual ou acima de 140/90mmHg em gestações maiores do que 20 semanas acompanhada de proteinúria maior ou igual de 300mg em 24 horas ou relação proteína/creatinina ≥0,3mg/dL. Na ausência de proteinúria, o protocolo colocou como critério diagnóstico, os seguintes sintomas, além da elevação da pressão arterial: cefaleia, distúrbios visuais, dor abdominal, plaquetopenia menor do 100.000, oligúria menor que 500ml/dia ou 25ml/hora, níveis séricos de creatinina maiores que 1,2mg/dl; presença de esquizócitos em esfregaço de sangue periférico, presença de restrição de crescimento intrauterino e/ou oligohidrâmnio, coagulopatiae aumento de enzimas hepáticas15.
Quanto ao protocolo de indução de parto11 utilizado no Sofia Feldman durante a coleta, utilizou-se como avaliação da maturidade cervical a análise e somatória dos itens presentes no índice de Bishop (Quadro 1), sendo que, nos casos de colo desfavorável (índice de Bishop ≤6) o amadurecimento cervical deveria ser realizado antes da indução do parto através do misoprostol ou do método de Krause. O misoprostol é administrado em dosagem de 25mcg (via vaginal) ou 50mcg (via oral). Para ambas as vias a administração é prescrita de 4/4 horas até um máximo de 6 doses ou colo com escore de Bishop ≥6 ou fase ativa do trabalho de parto.
Para a indução através do método de Kraus é inserido um cateter de Foley nº 18 entre o polo cefálico e o orifício interno. No balão da sonda injeta-se de30 a 60 ml de água estéril para sua fixação. O cateter pode ser mantido sob tração e deve ser deixado no local até se soltar espontaneamente ou no máximo por 24 horas.
Já a ocitocina é indicada quando o índice de Bishop alcança pelo uma pontuação igual a 6 e a dosagem é aumentada e administrada via bomba de infusão até que se instalem contrações regulares e eficazes. A amniotomia sempre é indicada quando há dilatação e posição do colo favorável para iniciar ou fortalecer o processo da indução. É considerado falha de indução quando não se alcança um escore cervical ≥6 após 6 doses de misoprostol ou após 24 horas de inserção de uma sonda de Foley e, nas pacientes que estiverem em uso de ocitocina e após rotura das membranas, quando não apresentarem padrão contrátil eficaz, que promova dilatação cervical progressiva, após doses máximas de ocitocina. Em caso de falha de indução a equipe deve partir para o parto operatório. Maiores detalhes, cuja exposição aqui extrapola o objetivo do estudo, podem ser vistos no protocolo do hospital11.
Para a coleta de dados, foi utilizado um formulário elaborado pelos pesquisadores que incluiu as seguintes variáveis: idade materna, raça/cor, paridade, idade gestacional no momento da indução do parto, dosagem de misoprostol utilizada, volume máximo de infusão de ocitocina por hora, tempo decorrido do início da indução até o nascimento, índice de Apgar no primeiro e no quinto minuto de nascimento, peso ao nascer, classificação da PE, presença de alterações fetais, método de amadurecimento cervical, uso de ocitocina, uso de anestesia, via de parto, tipo de parto vaginal, indicação de parto vaginal assistido, intercorrências intraparto, intercorrência no puerpério, admissão do recém-nascido na unidade neonatal com Apgar menor que 7 no quinto minuto.
Em seguida, os dados foram inseridos no banco construído com o programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS (IBM 23.0) e posteriormente foram realizadas análises estatísticas por meio das medidas de frequência absoluta e relativa das variáveis. A pesquisa foi realizada após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sofia Feldman/Fundação de Assistência Integral à Saúde, conforme o número do parecer consubstanciado 2.164.770.
RESULTADOS
Neste estudo, foi possível observar que grande parte das mulheres tinham entre 20 e 29 anos. Além disso, foram submetidas à assistência ao parto predominantemente mulheres autodeclaradas pardas, seguidas das negras e brancas, respectivamente. Das 222 mulheres pesquisadas, 68% eram primíparas e 52,7% tinham gestação a termo. Ressalta-se a frequência alta de mulheres com diagnóstico de PE com critério de gravidade (63,5%) e a alta prevalência de recém-nascidos (RN) sem alterações da vitalidade fetal antes da indução (77,9%). Entre as complicações graves, diagnosticadas antes da indução, cita-se a síndrome HELLP em 5,4% das parturientes, além de um caso de eclampsia e outro de eclampsia associado à síndrome HELLP, ambos incluídos na categoria "outras" (Tabela 1).
Conforme apresentado na Tabela 2, verificou-se que dentre as induções, 82 (36,9%) duraram entre 12 e 24 horas. Em relação à rotura artificial de membranas, esta foi realizada em 133 (59,9%) mulheres, ressaltando-se que 74,4% delas evoluíram para o parto dentro de 12 horas. Quanto ao método de amadurecimento cervical, o misoprostol foi o mais utilizado (95,5%). Observou-se ainda, que 110 (45,2%) mulheres precisaram do uso de ocitocina e somente 43 (19,4%) parturientes demandaram analgesia farmacológica.
A indução resultou em parto vaginal para 59% das mulheres e somente em 7,8% foi necessária a aplicação de fórceps. Notou-se que a falha de indução do trabalho de parto (59,3%) foi a principal indicação de cesariana seguida de estado fetal não tranquilizador (27,5%). Em relação às intercorrências durante a indução e no puerpério, 54,4% e 57,7% das mulheres, respectivamente, não apresentaram nenhum problema. Já a intercorrência mais comum foi o aumento dos níveis pressóricos a valores maiores ou iguais a 160 e/ou 110mmHg, sendo 23% durante a indução e 25,2% no puerpério. Intercorrências classificados como "outras" incluíram: cefaleia acompanhada de dispneia e palpitações, náusea e vômitos e epigastralgia, e no pós-parto sintomas neurológicos isolados, hemorragia não classificada como hemorragia pós-parto, anemia grave, retenção placentária, insuficiência renal aguda, flebite, acidente vascular encefálico e infecção pós-parto (Tabela 3).
84,2% dos RN apresentaram índice de Apgar≥7 no 5º minuto e 35,2% foram admitidos em unidade neonatal sendo o desconforto respiratório (33,8%) a principal causa de admissão. Entre as causas de admissão em unidade neonatal, os casos categorizados como "outros" incluíram tratamento de sífilis congênita, transferência materna para o centro de terapia intensiva (CTI), sepse neonatal. Nenhum deles teve relação com o diagnóstico materno ou com o processo de indução do parto (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Com relação ao perfil das mulheres que participaram da pesquisa, a cor autodeclarada mais frequente foi a parda seguindo o padrão encontrado em diferentes estudos que avaliam gestantes no país, assim como houve prevalência de mulheres com idades entre 20 e 29 anos16,17. Esses dados são importantes, uma vez que nos mostra para qual público as orientações e esclarecimentos sobre a PE devem ser direcionados, tanto no período do pré-natal quanto no intraparto e pós-parto.
Quanto a paridade, observou-se que a maioria das mulheres eram primíparas. Embora este estudo tenha feito apenas uma análise descritiva dos resultados sem estabelecer critérios de risco ou associações das variáveis com um grupo de comparação, ressalta-se que, na literatura uma das principais teorias relacionadas à etiopatogenia da PE associam a ocorrência desta síndrome com maior frequência em primíparas pelo fato dessas mulheres sofrerem exposição às vilosidades coriônicas pela primeira vez17,18.
Neste estudo houve um alto percentual de mulheres diagnosticadas com PE com sinais de gravidade. Destaca-se que a assistência adequada para que a PE não se agrave é um importante detalhe e depende tanto da qualidade do pré-natal quanto da qualidade da atenção hospitalar. Segundo a análise da OMS sobre mortalidade materna no mundo, o fato das síndromes hipertensivas da gestação serem a principal causa de morte materna na América Latina está associado tanto ao manejo inadequado quanto ao não uso ou uso inadequado do sulfato de magnésio, falta de protocolos clínicos e outros elementos indispensáveis para o controle dessa condição clínica2,19.
No que diz respeito ao uso de misoprostol, a maioria das mulheres do estudo (95,5%) precisaram utilizá-lo como método de amadurecimento cervical, menos da metade (45,2%) da amostra utilizou ocitocina para condução do trabalho de parto subsequente e a maioria (36,9%) evoluiu para o parto entre 12 e 24 horas do início da indução. No estudo de Silva et al. (2017)20 foi possível encontrar uma indução bem sucedida após uso de misoprostol em 69% das mulheres, e em 59% o uso de ocitocina foi necessário. Um escore de Bishop entre 4 e 5 e o parto normal anterior foram fatores associados a esse sucesso. Nesse mesmo estudo, o tempo entre o início da indução e o nascimento foi de 20 horas para 60% das mulheres. Outro estudo realizado com mulheres submetidas à indução do parto no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Geral de Xanthi, na Grécia, verificou que o uso do misoprostol isoladamente, como dose vaginal única ou dupla, é mais eficaz do que a dinoprostona isoladamente na indução do parto sem a administração de ocitocina. Além disso, o intervalo de tempo desde a indução até o parto foi significativamente menor com o uso de misoprostol21.
O protocolo de indução de parto11 seguido pelo Hospital Sofia Feldman referente ao uso do misoprostol se assemelha a protocolos utilizados por outros hospitais no âmbito nacional, cuja dosagem é igual a 25mcg via vaginal para amadurecimento cervical, com intervalos de administração que variam de 4 a 6 horas até que o colo atinja um escore de Bishop ≥6 dentro de 24 horas22-24.
Saliente-se que não há consenso pleno na literatura a respeito do número de doses, intervalo de aplicação, nem na duração total do tratamento com misoprostol na indução do trabalho de parto com conceptos vivos. De acordo com o Ministério da Saúde, no Manual de Gestação de Alto Risco25, a tendência atual é que o misoprostol seja ministrado na dose de 25mcg, a cada 4 horas, por no máximo 24 horas, devendo ser interrompido diante de contrações uterinas que caracterizam o trabalho de parto. Quanto à ocitocina, seu uso deve ser iniciado somente 6h após a última dose de misoprostol. O Manual destaca ainda que, o uso concomitante de misoprostol e ocitocina não é recomendado, pois eleva o risco de taquissistolia, aumento da intensidade das contrações uterinas e rotura uterina e do comprometimento da vitalidade fetal25.
A duração da assistência até a resolução definitiva da PE, que é o parto e a retirada do tecido placentário, é um fator importante para um bom desfecho nesses casos. Obviamente, a indução é um processo que pode ser demorado, mais ainda nos casos de cérvix desfavoráveis que demandam doses repetitivas de misoprostol. Ao se iniciar a indução, deve-se ter certeza de que a demora da resolução não acarretará no incremento de riscos para a mulher ou o feto. Para tanto, uma vigilância rigorosa é imprescindível. Medidas como: verificação de sinais vitais, mensuração de diurese, monitoramento de sintomas relacionados à iminência de eclâmpsia e realização de testes laboratoriais, devem ser estabelecidas para a monitorização materna e fetal7.
Em relação à via de nascimento, o parto vaginal ocorreu em 59,3% das mulheres sendo a falha de indução a principal causa de indicação da cesárea. Na literatura encontra-se uma prevalência que varia entre 53,5% e 73,2% dessa via de parto em mulheres com PE14,26,27. Ressalta-se que a presença de PE parece configurar um fator de risco para falha de indução; ainda assim, entre as mulheres com esta doença que são submetidas a este procedimento, a maioria evolui para parto vaginal26.
A falha no processo de indução no presente hospital, bem como em outros no país é caracterizada pela ausência de contrações dentro de 24 a 48 horas do início da indução. Diante do diagnóstico de falha de indução, a equipe pode optar por outro método de indução, pela repetição do método ou pela cesárea nos casos de prioridade e urgência para interrupção da gravidez16,22-24.
Ressalta-se que, evitar uma cesárea sem as reais indicações, é uma importante meta na assistência obstétrica, uma vez que a cirurgia pode comprometer o futuro reprodutivo da mulher. Estudos demonstram que há associação positiva entre esta cirurgia e risco aumentado de realização de histerectomia de emergência devido à ocorrência de HPP, complicações anestésicas, ocorrência de rotura uterina em partos futuros em mulheres que tentarem o parto vaginal, desordens de implantação placentária em futuras gestações, tais como placenta prévia, acretismo placentário e vasa prévia, lesão vesical e infecções20,27,28.
O Ministério da Saúde25 recomenda que, em casos de PE com sinais de gravidade, deve-se proporcionar a via mais segura para a mãe e o bebê. Embora a cesariana nesse cenário tenha sido frequentemente praticada pelos profissionais de saúde, a via de parto vaginal é preferível, como já citado, com a intenção de não agregar potenciais riscos cirúrgicos. Dessa forma, a indução do parto pode ser praticada, se a vitalidade fetal estiver preservada e a situação materna permitir.
A indução do trabalho de parto como primeira escolha no manejo de mulheres com PE, especialmente nas primíparas, pode configurar uma valiosa conduta para a redução da morbimortalidade associada à realização da cesariana a curto, médio e longo prazo. Entretanto, não existem evidências científicas provenientes de ensaios clínicos randomizados com grau forte de recomendações sobre cesárea eletiva versus indução do parto para mulheres com pré-eclâmpsia grave29, o que leva a importância de elaborar mais estudos com boa qualidade para guiar a decisão sobre a via de parto.
Com relação às indicações para cesariana neste estudo, 27,5% tiveram como causa o estado fetal não tranquilizador. Entretanto somente três RN (1,4%) obtiveram um valor de Apgar menor do que 7 no 5º minuto. Salvar o RN do agravamento do estado fetal não tranquilizador é o objetivo da realização da cesárea nesse caso. Após a inserção da monitorização fetal contínua na assistência, com o objetivo de diminuir morbimortalidade relacionadas à asfixia neonatal, os índices de cesariana aumentaram progressivamente ao longo dos anos30. No hospital estudado, a vigilância fetal durante a indução inclui a realização frequente de cardiotocografia, o que pode ter levado a um aumento na taxa de cesárea por tal diagnóstico.
Quanto às intercorrências mais frequentes durante o processo da indução e no puerpério, destacam-se o aumento dos níveis pressóricos e a HPP. A PE e outras desordens hipertensivas são importantes fatores de risco associados à HPP devido à vasoconstrição e consequente aumento da pressão nos vasos sanguíneos. O próprio processo de indução do parto, bem como o uso de sulfato de magnésio também são considerados fatores de risco para desencadeamento desta intercorrência4. Além disso, mesmo quando não representa um risco de vida, esta complicação acarreta consequências físicas e emocionais para as mulheres no pós-parto, tais como: hipotensão ortostática, anemia, fadiga, que leva ao prejuízo no cuidado ao RN, risco aumentado para depressão pós-parto, sintomas agudos de ansiedade como medo de morrer, inclusive em futuras gestações, demora no início da amamentação ou dificuldade de mantê-la31.
Em relação ao óbito materno observado no estudo após a indução, verificou-se que foi de uma puérpera com diagnóstico de PE com critérios de gravidade que evoluiu com AVC hemorrágico e HPP evidenciando a gravidade da patologia e suas possíveis consequências desastrosas. A respeito da ocorrência, percebe-se uma fragilidade no processo de indução que pode estar relacionada com a maior duração para resolução da patologia e a uma possível falha no processo de monitoramento de sinais de complicação. Diante disso, é importante ressaltar sobre a vigilância materna rigorosa durante o processo de indução, sendo este um fator imprescindível para identificação precoce de complicações, favorecendo a abordagem e tratamento correto de agravos afim de se evitar desfechos catastróficos7. Um estudo multicêntrico com 27 maternidades de referência em todo Brasil encontrou 42 mortes maternas entre as 6706 mulheres diagnosticadas com síndrome hipertensivo e 118 casos de near miss ou condições clínicas que ameaçam a vida. Nesse estudo, a hemorragia foi associada a ocorrência de near miss e morte materna. Os autores identificaram que em mais da metade dos casos graves houve uma demora na atenção adequada evidenciando falhas na regulação de leitos, falta de leitos para tratamento de casos complexos e erros no tratamento pelos profissionais32.
Já os resultados neonatais dos RN das mulheres submetidas ao processo de indução do parto, apenas três (1,4%) receberam índice de Apgar<7 no quinto minuto e não houve morte neonatal registrado relacionado ao processo de indução do parto em si. Deve-se considerar que a interrupção precoce na gestação pode ser necessária na PE e resultados neonatais desfavoráveis podem estar relacionados à idade gestacional17.
A maioria das internações que ocorreu na UTIN foi devido ao desconforto respiratório, fato que, de acordo com a literatura, se associa diretamente com a prematuridade33. A maturidade pulmonar se relaciona diretamente com a idade gestacional e os pulmões de um RN pré-termo apresentam diversas características que facilitam a ocorrência de lesões. Destaca-se ainda que, além de estar associada à instabilidade respiratório da prematuridade, a PE também se relaciona diretamente com o aumento do risco da síndrome do desconforto respiratório, à taquipneia do recém-nascido e à apneia mesmo nos RNs a termo33.
O estudo tem limitações consideráveis, uma vez que traz dados apenas descritivos e somente de um hospital. Ainda assim, pode contribuir para que outros estudos com a mesma temática sejam desenvolvidos a nível nacional e apoiar a tomada de decisão de prestadores de cuidados em relação à via de parto para mulheres brasileiras com diagnóstico de PE. Mais estudos com correlação entre as variáveis devem ser realizados para responder às lacunas que um estudo apenas descritivo vai deixar.
CONCLUSÃO
Ressalta-se que em nosso estudo a PE vem acompanhada por diversas complicações, o que demonstra a gravidade da doença e a necessidade de uma abordagem de qualidade na assistência obstétrica.
A taxa de parto vaginal após indução neste estudo é muito favorável. Ainda considerando os resultados neonatais, a indução em mulheres com PE se mostrou uma medida efetiva para evitar a cesariana, especialmente em primíparas. A escolha pela indução do parto nesse grupo de gestantes se apresenta como uma valiosa intervenção a fim de minimizar os riscos maternos a curto, médio e longo prazo associados à realização da cesariana.
Entretanto, é imprescindível que a equipe de assistência garanta vigilância materna e neonatal eficiente e pronta a implementar medidas capazes de salvar mãe e RN, tão logo alguma alteração seja identificada.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - Análise e Edição: Tailanne Xavier dos Santos; Carolina Amaral Oliveira Rodrigues; Edson Borges de Souza; Álvaro Luiz Lage Alves; Dalton Dittz Júnior; Sibylle Emilie Vogt. Administração do Projeto, Supervisão & Escrita - Rascunho Original: Tailanne Xavier dos Santos; Sibylle Emilie Vogt. Validação, Software: Não se aplica. Recursos & Aquisição de Financiamento: Não se aplica. Curadoria de Dados & Análise Formal: Tailanne Xavier dos Santos; Carolina Amaral Oliveira Rodrigues; Edson Borges de Souza; Álvaro Luiz Lage Alves; Dalton Dittz Júnior; Sibylle Emilie Vogt.
COPYRIGHT
Copyright© 2022 Santos et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
REFERÊNCIAS
1. United Nations (UN). The Millennium development goals report. Washington: UN; 2015.
2. Say L, Chou D, Gemmill A, Tunçalp O, Moller AB, Daniels J, et al. Global causes of maternal death: a WHO systematic analysis. Lancet Glob Health. 2014 Jun;2(6):e323-33.
3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico - Monitoramento dos casos de arboviroses urbanas transmitidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e zika), Semanas Epidemiológicas 1 a 19, 2020. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020.
4. Peraçoli JC, Borges VT, Ramos JG, Cavalli RC, Costa SH, Oliveira LG, et al. Pré-eclâmpsia/eclâmpsia. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018.
5. American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Gestational Hypertension and Pre-eclampsia. ACOG Practice Bulletin Summary, Number 222. Obstet Gynecol. 2020 Jun;135(6):e237-60.
6. Amaral LA, Wallace K, Owens M, LaMarca B. Pathophysiology and current clinical management of preeclampsia. Curr Hypertens Rep. 2017 Ago;19(8):61.
7. Phipps EA, Thadhani R, Benzing T, Karumanchi SA. Pre-eclampsia: pathogenesis, novel diagnostics and therapies. Nat Rev Nephrol. 2019 Mai;15(5):275-89.
8. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.
9. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Políticos de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001.
10. Lara SRG, Oliveira RF. Utilização do método de Krause e prostaglandinas na indução do trabalho de parto em gestantes com feto viável. Rev Nurs. 2019;22(248):2577-82.
11. Hospital Sofia Feldman. Guia de práticas clínicas: indução do parto. Belo Horizonte: HSF; 2019.
12. Hospital Sofia Feldman. Indicadores hospitalares. Belo Horizonte: HSF; 2017.
13. Alanis MC. Early-onset severe preeclâmpsia: induction of labor vs elective cesarean delivery and neonatal outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2008;6:199-262.
14. Nassar AH, Adra AM, Chakhtoura N, Gómez-Marín O, Beydoun S. Severe preeclâmpsia remote from term: labor induction or elective cesarean delivery? Am J Obstet Gynecol. 1998 Nov;179(5):1210-13.
15. Tranquilli AL, Dekker G, Magee L, Roberts J, Sibai BM, Steyn W, et al. The classification, diagnosis and management of the hypertensive disorders of pregnancy: a revised statement from the ISSHP. Pregnancy Hypertens. 2014 Abr;4(2):97-104.
16. Ferreira ETM, Moura NS, Gomes MLS, Silva EG, Guerreiro MGS, Oriá MOB. Características maternas e fatores de risco para pré-eclâmpsia em gestantes. Rev Rene. 2019;20:e40327.
17. Oliveira ACM, Santos AA, Bezerra AR, Barros AMR, Tavares MCM. Maternal factors and adverse perinatal outcomes in women with preeclampsia in Maceió, Alagoas. Arq Bras Cardiol. 2016 Fev;106(2):113-20.
18. Burton GJ, Redman CW, Roberts JM, Moffett A. Pre-eclampsia: pathophysiology and clinical implications. BMJ. 2019 Jul;366:l2381.
19. Ndoni E, Hoxhallari R, Bimbashi A. Evaluation of maternal complications in severe preeclampsia in a University Hospital in Tirana. Open Access Maced J Med Sci. 2016 Mar;4(1):102-6.
20. Silva TAG, Borges Júnior LE, Tahan LA, Costa TFA, Magalhães FO, Peixoto AB, et al. Induction of labor using misoprostol in a tertiary hospital in the Southeast of Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2017 Out;39(10):523-8.
21. Tsikouras P, Koukouli Z, Manav B, Soilemetzidis M, Liberis A, Csorba R, et al. Induction of labor in post-term nulliparous and parous women - potential advantages of misoprostol over dinoprostone. Geburtshilfe Frauenheilkd. 2016 Jul;76(7):785-92.
22. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Hospitais Universitários Federais. Indução do trabalho de parto com cesárea anterior. Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Ceará: EBSERH; 2020.
23. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Hospitais Universitários Federais. Indução do parto. Rotinas Assistenciais da Maternidade-Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EBSERH; 2020.
24. Paro HBMS, Catani RR. Indução do trabalho de parto em mulheres com ou sem cesárea anterior: protocolo assistencial do Hospital de Clínicas de Uberlândia. Uberlândia: EDUFU; 2019.
25. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. Manual de gestação de alto risco [recurso eletrônico]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2022.
26. Antunes MB, Demitto MO, Gravena AAF, Padovani C, Pelloso SM. Síndrome hipertensiva e resultados perinatais em gestação de alto risco. Rev Min Enferm. 2017;21:e-1057.
27. Scapin SQ, Gregório VRP, Collaço VS, Knobel R. Indução de parto em um hospital universitário: métodos e desfechos. Texto Contexto Enferm. 2018;27(1):e0710016.
28. Silver RM. Abnormal placentation: placenta previa, vasa previa, and placenta accreta. Obstetr Gynecol. 2015 Set;126(3):654-68.
29. Amorim MMR, Souza ASR, Katz L. Planned caesarean section versus planned vaginal birth for severe pre-eclampsia. Cochrane Database Syst Rev. 2017 Out;10(10):CD009430.
30. Mariano MSB, Belarmino AC, Vasconcelos JMS, Holanda LCA, Siqueira DA, Ferreira Junior AR. Mulheres com síndromes hipertensivas. Rev Enferm UFPE. 2018;12(6):1618-24.
31. Pio DAM, Peraçoli JC, Bettini RV. Vivências psíquicas de mulheres com pré-eclâmpsia: um estudo qualitativo. Rev Psicol Saúde. 2019;11(2):115-27.
32. Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa MH, et al. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Reproductive Health. 2014 Jan;11(4):1-11.
33. Mendola P, Mumford SL, Männistö TI, Holston A, Reddy UM, Laughon SK. Controlled direct effects of preeclâmpsia on neonatal health after accounting for mediation by preterm birth. Epidemiology. 2015 Jan;26(1):17-26.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License