ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Análise dos efeitos em fetos expostos à hiperêmese gravídica durante a gravidez
Analysis of the effects on fetuses exposed to hyperemesis gravidarum during pregnancy
Bianca Angerami de Souza Albero; Laís Rocha Afonso; Lizandra Catharine Perrett Martins; Maitê Ribeiro dos Santos; Bruna Marquez Rodrigues de Paula; Kamilla Martins Mayr; Gerson Aranha
Universidade Metropolitana de Santos. Santos, São Paulo, Brasil
Endereço para correspondênciaAutor Correspondente:
Bruna Marquez Rodrigues de Paula
E-mail: bruna.maarquez@gmail.com
Recebido em: 23 Fevereiro 2022
Aprovado em: 18 Novembro 2022
Data de Publicação: 27 Março 2023
Editor Associado Responsável:
Dr. Henrique Vitor Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil
Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras
Conflito de Interesse: Não há.
Resumo
INTRODUÇÃO: De etiologia desconhecida, a hiperêmese gravídica é um quadro caracterizado por vômitos persistentes, perda de 5% ou mais do peso, cetonúria, hipocalemia e desidratação. Acredita-se que a gonadotrofina coriônica humana (hCG) provoque aumento das náuseas e vômitos por meio de seu estímulo à produção de estrogênio pelo ovário, provocando a exacerbação dos sintomas do "enjoo matinal".
OBJETIVO: Logo, essa revisão narrativa tem como objetivo analisar as repercussões fetais do quadro de hiperêmese gravídica.
MÉTODOS: Foram realizadas buscas em Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica - MEDLINE®. Sendo utilizadas os Medical Subject Headings (MeSh terms) e seus sinônimos: "hyperemesis gravidarum", "fetal risks", sendo selecionados ao todo 13 artigos.
RESULTADOS: Os estudos demonstraram que a hiperêmese gravídica pode trazer malefícios para mãe e feto. A gestante pode apresentar distúrbios eletrolíticos, encefalopatia de Wernicke, fraqueza muscular, disfunções emocionais como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
DISCUSSÃO: Os estudos revelaram que a patologia pode estar relacionada ao risco aumentado para desfechos adversos no nascimento, como baixo peso ao nascer, nascimento prematuro e pequena estatura para idade gestacional. Ademais, alguns estudos relataram os riscos prejudiciais no neurodesenvolvimento do recém-nascido, como problemas psicológicos e comportamentais na idade adulta, redução à sensibilidade à insulina, e comorbidades (obesidade e doenças cardiovasculares) além de distúrbios de desenvolvimento neuropsicomotor.
CONCLUSÃO: Gestantes que apresentam o quadro de hiperêmese gravídica devem ser regularmente acompanhadas com consultas entre 1 a 2 semanas, conforme a gravidade do caso e o mais precocemente possível tratadas, a fim de evitar maiores complicações tanto maternas quanto fetais.
Palavras-chave: Hiperêmese gravídica; Sofrimento fetal; Complicações na gravidez.
INTRODUÇÃO
"Enjoo matinal" é o nome popular para um sintoma gestacional comum, que acomete de 70 a 80% das mulheres grávidas. Essa condição é caracterizada por náuseas e vômitos no início da gravidez, por volta da 4ª a 7ª semana de gestação, podendo apresentar um pico durante a 8ª a 12ª semana. Esses sintomas costumam ser brandos e autolimitados, no entanto, podem evoluir para hiperêmese gravídica, uma forma mais severa das náuseas e vômitos; afetando uma a cada 200 gestantes1. A hiperêmese gravídica (HG) é um quadro caracterizado por vômitos persistentes, perda de 5% ou mais do peso, cetonúria, hipocalemia e desidratação. Sua etiologia ainda é desconhecida, embora haja sinais de que o estímulo seja produzido pela placenta. Indícios sugerem que a gonadotrofina coriônica humana (hCG) seja responsável pelo aumento das náuseas e vômitos por meio do seu estímulo à produção de estrogênio pelo ovário, provocando a exacerbação desses sintomas considerados relativamente normais do enjoo matinal1. Outras teorias propõem fatores genéticos, fisiológicos e gastrointestinais, como a Helicobacter pylori. Apresenta uma prevalência maior em grupos com baixo nível de escolaridade e baixa renda. É a causa mais comum de internação hospitalar durante o início da gravidez e sua incidência aumenta com gestação múltipla, gravidez molar, trissomias e hidropisia fetal1. Entre as complicações maternas decorrentes da condição, podemos elencar algumas mais brandas, como as neuropatias periféricas devido a deficiências de vitamina B6 e B12 e, mais sérias, como a encefalopatia de Wernicke1,2.
Além disso, estudos também apontaram que mulheres nesta situação tiveram um risco aumentado para ocorrência de demais situações como por exemplo, parto prematuro espontâneo3. Algumas pesquisas demonstraram que gestantes que perderam peso no início da gravidez, conceberam recém-nascidos com pesos médios ao nascimento mais baixos em comparação com os nascidos de mães das quais o peso aumentou, ou se manteve durante esse período1. Ainda foi observado uma propensão para esses recém-nascidos apresentarem percentil de peso menor que 10 ao nascer1,2. Portanto, essa revisão tem por objetivo analisar as repercussões fetais do quadro de hiperêmese gravídica, sendo de extrema importância para obstetras no pré-natal, a fim de evitar complicações fetais.
MÉTODOS
Foram realizadas buscas em Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica - MEDLINE®. Sendo utilizadas os Medical Subject Headings (MeSh terms) e seus sinônimos: "hyperemesis gravidarum", "fetal risks".
Na busca foram encontrados 43 artigos, sendo selecionados artigos do período de 2005 até 2022, de língua inglesa, sendo os critérios de inclusão artigos em que o tipo de participante eram gestantes com hiperêmese gravídica ou enjoos intensos com diagnóstico clínico confirmado e artigos em que os desfechos e/ou complicações fetais e neonatais tinham como causa a hiperêmese gravídica materna diagnosticada segundo os critérios clínicos durante o período de gestação e que tiveram tratamento e artigos em que os desfechos e/ou complicações fetais e neonatais tinham como causa a hiperêmese gravídica materna diagnosticada segundo os critérios clínicos durante o período de gestação e que não tiveram tratamento. Os critérios de exclusão foram estudos em que não havia relação entre o enjoo e a gravidez, estudos em que as complicações e/ou desfechos neonatais e fetais não tinham correlação com hiperêmese gravídica.
Sendo assim, foram selecionados 13 artigos, dos quais havia revisões narrativas e relatos de caso, devido à escassez de estudos clínicos randomizados, metanálises e revisões sistemática. E essa seleção foi avaliada por todos os autores desse artigo.
RESULTADOS
Os estudos demonstraram que a hiperêmese gravídica pode trazer malefícios para mãe e feto1-4. A gestante pode apresentar distúrbios eletrolíticos, encefalopatia de Wernicke5, fraqueza muscular, disfunções emocionais como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático4-6.
Ademais, estudos ainda demonstraram que desordens placentárias podem ocorrer como, por exemplo, descolamento prematuro de placenta. Baixo peso ao nascimento, parto pré-termo, recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, distúrbios psicológicos, comportamentais e de neurodesenvolvimento foram notados como predominantes nos artigos selecionados6,7.
Um estudo envolvendo 819 mulheres com HG, mostrou que 16% dos recém-nascidos prematuros, e que 8% das parturientes reportaram baixo peso de seus filhos ao nascimento (peso<2,500g)4 e segundo o estudo de corte, gestantes com HG tem 1,2 mais chances de terem neonatos de baixo pesos do que quando comparadas com o grupo de controle (RR=1.2; 95%CI=1.0-1.5)5. Além disso, em um estudo retrospectivo envolvendo 259 adultos, distúrbios psicológicos e comportamentais (como depressão, ansiedade, autismo), foram relatados em indivíduos expostos a HG intraútero3 e também o risco aumentado para o surgimento de comorbidades cardiovasculares no feto4.
Crianças expostas intraútero a HG tiveram um aumento de 3 vezes nas chances de distúrbios relacionados ao neurodesenvolvimento, incluindo transtornos de atenção e ansiedade. Relatou-se juntamente um aumento da incidência e risco ao transtorno do espectro autista em 8% das crianças expostas em comparação com crianças cujas mães tiveram e não tiveram hiperêmese gravídica7,8.
Nota-se ainda que a HG, por ocasionar deficiência nutricional materna, pode levar a déficits vitamínicos como o de vitamina K causando distúrbios hemorrágicos que podem ocasionar em danos ao feto como uma possível, embora rara, hemorragia fetal intracraniana9. Além disso, a menor ingestão e absorção de nutrientes e proteínas pode vir a afetar negativamente o crescimento fetal intrauterino10.
Outros distúrbios se comprovaram presentes nos estudos analisados como awconsiderável redução à sensibilidade à insulina, e comorbidades manifestadas durante fase adulta como obesidade e doenças cardiovasculares, em adição a distúrbios de desenvolvimento neuropsicomotor. Estudos mostraram que a desnutrição materna ocasionada no primeiro trimestre, além do possível estresse oxidativo resultante, pode atuar de modo teratológico no feto afetando negativamente seu desenvolvimento, tendo como exemplo, o cerebral (SNC). Dessa forma, tem-se o aumento para o risco do surgimento de distúrbios neurológicos apresentados durante infância e/ou vida adulta6,11,12.
DISCUSSÃO
Os resultados dos estudos avaliados sugerem que os achados atuais são conflitantes em relação à associação entre a hiperêmese gravídica e seus efeitos sobre o feto. Isso se deve ao grau de heterogeneidade entre os estudos, diferentes definições quanto à clínica da HG e falta de amostras homogêneas.
Nos artigos selecionados, os estudos revelaram em comum, que a hiperêmese gravídica tem predominância dos seguintes efeitos sobre o recém-nascido: baixo peso ao nascimento, parto pré-termo, estatura pequena para sua idade gestacional, distúrbios psicológicos, comportamentais e de neurodesenvolvimento. Já a gestante pode apresentar distúrbios eletrolíticos, encefalopatia de Wernicke, fraqueza muscular, disfunções emocionais como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Ademais, observa-se ainda a possível ocorrência de desordens placentárias como, por exemplo, descolamento prematuro de placenta5,7,9,11,13.
Mulheres com hiperêmese gravídica apresentaram maiores chances de parto prematuro espontâneo, quando comparadas com mulheres que não apresentaram HG. Além disso, em mulheres que apresentaram ganho de peso inferior a 7kg e hiperêmese gravídica durante a gravidez, foi encontrado um risco elevado de prematuridade em comparação com os casos de HG com ganho de peso. Não foram encontradas associações com escores de Apgar, anomalias congênitas ou morte perinatal3-5.
As características maternas determinam parcialmente o desfecho da gravidez em pacientes com hiperêmese gravídica. Porém, outros fatores podem estar associados, como o ganho de peso insuficiente durante a gravidez, situações de estresse materna ou infecção por H. pylori, envolvendo a placenta. Todos esses acontecimentos podem contribuir para os resultados adversos no nascimento associado à HG5,9.
Quanto ao tratamento, cerca de 10% das gestantes que apresentem náuseas e vômitos irão precisar de medicação, sendo o tratamento de 1ª linha a associação de vitamina B6 por via oral e doxilamina, o qual é recomendado pela American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Essa associação medicamentosa, segundo estudos randomizados, diminui em até 70% a sintomatologia e, portanto, as complicações fetais geradas pela hiperêmese gravídica1.
CONCLUSÃO
Hiperêmese gravídica pode estar associada ao risco aumentado para desfechos adversos no nascimento e distúrbios no neurodesenvolvimento, podendo trazer malefícios para mãe e feto, sendo assim, essa patologia deve ser tratada durante o pré-natal, o mais precocemente possível, e a gestante deve ser acompanhada regularmente pelo obstetra com o objetivo de evitar maiores complicações tanto maternas quanto fetais.
COPYRIGHT
Copyright© 2021 Alberto et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - análise e edição: Bianca Angerami de Souza Albero, Laís Rocha Afonso, Lizandra Catherine Perret Martins, Maitê Ribeiro dos Santos e Bruna Marquez Rodrigues de Paula. Administração do Projeto, Supervisão & Escrita - rascunho original: Bianca Angerami de Souza Albero, Laís Rocha Afonso, Lizandra Catherine Perret Martins, Maitê Ribeiro dos Santos, Bruna Marquez Rodrigues de Paula e Gerson Aranha. Curadoria de Dados & Análise Formal: Kamilla Martins Mayr.
REFERÊNCIAS
1. Niebyl JR. Nausea and vomiting in pregnancy. N Engl J Med. 2010 Out;363:1544-50. DOI: https://doi.org/10.1056/NEJMcp1003896
2. Loh KY, Sivalingam N. Understanding hyperemesis gravidarum. Med J Malaysia. 2005 Ago;60(3):394-9;quiz:400.
3. McCarthy FP, Lutomski JE, Greene RA. Hyperemesis gravidarum: current perspectives. Int J Womens Health. 2014 Abr;6:719-25. DOI: https://doi.org/10.2147/IJWH.S37685
4. Grooten IJ, Roseboom TJ, Painter RC. Barriers and challenges in hyperemesis gravidarum research. Nutr Metab Insights. 2016 Fev;8(Supl 1):33-9. DOI: https://doi.org/10.4137/NMI.S29523
5. Varela P, Deltsidou A. Hyperemesis gravidarum and neonatal outcomes: a systematic review of observational studies. Taiwan J Obstet Gynecol. 2021 Mai;60(3):422-32. DOI: https://doi.org/10.1016/j.tjog.2021.03.007
6. Koren G, Ornoy A, Berkovitch M. Hyperemesis gravidarum-Is it a cause of abnormal fetal brain development? Reprod Toxicol. 2018 Ago;79:84-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.reprotox.2018.06.008
7. Fejzo M, Kam A, Laguna A, MacGibbon K, Mullin P. Analysis of neurodevelopmental delay in children exposed in utero to hyperemesis gravidarum reveals increased reporting of autism spectrum disorder. Reprod Toxicol. 2019 Mar;84:59-64. DOI: https://doi.org/10.1016/j.reprotox.2018.12.009
8. Getahun D, Fassett MJ, Jacobsen SJ, Xiang AH, Takhar HS, Wing DA, Peltier MR. Autism spectrum disorders in children exposed in utero to hyperemesis gravidarum. Am J Perinatol. 2021 Fev;38(3):265-72. DOI: https://doi.org/10.1055/s-0039-1696670
9. Shigemi D, Nakanishi K, Miyazaki M, Shibata Y, Suzuki S. A case of maternal vitamin K deficiency associated with hyperemesis gravidarum: its potential impact on fetal blood coagulability. J Nippon Med Sch. 2015;82(1):54-8. DOI: https://doi.org/10.1272/jnms.82.54
10. Huang W, Zhu P, Gao R, Lu Y, Liang Z, Tao F. Association between hyperemesis gravidarum and fetal growth restriction. Wei Sheng Yan Jiu. 2012 Jul;41(4):602-8.
11. Muraoka M, Takagi K, Ueno M, Morita Y, Nagano H. Fetal head growth during early to mid-gestation associated with weight gain in mothers with hyperemesis gravidarum: a retrospective cohort study. Nutrients. 2020 Jun;12(6):1664. DOI: https://doi.org/10.3390/nu12061664
12. Wood A. Second trimester hyperemesis gravidarum is associated with increased risk of preterm pre-eclampsia, placental abruption and small for gestational age birth. Evid Based Nurs. 2014 Jul;17(3):74. DOI: https://doi.org/10.1136/eb-2013-101423
13. Bolin M, Åkerud H, Cnattingius S, Stephansson O, Wikström AK. Hyperemesis gravidarum and risks of placental dysfunction disorders: a population-based cohort study. BJOG. 2013 Abr;120(5):541-7. DOI: https://doi.org/10.1111/1471-0528.12132
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License