ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
MIGS: alternativas promissoras para o tratamento de glaucoma - Revisão de Literatura
Daniel Fulgêncio de Moura1; Thábata Machado Correia Domingues2; João Vitor Fortuna Laranjeira3; Gabriela Picchioni Baêta4; Victor Souza Mares5; Marina Cândido Tosi6; Thalita Baptisteli Fernandes7; Beatriz Maria Monteiro Sousa8
1. Instituto de Olhos Ciências Médicas de Minas Gerais (IOCM), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0009-0009-6661-3524
2. Instituto de Olhos Ciências Médicas de Minas Gerais (IOCM-BH), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2290-6933
3. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6967-5677
4. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2406-3271
5. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0009-0009-9121-3004
6. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0009-0006-3044-0797
7. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2085-3479
8. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil - ORCID: https://orcid.org/0009-0004-3254-3496
João Vitor Fortuna Laranjeira
E-mail: joaovlaranjeira@gmail.com
Resumo
INTRODUÇÃO: O glaucoma é uma neuropatia óptica crônica, potencialmente progressiva. Trata-se da principal causa de cegueira irreversível no mundo e a segunda causa geral de cegueira. Diante deste contexto, as MIGS (acrônimo do inglês minimally invasive glaucoma surgery, com tradução procedimentos minimamente invasivos para glaucoma), propõem a redução pressórica de maneira mais segura, previsível e com menos complicações, quando comparada às técnicas cirúrgicas antiglaucomatosas convencionais, podendo beneficiar os portadores de glaucoma de ângulo aberto leve e moderado.
METODOLOGIA: Trata-se de um estudo de revisão de literatura através das bases de dados: SciELO, Google Acadêmico e PubMed, buscando majoritariamente artigos recentes e relevantes na literatura.
RESULTADOS: As MIGS trabeculares, as mais difundidas em nosso meio, permitem a realização da trabeculectomia (TREC) mais tardiamente, pois evitam a manipulação conjuntival. São indicadas para pacientes com glaucoma de ângulo aberto leve e moderado, ou seja, de modo geral em estágios mais precoces da doença. Seu objetivo é facilitar a drenagem de humor aquoso por meio da malha trabecular por meio de dois mecanismos distintos. Existe o bypass trabecular por meio do implante de um dispositivo (iStent®, iStent Inject® e Hydrus®); Há também os realizados por meio de uma excisão/abertura no trabeculado (Trabecutome®, GATT e Kahook Dual Blade®).
CONCLUSÃO: Apesar das boas expectativas com relação ao impacto das MIGS no tratamento do glaucoma, são procedimentos relativamente recentes. Desta forma, ainda são necessários mais ensaios clínicos para avaliar a eficácia das MIGS em longo prazo, os possíveis efeitos colaterais e complicações advindos da técnica e o real impacto na qualidade de vida dos portadores de glaucoma. Mesmo assim, as MIGS têm chances reais, nos próximos anos, de se consolidarem entre as principais opções de tratamento do glaucoma, com a possibilidade de, com tratamento precoce, evitar a progressão da doença para estágios mais avançados.
Palavras-chave: Glaucoma. Glaucoma de Ângulo Aberto. Implantes para Drenagem de Glaucoma. Hipertensão Ocular. MIGS.
INTRODUÇÃO
O glaucoma é uma neuropatia óptica crônica, potencialmente progressiva, caracterizada por alterações típicas do disco óptico e da camada de fibras nervosas da retina, com repercussões características no campo visual (CV). Trata-se da principal causa de cegueira irreversível no mundo e a segunda causa geral de cegueira adquirida. Existem diferentes tipos de glaucoma, são eles: glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), glaucoma primário de ângulo fechado (GPAF), glaucoma de pressão normal (GPN), glaucoma congênito e glaucomas secundários.1
Um dos principais fatores de risco e o único modificável para desenvolver a doença é a hipertensão ocular, que aumenta em até seis vezes a sua incidência, sendo tão maior o risco, quanto maior a pressão intraocular (PIO). Os fatores de risco variam entre os diferentes tipos de glaucoma, no caso do GPAA, que é a forma mais comum no nosso meio, os principais são: hipertensão arterial sistêmica, uso de corticóide tópico ou sistêmico, raça negra, história familiar, miopia e idade avançada.2
A maioria dos pacientes portadores de glaucoma, assim como os portadores de outras doenças crônicas, nas fases iniciais a doença é assintomática, sendo o diagnóstico feito incidentalmente, na maior parte das vezes, durante o exame oftalmológico de rotina. A perda visual é bilateral, assimétrica e indolor, inicialmente com aparecimento de escotomas, evoluindo para perda do CV periférico e visão tubular, que é uma manifestação tardia.3
O tratamento do glaucoma consiste em interromper ou retardar a progressão da doença, através da redução da PIO, até o limite máximo considerado o alvo, de forma individualizada para cada paciente. Este controle é inicialmente clínico, na maioria dos casos, através do uso de colírios hipotensores, ou realizado por meio de procedimentos à laser, como a trabeculoplastia seletiva (SLT).3 Caso o tratamento clínico seja ineficaz ou em casos mais avançados, deve-se considerar o tratamento cirúrgico, classicamente a trabeculectomia ou os implantes de drenagem. Estas abordagens possuem grande eficácia na redução da PIO, mas apresentam número elevado de complicações, motivo pelo qual, geralmente, são indicadas apenas quando outras formas de tratamento não obtêm sucesso ou em quadros muito avançados.3
Diante deste contexto, tem ganhado cada vez mais espaço um grupo de procedimentos cirúrgicos pouco invasivos, as MIGS (acrônimo do inglês minimally invasive glaucoma surgery, com tradução procedimentos minimamente invasivos para glaucoma), que propõem a redução pressórica de maneira mais segura, previsível e com menos complicações, quando comparada às técnicas cirúrgicas antiglaucomatosas convencionais, podendo beneficiar os portadores de glaucoma de ângulo aberto leve e moderado.3 As MIGS podem ser divididas, hoje em dia, em cirurgias angulares ou trabeculares, subconjuntivais e supracoroidais, sendo que esta última ainda não apresenta implantes disponíveis no país. O foco do artigo são as técnicas trabeculares, já que são as mais difundidas no nosso meio.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão de literatura, através da busca de artigos nas bases de dados SciELO, PubMed e Google Acadêmico, entre fevereiro e março de 2023. Foram utilizadas as palavras chaves: Glaucoma, Glaucoma de Ângulo Aberto, Implantes para Drenagem de Glaucoma, Hipertensão Ocular e MIGS. A pesquisa incluiu majoritariamente estudos dos últimos sete anos, com um artigo fora dessa faixa temporal que foi publicado em 2003 e com resumo disponível na íntegra. Ao final da pesquisa, foi realizada uma nova busca na bibliografia dos estudos incluídos para identificar novos estudos relevantes para essa revisão. Foram utilizados artigos na língua inglesa e portuguesa.
DISCUSSÃO
As MIGS trabeculares correspondem a um grupo de técnicas cirúrgicas destinado a melhorar a segurança e a previsibilidade do tratamento cirúrgico do glaucoma. Uma das vantagens destes procedimentos, é que evitam a manipulação conjuntival, permitindo a realização de uma trabeculectomia (TREC) mais tardiamente, se for necessário. Além disso, apresentam em comum: abordagem ab interno, pouco traumática; eficácia comprovada; elevado perfil de segurança; e recuperação visual rápida.4,6
As MIGS exigem uma correta seleção de casos para que se obtenha o resultado esperado. São indicadas para os glaucomas de ângulo aberto leve e moderado, sendo realizadas stand alone ou associadas à cirurgia de catarata. Entre as contraindicações temos principalmente os glaucomas de ângulo fechado, tanto primários quanto secundários, sendo que no caso dos primeiros, quando associados à facectomia, a contraindicação pode ser relativa.5
Diferente das técnicas convencionais, a indicação das MIGS é feita em estágio mais precoce da doença, ampliando assim o arsenal terapêutico, e trazendo uma série de benefícios, como PIO controlada de maneira mais consistente nas 24h, diminuição da quantidade de gotas de colírios hipotensores por dia com todas as suas vantagens, melhora da aderência ao tratamento e alto perfil de segurança.
As MIGS trabeculares buscam facilitar a drenagem do humor aquoso por meio da via fisiológica, a malha trabecular, através de dois mecanismos de ação distintos. Há aquelas que realizam um bypass trabecular por meio do implante de um dispositivo, um stent (iStent®, iStent Inject® ou Hydrus®). Existem também os feitos através de excisão/abertura do trabeculado (Trabecutome®, GATT e Kahook Dual Blade®). Entre outros que não estão disponíveis no mercado brasileiro.4
iStent® (Glaukos Corporation, San Clemente, Estados Unidos)
O iStent® é um implante que tem o objetivo de realizar um bypass trabecular, ou seja, estabelecer uma comunicação direta entre a câmara anterior e o canal de Schelemm. O dispositivo possui três gerações, mas apenas as duas primeiras são comercializadas no Brasil: a primeira geração, o iStent® Trabecular, é um implante de titânio revestido de heparina e não magnético. As suas dimensões do stent são personalizadas para um ajuste e retenção naturais no espaço do canal de Schelemm. Já a segunda geração, o iStent® Inject também é um implante de titânio, porém agora com o tamanho reduzido. A sua principal vantagem é que o injetor é carregado com dois stents possibilitando uma cirurgia mais acurada.9
Sob visualização gonioscópica direta, o iStent® Trabecular é injetado perfurando a malha trabecular e deslizando para o canal de Schlemm. No caso da cirurgia realizada com o iStent® Inject, não é necessário canalizá-lo e os stents são posicionados cerca de 60º entre si, sem necessidade de retirar o injetor, objetivando atingir o maior número de canais coletores possível. O objetivo da cirurgia consiste em restabelecer o fluxo fisiológico de humor aquoso e restabelecer a passagem pelo canal de Schlemm. Normalmente é indicada associada à facectomia, obtendo um melhor resultado na operação.11
Os estudos mostram que a inserção de um iStent®, um dos dispositivos mais utilizados, de forma isolada, reduz a PIO em até 22%, associada a uma redução média de 1,2 no uso de colírios antiglaucomatosos. Este resultado pode ser ainda melhor quando o procedimento é associado à facectomia. Samuelson et al. sugerem que o implante de iStent® combinado com facectomia, reduz a PIO de maneira sustentada nos casos de glaucoma leve a moderado. Existe ainda evidência de que o uso de mais de um iStent® no mesmo olho leva à redução adicional da PIO. Foi o que demonstraram Katz et al. De acordo com esse estudo prospectivo e randomizado, o implante de um único iStent® proporcionou queda de 30% da PIO, enquanto dois ou três iStent® levaram à redução média de 37% e 47%, respectivamente.15,16
Um estudo feito a partir de uma série de casos prospectivos, não controlados, avaliou 41 pacientes submetidos à cirurgia de catarata associada ao implante do iStent® por 7 anos. A PIO média antes do procedimento era de 21,3 (± 4,96) mmHg com o uso de médio de 2,17 (±0,95) colírios tópicos. Depois de 6 meses do procedimento foi atingido o pico de redução com a média de 16,05 (± 3,43) mmHg e uso de 0,55 (±0,9) medicamentos, após 24 meses a PIO se manteve muito similar, média de 16,12 mmHg, mas com um aumento do número de colírios para 1,02 (± 1,15). Ao final do acompanhamento, aos 7 anos, a PIO estava notadamente estável com 16,42 (± 3,27), com um o uso de colírios em 1,58 (±1,17).25
Um estudo multicêntrico prospectivo comparativo que avalia os efeitos da cirurgia de catarata e ciclofotocoagulação endoscópica, com ou sem o implante de iStent®, em pacientes brasileiros com glaucoma mostrou que as reduções percentuais foram significativamente maiores, e a PIO média e os medicamentos foram significativamente menores no grupo que recebeu o iStent inject®. Com redução da PIO de 43,6% e redução média de medicamentos de 71,5%, respectivamente.17
Já em um estudo prospectivo realizado no Reino Unido, foi realizada a implantação de iStent® em 44 olhos com glaucoma de ângulo aberto durante um procedimento combinado de cirurgia de catarata com implante de lente intraocular (n=40) ou como um procedimento isolado (n=4). A pressão intraocular (PIO) média no início do estudo foi de 21,5 mmHg e o número médio de medicamentos utilizados foi de 2,3. Após 6 meses, houve uma diminuição significativa tanto na PIO média quanto no número médio de medicamentos utilizados, para 16,5 mmHg (P <0,001) e 0,5 (P <0,001), respectivamente.15
HydrusTM® Microstent (Alcon, Fox Worth, Estados Unidos)
Apesar de ainda não estar disponível no Brasil, a inclusão do Hydrus® se justifica pela qualidade dos estudos realizados. É um dispositivo flexível de drenagem aquosa projetado para ser colocado ab interno, onde contorna a malha trabecular e dilata o canal de Schlemm. Assim, ele também fornece um by-pass trabecular e restabelece a drenagem do humor aquoso.8
Um estudo prospectivo randomizado com 556 pacientes e um seguimento de 24 meses comparou o resultado de facectomia associada ao implante do Microstent com apenas facectomia para a redução da pressão ocular. No final do período de acompanhamento 77,3% dos pacientes que receberam o Microstent atingiram uma redução de 20% da PIO, comparada com 55,7% dos sujeitos que foram submetidos apenas à facectomia. Ademais, como consequência do implante 78% dos pacientes não precisavam mais de drogas, comparado a 48% daqueles sem o dispositivo.19
Uma extensão do estudo acima acompanhou os pacientes por mais 3 anos, até que completassem 60 meses de pós-operatório, sendo um dos principais objetivos medir a capacidade do dispositivo de promover a manutenção da visão dos pacientes. Dessa forma, foi avaliado dados de 5 anos de campo visual e de perímetro automatizado para determinar a taxa de progressão da perda visual. Os resultados foram que os pacientes submetidos à facectomia associada ao Hydrus® tiveram uma redução na taxa de progressão de perda visual maior do que submetidos apenas a cirurgia de catarata ao final do estudo. A perda com o Hydrus® foi de -0,29 (-0,40; -0,18) dB/ano, comparado com -0,51 (-0,67; -0,35) dB/ano, ou seja, uma redução na progressão média de -0,22 dB/ano com o Microstent.27
Outro estudo randomizado com 148 pacientes comparando o Hydrus® com o iStent® como único tratamento para GAA com um acompanhamento de 12 meses demonstrou superioridade do Hydrus® em conseguir alcançar pressões intraoculares <18 mmHg sem o uso de medicações tópicas: 30,1% comparado com 9,3% do iStent® (P = 0.002). Também foi maior a porcentagem de pacientes que tiveram uma redução em pelo menos 20% da PIO: 39,7% com Hydrus® e 13,3% (P <0.001) com iStent®. Além disso, ao final do período de acompanhamento 46,6% dos pacientes Hydrus® estavam sem medicações para o glaucoma, já o iStent® apresentou um resultado de 24,0%.4,18
Gonioscopy-assisted transluminal trabeculotomy (GATT)
A trabeculotomia transluminal assistida por gonioscopia (GATT) consiste em uma goniotomia ab interno realizada no quadrante nasal, abordando o canal de Schlemm com fio cirúrgico de nylon ou polipropileno, que é conduzido internamente, avançado em circunferência de 360º, o fio é então usado para abrir o trabeculado doente, realizando uma trabeculotomia em toda sua extensão, anulando assim a resistência oferecida pela malha trabecular e permitindo a passagem de humor aquoso diretamente para o canal de Schlemm. Essa técnica pode ser feita de maneira isolada, ou associada com a facoemulsificação.10,12
Um estudo de observacional avaliou o desfecho de 124 pacientes em 24 meses que foram submetidos à GATT associada à facoemulsificação, 58 olhos, ou GATT isolada, 66 olhos. Considerando os grupos juntos, eles apresentaram uma diminuição média de 41,50% na PIO ao final do período de acompanhamento. Quanto ao número de medicações, 78% dos pacientes submetidos à GATT não precisaram de drogas ao final dos dois anos.20
De maneira similar, uma pesquisa retrospectiva para avaliar o resultado da GATT associada ou não à facectomia, após seis meses, em 69 pacientes, demonstrou uma queda média na PIO em 11,6 mmHg. Em relação à terapia medicamentosa, houve uma redução do número médio de fármacos utilizados de 2,79 antes da cirurgia para 0,76 após os seis meses, e cerca de 60% dos pacientes não precisaram mais de terapia medicamentosa ao fim desse período.10
Um estudo de coorte avaliou 74 pacientes que haviam sido submetidos à GATT, todos operados por um mesmo cirurgião, que tinham pelo menos 36 meses de seguimento pós-operatório. A PIO pré-operatória média era de 27,0 (± 10,0) mmHg e ao fim dos 4 anos que foram avaliados era de 14,8 (±6,5) mmHg, o que representa uma queda de aproximadamente 45%. Além disso, o número de medicamentos também reduziu: passaram de 3,2 (±1,0) antes da cirurgia para 2,3 (±1,0) aos 36 meses.26
Outro estudo, que acompanhou 35 pacientes ao longo de dois anos, avaliou essa técnica em olhos previamente submetidos à cirurgia incisional para glaucoma. Nestes, PIO média antes da GATT era de 25,7 mmHg com 3,2 medicamentos em média, já aos 24 meses depois a PIO média era 15,4 com uso médio de 2,0 medicamentos.21
Kahook Dual Blade (KDB; New World Medical Incorporated, Rancho Cucamonga, Estados Unidos)
O "KDB" tem o objetivo de restabelecer a drenagem do humor aquoso através da excisão de um segmento da malha trabecular, manualmente, usando de um bisturi oftálmico e criando assim abertura para o canal de Schlemm e facilitando a drenagem do humor aquoso. O bisturi apresenta uma base distal especializada que consiste em uma ponta fina que se alarga posteriormente, uma rampa que se estende a partir da ponta e um par de lâminas paralelas que facilitam a realização do procedimento.7
Uma análise retrospectiva realizada na Arábia Saudita com 55 olhos submetidos ao KDB, acompanhados por três anos, verificou uma PIO média prévia ao procedimento de 20,4 mmHg e 36 meses depois do KDB de 13.9 mmHg. Dos pacientes acompanhados, 75% obteve uma redução de pelo menos 20% na PIO ao fim do estudo. Além disso, o número médio de medicamentos foi reduzido de 3,2 para 2,0 com 36 meses depois da cirurgia.22
Um estudo retrospectivo que acompanhou 197 olhos por 12 meses submetidos ao KDB isolado e KDB associado à facoemulsificação demonstrou que 71,8% dos pacientes do procedimento combinado e 68,8% do KDB isolado obtiveram uma redução de pelo menos 20% da PIO.4,23
Trabectome® (MicroSurgical Technology, Redmond, Estados Unidos)
A trabeculotomia ab interno com Trabectome tem importância histórica por ser uma das primeiras MIGS trabeculares. O Trabectome, assim como o "KDB" consiste na remoção de uma porção da malha trabecular e da parede interna do canal de Schlemm, melhorando a drenagem do humor aquoso.4,24
Um estudo de coorte prospectivo, com pacientes fácicos submetidos ao Trabectome isolado ou Trabectome associado à facoemulsificação, acompanhou 653 pacientes por 12 meses. Inicialmente a PIO média era de 23,6 mmHg, antes do procedimento, e ao fim do período de acompanhamento a PIO média foi de 16,0 mmHg. O número de medicamentos em uso também reduziu de 2,6 para 1,3.24
CONCLUSÃO
As MIGS são procedimentos minimamente invasivos, que objetivam reduzir de maneira menos agressiva a PIO em portadores de glaucoma. Estudos demonstraram que a redução da PIO varia em média entre 3,2 e 12,6 mmHg, sendo mais significativa em pacientes com a PIO elevada. A magnitude da redução da PIO tem relação com o número de dispositivos implantados durante a cirurgia, quando é o caso, ou com a associação a outros procedimentos, como à facectomia.15 Estes procedimentos tem se mostrado uma opção promissora dentre as terapêuticas cirúrgicas no glaucoma.14
O tratamento cirúrgico convencional do glaucoma é indicado quando os demais tratamentos, como colírios, não estão evitando a progressão da doença, ou em casos muito avançados. As MIGS possibilitam um tratamento mais precoce, já nos casos leves a moderados, reduzindo as complicações associadas a quadros avançados, como a perda visual progressiva e irreversível, melhorando o prognóstico visual e proporcionando maior qualidade de vida para o paciente em longo prazo.14
A redução do número de medicações é uma grande vantagem e torna mais efetiva a terapêutica, uma vez que a não adesão ao tratamento do glaucoma é significativa, seja por dificuldade de administração das medicações que são no formato de colírios, pela posologia, pelos efeitos colaterais ou simplesmente pelo fato de a maioria dos casos apresentarem-se de forma assintomática.13
Outras potenciais vantagens das MIGS incluem recuperação pós-operatória mais rápida, menos impacto sobre as atividades de vida diária e de lazer, um perfil de segurança satisfatório e menor risco de danificar outras estruturas oculares, que podem requerer tratamentos ou cirurgias adicionais posteriormente.13
Apesar de suas vantagens, a maioria dos pacientes submetidos a esses procedimentos alcançam reduções pressóricas em torno de 03 mmHg, mais discretas em comparação com as cirurgias filtrantes antiglaucomatosas tradicionais. Por este motivo, em geral, apresentam uma indicação mais restrita a paciente com glaucoma até estágios moderados e não substituem a trabeculectomia e os implantes de drenagem nos casos cuja redução pressórica necessita ser mais expressiva. Além disso, a maior parte, é considerada uma opção de alto custo, principalmente no nosso meio, sendo uma grande barreira para sua realização e difusão da técnica.14 Ademais, por serem feitos pela via interna, para a correta realização, é necessário adquirir novas habilidades cirúrgicas, além da dificuldade inerente da gonioscopia cirúrgica para pessoas não treinadas.13
Apesar das boas expectativas com relação ao impacto no tratamento do glaucoma, são procedimentos relativamente recentes. Desta forma, ainda são necessários mais ensaios clínicos para avaliar a eficácia das MIGS em longo prazo, os possíveis efeitos colaterais e complicações advindos da técnica e o real impacto na qualidade de vida dos portadores de glaucoma. Além disso, ainda são procedimentos pouco acessíveis por causa de seu alto custo. Apesar disso, as MIGS têm chances reais, nos próximos anos, de se consolidarem entre as principais opções de tratamento do glaucoma. Com a possibilidade de, com tratamento precoce, evitar a progressão da doença para estágios mais avançados, mudando o paradigma da doença e a prevalência de cegueira por esta causa.
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