ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Colestase intra-hepática da gravidez: relato de caso
Intrahepatic cholestasis of pregnancy: case report
Rodolfo Ribeiro de Jesus1; Marinalva Silva de Souza2
1. Universidade Federal do Amapá, Amapá, Brasil
2. Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amapá, Amapá, Brasil
Rodolfo Ribeiro de Jesus
E-mail: rodolforibeirojesus@gmail.com
Recebido em: 25 Novembro 2022
Aprovado em: 18 Março 2023
Data de Publicação: 07 Agosto 2023
Editor Associado Responsável:
Dr. Henrique Vitor Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte/MG, Brasil.
Fontes apoiadoras: Não se aplica.
Registro de Ensaio Clínico: Não se aplica.
Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Comitê de Ética: Número do parecer: 5.530.704 - CAAE: 60247522.1.0000.0003
Resumo
OBJETIVO: Relatar o desfecho da gravidez de uma paciente com colestase intra-hepática, atendida em um serviço público do norte do Brasil.
RELATO DO CASO: Primigesta, 24 anos, cor parda, 29 semanas de gestação, referiu intenso prurido corporal, predominantemente palmoplantar, ansiedade e algia pélvica. Negou náuseas e vômitos, perdas vaginais, outras doenças, cirurgias e alergias. Ao exame clínico, sem hepatomegalia e icterícia. Os exames laboratoriais mostraram elevação da concentração dos níveis de ácidos biliares 43µmol/L, enzimas hepáticas alanina aminotransferase: 1.382U/L, aminotransferase aspartato: 752U/L, desidrogenase láctica: 718U/L, Gama Glutamil transferase: 43U/L e fosfatase alcalina: 196U/L. Com diagnóstico de colestase intra-hepática na gravidez, foi medicada com ácido ursodesoxicólico 900mg ao dia, divididos em três doses; analgésicos; anti-histamínicos; cefalexina 500mg e nitrofurantoína 100mg. Com 31 semanas e três dias de gestação, teve intensificação do prurido corporal, ansiedade, algia pélvica e os exames laboratoriais mantiveram a elevação das enzimas hepáticas com destaque para alanina aminotransferase: 1.962U/L. Optou-se pela interrupção da gestação com cesariana eletiva aguardando oito horas de jejum, iniciando corticoide para maturação pulmonar fetal. Após cinco dias do parto, houve melhora clínica e redução nos valores dos testes de função hepática.
CONCLUSÃO: Apesar do desfecho positivo para a mãe, o parto prematuro resultou no óbito do recém-nascido após alguns dias na unidade de terapia intensiva neonatal.
Palavras-chave: Colestase intra-hepática; Gravidez de alto risco; Complicações na Gravidez; Relato de caso.
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
A colestase intra-hepática da gravidez (CIHG) é a doença hepática específica mais comum da gestação. Essa disfunção hepática é rara na gravidez, porém potencialmente grave. O principal sintoma é o prurido corporal sem erupção, combinado com níveis séricos elevados de ácidos biliares e/ou outros testes da função hepática, como alanina aminotransferase (ALT) e aminotransferase aspartato (AST)1. No geral, o prognóstico materno é bom. O prurido cessa imediatamente após o parto, geralmente dentro de alguns dias, e os testes da função hepática elevados normalizam dentro de algumas semanas2. A etiologia da CIHG é pouco compreendida e multifatorial. A suscetibilidade genética, fatores hormonais e ambientais têm sido propostos como possíveis mecanismos de surgimento dessa doença3.
Devido à etnia, sua prevalência varia muito entre as regiões geográficas e é significativamente maior em mulheres na América Latina do que nas caucasianas4. Em Israel, a prevalência da CIHG publicada em 2021 foi de 0,58%, sendo considerada maior em relação à relatada em estudos anteriores realizados naquele país5. Na Europa, a prevalência variou de 0,5% a 1,5%, com maior taxa na Escandinávia. Nos Estados Unidos da América (EUA), variou de 0,3% em populações brancas a 5,6% em populações de origem latina6. No Brasil, não é conhecido estudo epidemiológico que aponte a prevalência dessa condição clínica entre as gestantes.
A CIHG acomete geralmente mulheres com idade maior que 35 anos, com história prévia da doença ou em parente de primeiro grau, doença hepática preexistente, gestação múltipla e variação sazonal com maior acometimento no inverno7. A fisiopatologia envolve redução do fluxo biliar e consequente acumulação levando à deposição de sais biliares na pele e na placenta. Acredita-se que a combinação de fatores hormonais, genéticos e ambientais contribua para essa redução do fluxo biliar6. Têm assumido importância processos moleculares que atuam no nível placentário, além de alterações histopatológicas específicas que levam a maus resultados fetais8.
Prurido inexplicável com elevação concomitante do nível total de ácidos biliares séricos >10µmol/L e/ou elevação da ALT são frequentemente usados para diagnosticar a colestase intra-hepática da gravidez9,10. A doença é considerada grave quando os ácidos biliares estão acima de 40µmol/L11, ou com nível de ALT maior que três vezes o valor de referência, o que representa a indicação de interrupção da gestação, segundo a literatura4,12. A concentração elevada de ácidos biliares séricos é considerada um preditor de mau resultado perinatal, incluindo morte intrauterina4. Essa condição clínica está associada a taxas aumentadas de natimortos, parto prematuro e internação em unidade de terapia intensiva neonatal (UTI neonatal)13. Sobre os critérios diagnósticos, não há consenso internacional para estabelecer a colestase intra-hepática da gravidez.
O manejo terapêutico visa reduzir os sintomas clínicos, normalizando a bioquímica materna e prevenindo complicações para o feto. O farmacológico visa ao tratamento da CIHG e consiste na administração do ácido ursodeoxicólico (AUDC) para diminuir os níveis do ácido biliar total e reduzir o prurido. Se o tratamento falhar, a interrupção da gravidez deve ser considerada14. O AUDC deve ser usado como agente de primeira linha para o tratamento de sintomas maternos, assim como corticosteroides pré-natais para a maturidade pulmonar fetal9.
Embora a incidência mundial da CIHG seja baixa, essa doença caracteriza uma gravidez de alto risco, o que motivou a realização deste estudo. Objetivou-se relatar o desfecho da gravidez de uma paciente com diagnóstico de colestase intra-hepática, atendida em um serviço público do norte do Brasil. O projeto de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amapá, em 15 de julho de 2022, sob o nº 5.530.704, CAAE nº 60247522.1.0000.0003.
RELATO DE CASO
Primigesta, 24 anos, cor parda, 29 semanas de gestação, internada com intenso prurido corporal, predominantemente palmoplantar, referiu ansiedade, além de algia pélvica. Negou náuseas e vômitos, perdas vaginais, outras doenças, cirurgias e alergias. Ao exame clínico, sem hepatomegalia e icterícia. Exame obstétrico sem alterações e a ultrassonografia obstétrica mostrou feto em bom desenvolvimento e líquido amniótico normal. Os exames laboratoriais apresentaram elevados níveis de ácidos biliares 43µmol/L, enzimas hepáticas ALT: 1.382U/L, AST: 752U/L, desidrogenase láctica (DHL): 718U/L, Gama Glutamil transferase (GGT): 43U/L e fosfatase alcalina: 196U/L. Não foi observada a elevação dos níveis séricos de bilirrubinas. O exame de urina mostrou ausência de proteinúria e parâmetros sugestivos de infecção do trato urinário inferior. Outros exames realizados estavam dentro dos valores de referência, como hemograma, eletrólitos, função renal, além de testes rápidos não reagentes para o vírus da imunodeficiência humana, sífilis, hepatite B e C.
A paciente manteve-se normotensa, excluindo-se o diagnóstico de pré-eclâmpsia e síndrome de HELLP (hemólise, elevação de enzimas hepática e plaquetopenia). Devido às altas taxas de transaminases, considerou-se como diagnóstico diferencial a doença hepática autoimune. A ultrassonografia abdominal mostrou um fígado de tamanho médio sem cálculos biliares, ductos biliares extra e intra-hepáticos não dilatados e sem sinais de hipertensão portal ou outras anormalidades vasculares. A paciente foi avaliada pelo hepatologista que confirmou a principal suspeita diagnóstica de CIHG; manteve a medicação prescrita pela equipe obstétrica, sem recomendação de biópsia hepática; considerou a interrupção da gravidez e recomendou o acompanhamento da paciente pós-parto. Com diagnóstico de CIHG, a paciente foi medicada com AUDC 900mg ao dia, divididos esm três doses; anti-histamínicos; analgésicos, cefalexina 500mg e nitrofurantoína 100mg.
Com 31 semanas e três dias de gestação, teve intensificação do prurido corporal, ansiedade e algia pélvica e os exames laboratoriais mantiveram a elevação dos níveis das enzimas hepáticas ALT:1.969U/L, AST: 718U/L, DHL: 363U/L e GGT: 83U/L. Optou-se pela interrupção da gravidez com cesariana eletiva aguardando oito horas de jejum, com início de corticoide para maturação pulmonar fetal. Após cinco dias do parto, houve melhora clínica da paciente e os exames laboratoriais mostraram redução nos valores dos testes de função hepática. A paciente recebeu alta e foi aconselhada a manter o acompanhamento pelo hepatologista. O recém-nascido foi encaminhado para a UTI neonatal vindo a óbito alguns dias após o nascimento.
DISCUSSÃO
Ausência de registros em prontuários ou realizados de modo incompleto constituem a principal limitação deste estudo. Contudo, a reflexão permitida a partir dos dados obtidos se mostra relevante para a melhoria do manejo das gestantes com CIHG, a fim de prevenir os riscos de complicações materno-fetais.
A gestão da CIHG é centrada na vigilância clínica e obstétrica da paciente e nos testes da função hepática15. O diagnóstico clínico dessa doença é baseado em sintomas de prurido corporal e apoiado pela presença de níveis séricos de ácidos biliares totais elevados9. Excluem-se outros diagnósticos, que podem causar sintomas semelhantes e alterações laboratoriais. Citam-se doenças que causam prurido (dermatites gestacionais e reações alérgicas) e doenças que causam prejuízos na função hepática (fígado gorduroso agudo da gravidez, hepatite viral e autoimune, obstrução do trato biliar, danos hepáticos induzidos por drogas)3.
A ultrassonografia abdominal é geralmente o primeiro passo para excluir ductos intra e extra-hepáticos dilatados e lesões de massa, pois é um exame bastante sensível e específico, não invasivo e relativamente barato16. A realização do ultrassom hepático deve ser indicada para casos que apresentam sintomas atípicos, presença de comorbidades, gravidade da colestase obstétrica e quando a alteração da função hepática é persistente17. O ultrassom do fígado ajuda no diagnóstico diferencial que deve excluir especialmente as hepatites viral e autoimune e descartar a possibilidade de colestase obstrutiva. Na CIHG, não há achados específicos e os dutos biliares não são notáveis, ou seja, não estão dilatados10. A paciente estudada não apresentou alterações ao exame de ultrassom de abdome, dado esse que corrobora a literatura.
Segundo a literatura, a maior incidência da CIHG atinge mulheres com idade maior que 35 anos, multíparas, com história da doença em gravidez anterior, gestação múltipla, histórico familiar e doença hepática preexistente7. Essas características diferem do nosso caso, já que a paciente era jovem (24 anos), primigesta, sem relato de histórico familiar da doença e de transtornos hepáticos anteriores. Por outro lado, estudo que discutiu preditores de resultados perinatais adversos na CIHG encontrou a média de idade das pacientes de 27,7±5,3 (intervalo 18-42), com 56% de nulíparas e 44% multíparas. A semana gestacional média ao diagnóstico foi de 33,1±2,8 (intervalo 27-39)18.
Ao procurar o serviço de urgência obstétrica com sinais e sintomas da doença, a paciente estudada somava idade gestacional de 29 semanas. Isso corrobora a literatura, que mostra que a CIHG geralmente ocorre no final do segundo e início do terceiro trimestre, quando os níveis de estrogênio são os mais altos da gravidez. Níveis elevados de estrogênio circulante podem induzir colestase em mulheres geneticamente predispostas3.
A literatura mostra que o prurido generalizado, que afeta predominantemente as palmas das mãos e as solas dos pés, piora à noite. Essa condição deve ser considerada em mulheres que desenvolvem prurido de início abrupto sem erupção cutânea a partir da segunda metade da gravidez9. A paciente estudada apresentou intenso prurido corporal, com predominância palmoplantar, ansiedade, além de algia pélvica, associados a elevados níveis de ácidos biliares, enzimas hepáticas ALT, AST e aumento da DHL, GGT e fosfatase alcalina. A associação de níveis de ácido biliar acima de 10µmol/L e a presença de prurido são achados fortemente sugestivos de colestase intra-hepática da gravidez14,19.
A avaliação laboratorial é recomendada para uma gestante com prurido para a qual há suspeita de CIHG. Testes de ácidos biliares por espectrometria de massa e cromatografia líquida podem ser usados para avaliar os níveis de ácidos biliares totais (clinicamente mais úteis) e fracionados (ácido cólico, quenodesoxicólico e desoxicólico). Esses testes são normalmente realizados por laboratórios especializados. Os níveis de ácidos biliares totais também podem ser avaliados por ensaio enzimático9.
A literatura mostra que outros testes de função hepática, como ALT e AST, geralmente estão um pouco elevados e não excedem duas vezes o limite superior do valor tolerável na gravidez3. Embora os valores de referência sejam de até 32U/L para AST e 33U/L para ALT, nossa paciente apresentou níveis AST 718U/L e ALT 1.969U/L. No entanto, estudo realizado pela Society for Maternal-Fetal Medicine Consult nos EUA salientou que níveis elevados de transaminases não são essenciais para o diagnóstico de CIHG e que altos níveis do total de ácidos biliares séricos não são suficientes para diagnosticar a doença, além de que a precisão do diagnóstico tem sido questionada em nível internacional9.
A paciente estudada não teve alterações de bilirrubina e, em casos semelhantes, isso é confirmado na literatura, que mostra a elevação da bilirrubina na CIHG em cerca de 25% dos casos, raramente excedendo a 6mg/dL3,9. Observou-se também que a paciente apresentou elevação da fosfatase alcalina: 196U/L, porém a fosfatase alcalina sérica pode estar fisiologicamente elevada até quatro vezes o valor de referência (35 a 104U/L), mas com pouco significado no diagnóstico na ICP9. A concentração de fosfatase alcalina materna aumenta à medida que é produzida pela placenta e pela maturação óssea fetal20.
O aumento da GGT sérica é menos comum na colestase intra-hepática da gravidez21, e a paciente estudada apresentou elevação dos valores dessa substância. Na gestação, as concentrações de ALT e AST, bilirrubina e GGT permanecem dentro dos valores de referência pré-gestacionais ou estão ligeiramente diminuídas e, portanto, qualquer elevação nesses testes requer investigação adicional20. Os níveis séricos de transaminase e outras enzimas hepáticas da paciente estudada foram medidos diariamente devido à manutenção dos altos valores. ALT: 1.969U/L, por exemplo, elevou-se em mais de 50 vezes em relação aos valores de referência (33U/L). O prurido na CIHG pode preceder o aumento dos níveis séricos de ácidos biliares em várias semanas. Portanto, se os sintomas persistirem e não houver outra explicação para o prurido, a medição do nível total de ácidos biliares e dos níveis séricos de transaminases deve ser repetida9.
Para a gestante com CIHG, embora as investigações sejam limitadas, as repercussões dessa condição estão ligadas ao aumento do risco de pré-eclâmpsia, maiores taxas de cesariana e parto prematuro22. Segundo a literatura, a incidência de nascimentos prematuros em pacientes com CIHG é de 19 a 60%23,24. A paciente estudada foi submetida à cesariana eletiva e não apresentou complicações no parto e pós-parto. O recém-nascido prematuro chorou ao nascer, mas após seis dias de internação na UTI neonatal veio a óbito. A literatura mostra um aumento da incidência de prematuridade e da taxa de cesariana, além de maiores taxas de internação na UTI neonatal pelo acometimento da colestase intra-hepática da gravidez13,22,24.
O AUDC é o medicamento de escolha para o tratamento da CIHG. Seu uso visa prolongar a gestação, aliviar os sintomas maternos e diminuir o risco de morbidade e mortalidade perinatal5,13. O mecanismo de ação do ácido ursodesoxicólico é desconhecido. Embora alguns estudos tenham apontado redução dos ácidos biliares totais após o tratamento3,25, outros mostraram que sua ação diminuiu a intensidade do prurido, mas não impactou os efeitos adversos da colestase intra-hepática da gravidez13,26. A dose inicial não está bem estabelecida, mas é razoável começar com 300 mg/dia e aumentar para 300 mg três vezes ao dia até o parto. É seguro e bem tolerado pela maioria das pacientes e não tem nenhuma implicação prejudicial ao feto3. Melhora tanto o transporte quanto a secreção da bile, minimizando a exposição fetal. A diminuição do prurido é geralmente observada dentro de uma a duas semanas. Se o prurido não for aliviado, a dose pode ser ajustada até um máximo de 21mg/kg por dia9.
O AUDC é recomendado como terapia de primeira linha em diretrizes nacionais no Reino Unido, EUA, Austrália e Europa1. Apesar das recomendações generalizadas para o uso desse medicamento, as evidências para seu uso não são robustas22. No Reino Unido, pesquisa com 527 mulheres com CIHG em uso do AUDC constatou que, na maioria delas, as concentrações médias de ácidos biliares diminuíram com o tempo, independentemente do tratamento. Verificou também fraca relação entre as concentrações de ácidos biliares e a gravidade do prurido, não sendo observado efeitos benéficos do tratamento na concentração de ácidos biliares ou no índice de prurido26. Embora o AUDC não tenha demonstrado prevenir os resultados adversos da CIHG, não há outro tratamento eficaz para essa condição até o momento21. A literatura é unânime em afirmar que a melhor solução para essa condição clínica é o nascimento do bebê.
O Working Group on Obstetrics and Prenatal Medicine da Alemanha recomenda que a paciente com CIHG seja acompanhada por um hepatologista caso persistam elevados os níveis de transaminase. As mulheres devem ser informadas sobre o risco aumentado de desenvolver sequelas hepatobiliares10. A paciente estudada fez uso do AUDC 900mg ao dia, divididos em três doses, permanecendo com a medicação após o parto. Foi orientada sobre a importância da continuidade do uso dos medicamentos e do acompanhamento pelo hepatologista.
Os benefícios maternos e fetais do parto prematuro devem ser considerados pelo obstetra quando da presença de CIHG, porém é preciso deixar claros para a paciente esses benefícios e salientar os riscos maternos dessa doença versus o parto prematuro. Nascer antes de 36 semanas de gestação implica alto potencial de morbidade relativa à prematuridade do recém-nascido. O American College of Obstetricians and Gynecologists apoiou a gestão ativa de protocolos de indução de parto em casos de colestase intra-hepática da gravidez. Recomendou o parto a partir de 36 semanas de gestação e a administração de corticoides pré-natais para maturidade pulmonar fetal em pacientes com parto antes de 37 semanas de gestação9.
O Royal College of Obstetrics and Gynaecology, nos EUA, não endossou o parto prematuro de rotina nas gestações com CIHG e não definiu um tempo ideal para esses partos27. Aconselhou o final da gestação antes de 36 semanas em situações específicas, como: prurido intenso sem melhora, apesar do uso do AUDC; piora da função hepática (aumento de transaminases) ou em pacientes com história de complicações fetais em gestação anterior devido à colestase intra-hepática da gravidez12,28. A paciente estudada, com 31 semanas e três dias de gestação, teve a gravidez interrompida com cesariana eletiva por exacerbação do prurido, elevação dos ácidos biliares com valores >40µmol/L e elevação de transaminases, principalmente ALT: 1.969U/L.
É alta a taxa de recidiva da CIHG em gestações subsequentes, em torno de 45% a 70%10. A paciente estudada era primípara, jovem e foi alertada pelos obstetras e hepatologista para uma possível ocorrência da CIHG na próxima gestação, com vistas ao acompanhamento e detecção precoce da elevação dos níveis de enzimas hepáticos, além da presença de sintomas característicos dessa condição.
CONCLUSÃO
A colestase intra-hepática da gravidez causou morbidade materna relacionada ao prurido corporal intenso predominantemente palmoplantar, ansiedade e algia pélvica associada à elevação grave dos ácidos biliares e enzimas hepáticas especialmente a ALT. Apesar do desfecho positivo para a mãe, o parto prematuro resultou no óbito do recém-nascido após alguns dias na UTI neonatal.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - Análise e Edição: Rodolfo Ribeiro de Jesus; Marinalva Silva de Souza.
COPYRIGHT
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