ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Pseudomonas aeruginosa resistente aos carbapenêmicos produtor de NDM-1
Carbapenem-resistant Pseudomonas aeruginosa bringing NDM-1
Paulo Ricardo Freitag Jorge1; João Paulo Pimenta2; Cristiane Silveira de Brito3; Rosineide Marques Ribas3; Paulo Pinto Gontijo Filho3; Lizandra Ferreira de Almeida e Borges3
1. Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil
2. Check-Up Medicina Laboratorial, Minas Gerais, Brasil
3. Departamento de Microbiologia, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil
Lizandra Ferreira de Almeida e Borges
E-mail: lfaborges@yahoo.com.br
Recebido em: 29 Julho 2022
Aprovado em: 08 Fevereiro 2023
Data de Publicação: 31 Agosto 2023.
Editor Associado Responsável: Dr. Alexandre Moura
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
Belo Horizonte/MG, Brasil.
Fontes apoiadoras: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Minas Gerais, Brasil.
Comitê de Ética: Número do Parecer 463.877/2013 – CAAE: 16186213.8.0000.5152
Registro de Ensaio Clínico (Caso se aplique): Não se aplica.
Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Resumo
INTRODUÇÃO: A produção de NDM-1 é cada vez mais comum nesta nova geração de bactérias multirresistentes. Objetivo e
MÉTODOS: Este estudo avalia a ocorrência de metalo-β-lactamase, especialmente NDM em Pseudomonas aeruginosa no estado de Minas Gerais, Brasil, por meio de um teste do disco combinado para triagem de isolados e Reação em Cadeia de Polimerase para pesquisar os genes para metalo-β-lactamases.
RESULTADOS: Das 95 cepas analisadas, todas resistentes aos carbapenêmicos, 20% eram fenotipicamente positivas para metalo-β-lactamases, e 1% positivas para o gene blaSPM e 2,1% para blaNDM.
CONCLUSÕES: No Brasil, as carbapenemases SPM sempre foram predominantes entre os isolados clínicos de P. aeruginosa, mas não a NDM. Este estudo destaca a necessidade de revisão de protocolos clínicos, a fim de conter a disseminação desse novo perfil.
Palavras-chave: Carbapenemase; Mecanismo de resistência; Metalo-β-lactamase.
INTRODUÇÃO
Pseudomonas aeruginosa é um importante patógeno oportunista, responsável por diversas infecções no ambiente hospitalar, sendo os carbapenêmicos os antimicrobianos mais comumente utilizados e de última escolha em tratamento de infecções por P. aeruginosa multirresistente (MDR); no entanto, cepas resistentes a essas drogas foram relatadas em todo o mundo nas últimas décadas e produzindo Metalo-β-Lactamase (MBL)1.
A resistência adquirida aos carbapenêmicos em bastonetes Gram negativos está frequentemente associada à produção de carbapenemases (MBL e outras carbapenemases, como Klebsiella pneumoniae carbapenemase – KPC ou oxacilinase e AmpC β lactamase), que representam um grupo de enzimas que hidrolisam e inativam os antimicrobianos β-lactâmicos, detectadas desde o início da década de 19401,2.
New Delhi MBL (NDM) foi descrita em 2008, em Nova Delhi, na Índia, em uma cepa de Klebsiella pneumoniae e, desde então, suas variantes têm sido relatadas mundialmente, sendo a blaNDM-1 a mais prevalente, presente em grande parte em Enterobacteriales, mas também em não fermentadores (Acinetobacter e Pseudomonas spp.)1,3. Desde então, bactérias produtoras de NDM foram detectadas em vários países4.
No Brasil, a NDM-1 foi identificada pela primeira vez em Providencia rettgeri, em 2013, e depois descrita esporadicamente em diferentes estados do país, como Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Distrito Federal, São Paulo e Bahia4.
A presença de produtores de NDM em unidades de saúde é um problema médico cada vez mais frequente que compromete a eficácia do tratamento4. Usar testes simples e confiáveis é importante e a detecção de resistência a carbapenêmicos pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é o padrão-ouro, mas várias técnicas fenotípicas ainda são utilizadas2. Este estudo relata a ocorrência de metalo-β-lactamase, especialmente NDM em Pseudomonas aeruginosa no estado de Minas Gerais, Brasil.
MÉTODOS
Entre maio de 2013 e agosto de 2017, um total de 95 isolados clínicos de Pseudomonas aeruginosa resistentes a carbapenêmicos do Hospital e Maternidade Municipal de Uberlândia, no estado de Minas Gerais, Brasil, foram recuperados e incluídos neste estudo. Isolados de diferentes espécimes clínicos foram identificados por Maldi-Tof®, pelo laboratório do hospital, em seguida mantidos à -20ºC até o desenvolvimento deste estudo.
Os genes que codificam as β-lactamases foram investigados por PCR usando primers para os genes blaVIM, blaIMP, blaSPM, blaGIM, blaSIM e blaNDM (Tabela 1).
O volume da reação (25µL) continha 12,5µl GoTaq® Green Master Mix, 0,75µL de cada par de primers, 10µL de água ultrapura e 1µL de DNA5. As amplificações foram realizadas no Mastercycler Personal (Eppendorf), utilizando o seguinte programa: desnaturação inicial a 95ºC por 5 minutos, seguida de ciclos de 30 segundos a 95ºC, temperatura de anelamento conforme Tabela 1, extensão a 72ºC por 1 minuto e extensão final a 72ºC por 5 minutos. Os produtos da amplificação foram analisados por eletroforese em gel de agarose 1,5%, 90V, corado com Diamond™ Nucleid Acid Dye por 30 minutos, revelado em transiluminador. Todos os ensaios usaram amostras produtoras dos genes de interesse, como controle.
A suscetibilidade dos isolados ao imipenem, meropenem, piperacilina-tazobactam, cefepime, ceftazidima, ciprofloxacina, aztreonam, gentamicina, amicacina e polimixina foi avaliada pelo método de difusão em disco, seguindo as diretrizes do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI), de acordo com o ano de isolamento (2015 a 2017), e Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853, utilizada para controle do método.
A produção fenotípica de carbapenemase foi detectada usando o teste de disco combinado de meropenem com 10µL de EDTA (0,1 M). A interpretação do teste foi baseada na comparação entre as zonas de inibição dos discos de meropenem, com e sem inibidor, a produção de MBL ficou evidente por um aumento ≥5mm dos halos nos discos que são suplementados com EDTA6.
RESULTADOS
Dos 95 isolados, 9,5% (n=9) foram coletados em 2013, 13,7% (n=13) em 2014, seguidos por 14,7% (n=14) em 2015, 15,7% (n=15) em 2016 e 46,3% (n=44) em 2017. Os isolados foram coletados de hemocultura e ponta de cateter (n=28), secreção traqueal (57) e urina (n=10) (Tabela 2).
Apenas 19 isolados foram identificados como produtores de carbapenemase pelo teste de combinação de discos. A análise por PCR dos genes MBL foi realizada para todos os isolados de P. aeruginosa resistentes aos carbapenêmicos, com um isolado positivo para blaSPM-1 e dois para blaNDM-1 (Tabela 2), provenientes de 2013, 2015 e 2017, respectivamente, e todos de BSI (Figura 1). Nenhum amplicon foi detectado para os genes blaSIM, blaVIM, blaIMP e blaGIM.
Dos isolados, 52,6% foram resistentes aos β-lactâmicos testados, além dos carbapenêmicos. 71,6% foram resistentes aos aminoglicosídeos, 62% resistentes à piperacilina-tazobactam e 3,2% à polimixina.
Todos os isolados positivos para blaNDM-1 e blaSPM-1 foram definidos como pan-resistentes, suscetíveis apenas à polimixina B.
DISCUSSÃO
Neste estudo, avaliamos os mecanismos de resistência mais significativos em isolados de P. aeruginosa resistentes a carbapenêmicos, que é um importante patógeno de infecções graves em todo o mundo. Esse mecanismo de resistência aos carbapenêmicos é importante porque altera significativamente a eficácia dos agentes pseudomonicidas comumente usados, incluindo cefalosporinas, piperacilina-tazobactam, ceftolozana-tazobactam, imipenem-relebactam e ceftazidima-avibactam7.
A resistência a quase todas as classes de antibióticos já está bem estabelecida, incluindo aos aminoglicosídeos, cefalosporinas, fuoroquinolonas, β-lactâmicos e, mais recentemente, colistina. Assim, as opções terapêuticas disponíveis para pacientes com infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa portadora do gene blaNDM são escassas1. No presente estudo, a Polimixina foi o agente antimicrobiano mais eficaz, porém algumas amostras já estão apresentando resistência a ela.
Shahin & Ahmadi (2021)8 que relataram blaNDM-1 no Irã, atribuindo esse fenômeno em isolados Gram negativos e à prescrição inadequada e excessiva de carbapenêmicos nos hospitais, o que eleva a pressão seletiva da resistência.
Os dados gerais mostram que a frequência de isolados de P. aeruginosa produtores de blaNDM-1 foi de 2,1% (2/95). Silva et al. (2019)4 sugerem a presença desta variante no Brasil, entre 2012 e 2015, e que houve um aumento significativo de bactérias Gram negativas produtoras de NDM, além de muitos outros relatos de blaNDM-1 em diferentes países da Europa e Ásia, o que demonstra sua disseminação.
Assim, descrevemos o primeiro isolado de P. aeruginosa produzindo carbapenemases do tipo blaNDM-1, em Minas Gerais. E Perez et al. (2021)3 enfatizam o potencial de disseminação de uma P. aeruginosa produtora de NDM-1 entre pacientes críticos no sul do Brasil, o que possivelmente poderia substituir outra enzima MBL (principalmente SPM-1) ou outro mecanismo de resistência como condutor a resistência aos carbapenêmicos.
Neste estudo, alguns mecanismos de resistência foram investigados, mas outros podem estar presentes, como a inativação da proteína de membrana externa OprD, superexpressão de ampC codificada no cromossomo e superprodução de bombas de efluxo para múltiplas drogas9. A resistência aos carbapenêmicos é influenciada por vários fatores, nem todos avaliados em nosso estudo; no entanto, os resultados mostraram que os mecanismos envolvendo a produção de MBLs foram observados com mais frequência e também desempenham um papel importante na emergência do fenótipo de alto nível de resistência a carbapenêmicos entre os isolados de P. aeruginosa.
A falta de testes específicos para a produção de carbapenemases sugere que a prevalência de P. aeruginosa resistente a carbapenêmicos pode ser muito maior do que se percebe7. O tipo de mecanismo, as oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias, a necessidade de novos inibidores, especialmente para MBL, e a contínua importância clínica dos β-lactâmicos significam que esta área continua sendo de uma pesquisa em expansão10.
CONCLUSÃO
É difícil prever a situação futura da resistência antimicrobiana, principalmente nos países em desenvolvimento, e esses dados apenas reforçam a importância de uma vigilância epidemiológica contínua. A combinação de métodos fenotípicos e genotípicos pode resultar em resultados melhores. No entanto, esses testes muitas vezes não são realizados em muitos laboratórios clínicos. O que resultou em achados tardios da P. aeruginosa produtora de blaNDM-1, como neste estudo, e o sequenciamento do gene pode ainda revelar novos achados.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo: Conceptualização, Investigação, Metodologia & Edição: Paulo Ricardo Freitag Jorge, João Paulo Pimenta; Supervisão & Escrita: Cristiane Silveira de Brito; Validação, Aquisição de Financiamento, Análise Formal & Escrita: Rosineide Marques Ribas, Paulo Pinto Gontijo Filho, Lizandra Ferreira de Almeida e Borges.
COPYRIGHT
Copyright© 2021 Freitag et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
REFERÊNCIAS
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