RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 33 e-33114 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2022e33114

Voltar ao Sumário

Artigo Original

Fatores associados às vias de partos em puérperas assistidas pela Atenção Primária à Saúde

Factors associated with mode of delivery in puerperal women assisted by Primary Health Care

Fernanda Julliana Freitas Santos1; Letícia Rocha Oliveira Matos1; Luiza Santos Ribeiro da Silva1; Luciano Oliveira Marques1; Monica Prates Queiroz1; Pyetra Palma Narciso1; Maria Fernanda Santos Figueiredo Brito2; Sibylle Emilie Vogt2; Lucineia de Pinho1,2

1. Faculdade de Medicina, Centro Universitário FIPMoc (UNIFIPMoc), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil
2. Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Lucineia de Pinho
E-mail: lucineiapinho@hotmail.com

Recebido em: 22 Setembro 2022
Aprovado em: 18 Junho 2023
Data de Publicação: 5 Outubro 2023.

Editor Associado Responsável:
Dr. Henrique Vitor Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil.

Comitê de Ética (Caso se aplique): Número do Parecer 2.483.623.

Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Resumo

OBJETIVOS: Analisar os fatores associados às vias de parto em mulheres puérperas assistidas pela Atenção Primária à Saúde em município no norte de Minas Gerais.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, realizado com 188 puérperas da cidade de Montes Claros/MG. Os dados foram obtidos por meio de questionário estruturado acerca do perfil sociodemográfico e história obstétrica. Realizou-se análise descritiva e, para a análise dos fatores associados às vias de parto, utilizou-se o teste estatístico qui-quadrado de Pearson.
RESULTADOS: A prevalência de partos vaginais foi de 56,4% (n=106) e 43,6% (n=82) de cesarianas. Das 82 (43,6%) mulheres que foram submetidas à cesárea, os principais motivos da realização da cesárea relatados pelas puérperas foram: desproporção cefalopélvica (40,2%; n=33) elevação de níveis pressóricos (13,4%; n=11) e cesárea prévia (12,2%; n=10). Houve associação significativa entre escolha do parto cesariano e maior idade materna (p=0,031), cor da pele (p=0,045), renda elevada (p=0,015) e financiamento público do parto (p=0,041).
CONCLUSÃO: Entre a maioria das puérperas, a via vaginal foi majoritária, porém obteve-se uma alta prevalência de cesáreas que mostrou que a maior idade materna, cor da pele, renda elevada e financiamento público do parto influenciam a via de parto. As informações obtidas neste estudo podem ser usadas para melhorar a assistência a gestantes e puérperas, sobretudo, nas gestantes mais suscetíveis a cesarianas desnecessárias.

Palavras-chave: Cesárea; Parto normal; Atenção Primária à Saúde.

 

INTRODUÇÃO

Durante o ciclo gravídico puerperal ocorrem alterações fisiológicas que garantem um meio propício para o desenvolvimento do feto. Além disso, a gestação é um momento de modificações psicológicas que geram expectativas, medos e ansiedades à gestante1, o que envolve inúmeros significados culturais e sociais, os quais influenciam nos cuidados específicos a essa fase, como a escolha ao tipo de parto2. O aprimoramento de novas técnicas, o respeito à autonomia das mulheres e indicações clínicas corretas, implicam diretamente na escolha da via de nascimento, e tem causado controvérsias em diferentes campos discursivos. O aumento excessivo de partos cirúrgicos se tornou um problema de saúde pública pela magnitude da mortalidade materna e neonatal e os custos derivados para os serviços de saúde3,4.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) incentiva o parto normal e a redução da cesárea desnecessária, estimando uma taxa de 10 a 15% como sendo a taxa ideal5. No entanto, o Brasil apresenta um dos maiores índices dessa via de parto do mundo, chegando a 56,7% dos partos realizados, sendo 85% em maternidades privadas e de 40% na rede pública6. Além do aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas que tornaram a cesariana uma cirurgia menos perigosa, este aumento pode ser justificado pelo medo da dor no parto vaginal, a possibilidade de escolher o dia do parto, temor de lesões na anatomia e fisiologia da vagina, dentre outros7.

A elevação excessiva das taxas da cirurgia cesariana é associada a um nível socioeconômico mais alto, maior escolaridade e ao financiamento pelo setor privado. As usuárias desse setor sentem maior receptividade do médico diante do pedido acerca da via do parto cirúrgico, porém não são adequadamente informadas sobre as vantagens e desvantagens do parto normal. Já as mulheres de renda mais baixa, atendidas no sistema público, percebem-se menos autônomas e mais vítimas de intervenções desnecessárias4,8. Além disso, a história obstétrica das mulheres e o tipo de parto anterior tem se mostrado associado ao tipo de parto atual desejado por elas2, uma vez que a sua satisfação em relação à experiência de parto anterior pode exercer um papel importante no desejo atual da mulher.

A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada das gestantes no Sistema Único de Saúde (SUS), com prestação de cuidado e acompanhamento integral por profissionais de saúde envolvidos na assistência à gestação e puerpério. No entanto, na rede pública de saúde é frequente a desarticulação entre a atenção pré-natal e o parto, resultando na peregrinação da gestante em busca de internação no início de trabalho de parto. São necessários o subsídio e o planejamento de ações baseado em evidências científicas com redirecionamento de práticas e condutas do profissional que presta assistência a esse público durante o ciclo gravídico-puerperal9.

O processo de escolha pelo tipo de parto, é algo complexo e polêmico e sofre influência dos profissionais de saúde, das gestantes, familiares, do sistema de saúde, dentre outros. A preferência da gestante sobre as vias de parto se constrói a partir de seu autoconhecimento, de suas experiências anteriores e do conhecimento que transita entre ela e a comunidade, e do acesso às informações que ela terá durante a gestação. Elevados índices de cesárea no Brasil e a sua associação com altos índices de mortalidade, motiva a importância de identificar os fatores associados à via de parto de mulheres acompanhadas pela atenção primária a saúde. A identificação destes fatores permitirá o desenvolvimento de estratégias para melhorar a assistência ao parto no município9,10. O presente estudo objetivou-se a analisar os fatores associados às vias de parto em mulheres puérperas assistidas pela Atenção Primária à Saúde em um município no norte de Minas Gerais.

 

MÉTODOS

Caracterização do estudo e aspectos éticos

Este estudo faz parte da pesquisa: “Avaliação das condições de saúde das puérperas de Montes Claros/MG: Estudo longitudinal”. Trata-se de um estudo transversal, analítico realizado na cidade de Montes Claros/MG. Submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, sob parecer número 2.483.623.

População e amostra

O “Estudo ALGE” foi realizado em três momentos, sendo que no 1º (baseline) foram incluídas as gestantes cadastradas em ESF e que não estavam grávidas de gemelares (n=1661). Aquelas que se encontravam no 1º trimestre de gravidez (n=448) foram convidadas a participar do 2º e 3º momento quando se encontravam no 3º trimestre de gravidez (Figura 1). O presente estudo refere-se ao 3º momento (n=188).

 


Figura 1. Fluxograma da seleção das participantes do estudo ALGE 2018-2020.

 

A pesquisa do baseline foi realizada com uma população alvo constituída por gestantes cadastradas nas equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), da zona urbana do município de Montes Claros. O tamanho da amostra foi estabelecido visando estimar parâmetros populacionais com prevalência de 50% (para maximizar o tamanho amostral e devido ao projeto contemplar diversos eventos), intervalo de 95% de confiança (IC95%), e nível de precisão de 2,0%. Foi realizada a correção para população finita (n=1.661 gestantes) se estabelecendo um acréscimo de 20% para compensar as possíveis não respostas e perdas. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de, no mínimo, 1.180 gestantes.

O estudo ALGE visou analisar uma série de variáveis-desfechos com diversas variáveis independentes, não sendo possível calcular uma medida de associação anteriormente. A população foi de 1.661 mulheres e a amostra entrevistada incluiu 1.279 (superior à quantidade mínima indicada no cálculo amostral), logo foi analisada a maior parte do contingente populacional.

Para a seleção da amostra do baseline foram considerados todos os polos da ESF do município, que totalizavam 15 no período desta pesquisa e entre os quais estavam distribuídas 125 equipes de saúde da família. O número de gestantes amostradas em cada polo foi proporcional à sua representatividade em relação à população total de gestantes cadastradas. Todas as cadastradas nos polos foram convidadas a participar do projeto.

Procedimentos e Instrumentos

A pesquisa foi realizada a partir do contato com os gestores da coordenação da APS do município, para sensibilização e explicação sobre o propósito da pesquisa. Após a sua anuência, as ESFs também foram visitadas pelos pesquisadores para esclarecimentos sobre o estudo. Os profissionais dessas equipes responsáveis pelo pré-natal forneceram uma lista das puérperas de sua área de abrangência. De posse dessas listas, uma equipe de entrevistadores realizou contato telefônico inicial com as mulheres, quando houve uma abordagem com o convite e a sensibilização sobre o estudo, para que em seguida fosse agendada e efetuada a coleta de dados.

A coleta aconteceu entre 2018 e 2020, nas unidades de saúde da ESF ou nos domicílios das participantes, conforme a disponibilidade delas. Uma equipe multiprofissional capacitada formada por profissionais da área da saúde e por acadêmicos de iniciação científica foi responsável pelas entrevistas, que ocorreram face-a-face, com duração média de uma hora por entrevista. Em 2020, devido à pandemia da COVID-19, a coleta dos dados foi realizada por meio de um formulário on-line. Inicialmente foi efetuado um contato telefônico, abordagem com explicação sobre a continuidade longitudinal da pesquisa e envio de um link para preenchimento on-line do questionário (formulário Google Forms). As puérperas foram entrevistadas no intervalo de 50 a 70 dias no pós-parto. Os contatos telefônicos foram obtidos durante a primeira coleta (linha de base) quando a participante estava na gestação. Nessa etapa longitudinal do estudo, eram potenciais participantes aquelas mulheres que haviam sido entrevistadas na primeira fase (transversal - quando estavam no 1º trimestre de gestação) e que aceitassem prosseguir como participante da pesquisa.

No presente estudo foram avaliadas as variáveis pertinentes às características acerca do perfil sociodemográfico e história obstétrica. As variáveis sociodemográficas foram coletadas informações dos participantes referentes a idade, cor da pele (branca; não branca), escolaridade (ensino fundamental; ensino médio; superior/pós-graduação), renda mensal (até R$1.000,00; R$1.001,00 a R$2.000,00; acima de R$2.000,00) e estado conjugal (com companheiro; sem companheiro). Quanto à história obstétrica, as puérperas foram questionadas acerca da via de parto (normal; cesárea), em caso de parto cesáreo, o motivo da realização de cesárea, local do parto (hospital público; hospital privado) idade gestacional ao nascer (prematuro; a termo), primigesta (sim; não), abordos prévios (sim; não).

Análise dos dados

Os dados foram analisados com o auxílio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) versão 22.0. Foi realizada análise descritiva das variáveis por meio das medidas de frequência absoluta e relativa. Para a análise dos fatores associados às vias de parto utilizou-se o teste estatístico qui-quadrado de Pearson. O nível de significância adotado foi p≤0,05.

 

RESULTADOS

Participaram deste estudo 188 puérperas. A prevalência de partos vaginais foi de 56,4% e 43,6% de cesarianas. A maioria das mulheres entrevistadas tinham até 30 anos de idade (67,4%), se autodenominou como não branca (87,6%), apresentava ensino médio (68,2%), com renda bruta familiar entre R$1.001,00 a R$2.000,00 (39,3%) e vivia com companheiro (76,6%). 89,4% das mulheres relataram financiamento público do parto, sendo pouco mais da metade (55,3%) não primigesta, com nascimento a termo (92,6%), e sem nenhum abordo prévio (84,6%) (Tabela 1).

 

 

Das 81 (43,6%) mulheres que foram submetidas à cesárea, os principais motivos da realização desse procedimento relatados pelas puérperas foram: desproporção cefalopélvica (40,7%; n=33), hipertensão arterial (13,5%; n=11) e cesárea prévia (12,3%; n=10). As puérperas ainda citaram: que realizaram a cesárea por escolha (8,6%; n=7), oligodrâmnio (7,4%; n=6), comorbidades (4,9%; n=4), sofrimento fetal (4,9%; n=4), diabetes gestacional (4,9%; n=4) e tempo de gestação (2,4%; n=2) (Tabela 2).

 

 

Ao avaliar os fatores associados as vias de parto, observou-se a associação com as seguintes variáveis: maior idade materna (p=0,031), cor da pele (p=0,045), renda elevada (p=0,015) e financiamento público do parto (p=0,041) (Tabela 3).

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo evidenciou que a maioria das puérperas tiveram seus filhos por via vaginal. A prevalência de partos vaginais é similar a um estudo realizado no município de Belo Horizonte - Minas Gerais, que encontrou uma prevalência de 55,1%11, mas menor do que o encontrado em estudo no Sul do Brasil com 69%. Mesmo com as taxas de parto vaginal superando os 50% neste estudo, a quantidade de parto cesáreo está muito acima da taxa considerada ideal (10% a 15%) pela OMS5. Estudos no Nepal também encontraram taxas de cesárea menores (34,4% e 36,8%)12,13. As taxas de cesárea e, consequentemente das do parto normal, apresentam variações dependendo do desenvolvimento econômico do país e da região. A taxa de cesárea na América Latina em 2015 foi com 47% a maior no mundo e é próximo a do estudo, mostrando a severidade dessa situação no Brasil e no município do estudo. A taxa de cesárea na Europa do Oeste e na América do Norte foi de 32% e 27,6%, respectivamente14.

A cesárea, é um procedimento invasivo introduzido na prática obstétrica com a finalidade de preservar vidas maternas e de crianças, colocadas em risco devido a complicações no período pré-natal e durante o parto. A alta prevalência da cesárea no Brasil e no mundo tem gerado preocupações crescentes sobre o uso indiscriminado dessa cirurgia, principalmente as cesarianas eletivas, contribuindo para o aumento das taxas de mortalidade materna15,16.

Entre os fatores determinantes da via de parto estão as complicações clínicas pré-existentes, as condições clínicas que podem surgir durante a gestação, as características da gestante e também as condições socioeconômicas e culturais17. Entre as indicações clínicas e/ou obstétricas para justificar a realização da cesárea, a desproporção cefalopélvica é frequente entre as puérperas8,18. Estudo de Belo Horizonte encontrou a indicação cefalopélvica em 42,3% das mulheres submetidas à cesariana19. Taxas menores de 12% e 10,7% foram observadas em estudos conduzidos em Nepal12 e em Sergipe20, respectivamente. No último estudo não foi registrada nenhuma indicação para a cesariana20.

Estudo com 1.088 puérperas entrevistadas, 42,7% foram submetidas à cesárea; estas, 75% nem entraram em trabalho de parto. O relato da puérpera que o “bebê era grande demais”, o que representa uma indicação por desproporção cefalopélvica, foi encontrada em 28,2% e em 13,7% este diagnóstico foi registrado no prontuário19.

O diagnóstico de desproporção cefalopélvica pode ser fechado somente durante o trabalho de parto com acompanhamento adequado pelo partograma21. A demora do trabalho de parto pode levar a um diagnóstico inadequado de desproporção cefalopélvica. A ampla divulgação e a solidificação nas mentes das mulheres dessa indicação pode ser um sinal da cultura de cesárea predominante no Brasil, uma vez que a desproporção cefalopélvica verdadeira não é comum. No país com uma cultura de cesárea hegemônica e taxas de cesárea que superam 80% nos serviços privados não se questiona que cerca de 17,5% das que constituem a pesquisa, apresenta uma condição clínica que impossibilitaria um parto pelas vias naturais com quais as mulheres foram equipadas pela natureza. A cultura da cesárea no Brasil se consolidou sob o discurso da primazia da tecnologia, que é conveniente com a comodidade na organização da agenda dos profissionais22.

A hipertensão arterial foi a segunda indicação mais relatada pelas puérperas participantes deste estudo. Estudos internacionais e nacionais também relatam as síndromes hipertensivas como indicação de cesáreas, entretanto, com taxas menores1,12,13. U estudo realizado em São Paulo, com gestantes hipertensas, demonstrou que a maioria das pacientes evoluiu para parto cesáreo (59,9%), em comparação ao parto vaginal (16,0%)23. Entretanto, as síndromes hipertensivas não representam uma indicação absoluta para a cirurgia cesariana e o parto vaginal é a via de parto mais indicado, pois evita o estresse adicional de uma cirurgia em uma situação que já leva a alterações fisiológicas múltiplas severas24. Ainda, deve se considerar que as síndromes hipertensivas constituem a principal causa de mortalidade materna no Brasil e contribui significativamente para o aumento das taxas de cesarianas5.

A presença de cesariana anterior foi a terceira justificativa para repetição deste procedimento e está em concordância com estudos semelhantes1,12,13,25. Há poucos riscos do parto vaginal, após cesárea prévia, porém, com graves resultados adversos quando ocorre ruptura uterina, sendo está uma explicação possível para a indicação de nova cesariana. Ao mesmo tempo, os riscos da cesárea de repetição são mais frequentes, no entanto, menos sérios26. Entre os benefícios de um parto vaginal após cesárea, estão: recuperação mais rápida, menor intensidade da dor no pós-parto, redução no tempo de internação e menor risco futuro de outra cesárea1.

A OMS propõe que a classificação de Robson seja utilizada como instrumento padrão em todo o mundo para avaliar, monitorar e comparar as taxas de cesáreas ao longo do tempo. Essa classificação agrupa as gestantes conforme suas características obstétricas, permitindo assim a comparação entre taxas de cesáreas em uma instituição de saúde. Espera-se com a implantação dessa estratégia conhecer não apenas as taxas de cesáreas, mas grupos específicos, e, com isso, propor estratégias de intervenção para sua redução, com base na garantia da qualidade de excelência na assistência materna e neonatal27. Para além dos motivos da realização de cesárea, segundo relato das puérperas, este parâmetro poderia ser útil em investigações futuras.

Este estudo demonstrou que as puérperas acima de 30 anos, com cor de pele branca, renda mensal elevada e que tiveram os seus filhos em um hospital com financiamento privado estiveram associadas à realização de cesárea. A ocorrência de cesárea entre mulheres acima de 30 anos é significativamente maior quando comparado com as mulheres mais novas. Um estudo, realizado através do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), e outro realizado com gestantes de baixa renda recrutadas em clínicas públicas de atenção primária em São Paulo, também encontraram associação para a faixa etária mais avançada16,28. A maior percentagem de cesarianas à medida que aumenta a idade da mulher deve estar relacionada tanto à maior frequência de complicações, como hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas, quanto ao incremento na percentagem das que já não desejam ter mais filhos e solicitam a laqueadura29.

A associação significativa positiva também foi observada entre mulheres de cor de pele branca e a realização de cesáreas30. Mulheres brancas em geral dispõem de maior poder aquisitivo, o qual apresenta outra associação com a realização da cirurgia cesariana28,31. Este achado pode ser justificado pela maior utilização de planos de saúde por mulheres deste grupo e o menor poder aquisitivo das não brancas. Ainda, mulheres com renda mensal elevada, tendem a assumir diretamente as despesas para o profissional médico que em geral atende tanto o pré-natal como o parto, o que favorece o planejamento e a realização da cesárea eletiva16.

Ao avaliar o tipo de parto de acordo com o financiamento do parto encontramos uma maior prevalência de cesarianas no serviço privado, quando comparado às que realizaram no serviço público. Similarmente, estudo realizado em um hospital de atendimento público e privado, no município de Bento Gonçalves e região, no Estado do Rio Grande do Sul, indica que 83,9% dos partos no setor privado são cesáreas32. Tal achado corrobora com a literatura, em que nascimentos por cesariana representam quase o dobro nas maternidades privadas, quando comparados ao SUS33. No Brasil, no período de 2000 a 2018, 51,3% dos partos foram vaginais e 48,7% partos cesáreos17.

A identificação dos fatores associados às vias de parto pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias para aprimorar a assistência ao parto no município por meio de ações do sistema público, sobretudo, na Atenção Primária à Saúde. A prestação de cuidado e acompanhamento integral por profissionais de saúde envolvidos na assistência à gestação e puerpério podem atuar em conjunto para amenizar o efeito desses fatores, e como é relevante evitar que ocorra uma desarticulação entre a atenção pré-natal e o parto10. O fornecimento de mais informações sobre o risco e as consequências negativas do parto cesáreo e os benefícios do parto vaginal podem diminuir os resultados materno-fetal desfavorável. Além disso, a inclusão de ações educativas para os profissionais de saúde é necessária a fim de aprimorar as habilidades de acolhimento, atenção à saúde materno-infantil e, assim, reduzir o número de cesarianas realizadas desnecessariamente32.

O presente estudo possui limitações. Uma limitação foi o viés recordatório, visto que o questionário foi aplicado somente após o parto, o que pode ter alterado o relato de algumas mulheres, por não se lembrar os reais motivos de indicação de cesarianas, junto às questões de estresse inerentes ao puerpério imediato. Um outro viés foi o fato de participarem apenas usuárias do SUS, portanto, pertencentes a um grupo demográfico específico. Além disso, ressalta-se o tamanho da amostra, que limita generalizações. Sugere-se a realização de estudos com amostras mais generosas em puérperas atendidas pela APS.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo, a maioria das puérperas tiveram seus filhos por via vaginal, no entanto, houve uma alta prevalência de cesariana, ultrapassando o recomendado pela OMS. A desproporção cefalopélvica, hipertensão arterial e cesárea prévia foram as indicações mais comuns para o procedimento cirúrgico. A maior idade materna, cor da pele branca, renda elevada e financiamento privado do parto foram associados à via não vaginal. Esses achados devem ser considerados por profissionais da APS como embasamento científico para medidas adequadas e condizentes no redirecionamento de práticas e condutas dos profissionais de saúde que prestam assistência pré-natal durante o ciclo gravídico-puerperal.

Dessa forma, a aplicabilidade dos achados evidenciados no presente estudo, por toda a equipe de saúde, promoverá uma melhora significativa da assistência à mulher, reduzindo o número de cesáreas desnecessárias.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2021 Santos et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo: Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - análise e edição: SANTOS FJF; MATOS LRO, SILVA LSR, MARQUES LO, QUEIROZ MP, NARCISO PP, BRITO MFSF, VOGT SE, PINHO L.

 

REFERÊNCIAS

1. Alves TV, Bezerra MMM. Principais alterações fisiológicas e psicológicas durante o Período Gestacional. Rev Mult Psic. 2020 Fev;14(49):114-26.

2. Kottwitz F, Gouveia HG, Goncalves AC. Via de parto preferida por puérperas e suas motivações. Esc Anna Nery. 2018;22(1):e20170013.

3. Oliveira VJ, Penna CMM. Every birth is a story: process of choosing the route of delivery. Rev Bras Enferm. 2018;71(Supl 3):1228-36.

4. Rocha NFF, Ferreira J. A escolha da via de parto e a autonomia das mulheres no brasil: uma revisão integrativa. Saúde Debate. 2020;44(125):556-68.

5. Organização Mundial de Saúde (OMS). WHO statement on caesarean section rates [Internet]. Geneva: OMS; 2015; [acesso em 2021 Out 18]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_eng.pdf?sequence=1

6. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016.

7. Vale LD, Lucena EES, Holanda CSM, Cavalcante RD, Santos MM. Preferência e fatores associados ao tipo de parto entre puérperas de uma maternidade pública. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Set;36(3):86-92.

8. Gonçalves MOSS, Silva ML, Silva JDA, Roxa GN, Tavares MJA, Pedro UNSF, et al. Fatores maternos relacionados à indicação de cesariana: uma revisão integrativa da literatura. Braz J Dev. 2021;7(1):2598-611.

9. Justino GBS, Stofel NS, Gervasio MG, Teixeira IMC, Salim NR. Educação sexual e reprodutiva no puerpério: questões de gênero e atenção à saúde das mulheres no contexto da Atenção Primária à Saúde. Interface. 2021;25:e200711.

10. Andrade RD, Santos JS, Maia MAC, Mello DF. Fatores relacionados à saúde da mulher no puerpério e repercussões na saúde da criança. Esc Anna Nery. 2015;19(1):181-86.

11. Silva TPR, Dumont-Pena E, Moreira AD, Camargos BA, Meireles MQ, Souza KV, et al. Fatores associados ao parto normal e cesárea em maternidades públicas e privadas: estudo transversal. Rev Bras Enferm. 2020;73(Supl 4):e20180996.

12. Shrestha DB, Khatri R, Oli PR, Malla R, Shrestha C, Khatiwada R, et al. Cesarean section in a maternity unit of a tertiary care center of nepal: a descriptive cross-sectional study. JNMA J Nepal Med Assoc. 2021 Abr;59(236):3220-6.

13. Maskey S, Bajracharya M, Bhandari S. Prevalence of cesarean section and its indications in a tertiary care hospital. JNMA J Nepal Med Assoc. 2019 Mar;57(216):70-3.

14. Boerma T, Ronsmans C, Melesse DY, Barros AJD, Barros FC, Juan L, et al. Global epidemiology of use of and disparities in caesarean sections. Lancet. 2018; 392:1341-8.

15. Marasca AC, Cappa ELP, Dal' Soto LF, Ribeiro MS, Silveira A, Zanca S. Ocorrência de partos cesáreos é superior a de partos vaginais desde 2010 no Brasil. Rev Espaço Ciênc Saúde. 2021 Ago;9(2):28-36.

16. Guimarães RM, Silva RLPD, Dutra VGP, Andrade PG, Pereira AR, Jomar RT, et al. Fatores associados ao tipo de parto em hospitais públicos e privados no Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2017 Jul;17(3):581-90.

17. Guimarães NM, Freitas VCS, Senzi CG, Frias DFR, Gil GT, Lima LDSC. Partos no sistema único de saúde (SUS) brasileiro: prevalência e perfil das partutientes. Braz J Dev. 2021 Fev;7(2):11942-58.

18. Gedefaw G, Demis A, Alemnew B, Wondmieneh A, Getie A, Waltengus F. Prevalence, indications, and outcomes of caesarean section deliveries in Ethiopia: a systematic review and meta-analysis. Patient Saf Surg. 2020 Abr;14:11.

19. Moreira BR, Carvalho PL, Dutra JP, Coelho PB, Rocha RL, Rocha ALL. Determinantes relacionados ao parto cesáreo em maternidade pública da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG. Rev Med Minas Gerais. 2016;26:e-1799.

20. Mendonça MNPS, Menezes MPN, Lima MSC, Gomes MV, Matos MMR, Lima FC.Estudo das indicações de cesariana em uma maternidade de referência em baixo risco. Res Soc Dev. 2021;10(1):e7510111375.

21. Ministério da Saúde (BR). Diretrizes de atenção à gestante: a operação cesariana. Brasília (DF): Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; 2016.

22. Oliveira PCP, Simioni RL. Autonomia, liberdade e dependência da mulher: a política reducionista de cesarianas desnecessárias no Brasil e o biodireito. JURIS. 2018; 28(1): 67-89.

23. Kilsztajn S, Lopes ES, Carmo MSN, Reyes AMA. Vitalidade do recém-nascido por tipo de parto no estado de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007 Ago;23(8):1886-92.

24. Linhares JJ, Macêdo NM, Arruda GM, Vasconcelos JL, Saraiva TV, Ribeiro AF. Fatores associados à via de parto em mulheres com pré-eclâmpsia. Rev Bras Ginecol Obstet. 2014;36(6):259-63.

25. Mariam B, Tilahun T, Merdassa E, Tesema D. Indications, outcome and risk factors of cesarean delivery among pregnant women utilizing delivery services at selected public health institutions, Oromia Region, South West Ethiopia. Patient Relat Outcome Meas. 2021 Jul;12:227-36.

26. Patel RM, Jain L. Delivery after previous cesarean: short-term perinatal outcomes. Semin Perinatol. 2010 Ago;34(4):272-80.

27. Organização Mundial de Saúde (OMS). WHO statement on caesarean section rates. Geneva: OMS; 2015.

28. Faisal-Cury A, Menezes PR, Quayle J, Santiago IK, MatijasevichI A. A relação entre indicadores de nível socioeconômico e cesariana em hospitais públicos. Rev Saúde Publica. 2017;51:14.

29. Pádua KS, Osis MJD, Faúndes A, Barbosa AH, Moraes Filho, OB. Fatores associados à realização de cesariana em hospitais brasileiros. Rev Saúde Pública. 2010 Fev;44(1):70-9.

30. Diniz CSG, Batista LE, Kalckmann S, Schlithz AOC, Queiroz MR, Carvalho PCA. Desigualdades sociodemográficas e na assistência à maternidade entre puérperas no Sudeste do Brasil segundo cor da pele: dados do inquérito nacional Nascer no Brasil (2011-2012). Saúde Soc. 2016;25(3):561-72.

31. Rattner D, Moura EC. Nascimentos no Brasil: associação do tipo de parto com variáveis temporais e sociodemográficas. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016 Jan/Mar;16(1):39-47.

32. Rasador S, Abegg C. Fatores associados à via de parto em um município da região nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019 Out;19(4):807-15.

33. Freitas PF, Fernandes TMB. Associação entre fatores institucionais, perfil da assistência ao parto e as taxas de cesariana em Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol. 2016 Jul/Set;19(3):525-38.