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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Reativação de vacina BCG após imunização contra COVID-19: relato de caso
BCG vaccine reactivation after mRNA immunization against COVID-19: case report
José Paulo Ribeiro Júnior1; Maria do Carmo Araújo Palmeira Queiroz1; Arnaud de Lucena Flor2; Clause Willdys Medeiros Dantas2
1. Departamento de Dermatologia do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rio Grande do Norte, Brasil
2. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rio Grande do Norte, Brasil
José Paulo Ribeiro Júnior
E-mail: josepaulojr@outlook.com
Recebido em: 18 Dezembro 2022
Aprovado em: 15 Abril 2023
Data de Publicação: 5 Outubro 2023.
Editor Associado Responsável:
Dr. Alexandre Moura
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
Belo Horizonte/MG, Brasil.
Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Resumo
A vacina do Bacilo Calmette-Guérin (BCG) é uma vacina de patógeno vivo atenuado utilizada para a prevenção de formas graves da tuberculose. Um evento imunológico relacionado é a reativação da cicatriz, usualmente associada à doença de Kawasaki e ao uso de outros imunizantes. Objetivamos descrever nesse relato, o caso de uma mulher de 24 anos com reativação da cicatriz da vacina BCG após administração do imunizante de RNA-mensageiro (mRNA) contra COVID-19, BNT162b2. A fisiopatologia envolvida na reativação cicatricial da vacina BCG tem relação com as proteínas chaperonas. Ainda não existem casos relatados no Brasil de reativação da cicatriz BCG após vacinas de mRNA. Apesar disso, concluímos que não há evidências de que tal reação contraindique nova dose da vacina.
Palavras-chave: Vacina BCG; COVID-19; Efeitos adversos.
INTRODUÇÃO
A vacina do bacilo Calmette-Guérin (BCG) é uma vacina de patógeno vivo atenuado utilizada para a prevenção de formas graves da tuberculose, como a tuberculose meníngea e a tuberculose miliar1. Incluída no “Programa Nacional de Imunização” para todos os recém-nascidos, a vacina BCG é uma das mais utilizadas no Brasil. Observou-se uma cobertura vacinal de 90,6% da população brasileira entre 2006-20161. Utilizada há mais de 100 anos, a BCG é uma vacina comprovadamente eficaz e segura. Entretanto, os mecanismos imunológicos decorrentes do seu uso ainda não são completamente compreendidos2. Após sua implementação, foram descritas imunização contra outras micobactérias, reduções em infecções virais de uma forma geral e uso na imunoterapia contra o câncer de bexiga2,3.
Um mecanismo imunológico relacionado à BCG é a reativação da cicatriz residual no local da inoculação. Este fenômeno é usualmente associado à doença de Kawasaki (DK), infecções virais e administração de outros imunizantes4,5. A explicação envolve as proteínas chaperonas HSP (heat shock protein), moléculas intracelulares e mitocondriais participantes da homeostase proteica das células6. As HSP estão envolvidas nos processos de enovelamento, transporte e montagem de proteínas intracelulares, evitando agregação ou conformações erradas. Em determinados casos de estresse celular, sua síntese é aumentada como resposta imunológica inata6.
Com o início da pandemia do COVID-19, duas vacinas de RNA-mensageiro (mRNA) foram disponibilizadas em caráter emergencial para frear o impacto da pandemia. Neste relato, reportamos o primeiro caso publicado no Brasil de reativação da cicatriz da vacina BCG após administração de imunizante de mRNA.
RELATO DE CASO
Relatamos o caso de uma mulher de 24 anos, estudante de medicina, previamente hígida, portadora de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), em uso de escitalopram e metilfenidato, sem outras comorbidades sistêmicas ou cutâneas. Informou ter pais saudáveis e irmã com tireoidite de Hashimoto. Tomou duas doses de vacina de vírus inativado contra à COVID-19, sem qualquer tipo de reação vacinal. No dia seguinte após a terceira dose da vacinação, com imunizante de RNA mensageiro (mRNA) da fabricante Pfizer/BioNTech, evoluiu com discreto prurido, edema, eritema e calor na região da cicatriz da vacina BCG tomada ao nascimento (Figura 1). Não apresentou febre, adenomegalia ou outros sintomas. Negou episódios semelhantes após uso de outros imunizantes, incluindo a vacina contra influenza tomada no mesmo ano. O quadro não necessitou de tratamento e teve resolução espontânea completa após 7 dias.

DISCUSSÃO
A fisiopatologia envolvida na reativação cicatricial da vacina BCG ainda é discutida na literatura. Um dos mecanismos propostos envolve reações imunomediadas, através do cruzamento de epítopos do Mycobacterium Bovis com as proteínas chaperonas HSP. A reação cruzada entre as HSP 63 e HSP 65 produzidas em sangue periférico com antígenos do M. bovis ainda presentes na cicatriz, explica a reativação da BCG na DK4. Nessa doença, o estresse celular produz as chaperonas correspondentes, com a posterior reação cutânea. Outro mecanismo já relatado é a reação inflamatória da cicatriz contra as partículas do M. bovis quiescentes da vacina após situações de imunossupressão, havendo o risco de disseminação sistêmica2.
Tais como os fenômenos imunológicos envolvendo a BCG, a COVID-19 também possui mecanismos inflamatórios ainda em processo de esclarecimento. A própria BCG foi estudada durante a pandemia como possível fator protetor contra a doença7. As cascatas inflamatórias originadas da COVID-19 são múltiplas, gerando manifestações que vão além do acometimento das vias respiratórias. Isso inclui uma desordem inflamatória grave com características semelhantes à DK que afeta crianças e adolescentes, a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P)8.
Ainda não existem casos publicados no Brasil de reativação da cicatriz de BCG com vacina de RNA mensageiro (Pfizer/BioNTech). Essas vacinas diferem das outras por não utilizarem vetores virais ou mesmo vírus atenuados, mas um mRNA sintético que estimula a produção e expressão endógena da proteína S do SARS-CoV-2, responsável pela ligação do vírus à superfície de células humanas. Culmina no desenvolvimento de anticorpos contra o vírus, mesmo sem exposição viral prévia9.
Em 2021, um estudo dinamarquês que buscava avaliar a resposta da BCG contra a COVID-19, submeteu profissionais de saúde a uma nova dose. Após o surgimento das vacinas específicas contra à COVID-19 foram evidenciados dois casos de sintomatologia na cicatriz nova da BCG aplicada durante o estudo, sem sintomas na cicatriz antiga tomada após nascimento5. Outro caso, relatado no Brasil, descreveu reativação após a primeira dose de vacina de vetor viral (AstraZeneca/Oxford) em uma paciente jovem, portadora de urticária crônica e história de doença autoimune na família. Esta foi tratada com corticoterapia tópica até resolução do caso4. Neste trabalho, a paciente não apresentava nenhuma comorbidade autoimune ou autoinflamatória diagnosticada, com relato apenas de tireoidite de Hashimoto em parente de primeiro grau.
Foram publicados, ainda em 2021, dois relatos de caso de reativação da cicatriz de BCG em pacientes previamente hígidos por vacina de mRNA. Um deles relata duas profissionais de saúde, de Porto Rico e do México, que fizeram a reação cicatricial após a segunda dose da vacina de mRNA (Pfizer/BNT162b2 e Moderna/Cambridge, respectivamente), melhorando com tratamento sintomático10. O outro relata duas pacientes com reativação após vacinas de mRNA (Pfizer/BNT162b2 e Moderna/Cambridge), sendo a da Pfizer após a primeira dose e a da Moderna após a dose de reforço. Em ambos os casos, o edema e eritema da BCG se resolveram espontaneamente após 7 dias, sem tratamento específico11. A história natural dos casos da literatura é similar ao apresentado neste estudo, todos com resolução espontânea e sem fatores agravantes.
Vacinas contra COVID-19 ainda se encontram em estudos fases 3 e 4, logo, novos efeitos adversos e elucidações de seus fenômenos ainda podem surgir. O conhecimento dessa possível reação e de diagnósticos causadores, como a DK, é de importante valia para profissionais de saúde. Destacamos ainda que não há evidências de que tal reação contraindique nova dose da vacina.
COPYRIGHT
Copyright© 2021 Ribeiro et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo: Conceptualização, Investigação, Metodologia, Escrita – rascunho original & Escrita – análise e edição: Ribeiro JP. Investigação & Escrita – rascunho original: Flor AF; Dantas CWM. Supervisão & Escrita – análise e edição: Queiroz MCAP.
REFERÊNCIAS
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