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CAPES/Qualis: B2
Mortalidade por causas externas nas macrorregiões de saúde de Minas Gerais
Mortality from external causes in the health macro-regions of Minas Gerais
Bruna Luisa Martucheli Silva; Eduarda Maciel Caetano Alonso; Elisa Barros Campos; Júlia Onofre Amaral; Maria Fernanda Ferreira Martins; Carlos Eduardo Leal Vidal
Faculdade de Medicina de Barbacena (Fame/Funjobe). Barbacena, Minas Gerais - Brasil
Endereço para correspondênciaBruna Luísa Martucheli Silva
brunamartu@gmail.com
Praça Pres. Antônio Carlos, 8 - São Sebastião, Barbacena - MG, 36202-336, celv@uol.com.br, (32) 3339-2950.
Resumo
INTRODUÇÃO. No Brasil, a mortalidade por causas externas (CE) assume grande importância, sendo a quarta causa de morte, atrás apenas dos óbitos por aparelho circulatório, respiratório e doenças oncológicas. A mortalidade é extremamente heterogênea, devido as dessemelhanças regionais influenciarem diretamente nos cenários múltiplos, simbolizando impacto na saúde pública, pelos custos sociais e econômicos. Dentre as CE, destacam-se os acidentes de transporte, mortes violentas e suicídio.
OBJETIVO. Objetiva-se analisar e comparar a mortalidade por CE nas macrorregiões de Minas Gerais, no período de 2012 a 2020, de acordo com a faixa etária, sexo, tipo de mortes (violenta e não violenta).
METODOLOGIA. Utilizou-se estudo observacional ecológico com intuito de verificar os coeficientes por meio da plataforma SIM/DATASUS, possibilitando examinar um grupo populacional como um todo e suas associações.
RESULTADOS. Os dados coletados apresentaram um aumento dos coeficientes de mortalidade para o sexo feminino na maioria das macrorregiões, além de evidenciar aumento na taxa suicídio proporcional em todo estado de MG em ambos os sexos. Houve redução na proporção de homicídio. Foi observada elevada taxa de homicídios na macro Centro em comparação com as demais.
CONCLUSÃO. Constatou-se redução dos índices de mortalidade por CE em Minas Gerais na maioria das macrorregiões, além de apontar a importância da morte prematura entre jovens e adultos, mostrando necessidade de continuidade e implementação de políticas públicas de cunho interdisciplinar, com o objetivo de reduzir os óbitos e as sequelas dos acidentes e violências.
Palavras-chave: Coeficiente de mortalidade, causas externas, acidente de trânsito, adulto jovem, homicídio.
1. INTRODUÇÃO
As causas externas de morbimortalidade (CE), representadas pelos acidentes e violências, constituem um grande problema de saúde pública em todo o mundo, ocasionando grandes custos com atendimento ambulatorial, hospitalar e de reabilitação para as sequelas físicas e psicológicas.1 Além disso, geram gastos excessivos com o sistema previdenciário e prejuízo para a economia devido aos anos de vida perdidos por morte ou incapacidades (Disability Adjusted Life Years - DALYs), já que acometem principalmente os indivíduos em idade produtiva.2 De acordo com o estudo Global Burden of Diseases de 2019, três categorias de causas externas, os acidentes de transportes, as lesões autoprovocadas e a violência interpessoal, estão entre entre as cinco principais causas de DALYs em adolescentes de 10-24 anos.3
Especificamente com relação à mortalidade, as principais causas em nível global, em 2017, foram, nessa ordem, os acidentes não intencionais, os de transporte terrestre, os suicídios e os homicídios. Essa distribuição das mortes, porém, não é semelhante entre as diversas regiões do planeta, devido principalmente às diferenças socioeconômicas e políticas existentes.4 Por exemplo, no Brasil em 2019 destacaram-se as agressões, os acidentes de transporte e outras causas externas acidentais,1 com os suicídios figurando na última posição.
Dados do Ministério da Saúde registraram o total de 1.512.786 mortes por causas externas no país no período de 2011 a 2020, o que representou a terceira principal causa de morte no país, atrás apenas das doenças cardiovasculares e das neoplasias. A partir de 2018, no entanto, os números de óbitos por essas causas começaram a experimentar redução e passaram para a quarta posição, sendo superados pelas doenças respiratórias.5
Em Minas Gerais, os óbitos por causas externas ocuparam a quarta posição no total de mortes no período de 2011 a 2020. Por ser um estado com grande extensão territorial e apresentar distintos perfis socioeconômicos, é provável que a distribuição dessas mortes não ocorra de forma homogênea nas diferentes regiões estaduais. Assim, o presente estudo objetiva analisar as mortes por causas externas nas 14 macrorregiões de saúde de Minas Gerais.
2. METODOLOGIA
Estudo observacional ecológico, onde foi verificada a mortalidade proporcional e os coeficientes de mortalidade por causas externas nas macrorregiões de saúde de MG no período de 2012 a 2020. As unidades de análise foram o estado de MG como um todo e as suas 14 macrorregiões de saúde, que compreendem 853 municípios. Essas macrorregiões não são homogêneas em relação à densidade demográfica e condições socioeconômicas. As regiões Norte, Noroeste, Nordeste e Jequitinhonha apresentam municípios com situação socioeconômica menos favorecida e baixos indicadores de desenvolvimento. As demais macrorregiões, especialmente as localizadas ao sul, região central e o triângulo mineiro, apresentam melhores indicadores de desenvolvimento.
Os dados foram obtidos do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. O cálculo da população foi realizado com base nos dados obtidos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e por meio das estimativas e projeções populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A coleta dos dados encerrou-se em agosto de 2022, considerando as mortes ocorridas no período de 2012 a 2020.
A população estudada foi composta por todos indivíduos, de ambos os sexos, divididos nas seguintes faixas etárias: 0 a19, 20 a 39, 40 a 59 anos e acima de 60 anos.
Foram verificados os números absolutos de mortes pelas principais categorias - acidentes de trânsito, outras causas externas não intencionais de morte, suicídios e homicídios. Para cada macrorregião de saúde foi calculada a mortalidade proporcional, dividindo-se o total de mortes externas pelo total de óbitos e as mortes de cada categoria pelo total de mortes por causas externas, multiplicando-se o resultado por 100. Os dados foram agregados por triênios, com a intenção de reduzir a possível flutuação randômica dos dados, ano a ano, tanto da população quanto do número de mortes.
A partir dos registros de mortes por causas externas foram calculados os percentuais para cada macrorregião, de acordo com o sexo e faixa etária. As taxas brutas de mortalidade foram padronizadas e calculadas pelo método direto, utilizando-se como padrão a população brasileira de 2010.6
Os dados foram colhidos em formulário próprio, criado para tal finalidade pelos pesquisadores, e digitados em planilhas no programa Excel. A análise estatística foi realizada no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0. O nível de significância adotado foi de 5%.
Considerações éticas
Por se tratar de pesquisa que utilizou informações de acesso público e banco de dados sem possibilidade de identificação individual, não houve necessidade de submissão do estudo ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), conforme Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
3. RESULTADOS
No período de 2012 a 2020 ocorreram 1.210.289 óbitos no estado de Minas Gerais, sendo 55,8% do sexo masculino. Para ambos os sexos, as principais causas das mortes foram as doenças cardiovasculares (25,6%), os tumores (16,7%), as doenças respiratórias (12,0%) e as causas externas (10,3%), seguidas pelas denominadas causas mal definidas ou indeterminadas (7,6%). Esses dados estão apresentados na Tabela 1.
As causas externas totalizaram 124.746 mortes (10,3% do total), sendo responsáveis por 8,2% dos óbitos masculinos e 2,1% dos femininos.
No período de nove anos os homicídios foram causadores de 29,1% dos óbitos por causas externas em ambos os sexos, seguidos pelos acidentes de transporte (28,2%). Nos homens, os homicídios foram responsáveis por 33,0% e os acidentes de transporte por 28,8% dos óbitos. Já nas mulheres essa distribuição foi diferente, com a maioria das mortes relacionadas aos códigos W00-X59, que compreendem "outras causas externas de lesões acidentais" (32,5%). Os acidentes de transporte totalizaram 25,9% dos óbitos no sexo feminino.
A comparação dos anos inicial e final da série mostrou redução nos percentuais de morte para os acidentes de transporte e para as agressões em ambos os sexos. Por outro lado, os grupos de outras causas externas acidentais e das lesões autoprovocadas evidenciaram aumento. Esses dados são apresentados na Tabela 2.
A Tabela 3 descreve a distribuição das quatro principais causas externas de mortalidade de acordo com a macrorregião. Cabe destacar os baixos percentuais verificados na macro Centro no que se refere aos acidentes de transporte e as lesões autoprovocadas. Ao contrário, a mesma região apresenta elevada proporção de homicídios em relação às demais regiões, apesar de se observar uma queda expressiva na comparação do primeiro e último triênios considerados. A mesma redução nos homicídios foi observada na maioria das macrorregiões. No entanto, e esse é um dado preocupante, em todas as macrorregiões foi observado aumento na mortalidade proporcional por suicídio.
Na Tabela 4 são apresentados os percentuais das quatro principais causas externas de mortalidade de acordo com a faixa etária, complementando e detalhando os dados exibidos na Tabela 3.
4. DISCUSSÃO
Esse estudo avaliou a mortalidade por causas externas entre 2012 a 2020 nas macrorregiões de saúde de Minas Gerais, revelando diminuição na proporção de mortes por essas causas entre os anos inicial e final da série. No Brasil a mortalidade proporcional por causas externas no período foi, em média, de 11,7%. No mesmo período de nove anos, houve redução de aproximadamente 3,5%, no percentual de óbitos por essas causas no país. Em MG a mortalidade proporcional foi próxima à média nacional, mas com diferenças observadas entre as macrorregiões, com diferença de cinco pontos entre aquelas com maior e menor percentual.
Globalmente, as causas externas totalizaram 4,5 milhões de óbitos em 2017, representando 8,0% do total de mortes, sendo verificada redução do número absoluto dessas mortes em relação a 2013, que foi de 4,8 milhões.3,7 As principais causas, que apresentaram pequena variação nos dois anos considerados foram, respectivamente, em 2013 e 2017, os acidentes de transporte terrestre (29,1 e 29,8%), suicídios (17,6 e 17,7%) e homicídios (8,5 e 9,0%).8,9,10 Os resultados observados no presente estudo apresentam diferenças expressivas em relação aos indicadores mundiais descritos, cabendo destacar a proporção elevada dos homicídios em todas as macrorregiões, sendo que em algumas os homicídios representaram o maior percentual de mortes, especialmente entre homens na faixa etária até 39 anos. Por outro lado, a comparação entre o primeiro e o último triênio da série mostrou redução da proporção das mortes e nos coeficientes de mortalidade por violência interpessoal, o que parece acompanhar uma tendência nacional. De fato, dados das últimas edições do Atlas da Violência no Brasil vêm demonstrando essa redução nos homicídios, que passaram de 52.049 em 2009, para 45.503 em 2019, com taxas de mortalidade, respectivamente, de 27,2 e 21,7 homicídios por 100 mil habitantes. Com relação ao sexo, a taxa de mortalidade em homens, em 2018, foi de 52,3 mortes por 100 mil e de 4,2 por 100 mil para as mulheres.11,12
A redução dos homicídios no Brasil parece estar relacionada a vários aspectos, destacando-se o envelhecimento populacional e a proporção de homens jovens na população, que começou a reduzir a partir de 2010.11,13 Destaca-se ainda, a melhoria das condições socioeconômicas e educacionais e ao aperfeiçoamento dos programas de segurança pública estaduais. Outro fator que contribuiu para essa redução foi o aumento do percentual de mortes violentas por causas indeterminadas (MVCI), o que pode ter ocultado muitos homicídios.12
Em MG foi verificada redução dos coeficientes ao longo dos anos, passando de 23,0 óbitos por 100 mil habitantes em 2012 para 16,0 óbitos por 100 mil habitantes em 2018. Esse decréscimo foi igualmente observado nos coeficientes de mortalidade por homicídios em jovens (15 a 29 anos), que foram de 48,1 mortes por 100 mil jovens na faixa etária de 15 a 29 anos em 2012 e de 32,6 mortes por 100 mil jovens em 2018.11,12 No presente estudo verificou-se também redução na proporção de mortes violentas entre as mulheres na comparação dos anos inicial e final da série histórica.
Em MG, os acidentes de trânsito foram a segunda causa de morte para homens e mulheres, e predominaram na faixa etária dos 40 aos 59 anos em todas as macrorregiões. A proporção de mortes por acidentes de trânsito exibiu diminuição no período, mas ainda permanece elevada em algumas regiões. Ressalta-se o pequeno percentual verificado na macrorregião Centro.
Em todo o mundo tem havido redução nas mortes por acidentes no trânsito, o que se deve em grande parte a mudanças na legislação, estradas e vias públicas mais seguras e a melhoria dos serviços emergenciais e de resgate.13 Essas modificações foram, da mesma forma, implementadas no Brasil ao longo dos anos, mas, por ser um país de dimensões continentais e com importantes diferenças regionais, é provável que essas medidas não tenham sido realizadas de forma igualitária nos estados. Em Minas Gerais, a vasta extensão territorial, as desigualdades socioeconômicas e a distribuição dissemelhante de médicos e serviços de saúde entre as macrorregiões, poderiam explicar, em parte, as diferenças encontradas.
Com relação ao suicídio, verificou-se redução de 16% e 21%, respectivamente, nas taxas de mortalidade em homens e mulheres ao redor do mundo. Os coeficientes globais médios são de 13,5 mortes por 100 mil habitantes para homens e de 7,7 mortes por 100 mil habitantes para mulheres. Essas taxas são mais elevadas para os homens que moram em países de renda elevada (21,0 óbitos por 100 mil habitantes).10 No Brasil, o coeficiente de mortalidade por suicídio situa-se em torno de 6,1 óbitos para cada 100 mil habitantes, com 3,1 e 10,0 óbitos por suicídio a cada 100 mil habitantes para os sexos feminino e masculino, respectivamente, evidenciando tendência crescente.14 Entre 2012 a 2019 houve aumento de aproximadamente 30% no número de suicídios em ambos os sexos, com razão de mortalidade homem/ mulher de 3,6:1. Nas macrorregiões esse quociente diminuiu ao longo dos anos, evidenciando aumento do número de suicídios entre as mulheres.
No presente estudo, os coeficientes de mortalidade por suicídio tiveram aumento em praticamente todas as macrorregiões na comparação dos triênios inicial e final, o mesmo sendo observado na mortalidade proporcional. As regiões que apresentaram os maiores coeficientes situam-se mais ao sul e oeste do estado, ao contrário do verificado em relação aos homicídios.14
Por fim, observou-se aumento das outras causas de morte por lesões e acidentes não intencionais, que incluem, principalmente, quedas, explosões, afogamentos, queimaduras e envenenamentos. Em todo o mundo, no ano de 2017, essas condições foram responsáveis por cerca de 1.804.900 mortes, a maioria devido a quedas (38,6%) e afogamentos (16,4%).15 A comparação de cada estrato etário mostrou que a mortalidade proporcional por essas causas foi mais prevalente nos idosos. Pesquisa realizada em Minas Gerais em 2010 revelou que as quedas e os acidentes de transporte foram as principais causas externas de mortalidade em idosos, o que corresponde aos achados do presente estudo.16
Esse estudo apresentou algumas limitações que devem ser consideradas, a principal se referindo à utilização de dados obtidos do SIM, o que implica em limitações metodológicas. Apesar da melhoria dos dados sobre mortalidade do Ministério da Saúde ainda existe subnotificação ou óbitos classificados como causas externas não especificadas ou de intenção indeterminada.17,18 Junto a isso, outra limitação se refere ao cálculo das taxas de mortalidade ser feito com base em estimativas populacionais, o que limita a precisão dos coeficientes.
5. CONCLUSÃO
O presente estudo apontou redução da mortalidade proporcional e das taxas de mortalidade por causas externas em Minas Gerais na maioria das suas macrorregiões de saúde. Apesar do declínio observado, ainda existe certa disparidade entre as regiões e algumas ainda apresentaram taxas elevadas quando comparadas aos coeficientes médios das demais macrorregiões e também aos coeficientes nacional e estadual.
O estudo sinaliza a importância das causas externas como causa de morte prematura entre jovens e adultos, o que gera incapacidades, perda de produtividade e gastos previdenciários e do sistema de saúde, além do impacto emocional causado nos familiares.
Apesar da tendência de queda nesses indicadores de mortalidade é premente a continuidade e o estabelecimento de políticas e medidas capazes de reverter este quadro, o que implica em abordagens de cunho interdisciplinar que envolva políticas sociais, investimentos em educação, segurança e a responsabilização dos indivíduos e do Estado.
Contribuição dos Autores:
CEL. Vidal orientação do estudo, delineamento do estudo, análise estatística, revisão crítica com aprovação final do manuscrito. BLM. Silva coleta de dados e redação do manuscrito. EMC. Alonso coleta de dados e redação do manuscrito. EB. Campos tabulação de dados e redação do manuscrito. JO. Amaral coleta de dados e redação do manuscrito. MFF. Martins coleta de dados e redação do manuscrito.
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