RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Número Atual: 34 e-34201 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34201

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Artigo de Revisão

Avaliação psiquiátrica pré-operatória em candidatos à cirurgia bariátrica: uma revisão integrativa

Preoperative psychiatric assessment in candidates for bariatric surgery: an integrative review

Mateus Lima Martins1; Ana Flávia Conegundes Benício2; Letícia Chagas Rocha3; Isadora Soares Bicalho Garcia4; Letícia Oliveira Monteiro2; Marisa de Oliveira Torres Almeida5; Elaine Leandro Machado2

1. Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais, Brasil
2. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
3. Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
4. Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
5. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Governador Valadares, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Mateus Lima Martins
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais
E-mail: mateus.l.martins@ufv.br

Recebido em: 17 Junho 2023.
Aprovado em: 14 Outubro 2023.
Data de Publicação: 02 Abril 2024.

Editor Associado Responsável: Dr. Frederico Duarte Garcia
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte/MG, Brasil.
Conflito de Interesse: Não há.

Resumo

INTRODUÇÃO: A cirurgia bariátrica, embora muito eficaz para o tratamento da obesidade, não trata as disfunções psicológicas que contribuem para o desenvolvimento da doença. Portanto, um tratamento multidisciplinar, visando tratar não apenas a parte biológica, mas o indivíduo como um todo, pode ser decisivo para o sucesso do procedimento.
OBJETIVO: Analisar a importância da avaliação psiquiátrica antes da cirurgia bariátrica.
MÉTODOS: O estudo é uma revisão integrativa realizada nas bases de dados PubMed, LILACs, BVS e SciELO entre setembro e novembro de 2021. Os descritores utilizados foram: "Psychiatry" OR "Psychology" AND "Bariatric Surgery". Foram encontrados 720 estudos, dos quais apenas 22 corresponderam ao tema de pesquisa de acordo com a seleção pelo resumo e pelo texto completo. RESULTADOS: Estudos demonstram que a prevalência de transtornos psiquiátricos em candidatos bariátricos é maior do que da população geral. Além disso, nota-se a falta de padronização da avaliação psiquiátrica antes da cirurgia bariátrica, o que pode dificultar o diagnóstico de psicopatologias para uma intervenção psiquiátrica.
CONCLUSÃO: Para melhorar o prognóstico da cirurgia bariátrica, é benéfico que o atendimento psiquiátrico seja feito de forma padronizada, possibilitando a identificação de psicopatologias que podem influenciar negativamente o sucesso do procedimento.

Palavras-chave: Cirurgia bariátrica; Psiquiatria; Cuidados pré-operatórios.

 

INTRODUÇÃO

A obesidade é uma doença crônica e multifatorial caracterizada pelo excesso de gordura corporal, resultante de sucessivos superávits calóricos. Essa condição é prejudicial à saúde física e mental, já que aumenta o risco de desenvolvimento de complicações clínicas, que vão desde diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica até diversos tipos de neoplasias malignas e distúrbios neurofisiológicos1-3. Os guidelines indicam a cirurgia bariátrica como o tratamento mais eficaz para pacientes com obesidade grau III (IMC≥40kg/m2) ou obesidade grau II (IMC≥35kg/m2) com complicações clínicas graves. O procedimento é recomendado não apenas pela perda de peso, mas também pelo manejo das comorbidades clínicas associadas à obesidade, o que minimiza a sua morbimortalidade1.

No entanto, embora a cirurgia bariátrica seja o tratamento padrão-ouro para a obesidade grave, ela não intervém diretamente nas disfunções comportamentais e psicológicas que podem estar associadas a essa doença. Dessa forma, diversos estudos mostram a necessidade de uma abordagem multidisciplinar adaptada à individualidade de cada paciente, visto que parte dos pacientes não atinge ou não mantém a perda de peso adequada após a cirurgia, além de muitos evoluírem com complicações no âmbito psicossocial, que têm importância no prognóstico da bariátrica1,2,4. Assim, a avaliação de problemas que podem contribuir para um prognóstico pós-operatório desfavorável é de grande utilidade, o que evidencia a importância de avaliar fatores psicossociais nas consultas pré-operatórias e analisar a preparação do paciente para o procedimento5,6.

Diante desse contexto, observa-se uma dificuldade na comparação de diferentes estudos, devido à heterogeneidade na forma de avaliação pré-cirúrgica dos candidatos à bariátrica7. A falta de uma abordagem profissional padronizada para avaliar a saúde mental também é evidente nos transtornos psiquiátricos, a exemplo da discordância ou da falta de consenso entre os autores sobre o manejo da compulsão alimentar e sobre o prejuízo causado pela psicopatologia ao prognóstico cirúrgico5,8.

O objetivo da presente revisão bibliográfica é analisar a importância da avaliação psiquiátrica e psicológica dos candidatos à cirurgia bariátrica, a fim de reconhecer os fatores psicossociais que podem prejudicar o prognóstico dos pacientes. Além disso, pretende-se também comparar várias pesquisas de diferentes locais com abordagens médicas distintas e discutir a necessidade de utilizar ferramentas padronizadas para avaliar a saúde mental dos candidatos.

Para tanto, a revisão foi discutida nos seguintes tópicos: (1) Principais fatores psíquicos analisados nas consultas pré-operatórias; (2) Psicopatologias frequentes em candidatos à cirurgia bariátrica; (3) Compulsão alimentar: é ou não é uma contraindicação? (4) Relação entre a dimensão da persistência e a perda de peso; (5) Questionários de consulta e necessidade de criação de um protocolo padrão; (6) Importância das avaliações psiquiátricas e psicológicas.

 

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa: estudo que busca sistematizar o conhecimento produzido sobre um tema e problematizá-lo, além de traçar novos caminhos de pesquisa.

A pergunta da pesquisa foi: "Qual é a importância do acompanhamento psicológico e psiquiátrico antes da cirurgia bariátrica?". Diante disso, a população incluída foi: adultos com obesidade candidatos à cirurgia bariátrica.

A pesquisa foi feita nos bancos de dados PubMed, LILACs, BVS e SciELO entre setembro e novembro de 2021. Os descritores utilizados foram: "Psychiatry" OR "Psychology" AND "Bariatric Surgery". Os critérios de inclusão foram: artigos observacionais ou revisionais, nos idiomas português e inglês, publicados entre os anos de 2011 e 2021, que abordassem os temas propostos para a pesquisa. Os critérios de exclusão foram: artigos duplicados, estudos apresentados na forma de resumo e relato de casos.

A seleção foi feita por três autores de modo independente (M.L.M., A.F.C.B., L.C.R.). Discordâncias foram solucionadas a partir de discussões. Foram encontrados 720 estudos, dos quais apenas 22 condiziam com o tema da pesquisa conforme os critérios de elegibilidade.

 

RESULTADOS

Em relação aos estudos analisados, sete compunham um grupo de revisões e revisões sistemáticas, onze compunham um grupo de artigos originais, um foi estudo prospectivo e três não explicitaram o tipo de estudo que foi realizado. Além disso, com relação aos objetivos descritos, apenas um estudo não o apresentou de forma clara. A Tabela 1 apresenta as características gerais dos estudos avaliados, como o local, o tipo de estudo, os objetivos, os principais resultados e os instrumentos utilizados na investigação.

 

 

Faz-se necessário elucidar que a literatura da pesquisa diferiu no uso de questionários conforme os países das pesquisas e, por conseguinte, não houve uniformidade na captação de dados em diferentes países8-11.

No que tange aos principais resultados, cerca de 55% (n=12) dos artigos destacam que a prevalência de transtornos psiquiátricos em candidatos à cirurgia bariátrica é maior quando comparada à população em geral. Enquanto a prevalência na população geral fica em torno de 20%-25%, a de candidatos à bariátrica se apresenta em cerca de 40%11-15. Isso ocorre porque esses pacientes apresentam características psicossociais específicas e estigmas dentro da sociedade por conta da obesidade16, apresentando comumente dentro desse grupo transtornos de ansiedade, transtornos de humor e transtornos de compulsão alimentar periódica2,13,15,17.

Em estudos como Gordon et al. (2011)7 e Silva e Maia (2013)8, o transtorno mais prevalente entre a população bariátrica (30%) é o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), que vem se associando a uma menor perda ponderal, apresentando a terapia cognitivo-comportamental e a terapia interpessoal como meios de redução do quadro desses pacientes e frequência de episódios compulsivos. Ao mesmo tempo, em se tratando de fármacos, Gordon descreve uma carência de estudos de eficácia em longo prazo de antidepressivos nesses casos.

Contudo, Kvalem et al. (2016)18 apresentaram poucas diferenças significativas entre os grupos estudados pacientes em perda de peso conservadora e pacientes cirúrgicos bariátricos por meio da autoavaliação de saúde mental, mas ainda assim houve destaque para a predisposição de apresentação de sintomas depressivos e episódios de compulsão alimentar no grupo de pacientes cirúrgicos. Ao mesmo tempo, o grupo cirúrgico apresentou maior competência disciplinar e esperança no prognóstico.

Ao mesmo tempo em que alguns estudos como Silva e Maia (2013)8 dissertam que não há consenso literário acerca do impacto da psicopatologia sobre o sucesso cirúrgico e as mudanças do pós-cirúrgico, outros estudos como Edwards-Hampton e Wedin (2015)19 e Gordon (2014)1 abordam os efeitos benéficos que o acompanhamento terapêutico pré-operatório pode apresentar em pacientes bariátricos. Incluindo, então, efeitos positivos tanto no prognóstico cirúrgico quanto na adesão ao tratamento e acompanhamento no longo prazo.

Ademais, aborda-se muito a necessidade de acompanhamento de pacientes previamente diagnosticados com transtornos e que irão fazer a cirurgia bariátrica5,20 sendo alguns sugestivos da importância de ser realizado em um âmbito multidisciplinar3,21. Isso ocorre uma vez que a avaliação pré-cirúrgica não aplicada de modo efetivo pode interferir no prognóstico pós-cirúrgico.

As funções do psiquiatra e do psicólogo vão ser descritas na literatura como base para avaliação inicial dos pacientes. A pesquisa dos aspectos relacionados à história de vida destes, problemas psíquicos prévios, sofrimento psíquico, grau de motivação para manutenção do tratamento, uso de álcool e drogas, bem como realização de diagnósticos de transtornos antes da realização do procedimento cirúrgico, fazem parte do papel desses profissionais no acompanhamento4,6. Além disso, descreve-se que é nesse momento que se abre espaço para a percepção da equipe acerca da situação psicossocial do paciente, abrangendo questões que afetam a decisão de procura do paciente pelo procedimento12.

 

DISCUSSÃO

Principais fatores psíquicos analisados nas consultas pré-operatórias

A avaliação pré-operatória de candidatos à cirurgia bariátrica faz parte das investigações preditivas e do acompanhamento longitudinal do paciente4. Assim, a fim de avaliar a aptidão de um candidato à operação, a análise de alguns fatores psicossociais nas consultas pré-operatórias é de suma importância. Dentre eles, destacam-se a compreensão do candidato quanto ao procedimento e às mudanças de estilo de vida, as expectativas do paciente quanto aos resultados pós-operatórios, a habilidade e o grau de motivação de se comprometer às recomendações operatórias, o entendimento dos riscos envolvidos, o comportamento alimentar, as comorbidades psiquiátricas prévias e atuais, as motivações para a realização do procedimento cirúrgico, o suporte social, o uso de substâncias, o status socioeconômico, a satisfação conjugal, o funcionamento cognitivo, os níveis de autoestima, a presença de histórico de trauma/abuso, a qualidade de vida e a ideação suicida5,6.

O diagnóstico e o tratamento de problemas que possam influenciar negativamente o resultado pós-operatório são indispensáveis6. Isso, porque menores e maiores graus de perda de peso durante a cirurgia estão diretamente relacionados aos fatores psíquicos analisados no pré-operatório. Perfis de personalidade compulsiva estão negativamente associados à perda de peso, bem como a hipersensibilidade a críticas e a dificuldade em resolver problemas, que estão relacionados à pior adesão às orientações no acompanhamento pós-operatório4.

Os transtornos alimentares, compras compulsivas, transtornos depressivos, de ansiedade e por uso de substância, principalmente álcool, são os diagnósticos mais frequentes na avaliação psiquiátrica pré-cirúrgica6. Sintomas depressivos configuram-se como preditores de resultados menos satisfatórios após a cirurgia bariátrica, o que torna necessário tratamento e acompanhamento adequados à depressão no período pré e pós-operatório, a fim de otimizar o prognóstico dos indivíduos que apresentam a psicopatologia em termos de qualidade de vida após a cirurgia1. Além disso, são outros fatores que podem adiar ou desconsiderar a realização do procedimento cirúrgico: falta de compreensão quanto aos riscos e benefícios da cirurgia bariátrica; resistência de adesão às recomendações pós-cirúrgicas; tentativas de suicídio recentes ou múltiplas e estressores severos. Alguns profissionais de saúde mental consideram a dependência de substâncias e outros transtornos psicóticos como principais contraindicações à cirurgia5.

Por fim, deve-se considerar como um problema a subnotificação de sintomas psíquicos pelos próprios candidatos. Eles fazem isso com o objetivo de não serem excluídos do procedimento. Diante dessa perspectiva, a equipe de saúde deve utilizar instrumentos com boas propriedades psicométricas durante a avaliação dos fatores psíquicos nas consultas pré-operatórias, atenta à possibilidade da omissão por parte dos pacientes15.

Psicopatologias frequentes em candidatos à cirurgia bariátrica

Diversos fatores psicossociais e comportamentais são associados aos prognósticos de cirurgia bariátrica e, por isso, a avaliação de saúde mental é requerida em muitas instituições no contexto pré-operatório9. Ademais, a avaliação psiquiátrica antes da cirurgia é apontada por alguns estudos como essencial para a seleção de candidatos2,4,6.

Pesquisas mostram que a frequência de psicopatologias é alta entre pacientes bariátricos, sendo algumas mais comuns entre eles do que entre a população geral2,11,12,15. Uma pesquisa realizada utilizando a "Avaliação Longitudinal da Cirurgia Bariátrica" mostrou que, durante a vida, os diagnósticos mais comuns foram desordens afetivas, transtornos de ansiedade e abuso de álcool, e que, no momento da avaliação, os mais comuns eram transtornos de ansiedade, fobias, depressão, desordens afetivas e transtornos alimentares, além de indicar que grande parte dos participantes estava fazendo uso de medicação psicotrópica11.

Outro estudo realizado a partir da revisão de prontuários por dois anos revelou que as psicopatologias mais comuns entre a amostra de pacientes bariátricos são transtornos de ansiedade, transtornos de humor e transtornos de compulsão alimentar15. Um estudo constatou que a prevalência de distúrbios de depressão, abuso de álcool, déficit de atenção e bipolaridade é duas vezes maior entre os candidatos em comparação à população geral2.

Além disso, outro estudo indicou que o diagnóstico atual mais prevalente entre pacientes bariátricos era o transtorno de ansiedade (25%) e o diagnóstico psiquiátrico mais comum durante a vida dos candidatos se tratava de transtorno depressivo maior (44%). Ademais, constatou-se uma frequência significativa de abuso de álcool e drogas, de vício alimentar e de síndrome do comer noturno9. Foi apontado, também, a partir da aplicação de questionário padronizado, que a prevalência da depressão no pré-operatório era alta, mas menos sintomas da doença eram observados após a cirurgia20.

Quanto aos problemas de saúde mental relativos a comportamentos alimentares, foi notado, a partir da "Avaliação Longitudinal de Cirurgia Bariátrica", que grande parte dos participantes apresentava algum transtorno, como perda de controle ao comer, síndrome do comer noturno, compulsão alimentar e bulimia nervosa13.

É notório, então, que a literatura indica números maiores entre o grupo de candidatos à bariátrica em relação à população geral quanto à prevalência de psicopatologias. Em geral, os autores defendem a necessidade de uma abordagem psiquiátrica nos casos de obesidade mórbida, a fim de tratar problemas de saúde mental que sejam nocivos ao tratamento, porém, sem a intenção de separar quem pode e quem não pode ser operado2,6. Nesse sentido, Joaquim et al. (2019)22 vão questionar, no Brasil, a carência desse acompanhamento psiquiátrico e psicológico de pacientes no longo prazo, evidenciada também pelos participantes da pesquisa. Nota-se, portanto, a importância de se criar uma legislação que oriente os planos de saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a regularizar uma quantidade mínima de sessões psicológicas no pré e pós-operatórios e de protocolos mais uniformes para avaliar os pacientes.

A Resolução nº 2.131/2015 do Conselho Federal de Medicina (CFM) dispõe as indicações gerais para a cirurgia bariátrica, sendo elas: pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 40kg/m2; pacientes com IMC acima de 35kg/m2 e portadores de comorbidades que ameacem a vida; maiores de 18 anos; obesidade estabelecida conforme os critérios anteriores com tratamento clínico prévio insatisfatório de, pelo menos, 2 anos. Adolescentes com 16 anos completos e menores de 18 anos podem ser operados desde que um pediatra componha a equipe multiprofissional e se observada consolidação das cartilagens nas epífises de crescimento dos punhos. Ainda assim, a cirurgia em menores de 18 anos é experimental23. Percebe-se, então, que apesar da indicação clara dos pré-requisitos para a realização da cirurgia bariátrica, não está claramente estabelecida a necessidade de utilização de protocolos padronizados que incluam avaliação psiquiátrica prévia.

Compulsão alimentar: é ou não é uma contraindicação?

O diagnóstico de compulsão alimentar (Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica - TCAP) em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica tende a estar relacionado com uma menor redução de peso ou com reaquisição de peso após o procedimento cirúrgico6, o que o torna um fator de risco psicossocial em candidatos à cirurgia2.

Na literatura, há relatos de que a compulsão alimentar detectada na avaliação pré-operatória prediz a compulsão alimentar no pós-operatório4. Assim, a avaliação antes da cirurgia deve considerar a gravidade individual do TCAP e a necessidade de um suporte mais cuidadoso no pós-operatório1. O transtorno do comer noturno e a compulsão alimentar, além de relacionarem-se a um resultado pós-operatório menos satisfatório, associam-se a outras psicopatologias9. No entanto, de maneira geral, há discordância quanto ao manejo da compulsão alimentar em pacientes candidatos à cirurgia bariátrica5.

Alguns autores apontam que, por ser passível de remissão após o procedimento cirúrgico, a compulsão não deve ser considerada uma contraindicação. Contudo, ela ainda deve ser avaliada com atenção. Ainda, outros profissionais consideram a presença de sintomas ativos de compulsão alimentar uma contraindicação provável ou definitiva, e outros apontam que pacientes diagnosticados com compulsão alimentar não devem ser tratados de maneira cirúrgica antes da normalização do comportamento alimentar por meio de terapia5.

Verifica-se, portanto, a discordância de autores quanto ao manejo da compulsão alimentar. Dado que as evidências científicas indicam que ela esteja relacionada a piores resultados pós-operatórios de maneira significativa, alguns autores sugerem que pesquisadores e clínicos busquem um consenso sobre a melhor forma de avaliar a compulsão alimentar nas consultas pré-operatórias5. Intervenções personalizadas cujo objetivo seja lidar com a compulsão alimentar podem melhorar os resultados dos pacientes no pré e pós-operatório2.

Relação entre a dimensão da persistência e a perda de peso

O "Inventário de Temperamento e Caráter" desenvolvido por Cloninger foi usado em estudos para a identificação de fatores relacionados aos traços de personalidade, utilizando-se de escalas. Assim, foi mostrado que a persistência, uma das dimensões de personalidade do modelo de Cloninger, foi o traço melhor associado à maior perda de peso no contexto de pós-operatório1,4. Foi indicada, também, uma correlação positiva entre escore alto da dimensão persistência e redução do Índice de Massa Corporal (IMC), além de uma associação entre falha terapêutica e menores índices de persistência1.

Pacientes bariátricos com tal traço de personalidade apresentam maior probabilidade de aderir às instruções médicas, nutricionais e físicas no contexto pós-operatório para alcançar as mudanças necessárias, mostrando-se perseverantes e determinados na manutenção dos resultados e dos novos comportamentos adquiridos, mesmo na ausência de estímulos de reforço1,4. Esses achados indicam que a análise e a avaliação dos traços de personalidade antes da cirurgia bariátrica podem ser de grande valia no entendimento de prognósticos dos pacientes bariátricos4.

Questionários de consulta e necessidade de criação de um protocolo padrão

Na literatura, diferentes questionários foram utilizados para avaliação pré-cirúrgica dos pacientes nos diferentes países das pesquisas realizadas, evidenciando assim o quadro disforme que é a avaliação desses pacientes. Não obstante, observa-se que há disparidades importantes não só no conteúdo avaliado nos questionários como também nos transtornos que são considerados contraindicações cirúrgicas ou importantes de serem diagnosticadas5,10,17.

Dentre os questionários de consulta, o "Eating Disorder Examination-Questionnaire (EDE-Q)" buscou avaliar características comportamentais dos transtornos alimentares apresentados pelos pacientes10, enquanto estudos como o de Mitchell et al. (2012)11 buscaram usar a "Avaliação Longitudinal de Cirurgia Bariátrica-3 (LABS-3)" como protocolo para avaliar os fatores psicossociais que afetam os pacientes antes e depois do procedimento e o de Mitchell et al. (2015)13 se baseia na "Avaliação Longitudinal de Cirurgia Bariátrica-2 (LABS-2)" para a mesma finalidade. Outro meio usado para avaliação na literatura é a autoavaliação dos pacientes por meio do estabelecimento de escalas e relatos de sintomas de transtornos e psicopatologias não necessariamente diagnosticados18.

Tendo em vista discussões anteriores, a carência de um protocolo padrão que avalie os pacientes bariátricos é notável, devido à diferença nos questionários de consulta e nos critérios de contraindicação. Apesar disso, estudos apresentaram um consenso com relação à necessidade de criação de tal protocolo de conduta profissional na área de saúde mental5,10,19.

É evidente, também, que a uniformidade no processo de cuidado e de acompanhamento desses pacientes podem apresentar efeitos positivos no prognóstico17. Por conta disso, estudos vão propor maneiras de uniformizar esse processo, dando início ao que pode se tornar um protocolo de padrão mundial. Assim, há a indicação de softwares para registrar coleta de dados, a aplicação de questionários, psicoeducação, acompanhamento por tempo determinado pré e pós-cirurgia e atendimento multiprofissional5,19,22.

Importância das avaliações psiquiátricas e psicológicas

Há um consenso de que a avaliação multiprofissional é importante para o acompanhamento dos pacientes bariátricos3,5,21. Por conta da demanda psicológica desses pacientes e da porcentagem de apresentação de transtornos prévios dessa população11-15, tem-se que a avaliação de saúde mental é um elemento fundamental de cuidado. É a partir dela que se pode garantir entendimento mais global da realidade dos pacientes e compreender os fatores psicossociais específicos que influenciam o processo de emagrecimento6,16. Ademais, a atuação do psiquiatra e do psicólogo será importante na psicoeducação dos pacientes, auxiliando o entendimento deles acerca do procedimento a ser realizado5,12,14.

Além disso, é descrito como os diferentes transtornos vão afetar o prognóstico do paciente bariátrico e em como a atuação do psiquiatra e do psicólogo serão essenciais ao longo do processo. Logo, a avaliação pré-cirúrgica desses profissionais é imprescindível para diagnosticar possíveis condições prévias, realizar tratamentos se necessário7, melhorar o prognóstico dessa população1 e determinar a aptidão dos candidatos à cirurgia. É nesse momento que se pode compreender a história do paciente, motivações, angústias, medos, dúvidas e muitos outros fatores que podem ser trabalhados nesse período22.

 

CONCLUSÃO

A abordagem de um paciente candidato à cirurgia bariátrica não deve ser limitada apenas ao procedimento cirúrgico, uma vez que este, sozinho, não contempla todos os cuidados biopsicossociais necessários para o acompanhamento do paciente. Portanto, tendo em vista a alta prevalência de psicopatologias entre candidatos à bariátrica, um tratamento com enfoque multidisciplinar deve ser entendido como parte do sucesso do procedimento no longo prazo, otimizando a perda de peso e prevenindo a recidiva ou o aparecimento de comportamentos prejudiciais à saúde e ao prognóstico cirúrgico. Possivelmente, a criação de uma padronização de abordagem pré e pós-cirúrgica, com um acompanhamento por meio de protocolos e de instrumentos com boas propriedades psicométricas, pode auxiliar a longitudinalidade do cuidado, bem como colaborar para estudos que cheguem a um consenso sobre o manejo e os critérios de contraindicação dos transtornos mentais para a realização do procedimento. Assim, para alcançar um prognóstico cirúrgico positivo, é necessário uniformizar o processo e, dessa forma, viabilizar a padronização da avaliação dos candidatos à cirurgia, o tratamento e a monitorização da saúde mental em longo prazo.

 

CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES

As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:

Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização e Escrita " análise e edição: Mateus Lima Martins, Ana Flávia Conegundes Benício, Letícia Chagas Rocha, Isadora Soares Bicalho Garcia, Letícia Oliveira Monteiro, Marisa de Oliveira Torres Almeida. Administração do Projeto, Supervisão e Escrita: Elaine Leandro Machado.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2021 Lima Martins et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

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