ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Abordagem hospitalar da hemorragia digestiva varicosa em crianças e adolescentes com hipertensão porta
Hospital management of variceal gastrointestinal bleeding in children and adolescents with portal hypertension
Maria Carolina Feres de Lima Rocha Gama1; Eleonora Druve Tavares Fagundes2; Thaís Costa Nascentes Queiroz3; Adriana Teixeira Rodrigues2; Simone Diniz Carvalho3; Liv Maria Caetano Costa1; Gabriel Cavalcante da Silva1; Guilherme Paes Gonçalves Nogueira1; Alexandre Rodrigues Ferreira2
1. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
2. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
3. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil
Eleonora Druve Tavares Fagundes
E-mail: eleonoradruve@uol.com.br
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil.
Resumo
INTRODUÇÃO: A abordagem da hemorragia digestiva alta (HDA) varicosa em crianças e adolescentes tem sido pouco relatada na literatura.
OBJETIVO: descrever a abordagem hospitalar da HDA em crianças e adolescentes com hipertensão porta acompanhados no Serviço de Hepatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG.
MÉTODOS: estudo retrospectivo incluindo crianças e adolescentes com hipertensão porta, cirróticos ou com obstrução extra-hepática de veia porta (OEHVP), que apresentaram HDA no período de 1990 a 2021. Foram colhidos dados clínicos, laboratoriais e de evolução, além da abordagem medicamentosa e endoscópica durante os episódios de HDA.
RESULTADOS: foram incluídos 86 pacientes (58,1% feminino) que apresentaram 174 episódios de HDA. A mediana de idade no primeiro episódio de HDA foi de 5,0 (2,0-9,0) anos. 51,2% dos pacientes tinham OEHVP e 48,8% eram cirróticos. A abordagem endoscópica da HDA foi realizada em 94,8% dos episódios, sendo 81,6% escleroterapia e 13,2% ligadura elástica. Falha no controle de sangramento foi observado em 19% dos episódios e ressangramento foi observado em 5,7% dos casos. Octreotide foi iniciado em 64,9% de todos os episódios e antibioticoprofilaxia em 50,6%. Hemotransfusão foi necessária em 70,1% dos episódios e expansão de volume em 48,3%. A mediana de dias de hospitalização total foi de 5 dias. Houve necessidade de internação em unidade de tratamento intensivo em 23% dos episódios. Não houve óbitos no período de até seis semanas após HDA.
CONCLUSÃO: A abordagem da HDA envolve suporte hemodinâmico com expansão volêmica e hemotransfusão se necessário, procedimentos endoscópicos e manejo medicamentoso como uso de octreotide e antibioticoprofilaxia para prevenção de peritonite bacteriana espontânea. Não houve registro de mortalidade após o sangramento, mas a morbidade devido às hospitalizações deve ser considerada. Mais estudos são necessários para se compreender melhor a abordagem da HDA varicosa na faixa etária pediátrica.
Palavras-chave: Hipertensão porta. Sangramento de varizes. Hemorragia digestiva alta. Tratamento. Cirrose. Crianças.
INTRODUÇÃO
A hemorragia digestiva alta (HDA) secundária a ruptura de varizes de esôfago (VE) é uma das complicações mais temidas nos pacientes com doença hepática crônica 1,2. O primeiro episódio de HDA sinaliza a descompensação da cirrose e uma mudança na história natural da doença, uma vez que está associada a outras complicações como ascite, insuficiência renal e encefalopatia, com consequente aumento nas taxas de morbimortalidade 3. Por outro lado, pacientes com obstrução extrahepática da veia porta (OEHVP), embora apresentem mortalidade mais baixa, evoluem com episódios repetidos de HDA, o que contribui para taxas consideráveis de morbidade.4
Fatores que alteram o curso e sobrevida após episódio de HDA em pacientes cirróticos são uso de octreotide em episódios agudos de sangramento, diretrizes padronizadas na abordagem do sangramento agudo e, obviamente, transplante hepático 5. Com esta finalidade, o consenso Baveno reúne periodicamente, desde 1990, especialistas para a elaboração de diretrizes para manejo da hipertensão porta em adultos com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Apenas em 2005, no Baveno IV, houve uma publicação direcionada para crianças e adolescentes 6. O último encontro, Baveno VII, foi em outubro de 2021 mas não houve recomendações para a faixa etária pediátrica, devido à falta de evidências científicas que suportassem recomendações, como é feito em adultos 7.
Desta forma, a abordagem da HDA varicosa em crianças e adolescentes tem sido extrapolada das condutas em adultos devido à escassez de estudos nesta faixa etária. No entanto, isso pode não ser adequado uma vez que as causas de cirrose em crianças variam com a idade e diferem quando comparadas aos adultos. Em crianças acreditava-se que a mortalidade e morbidade associadas ao evento hemorrágico eram consideravelmente menores que adultos 4. No entanto, novas publicações vêm mostrando que o índice de complicações é relevante. 8,9,10 Por outro lado, até mesmo estudos descritivos da abordagem da HDA na faixa etária pediátrica são raros na literatura.
Por isso, este trabalho tem como objetivo descrever a experiência de 30 anos da abordagem hospitalar da HDA varicosa em crianças e adolescentes com hipertensão porta cirróticos e com OEHVP atendidos no serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
METODOLOGIA
Estudo retrospectivo descritivo de crianças e adolescentes com hipertensão porta que apresentaram pelo menos um episódio de HDA varicosa atendidos no Serviço de Hepatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG.
Foram incluídos crianças e adolescentes com hipertensão porta cirróticos ou com OEHVP que apresentaram pelo menos um episódio de HDA até 18 anos de idade no período de setembro de 1990 até maio de 2021. Foram excluídos os episódios de HDA que não foram bem documentados por terem sido acompanhados fora do Serviço.
Foi considerado episódio de HDA a ocorrência de hematêmese e/ou melena com necessidade de expansão com fluido intravenoso ou transfusão sanguínea, com exame endoscópico confirmando a presença de varizes sem outra causa provável de sangramento. Foram documentados o primeiro episódio de hemorragia de cada paciente e todos os demais episódios desde que preenchessem os critérios acima.
A etiologia da cirrose foi confirmada por investigação clínica, laboratorial, histopatológica e/ou radiológica. O diagnóstico da OEHVP foi feito através de suspeita clínico-laboratorial e confirmada por exame ultrassonográfico.
Foram pesquisados nos prontuários fatores descritivos como sexo, idade ao primeiro episódio de HDA e etiologia da hipertensão porta.
tempo entre início do sangramento e admissão hospitalar;
tempo entre a admissão do paciente e a realização da endoscopia digestiva alta;
achados na EDA: tamanho das VE, presença de varizes gástricas (VG) e de gastropatia da hipertensão porta (GHP), presença de úlcera e erosão. Sangramento ativo de varizes foi definido como saída visível de sangue de uma variz. Estigmas de sangramento recente foram definidos como a presença de coágulo, tampão de fibrina ou mancha vermelho cereja nas varizes;
terapia endoscópica realizada (ligadura de varizes ou escleroterapia),
medicações utilizadas: octreotide (dose máxima utilizada e duração), inibidor de secreção ácida, uso de antibioticoterapia, uso de antibiótico profilático;
necessidade de hemoterapia e expansão de volume;
necessidade de ventilação mecânica,
necessidade de internação em UTI;
tempo total de hospitalização;
óbito ou necessidade de transplante nas primeiras seis semanas após episódio de HDA.
Foram analisados os exames laboratoriais na admissão do episódio de HDA como dosagem de: hemoglobina (Hb), plaquetas, atividade de protrombina, aminotransferases, gamaglutamil transferase (GGT), albumina, bilirrubina total e bilirrubina direta, creatinina.
Algumas definições relacionadas às complicações (desfechos) após o episódio de sangramento foram necessárias tais como:
O tempo zero foi definido como o momento de admissão em pronto atendimento do serviço;
Falha no controle do sangramento foi definida como persistência de sangramento ou necessidade de nova intervenção em até cinco dias após a admissão hospitalar;5
Taxa de ressangramento foi definido como recorrência de melena e/ou hematêmese depois de 5 dias até 6 semanas após o primeiro episódio que resultou em internação hospitalar, com queda de Hb >3mg/dl ou necessidade de transfusão ou óbito; 5
A mortalidade devido à HDA foi definida dentro do prazo de seis semanas do sangramento.5
Desde 2004, no serviço de Hepatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas, há um protocolo de abordagem de crianças e adolescentes com HDA. Desta forma, devido ao longo tempo de estudo, o período antes e depois de 2004 foram comparados em relação às medicações utilizadas (octreotide e antibioticoterapia) e taxas de mortalidade, falha de controle do sangramento e de admissão em unidade de tratamento intensivo (UTI).
Os dados dos pacientes foram coletados em protocolo próprio. O banco de dados desenvolvido foi analisado no programa SPSS®. Foram apresentadas as medidas descritivas, Mediana (Q2), Interquartis (Q1 e Q3), Desvio-padrão (DP), Intervalo de Confiança (IC), além das frequências absoluta (n) e relativa (%) como estatísticas para descrever os resultados das variáveis estudadas. As variáveis contínuas sem distribuição normal foram expressas por meio das medianas e intervalo interquartil 25-75% (IQ25-75%) e comparadas pelo teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis. As variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas por meio de média e desvio padrão e comparadas pelo Teste t de Student para comparar os dois grupos, cirróticos e obstrução extra-hepática da veia porta (OEHVP). A comparação da distribuição de variável dicotômica foi analisada por meio do teste de qui-quadrado, com correção de Yates, ou do teste exato de Fisher, bicaudal, se necessário.
Este projeto foi aprovado no COEP/UFMG (CAAE:60087316.2.0000.5149). Foi aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os pais ou responsáveis e o termo de assentimento às crianças e adolescentes.
Foram incluídos 86 pacientes com hipertensão porta que apresentaram pelo menos um episódio de HDA, sendo 51,2% com OEHVP e 48,8% cirróticos. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (58,1%); a mediana (Q1-Q3) de idade dos pacientes no primeiro episódio de HDA foi 5,0 (2,0-9,0) anos. Não houve diferença estatística de sexo (p=0,117) e idade (p=0,922) entre o grupo cirrose e OEHVP.
Entre os cirróticos, a causa mais prevalente foi a atresia de vias biliares (47,6%), seguida por colangite esclerosante primária (11,9%), deficiência de alfa- 1-antitripsina (9,5%), cirrose criptogênica (9,5%), hepatite autoimune (7,1%), cisto de colédoco (4,8%), síndrome de Budd Chiari (4,8%) e doença de Caroli (4,8%).
Um total de 174 episódios de sangramento foram documentados, com mediana (Q1-Q3) de 2,0 (1,0-3,0) episódios por paciente.
Os achados laboratoriais, endoscópicos, o tempo de admissão hospitalar e o tempo até a realização de endoscopia digestiva após o início do sangramento estão descritos na tabela 1. A admissão hospitalar ocorreu em 73% dos pacientes com menos de 24 horas a partir do início da HDA; 5,2% dos episódios ocorreram durante internação por outras causas. A EDA foi realizada em menos de 24 horas da admissão em 46,5% dos episódios. VE de médio ou grosso calibre foram evidenciadas em 54% dos pacientes. Foi identificado sangramento ativo em 36,2% dos episódios. As enzimas hepáticas (ALT, AST e GGT), assim como bilirrubinas e albumina foram, como esperado, estatisticamente mais alteradas entre os pacientes cirróticos.
Abordagem endoscópica
A maioria dos pacientes apresentou o primeiro episódio de HDA antes da instituição da profilaxia primária endoscópica que foi realizada em apenas nove cirróticos (21,4%) e em cinco pacientes com OEHVP (11,4%). Por outro lado, a abordagem endoscópica da HDA foi realizada em 94,8% dos episódios, sendo 81,6% escleroterapia e 13,2% ligadura elástica.
Abordagem medicamentosa
Infusão de octreotide após admissão hospitalar foi iniciada em 64,9% de todos os episódios de HDA, sendo a dose mediana máxima (Q1-Q3) de 1,0 mcg/kg/hora (1,0-1,0) e mediana (Q1-Q3) de duração de 3,0 (2,0-4,0) dias, sem diferença estatística entre os grupos de pacientes cirróticos e com OEHVP.
Inibidor de secreção gástrica foi utilizado em 83,3% de todos os episódios de sangramento, sem diferença estatística entre os grupos (p=0,134).
Antibioticoprofilaxia para peritonite bacteriana espontânea (PBE) foi prescrita em 50,6% episódios de sangramento a admissão hospitalar, sendo mais utilizado em pacientes com cirrose do que nos pacientes com OEHVP (63,8% x 35% respectivamente; p<0,001). Os antibióticos mais utilizados foram as cefalosporinas de terceira geração, em 80% dos episódios, seguidos pela cefalosporina de quarta geração, utilizada em 10,6%.
Hemotransfusão foi necessária em 70,1% dos episódios, 69,1% nos episódios dos pacientes cirróticos e 71,3% nos pacientes com OEHVP (p=0,763). Houve necessidade de expansão de volume em 48,3% de todos os episódios de sangramento, sem diferença estatística entre os grupos.
Evolução
A mediana de dias de hospitalização total foi de 5,0 dias (3,0-12) no grupo geral, sendo 6,5 dias (Q1-Q3 3-14) em pacientes cirróticos e 5 dias (Q1-Q3 3-9) nos pacientes com OEHVP (p=0,25). Houve necessidade de internação na UTI em 23% dos episódios, com mediana de 5,0 (Q1-Q3 3,0-6,0) dias, sem diferença entre os dois grupos. A administração suplementar de oxigênio foi requerida em 23,5% dos episódios, sendo 12,6% por ventilação mecânica e 10,9% por cateter nasal ou máscara, sem diferença entre os grupos (tabela 2).
Falha no controle de sangramento foi observado em 19% dos episódios e ressangramento foi observado em 5,7% dos casos, sem diferença entre os grupos cirrótico e OEHVP.
O período estudado neste trabalho foi longo, 1990 a 2021, com instituição de protocolo de abordagem em 2004, sendo este o marco divisor de dois períodos. Houve 30 episódios de HDA entre 1990 e 2004 e 144 após esse período. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os desfechos entre os dois períodos: uso de antibioticoprofilaxia (33,3% X 53,5% - p=0,068), falha no controle do sangramento (11,1% X 23,1% -p=0,42) e necessidade de internação em UTI (26,7% X 22,2% -p= 0,6). Apenas o uso de octreotide foi menor no primeiro período (40% X 70% - p=0,002).
Não houve óbitos no período de até seis semanas após HDA. Foi observado necessidade de transplante hepático em 42,8% pacientes cirróticos ao longo da evolução da doença de base, sendo a maioria com atresia de vias biliares (55,5%).
O consenso Baveno sintetiza as melhores evidências para abordagem da hipertensão porta e traça orientações para a abordagem da HDA em adultos 6. Estudos sobre a abordagem da HDA na faixa etária pediátrica são escassos. Não há estudos bem conduzidos, randomizados controlados sobre uso de octreotide ou antibioticoprofilaxia no sangramento agudo nem estudos descritivos sobre a abordagem da HDA nesta faixa etária. Por isso, a conduta em crianças tem sido extrapolada dos trabalhos em adultos7.
Pouco mais que metade dos pacientes com HDA no nosso serviço é representada pela OEHVP (51,2%), sendo 48,8% cirróticos, entre os quais, a atresia biliar segue como a principal causa. É importante já destacar a diferença com estudos de adultos, onde há predomínio dos cirróticos, frequentemente com disfunção hepática, o que pode explicar parcialmente a diferença de morbimortalidade entre as faixas etárias. Os exames laboratoriais à admissão demonstram, como esperado, esse fato: níveis de albumina e bilirrubinas, além de enzimas hepáticas, mais alterados entre os cirróticos. Por isso, a separação entre os pacientes com hipertensão porta cirrótica e não cirrótica é necessária, o que foi feito neste estudo.
A maioria dos pacientes apresentou o primeiro episódio de HDA antes da instituição da profilaxia primária, uma vez que não é incomum a HDA ser a manifestação inicial da hipertensão porta, especialmente entre os pacientes com OEHVP. Importante ressaltar que a idade dos pacientes no primeiro episódio de HDA foi precoce, de apenas 5 anos. Por outro lado, a profilaxia primária ainda não é consenso no paciente pediátrico cirrótico e na OEHVP devido à falta de estudos prospectivos avaliando sua eficácia. Desta forma, no consenso Baveno VII não há recomendações para esta faixa etária6. No Serviço de Hepatologia do Hospital das Clínicas da UFMG, a profilaxia primária é indicada para as crianças sem história anterior de HDA com varizes com alto risco de sangramento, ou seja, varizes esofágicas com médio ou grosso calibre e/ou com manchas vermelhas11.
A admissão hospitalar ocorreu em 73% dos pacientes com menos de 24 horas a partir do início da HDA, sendo significativa a admissão com mais de 24 horas (27%), provavelmente devido ao fato de grande parte da nossa casuística ser proveniente de interior de Minas Gerais. Por outro lado, a EDA foi realizada em menos de 24 horas da admissão em apenas 46,5% dos episódios. Quando há estabilidade hemodinâmica, a EDA acaba sendo postergada para que seja realizada pela equipe de endoscopia pediátrica. Tal atraso não mostrou impacto na mortalidade.
Varizes de esôfago foram o sítio de hemorragia em 64,9% dos episódios; varizes gástricas em 27%; estas últimas são sabidamente menos frequentes, mas podem estar associadas a quadros mais graves.7 A abordagem endoscópica da HDA foi realizada em 94,8% dos episódios, sendo 81,6% escleroterapia e13,2% ligadura elástica. É importante ressaltar que a escleroterapia foi mais usada principalmente nos pacientes de menor idade por dificuldades técnicas da ligadura como verificado em outro estudo do serviço 12.
A infusão de octreotide foi iniciada em apenas 64,9% de todos os episódios de HDA e antibioticoprofilaxia para PBE foi prescrita em 50,6% episódios de sangramento. Este percentual abaixo do esperado pode ser explicado pelo longo período do estudo iniciado em 1990 e com protocolo instituído após em 2004. A antibioticoprofilaxia foi mais prescrita no cirrótico devido a sua indicação para a prevenção de peritonite bacteriana espontânea, complicação frequente após a HDA. A antibioticoprofilaxia no cirrótico é feita durante 5 a 7 dias enquanto na OEHVP, apenas uma dose antes da endoscopia.
Estudos recentes observaram taxa de mortalidade variando de 8 a 8,5% entre cirróticos 8,9,10. A mortalidade relacionada a HDA no nosso serviço foi zero de forma semelhante ao observado nos estudos de Luoto et al 13 e Bass et al 14 mas inferiores aos relatados por Duche et al10 (8,5% entre os cirróticos e 2% entre não cirróticos) e Molleston and Bennett (8,8%) 9. A mortalidade medida neste estudo foi em 6 semanas da HDA conforme recomenda o consenso Baveno.5
Por outro lado, os episódios de HDA e suas complicações foram responsáveis por hospitalização significativa, com mediana de 5 dias de hospitalização por episódio no grupo geral, sendo maior em pacientes cirróticos. Houve necessidade de internação na UTI em 23% dos episódios; 12,6% dos episódios com necessidade de ventilação mecânica, realçando os custos envolvidos para o sistema de saúde. Essas taxas foram semelhantes ao estudo de Moura et al 8. e mais baixas que o estudo de Molleston and Bennett 9 (Tabela 3). Importante ressaltar que as realidades de acesso a UTI são marcadamente diferentes nos EUA em relação ao Brasil. Por outro lado, o estudo de Molleston and Bennett 9 envolveu a análise de banco de dados de 50 hospitais terciários pediátricos dos EUA com número expressivo de casos (1902 pacientes com pelo menos um episódio de HDA varicosa, totalizando 3.399 episódios de HDA).
Este trabalho, embora retrospectivo, é o reflexo de três décadas de acompanhamento, com número expressivo de pacientes e de eventos hemorrágicos, considerando-se os trabalhos existentes na literatura. O período estudado neste trabalho foi longo, 1990 a 2021. Houve 30 episódios de HDA entre 1990 e 2004 e 144 após esse período. O aumento dos episódios hemorrágicos no segundo período se deve ao fato do serviço ter se tornado referência em Hepatologia em nosso estado. Mantivemos os casos do primeiro período uma vez que estavam bem documentados. É importante ressaltar que não houve diferença com significância estatística entre os dois períodos em relação às complicações; apenas o uso de octreotide foi menor no primeiro período (p=0,002). Desde 2004, no serviço de Hepatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas, há um protocolo de abordagem de crianças e adolescentes com HDA (Figura 1), quando o octreotide foi padronizado no serviço. Os dados demonstram que o serviço acumula grande experiência na abordagem da HDA varicosa entre crianças e adolescentes desde 1990 e o protocolo de 2004 consolidou as medidas já instituídas, reforçando o uso do octreotide. Ainda é importante ressaltar que a mortalidade nas seis semanas da HDA foi zero nos dois períodos.
Embora com as limitações de um estudo retrospectivo, este estudo relata a experiência de número expressivo de pacientes pediátricos e de episódios de HDA, o que é relevante tendo em vista a escassez de estudos na faixa etária. Mais estudos são necessários para se compreender melhor a abordagem da HDA varicosa na faixa etária pediátrica.
CONCLUSÃO
A HDA é uma emergência médica que deve envolver suporte hemodinâmico, procedimentos endoscópicos e manejo medicamentoso adequado; protocolos de manejo são desejáveis.
O estudo descreve a experiência de 30 anos na abordagem da HDA entre crianças e adolescentes com HP. Não houve registro de mortalidade até seis semanas após o sangramento, mas a morbidade devido às hospitalizações deve ser considerada. Mais estudos são necessários para se compreender melhor a abordagem da HDA varicosa na faixa etária pediátrica incluindo a avaliação da profilaxia primária nestes pacientes.
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