RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 34 S18-S24 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024v34s104

Voltar ao Sumário

Artigo de Revisão

Polissonografia pediátrica: Indicações e como interpretar o laudo

Pediatric polysonography: Indications and how to interpret the report

Ana Elisa Ribeiro Fernandes1; Victor Domingues Pereira2; Vinícius Zuin de Abreu2; Simone Chaves Fagondes3

1. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil
2. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil
3. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Brasil

Endereço para correspondência

Ana Elisa Ribeiro Fernandes
anaelisarf@hotmail.com

Resumo

INTRODUÇÃO: Os distúrbios do sono são muito prevalentes na infância e podem trazer graves prejuízos para a saúde física, emocional, para o desenvolvimento e para o bem-estar da criança e sua família. A polissonografia (PSG) é o principal exame da Medicina do Sono e é o padrão ouro para o diagnóstico de algumas doenças. A Academia Americana de Medicina do Sono (AASM), a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Academia Americana de Otorrinolaringologia elaboraram documentos com indicações para a realização de PSG. A PSG é um procedimento não invasivo e não doloroso, porém pode ser assustadora para a criança e a família e, por isso, a correta orientação sobre o exame é fundamental. Esse exame registra simultaneamente vários parâmetros neurológicos, cardiorrespiratórios e de movimento durante o sono e fornece informações muito importantes para o profissional de saúde.
OBJETIVO: Apresentar síntese atualizada do conhecimento disponível sobre a PSG, suas indicações na faixa etária pediátrica e explicar os principais achados do laudo.
METODOLOGIA E RESULTADOS: Diante das dúvidas práticas que surgem a respeito do exame foram elaboradas seis perguntas e as respostas, as quais foram compiladas de acordo com a experiência e registros na literatura.
CONCLUSÃO: o pediatra deve saber as indicações e orientações sobre a realização do exame, encaminhando para o especialista quando necessário.

Palavras-chave: Polissonografia. Medicina do Sono. Pediatria.

 

I - INTRODUÇÃO

Em 2011, a Associação Médica Brasileira reconheceu a Medicina do Sono como área de atuação tendo como pré-requisito residência médica em Clínica Médica, Neurologia, Otorrinolaringologia, Pediatria, Pneumologia ou Psiquiatria.

Os distúrbios do sono são muito prevalentes na infância e podem trazer graves prejuízos para a saúde física, emocional, para o desenvolvimento e para o bem-estar da criança e sua família. O diagnóstico desses distúrbios se baseia na anamnese detalhada, no exame físico e em exames complementares, sendo a polissonografia a principal ferramenta diagnóstica. Em adultos, alguns casos o diagnóstico polissonográfico pode ser simplificado através de exames domiciliares. Porém, na pediatria ainda é exigido o exame completo devido à complexidade e aos desafios clínicos desses pacientes. A polissonografia permite monitorar vários parâmetros durante o sono, como atividade cerebral cortical, padrões respiratórios, atividade muscular, comportamento, oxigenação e ventilação. É indicada para diagnóstico, definição de gravidade, escolha e acompanhamento de tratamento.

O objetivo desta revisão é fornecer informações relevantes e objetivas sobre esse teste diagnóstico padrão ouro na medicina do sono pediátrica, discutindo suas indicações, os tipos de polissonografia, os sensores recomendados e os principais achados descritos no resultado.

 

II – PERGUNTAS E RESPOSTAS

A seguir, são apresentados as perguntas e respostas de forma prática como forma de ajudar ao pediatra a entender melhor o tema.

1 – QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DISTÚRBIOS DO SONO E AS INDICAÇÕES DE POLISSONOGRAFIA?

A Classificação Internacional de Doenças do Sono 3ª edição revisada (ISCD – 3 – TR), publicada em 2023, descreve 67 distúrbios do sono e variações da normalidade em 7 grandes capítulos: insônia, distúrbios respiratórios relacionados ao sono, hipersonolência central, distúrbios do ritmo circadiano sono-vigília, parassonias, distúrbios do movimento relacionados ao sono e outros distúrbios do sono.1

• Insônia é definida como dificuldade de iniciar ou manter o sono, despertar precoce, resistência em ir para cama ou incapacidade de adormecer sem ajuda do cuidador.1

• Distúrbios Respiratórios Relacionados ao Sono são divididos em apneia obstrutiva do sono (AOS), apneia central, hipoventilação, hipoxemia, ronco e catatrenia.1

• Distúrbios da Hipersonolência central incluem um grupo de doenças nas quais a principal queixa é sonolência excessiva diurna, com períodos de sono incontroláveis durante o dia. Crianças com hipersonolência podem apresentar desatenção, labilidade emocional, hiperatividade ou baixo desempenho escolar.1

• Distúrbios do Ritmo Circadiano Sono-Vigília são divididos em Distúrbio do atraso de fase, do avanço de fase, do ritmo irregular, do ritmo não 24 horas, do trabalho de turno e de Jet Lag.1

• Parassonias são classificadas de acordo com o estágio do sono no qual elas acontecem. As relacionadas ao NREM incluem os Distúrbios de Despertar (despertar confusional, sonambulismo, terror noturno, distúrbio alimentar relacionado ao sono), as relacionadas ao REM (Distúrbio Comportamental do Sono REM, a Paralisia do Sono Recorrente e o Distúrbio do Pesadelo) e as outras parassonias (síndrome da cabeça explosiva, alucinações relacionadas ao sono, disfunções urológicas relacionadas ao sono) que podem acontecer em qualquer momento do sono.1

• Distúrbios do Movimento Relacionados ao Sono incluem a Síndrome das Pernas Inquietas, o Distúrbio de Movimento Periódico de Pernas (PLMD), câimbras noturnas, bruxismo, distúrbio do movimento rítmico, mioclonia benigna da infância, mioclonia proprioespinhal.1

As indicações da PSG para o diagnóstico dessas doenças foram descritas por uma força tarefa da Academia Americana de Medicina do Sono (AASM) em 2011 e 2012.2,3

• Insônia: a PSG não é o primeiro exame para o diagnóstico, sendo indicada apenas quando se suspeita que outros distúrbios do sono possam estar associados.2

• Distúrbios Respiratórios Relacionados ao Sono são os principais motivos para se solicitar o exame. PSG é o padrão ouro para o diagnóstico de AOS. Anamnese, exame físico, gravações audiovisuais e questionários têm baixa sensibilidade e especificidade para distinguir o ronco primário da AOS. A PSG permite classificar a gravidade da AOS, identificar os pacientes com maior risco de complicações cirúrgicas quando esse tratamento é indicado e definir a necessidade de PSG pós-operatório de controle. A PSG também é indicada ao se iniciar o tratamento com pressão positiva em vias aéreas e no acompanhamento desse tratamento para titular a pressão necessária para eliminar os eventos respiratórios. Recomenda-se que crianças traqueostomizadas façam PSG com a cânula fechada durante o processo de avaliação de decanulação.3 Além disso, a PSG é indicada em alguns casos de Apneia Central do Sono, de Hipoventilação e quando há suspeita de obstrução de vias aéreas em casos de BRUE (Evento Inexplicado Resolvido Brevemente), ALTE (Evento aparente com risco de vida) ou risco de Síndrome da Morte Súbita do Lactente.3

• Hipersonolência Central: a PSG está indicada associada ao Teste de Múltiplas Latências do Sono, que é um teste objetivo de medida de sonolência diurna, realizado durante o dia, após uma noite de PSG.2

• Distúrbios do Ritmo Circadiano Sono-Vigília: os artigos publicados foram insuficientes para definir a utilidade da PSG.2

• Parassonias: a PSG deve ser solicitada se a evolução é atípica (início dos episódios ou recorrência na idade adulta), frequente (mais de 2 a 3 vezes por semana), com movimentos estereotipados ou potencialmente lesivos, na suspeita de outro distúrbio do sono desencadeante (AOS, Distúrbio de PLMD), ou quando há suspeita de convulsões com EEG inconclusivo.2

• Distúrbios do Movimento Relacionados ao Sono: o diagnóstico de PLMD é polissonográfico. Na Síndrome das Pernas Inquietas e no Bruxismo solicita-se a PSG quando se suspeita de outro distúrbio do sono associado.2

Além das indicações da AASM, a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Academia Americana de Otorrinolaringologia também apresentam indicações relacionadas a AOS para se solicitar a PSG. A AAP recomenda que todas as crianças que roncam e apresentam sinais e/ ou sintomas sugestivos de AOS façam a PSG antes da adenotonsilectomia. Já a Academia Americana de Otorrinolaringologia orienta a PSG préoperatória apenas em crianças e adolescentes com obesidade, síndrome de Down, anormalidades craniofaciais, doenças neuromusculares, doença falciforme, menores de 2 anos ou quando há discrepância entre o tamanho da amígdala e a gravidade dos sintomas relatados.4

2 - QUAIS OS PARÂMETROS SÃO MONITORADOS NA POLISSONOGRAFIA?

A Polissonografia ou exame do sono (do grego polis = «muitos»; somnus = «sono»; e graphos = «escrita») registra simultaneamente vários parâmetros fisiológicos, que podem ser divididos em neurológicos, cardiorrespiratórios e de movimento (Tabela 1).5

 

 

• EEG utiliza 6 canais (frontais, centrais, occipitais direitos e esquerdos referenciados com o mastoide contralateral) e permite marcar a vigília, os estágios do sono (N1, N2, N3 e REM) e despertares que são aumentos abruptos na frequência (frequência de vigília), com duração de 3 a 15 segundos. Montagens com mais canais de EEG podem ser empregadas quando se suspeita de convulsões relacionadas ao sono.5

• EOG bilateral auxilia no estagiamento pois movimentos lentos dos olhos acontecem no início do sono e o movimento rápido dos olhos é o responsável por dar o nome ao estágio REM (rapid eyes movement).5

• EMG do queixo avalia o tônus e atividade muscular, que diminuem gradativamente à medida que o ciclo do sono avança (N1 - N2 - N3) e atinge atonia muscular no estágio REM. Também ajuda na identificação de despertares e bruxismo.5

• Sensor térmico de fluxo oronasal (Figura 1) detecta alterações na temperatura do ar frio inalado e do ar quente exalado pela boca e narinas. É o sensor recomendado para detectar apneias, pois o sinal não reduz de forma proporcional a redução do fluxo.5

 


Figura 1 - Sensor térmico de fluxo oronasal

 

• Sensor de pressão nasal (Figura 2) mede o fluxo de ar através do nariz por uma cânula. É sensível a mudanças sutis e por isso é recomendado para a identificação de hipopneias. A cânula nasal é o sensor que as crianças têm mais dificuldade em aceitar e pode apresentar artefatos quando retirada por elas durante o exame. Obstrução nasal e respiração oral também podem impactar a qualidade do sinal.5 Sensores térmico de fluxo oro nasal e de pressão nasal fornecem informações complementares e servem de reserva quando um ou outro falha.5

 


Figura 2 - Sensor de pressão nasal

 

• Cintas torácica e abdominal mostram o movimento respiratório. Permitem identificar respiração paradoxal que indica obstrução e respiração periódica (3 ou mais episódios de pausas centrais com mais de 3 segundos de duração, separadas por até 20 segundos de respiração normal, comum em menores de 3 meses de idade, e que ocupa até 5% do tempo total de sono).5 As cintas também classificam as apneias em obstrutiva, central ou mista.5

• Oximetria de pulso (SpO2) é monitorada com tempos de amostragem curtos (=3 segundos em frequências cardíacas = 80 batimentos por minuto) para evitar a perda de dessaturações breves.5

• Dióxido de carbono (CO2) é uma medida recomendada em crianças e adolescentes, diferente de adultos. Hipoventilação (PaCO2 > 50 mm Hg em mais de 25% do tempo total de sono) acompanhada de sinais de obstrução como ronco, achatamento da onda de pressão inspiratória nasal e/ou movimento paradoxal tóraco-abdominal é um dos critérios diagnósticos de AOS pediátrica. O CO2 pode ser medido exalado ou transcutâneo. A capnografia (exalado) registra o sinal de fluxo e o CO2 no final da expiração e pode não ser confiável na presença de respiração oral, obstrução nasal, taquipneia, doença pulmonar obstrutiva, uso de oxigenioterapia, pressão positiva, em neonatos e lactentes. Já os métodos transcutâneos se correlacionam fortemente com a pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2).5

• Ronco é registrado através de um microfone posicionado na região cervical.5 (Figura 3)

 


Figura 3 - Apneias obstrutivas (amarelo) e registro de ronco (verde) marcadas numa tela de 120 segundos da polissonografia

 

• Posição corporal: mais da metade dos adultos com AOS apresentam piora em decúbito dorsal. Isso é menos frequente em crianças e tende a aumentar com o aumento da idade e do índice de massa corporal.1

• ECG na derivação II modificada que identifica a frequência cardíaca e a presença de arritimias.5

• EMG de superfície dos músculos tibial anterior direito e esquerdo permite identificar movimentos relacionados ao sono como o movimento periódico de pernas (PLM), quando 4 ou mais contrações ocorrem de forma periódica (Figura 4).5

 


Figura 4 - Movimento periódico de pernas marcado numa tela de 120 segundos da polissonografia

 

• Vídeo e áudio identificam artefatos, movimentos, despertares, parassonias e sons respiratórios anormais durante o sono.5

A AASM revisa e atualiza anualmente as regras para o estagiamento do sono e eventos associados, a fim de padronizar a PSG em todo o mundo e permitir que os estudos sejam comparáveis.5

3 – QUAIS OS TIPOS DE POLISSONOGRAFIA?

A fim de padronizar os exames para o diagnóstico de AOS, a AASM classificou as PSG em quatro tipos (Tabela 2) baseados nos sinais fisiológicos gravados e na presença ou não de um técnico do sono acompanhando o exame.6

 

 

• PSG tipo 1 é realizada em laboratório do sono e acompanhada por um técnico que identifica os sinais inadequados e os corrige sempre que necessário. Registra pelo menos oito canais, incluindo EEG, EOG, EMG de queixo, ECG, fluxo aéreo, esforço respiratório, SpO2 e posição.6

• PSG tipo 2 monitora pelo menos sete canais, incluindo EEG, EOG, EMG de queixo, ECG ou frequência cardíaca, fluxo aéreo, esforço respiratório e SpO2 e não há um técnico presente acompanhando o exame.6

• PSG tipo 3 registra pelo menos quatro canais cardiorrespiratórios incluindo cintas torácicas e abdominal ou 1 cinta e medida de fluxo aéreo, oximetria, ECG ou frequência cardíaca.6

• PSG tipo 4 registra apenas oximetria de pulso.6

• Titulação de pressão positiva deve ser solicitada para pacientes com indicação de tratamento com pressão positiva contínua (CPAP) ou com dois níveis (BiPAP) para manter a patência das vias aéreas superiores. A pressão de CPAP para pacientes menores de 12 anos pode variar de 4 a 15 cm H2O e naqueles com 12 anos ou mais de 4 a 20 cm H2O. Nos casos de BiPAP a pressão positiva inspiratória pode variar de 8 a 20 cm H2O nos menores de 12 anos e nos ≥ 12 anos pode chegar a 30 cm H2O. O diferencial entre as pressões positivas inspiratória e expiratória deve ser de no mínimo de 4 cm H2O e no máximo de 10 cm H2O.7

• Split Nigth realiza uma PSG basal e uma titulação de pressão positiva na mesma noite e permite combinar um estudo diagnóstico e um estudo de tratamento. A desvantagem é que pode não haver tempo de exame suficiente para se atingir a pressão adequada para o tratamento. Importante salientar que não há dados suficientes na literatura para se indicar esse exame em menores de 12 anos.7

Em 2017, a AASM publicou um artigo recomendado apenas a PSG tipo 1 para crianças e adolescentes menores de 18 anos. Exames domiciliares nessa faixa etária não são recomendados por falta de evidências. Oximetria (PSG tipo 4) sozinha associada a escores clínicos diagnostica apenas metade das crianças com AOS. Porém, a AASM afirma que o julgamento final é do médico do paciente que é capaz de levar em conta as circunstâncias individuais, a disponibilidade do exame no local, as opções de tratamento e recursos acessíveis.8

4 - COMO PREPARAR A CRIANÇA PARA O EXAME?

A PSG é um procedimento não invasivo e não doloroso, mas pode assustar a criança e a família por ter muitos sensores. Quando solicitada, o médico deve descrevê-la e explicar a necessidade do exame com termos apropriados para a família e para a criança quando for possível. Essa medida simples diminui a ansiedade e aumenta a cooperação. Uma visita prévia ao laboratório do sono é desejável. Contar histórias em casa, semanas antes, simulando o exame com os brinquedos e com a criança ajudam na dessensibilização (Figura 5). Levar itens pessoais na noite do exame, como bichos de pelúcia e travesseiro, também ajuda a diminuir a ansiedade.9

 


Figura 5 - Dessensibilização da criança para a polissonografia

 

A criança deve realizar o exame em suas condições basais sem presença de infecções agudas. Indutores do sono para facilitar o exame não estão recomendados e o médico da criança deve decidir se mantém os medicamentos de uso habitual, já que corticoides, anti-histamínicos, estimulantes, antidepressivos podem alterar a arquitetura do sono.10

5 - COMO O EXAME É REALIZADO E LIDO?

Na medida do possível, o laboratório deve seguir o horário padrão de sono da criança.9 Os sensores devem ser colocados idealmente com a criança acordada. Inicia-se a gravação do exame e faz-se a calibração para garantir que todos os sinais estejam adequados. O exame é assistido durante toda a noite por um técnico especializado que a qualquer momento pode entrar no quarto para garantir uma boa coleta dos dados.5Após gravado, será feita a leitura do exame. Inicialmente, divide-se em telas de 30 segundos que são estagiadas em vigília e sono (estágios N1, N2, N3 e REM) e marcados os despertares.5

Em seguida, divide-se em telas de 120 segundos, marca-se e classifica-se os eventos respiratórios. Apneia em criança é definida como uma diminuição de 90% ou mais na curva de fluxo inspiratório por duas ou mais respirações.5 Pode ser classificada em obstrutiva quando há persistência do movimento toraco-abdominal (Figura 3), em central quando há ausência de fluxo aéreo oro nasal e de esforço respiratório por 20 segundos ou mais, ou menos de 20 segundos associada a despertar, queda de SpO2 ≥ 3% e/ou bradicardia (Figura 6) e em apneia mista quando há ausência de esforço respiratório em uma parte do evento e presença em outra.5 Hipopneia (Figura 6) é marcada quando há uma redução de 30% ou mais na curva de fluxo acompanhada por dessaturação de oxigênio ≥ 3% e/ou um despertar.5 As dessaturações de oxigênio e hipercapnia são marcadas automaticamente pelo sistema, e o leitor deve excluir os artefatos. Observa-se se há aumento do esforço respiratório nas cintas torácica e abdominal e se há presença de ronco.5

 


Figura 6 - Apneia central (rosa) e hipopneias (azul) marcadas numa tela de 120 segundos da polissonografia

 

Marca-se os movimentos periódicos de pernas. Analisa-se se há alterações no ECG e movimentos anormais no vídeo.5 Após a marcação dos eventos, o programa tabula, gera índices (eventos/hora), resume os dados registrados e fornece o hipnograma.5 (Figura 7)

 


Figura 7 - Hipnograma

 

6 – COMO INTERPRETAR OS RESULTADOS DA POLISSONOGRAFIA?

O ideal é que se tenha pelo menos 6 horas de registro de sono.5

O termo eficiência do sono indica o percentual de sono no período registrado. O ideal é que esteja acima de 85%. Ele é influenciado pelo tempo que o paciente levou para adormecer (latência do sono), pelo tempo que ficou acordado após início do sono caso tenha despertado no meio da noite (WASO) e pelo despertar precoce.5

A latência para sono REM é definida como o tempo do início do sono até o primeiro estágio REM e deve ser avaliada.5 Quando menor que 15 minutos pode ser utilizada, junto com outros critérios, para o diagnóstico de narcolepsia. Deve-se observar que lactentes até 3 meses iniciam normalmente o sono pelo estágio REM.1

Despertares corticais em crianças são mais raros. Despertares autonômicos, caracterizados por movimento corporal, taquicardia, aumento de tempo de trânsito de pulso são mais comuns. Índice de despertar >11/h e despertares respiratórios > 1/h são provavelmente anormais. Também é importante observar o que causou os despertares.5

6.1 Arquitetura do sono:

A arquitetura do sono é afetada pelo efeito da primeira noite tanto em crianças quanto em adultos. O efeito da primeira noite aumenta o tempo em decúbito dorsal, o tempo acordado após o início do sono (WASO) e o estágio N1 e diminui os estágios N3 e REM. Se a PSG for feita para estudar arquitetura do sono, uma noite apenas não é confiável e pode ser necessária uma noite de adaptação.11O percentual em cada estágio do sono deve ser avaliado levando em conta a idade da criança. Ao nascer, o estágio REM ocupa 50% do sono, reduzindo para cerca de 25% na adolescência. Já o estágio N3 apresenta redução progressiva ao longo de toda a vida (Figura 8). Além disso, é importante observar se o horário habitual de sono da criança foi respeitado. Se o exame foi iniciado mais tarde com a criança já dormindo, pode haver redução do estágio N3 que está mais concentrado na primeira metade da noite. Por outro lado, se finalizado mais cedo pode haver redução de estágio REM, que ocorre mais no final da noite.12

 


Figura 8 - Tempo (em minutos) em cada estágio do sono (N1, N2, N3 e REM), tempo acordado após início do sono (WASO) e latência do sono (LS) relacionado à idade (eixo x).
Fonte: Ohayon MM, Carskadon MA, Guilleminault C, Vitiello MV. Meta-analysis of quantitative sleep parameter fro childhood to old age in healthy individuals: developing normative sleep values across the human lifesppan. 2004 Nov 1;27(7):1255-73. doi: 10.1093/sleep/27.7.1255. PMID: 15586779.

 

6.2 Eventos respiratórios

Uma noite costuma ser suficiente para confirmar o diagnóstico de AOS em crianças, pois o efeito da primeira noite não é importante nos parâmetros respiratórios.13O índice de apneia/ hipopneia (IAH) é o mais utilizado para definir a gravidade da AOS: leve 1-4,9 eventos/h, moderada 5–10 eventos/h, e grave >10 eventos/h de sono.14 Porém, ao interpretar a PSG, deve-se associar outros parâmetros, como o tempo de sono com SpO2 < 90%, a média e o nadir da SpO2 e o índice de dessaturação de oxigênio ≥ 3% (IDO). Em crianças de 6 meses a 12 anos, um IDO <7/h foi considerado normal.15

Em adultos, índice de apneia central (IAC) acima de 5/h ou superior aos eventos obstrutivos deve ser considerado alterado e é acrescido ao índice de eventos obstrutivos, mistos e hipopneias para se definir a gravidade da AOS. Na pediatria, esse índice deve ser contabilizado de forma independente dos eventos obstrutivos e não é estabelecido um valor de normalidade. Também é importante não super interpretá-lo pois pausas centrais curtas, especialmente pós-suspiro, pós-movimento, ou pós-despertar são mais comuns na infância.1 Além disso, crianças com AOS podem ter aumento de eventos centrais.14 Por fim, deve-se avaliar se os eventos respiratórios estão mais associados a despertares que podem levar a sintomas como sonolência diurna; se estão mais associados a dessaturação sugerindo dificuldade em despertar; se são muito prolongados (acima de 20 segundos); se pioram em decúbito dorsal; se há presença de manobras de proteção de vias aéreas (respiração oral, hiperextensão do pescoço); se há sinais de limitação de fluxo como ronco e respiração ruidosa e se há bradicardia ou taquicardia associadas.14

6.3 Movimento Periódico de Pernas

O PLM pode causar despertares e alterações na arquitetura do sono. Podem também estar relacionados a eventos respiratórios e a parassonias.1 Uma variabilidade significativa de uma noite para outra foi observada em crianças. Assim, pode ser necessário mais de uma noite de exame para o diagnóstico. Valores acima de >5/h em crianças são considerados anormais.16

 

III - CONCLUSÃO

Problemas de sono são frequentes na infância. Algumas doenças necessitam da PSG para serem diagnosticadas. Infelizmente, ainda há poucos laboratórios do sono pediátricos disponíveis em nosso meio e essa escassez ainda é maior na rede pública. Com isso, muitos distúrbios do sono não são diagnosticados e consequentemente não tratados. Isso impacta nas funções diárias da criança, da família e pode trazer consequências sérias a longo prazo. Conhecer as indicações da PSG, saber orientar sua realização, interpretar os resultados e saber quando encaminhar para o especialista é fundamental. Além disso, é uma forma de mostrar aos gestores da saúde a importância de se incluir a abordagem ao sono desde a infância como forma de prevenção de doenças e como forma de garantir uma boa saúde física, emocional e um bom desenvolvimento da criança.

 

REFERÊNCIAS

1. American Academy of Sleep Medicine, International classification of sleep disorders, 3rd ed, text revision. Darien, IL: American Academy of Sleep Medicine, 2023.

2. Aurora RN, Lamm CI, Zak RS, Kristo DA, Bista SR, Rowley JA, et al. Practice parameters for the non-respiratory indications for polysomnography and multiple sleep latency testing for children. Sleep. 2012;35(11):1467-73.

3. Aurora RN, Zak RS, Karippot A, Lamm CI, Morgenthaler TI, Auerbach SH, et al. Practice parameters for the respiratory indications for polysomnography in children. Sleep. 2011;34(3):379-88.

4. Narayanasamy S, Kidambi SS, Mahmoud M, v Subramany R. Pediatric sleep disordered breathing: a narrative review. Pediatr Med 2019;2:52.

5. Berry RB, Quan SF, Abreu AR, Bibbs ML, DelRosso L, Harding SM, et al. The AASM Manual for Scoring of Sleep and Associated Events: Rules, Terminology, and Technical Specifications. Version 3. Darien IL: American Academy of Sleep Medicine; 2023.

6. Ferber R, Millman R, Coppola M, Fleetham J, Murray CF, Iber C, et al. Portable recording in the assessment of obstructive sleep apnea. ASDA standards of practice. Sleep. 1994 Jun;17(4):378-92.

7. Kushida CA, Chediak A, Berry RB, Brown LK, Gozal D, Iber C, et al. Clinical guidelines for the manual titration of positive airway pressure in patients with obstructive sleep apnea. J Clin Sleep Med. 2008 Apr 15;4(2):157-71.

8. Kirk V, Baughn J, D'Andrea L, Friedman N, Galion A, Garetz S, et al. American academy of sleep medicine position paper for the use of a home sleep apnea test for the diagnosis of OSA in children. J Clin Sleep Med. 2017;13(10):1199-203.

9. Zaremba EK, Barkey ME, Mesa C, Sanniti K, Rosen CL. Making polysomnography more "child friendly:" a family-centered care approach. J Clin Sleep Med. 2005;1(2):189-98. 10. Pamula Y, Nixon GM, Edwards E, Teng A, Verginis N, Davey MJ, et al. Australasian Sleep Association clinical practice guidelines for performing sleep studies in children. Sleep Med. 2017;36(Suppl 1):S23-42.

11. Verhulst SL, Schrauwen N, De Backer WA, Desager KN. First night effect for polysomnographic data in children and adolescents with suspected sleep disordered breathing. Arch Dis Child. 2006;91(3):233-7.

12. Ohayon MM, Carskadon MA, Guilleminault C, Vitiello MV. Metaanalysis of quantitative sleep parameters from childhood to old age in healthy individuals: developing normative sleep values across the human lifespan. Sleep. 2004 Nov 1;27(7):1255-73.

13. Katz ES, Greene MG, Carson KA, Galster P, Loughlin GM, Carroll J, et al. Night-to-night variability of polysomnography in children with suspected obstructive sleep apnea. J Pediatr. 2002;140(5):589-94.