RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Número Atual: 34 e-34401 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34401

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Relato de Caso

Hemangioma infantil: quais são os principais fatores de risco?

Infantile hemangioma: which are the main risk factors?

Mariana Aparecida Pasa Morgan1,2; Laura Serpa2; Beatriz Carvalho1; Alice Andrade Gonçalves1; Thaís Braga Cerqueira1; Aluhine Lopes Fatturi1,2; Rafaela Moura de Oliveira1,2; Vânia Oliveira de Carvalho1; Kerstin Taniguchi Abagge1

1. Serviço de Dermatologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil
2. Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência

Mariana A Pasa Morgan
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná.
E-mail: mariana.morgan@hotmail.com

Recebido em: 15 Fevereiro 2023
Aprovado em: 24 Dezembro 2023
Data de Publicação: 01 Julho 2024.

Editor Associado Responsável:

Dr. Claudemiro Quireze Jr.
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia/GO, Brasil.

Fontes apoiadoras: Não há.

Comitê de Ética: Número do Parecer - 18401813.5.0000.0096.

Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Resumo

INTRODUÇÃO: O hemangioma da infância (HI) é um tumor benigno do endotélio vascular, caracterizado por aparecimento precoce, crescimento rápido e involução lenta. É o tumor mais comum da faixa etária pediátrica e diversos fatores de risco estão associados ao seu desenvolvimento.
RELATO DE CASO: Gemelares monozigóticas, femininas, prematuras de 29 semanas e com baixo peso ao nascimento, apresentando manchas avermelhadas que após 15 dias evoluíram para tumorações eritematosas, com diagnóstico de HI.
CONCLUSÃO: Este relato de caso exemplifica simultaneamente os principais fatores de risco para o desenvolvimento do HI, que devem ser reconhecidos por pediatras para seu diagnóstico precoce e acompanhamento/manejo adequado.

Palavras-chave: Hemangioma infantil; Hemangioma; Tumor vascular; Neonatal; Gêmeos; Probabilidade; Fatores de risco.

 

INTRODUÇÃO

O hemangioma da infância (HI) é o tumor vascular benigno mais comum da infância. Sua prevalência é estimada em 3 a 10% da população e até 20% dos prematuros1. Pode estar presente ao nascimento como uma lesão precursora, e é caracterizado por uma fase de proliferação rápida, atingindo seu volume final nos 3 primeiros meses de vida, seguida de regressão lenta. Os mecanismos que propiciam seu surgimento e evolução não são completamente compreendidos. A hipóxia já foi apontada como uma das responsáveis pela patogênese, e evidências recentes mostram que o sistema renina-angiotensina pode também atuar de forma sinérgica e criar um ambiente favorável para o surgimento do HI2. Diversos fatores de risco são associados ao seu desenvolvimento, como será exemplificado neste relato de caso, e o conhecimento desses fatores é fundamental para os profissionais que prestam atendimento ao recém-nascido, para o seu diagnóstico e manejo precoce e adequado.

 

RELATO DE CASO

Gemelares monozigóticas, prematuras de 29 semanas e com baixo peso ao nascimento.

Gemelar A: Recém-nascida, 1.160 gramas, apresentava manchas avermelhadas na pálpebra superior, além da região inframandibular e inframamilar esquerdas e calcâneo direito. Após 15 dias, as manchas evoluíram para tumorações vinhosas, confirmando o diagnóstico clínico de HI superficial não segmentar.

Gemelar B: Recém-nascida, 970 gramas, apresentava manchas avermelhadas em membro superior e dorso superior esquerdos e região lateral de tórax direito. Após 15 dias, as lesões evoluíram para placas e tumores vinhosos, corroborando a hipótese de HI superficial.

As Figuras 1 e 2 mostram as lesões na primeira consulta ambulatorial, aos 4 meses de idade

 


Figura 1. Visão ventral. Gemelar A: placas eritematosas em pálpebra superior, inframandibular e inframamilar esquerdas compatíveis com hemangioma da infância. Gemelar B: lesão nodular em membro superior esquerdo e placa em região lateral de tórax direito, indicativas de hemangioma da infância.

 

 


Figura 2. Visão dorsal. Gemelar A: placa eritematosa em calcâneo direito. Gemelar B: placa eritematosa em dorso superior. Ambas compatíveis com hemangioma da infância.

 

DISCUSSÃO

O HI é um tumor benigno que, em até 65% dos casos, apresenta-se ao nascimento como uma lesão precursora (telangiectasia, mancha anêmica ou mancha avermelhada). Sua taxa de incidência varia de 3 a 10% na população, mas pode chegar até a 20% em prematuros1,2. Também é mais frequente em pacientes do sexo feminino do que masculino, em uma taxa aproximada de 2-3:13. Uma metanálise realizada por Ding et al. (2020)4 avaliou dezessete fatores de risco potenciais para HI, e evidenciou que sexo feminino, baixo peso ao nascer, gestação múltipla, parto prematuro, terapia com progesterona e história familiar aumentaram o risco de HI. O baixo peso ao nascimento é um dos fatores mais relevantes, sendo que o risco para HI aumenta em 40% para cada redução de 500 gramas no peso ao nascimento5.

A relação da gemelaridade ainda é um fator incerto na ocorrência de HI. Sabe-se que este não é transmitido por herança mendeliana direta, mas que há influência genética devido à maior incidência em gêmeos monozigóticos comparados a gêmeos dizigóticos. É sabido que gestações múltiplas acarretam um maior risco de prematuridade e baixo peso ao nascimento. É possível que vários fatores predisponentes interajam entre si de tal forma que prematuridade, baixo peso e sexo feminino parecem ser mais importantes do que uma única predisposição genética6, como descrito neste relato de caso. Além disso, a teoria da hipóxia-intrauterina, juntamente com a ação do sistema renina-angiotensina como responsáveis pela patogênese do HI, poderia justificar todos esses fatores2.

Estudos recentes sugerem que os HIs são resultado de vasculogênese (formação de novos vasos sanguíneos a partir de células-tronco) e angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos a partir de vasos existentes), e a hipóxia parece ser o gatilho dessa desregulação7.

A hipóxia já foi apontada como uma das responsáveis pela patogênese do HI. As evidências são pautadas na palidez dos precursores do HI e as possíveis arteriopatias associadas, na associação entre HI com insuficiência placentária, pré-eclâmpsia e baixo peso ao nascer, e pelo fato de haver aumento na expressão de fatores induzíveis por hipóxia2,4. No entanto, evidências recentes sugerem que o sistema renina-angiotensina também pode atuar de forma sinérgica nessa patologia. Acredita-se que a angiotensina II promova a secreção de fator de crescimento endotelial e de um fator pró-tumoral, o que contribui para a vasculogênese e antiapoptose2.

A origem discutida via placentária se baseia em muitos dos marcadores moleculares característicos dos vasos do hemangioma serem expressos em microvasos fetais placentários normais, incluindo o transportador de glicose tipo eritrócito-1 (erythrocyte-like glucose transporter-1 - GLUT-1), indicando que o HI provavelmente deriva de células da placenta8. Células positivas para GLUT-1 mostraram propriedades de células-tronco por meio de sua capacidade de se diferenciar em células endoteliais, musculares lisas ou adipócitos, somando evidências para a teoria da vasculogênese7,8.

Sabe-se também que os níveis de proteínas placentárias, como o lactogênio placentário humano, diferem em gestações múltiplas comparadas a gestações únicas. Essas alterações enzimáticas também ocorrem na pré-eclâmpsia, alterando valores de fator de crescimento placentário (placental growth factor - PlGF) e tirosina quinase-1. O PlGF já foi encontrado expresso em hemangiomas involuídos, dando suporte adicional à noção de que hemangiomas e placenta estão sob mecanismos de controle angiogênico semelhantes. Mais estudos são necessários para entender o papel desses fatores de crescimento angiogênicos em relação ao hemangioma e aos vasos placentários9.

Um estudo caso-controle realizado por Gong et al. (2022)10 analisou os fatores de risco maternos e perinatais para HI e comprovou que histórico de aborto espontâneo, anemia na gravidez, ruptura prematura de membranas, placenta prévia, pré-eclâmpsia e volume anormal de líquido amniótico também são fatores de risco independentes para HI.

As pacientes aqui descritas apresentavam fatores de risco simultâneos: sexo feminino, baixo peso ao nascer, gestação múltipla e prematuridade; todos já relatados em literatura.

O diagnóstico do hemangioma da infância é clínico, baseado na história evolutiva caracterizada por fase de crescimento rápido, atingindo 80% do seu volume final nos primeiros 3 meses de vida. Posteriormente passa por um período de involução lenta, com taxa de aproximadamente 10% ao ano. Em casos de dúvida diagnóstica, a imuno-histoquímica positiva para GLUT-1 ajuda a diferenciá-lo de outros tumores vasculares ou malformações2. No caso em questão, clinicamente a evolução foi compatível com aquela vista nos HI. Como as lesões eram múltiplas, caracteriza-se como hemangiomatose, na qual pode haver HI em órgãos internos como fígado, razão pela qual deve ser indicada ecografia5.

As principais indicações para o tratamento são lesões grandes, risco de comprometimento funcional (visão, vias aéreas, anogenital) ou estético e ulcerações, o que pode acarretar impactos físicos e emocionais nas crianças e suas famílias4,6. No caso do tratamento sistêmico, o beta-bloqueador não seletivo propranolol é a primeira escolha11. Apesar De as gêmeas apresentarem fatores de risco semelhantes, apenas a gemelar A necessitou de tratamento sistêmico com propranolol na dose de 2 mg/kg/dia devido às lesões em áreas que poderiam causar prejuízo funcional, como região cervical (comprometimento da via aérea e risco de ulceração) e palpebral (alteração visual). A gemelar B foi tratada com timolol tópico. Ambas as pacientes iniciaram o tratamento após 5 semanas de idade corrigida, que é o indicado na literatura12.

 

CONCLUSÃO

A presença de manchas eritematosas, telangiectasias ou manchas anêmicas ao nascimento podem ser o primeiro sinal do surgimento de um HI. A avaliação de fatores de risco como sexo feminino, baixo peso ao nascer, gestação múltipla, parto prematuro, terapia com progesterona e história familiar é importante para que o pediatra pense no diagnóstico de HI e oriente os pais quanto à observação da evolução da lesão, uma vez que o prognóstico está diretamente relacionado com a introdução precoce do tratamento com betabloqueadores.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:

Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - análise e edição: Mariana Aparecida Pasa Morgan, Laura Serpa, Thaís Braga Cerqueira, Alice Andrade Gonçalves. Beatriz Carvalho, Aluhine Lopes Fatturi e Rafaela Moura de Oliveira. Administração do Projeto, Supervisão & Escrita - rascunho original: Mariana Aparecida Pasa Morgan, Laura Serpa, Thaís Braga Cerqueira e Alice Andrade Gonçalves. Validação & Software: Mariana Aparecida Pasa Morgan, Laura Serpa, Thaís Braga Cerqueira, Alice Andrade Gonçalves. Beatriz Carvalho, Aluhine Lopes Fatturi, Rafaela Moura de Oliveira, Vânia Oliveira de Carvalho e Kerstin Taniguchi Abagge. Curadoria de Dados & Análise Formal: Vânia Oliveira de Carvalho e Kerstin Taniguchi Abagge.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2021 Pasa Morgan et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

REFERÊNCIAS

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