RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Número Atual: 34 e-34402 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34402

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Relato de Caso

Tumor de células gigantes de laringe

Laryngeal gigant cell tumor

Michelly Macedo de Oliveira; Antônio Fernando Salaroli; Sulene Pirana; Daniel Pirana Calzavara

Hospital Universitário São Francisco (HUSF), Bragança Paulista, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

Michelly Macedo de Oliveira
E-mail: michellymacedodeoliveira@gmail.com

Recebido em: 1 Novembro 2022.
Aprovado em: 24 Dezembro 2023.
Data de Publicação: 02 Julho 2024.

Editor Associado Responsável:

Dra. Michelly Macedo de Oliveira

Hospital Universitário São Francisco (HUSF), Bragança Paulista/SP, Brasil.

Conflito de Interesse: Não há.

Fontes apoiadoras: Este trabalho não possuiu fonte apoiadora.

Comitê de Ética: Número do Parecer - 4.936.873.

Resumo

Os tumores de células gigantes (TCG) são geralmente de natureza benigna, tipicamente encontrados na área epifisária de ossos longos, acometem indivíduos na terceira década e têm uma leve predileção pelo sexo feminino. TCG representam cerca de 4% a 9,5% de todos os tumores ósseos e 20% de todos os tumores ósseos benignos. Aproximadamente, 2% de todos TCG ocorrem na região da cabeça e pescoço. Entretanto, TCG primário de laringe é uma entidade extremamente rara, com 43 casos relatados até o momento. Portanto, o presente artigo teve por objetivo relatar um caso de TCG de laringe em paciente jovem de sexo masculino. Dada a incerteza de distinção clínica e radiológica entre a ampla variedade de diagnósticos diferenciais, é indispensável exame histopatológico para um diagnóstico definitivo e conduta terapêutica. O tratamento do TCG é controverso, porém, atualmente, a literatura apoia o manejo cirúrgico. A incidência de TCG não é uma situação corriqueira na prática médica, sendo que a diversidade de diagnósticos diferenciais é bastante ampla, podendo induzir o médico a suspeitar de outras doenças que acometem a laringe. A TCG raramente é considerada entre as hipóteses diagnósticas, sua incidência é extremamente rara e dados de manejo devem ser estudados.

Palavras-chave: Tumores de células gigantes; Laringe; Disfonia.

 

INTRODUÇÃO

Os tumores de células gigantes (TCG) são geralmente de natureza benigna, tipicamente encontrados na área epifisária de ossos longos, acometem indivíduos na terceira década e têm uma leve predileção pelo sexo feminino1. TCGs representam cerca de 4% a 9,5% de todos os tumores ósseos e 20% de todos os tumores ósseos benignos. Aproximadamente, 2% de todos TCGs ocorrem na região da cabeça e pescoço2. Entretanto, TCG primário de laringe é uma entidade extremamente rara, com 44 casos relatados até o momento, incluindo o presente caso.

A incidência de TCG não é uma situação corriqueira na prática médica, sendo que a diversidade de diagnósticos diferenciais é bastante ampla, podendo induzir o médico a suspeitar de outras doenças que acometem a laringe. A TCG raramente é considerada entre as hipóteses diagnósticas, sua incidência é extremamente rara e dados de manejo devem ser estudados. Portanto, o presente estudo visa relatar caso de tumor de células gigantes de cartilagem tireoide submetido a tratamento cirúrgico de exérese de tumor.

 

RELATO DE CASO

Paciente, sexo masculino, 37 anos, encaminhado ao nosso serviço com quadro de diplofonia há três meses. Mecânico, ex-tabagista de carga tabágica leve (1,5 ano/maço) e dislipidêmico como história pessoal prévia. À telescopia de laringe, notou-se abaulamento de região vestibular de laringe à direita com deslocamento da prega vocal direita medialmente, com mobilidade preservada (Figura 1). Na tomografia computadorizada (TC) de pescoço, pode-se observar uma lesão expansiva de 2,9x1,9x2,6 cm localizada na asa direita da cartilagem tireoide, sem sinais de agressividade, demonstrando afilamento acentuado e margem calcificada da cartilagem, abaulando os contornos sem sinais significativos de invasão de tecidos moles adjacentes e rechaço da estrutura laríngea, com deslocamento medial da prega vocal (Figura 2). A ressonância nuclear magnética (RNM) evidenciou lesão expansiva nodular medindo 3,5x2,2x2,7 cm, localizada na região laríngea à direita, envolvendo asa direita da cartilagem tiroide, com alto sinal T2, baixo sinal T1, demonstrando restrição na sequência difusão e realce intenso após contraste endovenoso (Figura 3). Nitidamente a lesão causava efeito de massa deslocando a coluna aérea da laringe, sem sinais de invasão mucosa tanto na região vestibular quanto das pregas vocais. Os achados histopatológicos obtidos por biópsia incisional apontaram para tumor de células gigantes de laringe. O estudo imuno-histoquímico revelou lesão fragmentada caracterizada por proliferação de células ovoides com mínimas atipias permeadas por numerosas células gigantes multinucleadas tipo osteoclastos (Figura 4A), figuras de mitose escassas e típicas e expressão de histona H3.3 G34W (Figura 4B), achados consistentes com diagnóstico de tumor de células gigantes primário ósseo. Paciente foi submetido a traqueostomia protetiva e exérese de tumor de cartilagem tireóidea (Figura 5). Após decanulação, uma semana após cirurgia, paciente apresentou recuperação da voz. Estudo histopatológico de amostra de exérese de tumor de cartilagem tireoide confirmou tumor de células gigantes de laringe. Em TC de pescoço de controle após 6 meses da cirurgia, não houve recidivas de lesão. Em seguimento, após 1 ano de cirurgia, paciente se mantém assintomático.

 


Figura 1. Telescopia de laringe. A. Pregas vocais em adução; B. Pregas vocais em abdução.

 

 


Figura 2. TC pescoço. A. Incidência axial; B. Incidência sagital; C. Incidência coronal.

 

 


Figura 3. RNM pescoço. A. Incidência sagital - T1; B. Incidência sagital - T2; C. Incidência coronal - T1; D. Incidência coronal - T2; E. Incidência axial - T1; F. Incidência axial - T2.

 

 


Figura 4. Imuno-histoquímica; A. Coloração hemotoxilina-euosina evidenciando células gigantes multinucleadas tipo osteoclástos; B. Expressão de histona H3.3 G34W.

 

 


Figura 5. Tumor esbranquiçado em cartilagem tireóidea à direita.

 

DISCUSSÃO

Os TCGs são encontrados, tipicamente, na área metafisária-epifisária de ossos longos, principalmente, fêmur distal, tíbia proximal, rádio distal, úmero proximal e sacro3. Na cabeça e pescoço, corresponde a 2% dos casos de TCG, encontram-se mais comumente em osso esfenoide, etmoide ou temporal e, muito raramente, osso hioide e estrutura cartilaginosa da laringe, sendo a cartilagem tireóidea mais frequentemente envolvida1,2. TCG primário de laringe é extremamente raro, com 44 relatados até o momento, incluindo o presente relato de caso.

Os TCGs da laringe geralmente se desenvolvem em pessoas com idade entre 23 e 76 anos, com idade média de apresentação de 44,6 anos e maior frequência em homens. A apresentação clínica depende da origem, os pacientes geralmente apresentam rouquidão, massa cervical anterior, dispneia e disfagia1. Outros achados menos comuns incluem dor de garganta e alterações na mobilidade das cordas vocais4. O local mais comumente afetado é a cartilagem tireoide, seguida pelas cartilagens cricoide e epiglote1.

Esses tumores, embora apresentem caracteristicamente curso benigno, podem ser localmente agressivos, recorrentes e, ocasionalmente, podem gerar metástases pulmonares1. Seis a dez por cento dos TCGs exibem características malignas que se manifestam como sarcoma de alto grau ocorrendo no local de um TCG benigno anterior ou como um sarcoma em justaposição ao TCG4, porém apenas um caso foi relatado como TCG de laringe com transformação maligna osteossarcomatosa5.

Radiologicamente, é difícil diferenciar o TCG de outras neoplasias. O diagnóstico diferencial inclui, mas não está limitado a: granuloma reparativo de células gigantes, tumor marrom de hiperparatireoidismo, osteoblastoma, condroblastoma, condrossarcoma, condroma, cistos ósseos aneurismáticos, fibroma não ossificante, reação de corpo estranho, histiocitoma fibroso benigno, histiocitoma fibroso maligno abundante, osteossarcoma células gigantes e carcinoma fusiforme ou sarcomatoide com células gigantes1.

Histologicamente, os TCGs apresentam células gigantes multinucleadas e células mononucleares em um estroma vascular rico em fibroblastos, solto, hemorrágico, sendo os núcleos das células gigantes muito semelhantes aos das células mononucleares. O componente mononuclear do TCG expressa fosfatase alcalina e ativador do receptor do ligante do fator nuclear kappa-B (RANKL), marcadores da linhagem dos osteoblastos, enquanto o componente multinucleado expressa fosfatase ácida resistente ao tartarato e receptor da vitronectina, marcadores da linhagem osteoclástica4.

Os granulomas reparativos de células gigantes (GCG) podem mimetizar histologicamente os TCG e a distinção entre TGC e GCG pode ser um desafio para o patologista. Os TCG apresentam uma distribuição mais uniforme de grandes células gigantes com mais de 20 núcleos. Em contraste, os GCGs têm mais estroma fibrótico com deposição de hemossiderina e hemorragia mais proeminente. GCG de cabeça e pescoço ocorre mais comumente na mandíbula como uma lesão central, é mais comum em mulheres do que em homens e em indivíduos menores de 30 anos. Possuem menor taxa de recorrência (13-35 vs. 60% dos TCGs). Além disso, apenas casos isolados de metástase ou transformação sarcomatosa foram relatados com GCG, em oposição à taxa de 6-10% de transformação sarcomatosa e 2% de taxa de metástase observada no TCG4. Outro importante fator de distinção é a mutação do gene H3F3A (histona 3.3) G34W relatada em mais de 90% dos TCG6. Gomes et al. (2014)7 avaliaram nove casos de GCG para esta mutação e descobriram que todos os casos eram negativos. Tal mutação é encontrada no estudo imuno-histoquímico do caso em questão.

No caso de uma reação de células gigantes de corpo estranho, a distribuição das células gigantes seria menos regular, seu número menor e elas se agregariam em torno do material estranho4.

O tumor marrom do hiperparatireoidismo pode aparecer grosseira e microscopicamente semelhante ao TCG e GCG. Portanto, é essencial que o paciente seja avaliado para descartar hiperparatireoidismo4.

Os TCGs podem ter características histológicas semelhantes às do osteossarcoma. No entanto, os achados radiográficos (mineralização pesada em um tumor invasivo), combinados com as características histológicas de delicados fios de osteoide ao redor de células pleomórficas, células mononucleares atípicas e figuras mitóticas atípicas com necrose, devem confirmar um diagnóstico de osteossarcoma1. Tais achados não são relatados no anatomopatológico e estudo imuno-histoquímico do presente caso.

Dada a incerteza de distinção clínica e radiológica entre a ampla variedade de diagnósticos diferenciais, é indispensável exame histopatológico para um diagnóstico definitivo e conduta terapêutica.

O tratamento do TCG é controverso, porém, atualmente, a literatura apoia o manejo cirúrgico. Três modalidades cirúrgicas foram relatadas: laringectomia total (LT), laringectomia parcial (LP) e excisão tumoral (ET). Fatores que influenciarão na decisão entre as duas técnicas incluem: potencial recorrência; função pós-operatória e qualidade de vida; e se LP for escolhida, radioterapia, quimioterapia ou cirurgia de resgate adicional podem ser necessárias. Além disso, dado o fato de que a idade média de apresentação é de 44,6 anos, o risco de transformação sarcomatosa pela terapia de radiação é um fator a ser considerado. No entanto, ainda não há um consenso forte para apoiar essa conjectura, devido à raridade do caso1.

No entanto, há um papel em evolução para novas terapêuticas, como o denosumabe, para minimizar potencialmente a morbidade do tratamento e deve ser considerada a melhor opção de tratamento para pacientes com TCG inoperáveis ??ou metastáticos.

Denosumabe é um anticorpo monoclonal totalmente humano que se liga a RANKL e inibe as interações RANK-RANKL. RANK é expresso na superfície dos precursores dos osteoclastos. Para se diferenciar em osteoclastos, seus receptores RANK devem interagir com RANKL que é expresso nos osteoblastos. Teoriza-se que essa interação é evitada pela presença de denosumabe. No entanto, sua segurança e eficácia em longo prazo para TCG de laringe são desconhecidas, pois apenas dois casos relatados foram tratados com denosumabe até o momento1,4.

Embora os resultados da ressecção cirúrgica do TCG sejam melhores em termos de eliminação da recorrência, o denosumabe é uma terapia alternativa viável para TCG ósseo quando a cirurgia de preservação de função não é considerada possível4.

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, a incidência de TCG de laringe não é uma situação corriqueira na prática médica, e a diversidade de diagnósticos diferenciais é bastante ampla, podendo induzir o médico a suspeitar de outras doenças que acometem a laringe e raramente é considerado entre as hipóteses diagnósticas. São tumores benignos com taxa de cura aparentemente alta. O principal dilema do manejo se concentra na extensão da cirurgia laríngea, ou seja, na preservação da laringe. Há escassez na literatura relacionada a resultados funcionais e qualidade de vida como fatores na decisão sobre o manejo, necessitando de mais estudos.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:

Michelly Macedo de Oliveira redigiu artigo sob orientação de Antônio Fernando Sa-laroli e Sulene Pirana. Daniel Pirana Calzavara foi responsável pela tradução do texto.

 

COPYRIGHT

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