ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Vasculite associada ao ANCA e lúpus: subtipo ou sobreposição?
VANCA-associated vasculitis: a likely overlap with lupus?
Gabriela Bianca Manfredini*; Thelma Larocca Skare
Hospital Evangélico Mackenzie, Curitiba, Paraná, Brasil
Endereço para correspondênciaGabriela Bianca Manfredini
Departamento de Reumatologia do Hospital Evangélico Mackenzie (HUEM), Paraná, Brasil
E-mail: gabrielabman@hotmail.com
Recebido em: 5 Julho 2023
Aprovado em: 27 Janeiro 2024
Data de Publicação: 06 Julho 2024.
Editor Associado Responsável: Dr. Enio Roberto Pietra Pedroso
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte/MG, Brasil.
Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.
Comitê de Ética: Número do Parecer - 6.129.250.
Conflito de Interesses: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Resumo
As vasculites associadas ao ANCA são definidas como vasculites necrosantes com infiltração de neutrófilos e monócitos na parede dos vasos e que se caracterizam por ausência de deposição de imunoglobulinas (pauci-imune). Podem ser confundidas com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) ou podem estar sobrepostas a essa doença. Neste relato de caso, mostra-se a possível concomitância de uma vasculite ANCA associada (granulomatose com poliangeíte ou GPA e poliangeíte microscópica ou PAM) com LES. A paciente abriu o quadro com manifestações cutâneas, artralgias e artrites, além de sintomas respiratórios. Apresentou disfunção renal com necessidade de hemodiálise, com biópsia renal compatível com GPA, do tipo glomerulonefrite pauci-imune, e hemorragia alveolar. Além disso, tinha positividade para o anticorpo anti-dsDNA sugerindo a possibilidade diagnóstica de LES. O ANCA apresentado possuía padrão do tipo ANCA-p, enquanto o esperado em GPA seria o de ANCA-c. Por esse motivo, pode-se, também, considerar a poliangeíte microscópica (PAM) como possível diagnóstico, visto as semelhanças das manifestações. Quanto à sobreposição com LES, a sua concomitância com GPA é conhecida na literatura. Portanto, o diagnóstico final provável do quadro apresentado foi o de uma vasculite ANCA-p com sobreposição de LES.
Palavras-chave: Vasculite; ANCA; Lupus eritematoso sistêmico (LES); Poliangiite microscópica; Granulomatose com poliangeíte.
INTRODUÇÃO
As vasculites associadas ao ANCA têm acometimento predominante de pequenos vasos em qualquer órgão ou tecido, sendo os mais acometidos: trato respiratório superior, inferior e rins. Sintomas como febre, mal-estar, anorexia, perda de peso, mialgia, artralgia e poliartropatia migratória podem se perpetuar por semanas a meses até o diagnóstico ser fechado. Por isso, é comum que — no princípio — haja dificuldade com o diagnóstico diferencial de infecções, neoplasias ou doenças do tecido conjuntivo1.
É uma doença crônica com características destrutivas podendo causar, por exemplo, perfuração do septo nasal, levando ao aspecto de nariz em sela e disfunções renais. Até 80% desses pacientes desenvolvem glomerulonefrite ou alguma outra manifestação grave da doença2. São definidas como sendo vasculites necrosantes com infiltração de neutrófilos e monócitos e que se caracterizam, imunologicamente, por ausência de deposição de imunoglobulinas nas paredes dos vasos (pauci-imune). O ANCA é decisivo para o diagnóstico, visto que é um anticorpo citoplasmático que tem reação a proteínas dos grânulos dos neutrófilos polimorfonucleares e está envolvido diretamente nos mecanismos patogênicos da doença2.
As vasculites associadas ao ANCA podem apresentar diferentes subtipos como Granulomatose com Poliangeíte (GPA), Poliangeíte Microscópica (PAM), Granulomatose Eosinofílica com Poliangeíte (GEPA) e a Vasculite limitada ao Rim, todas com baixa frequência na população mundial. A GPA tem prevalência de 2,5 a 10 casos por milhão de pessoas/ano e predomina em população de descendência europeia; a PAM tem prevalência de 0,5 a 24 casos por milhão de pessoas-ano, sendo mais comuns em países asiáticos (China e Japão) e em populações brancas2.
Conforme já mencionado, podem ser confundidas com doenças do tecido conjuntivo, principalmente Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), acarretando dificuldades diagnósticas. Existem também raros casos descritos em que as duas doenças se superpõem3.
Nessa descrição de caso, mostra-se uma possível associação de uma vasculite ANCA associada (GPA ou PAM) com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES).
Este trabalho é um relato de caso de uma paciente do serviço de Reumatologia do Hospital Evangélico Mackenzie. A metodologia utilizada foi revisão de prontuário da paciente relatada entre os meses de abril e maio de 2023, com utilização de evoluções médicas, exames laboratoriais e de imagem, prescrições e biópsias. O objetivo deste relato é a discussão clínica e a troca de conhecimentos sobre o diagnóstico e a terapêutica utilizada, visando melhorar a abordagem e desfechos para pacientes nessa situação. Como possíveis riscos, enquadra-se a quebra de sigilo médico, que será evitada perante manutenção do anonimato da paciente durante toda a descrição. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi aplicado.
RELATO DE CASO
Trata-se de uma mulher de 37 anos, branca, procedente de Curitiba, funcionária de supermercado. Três meses antes do atendimento inicial em hospital terciário, apresentou lesões ulceradas e dolorosas em região interna das coxas. Associou-se o seu aparecimento com uso prolongado (mais de 3 anos) e quase diário de naproxeno para artralgias e mialgias. Foi tratada com antibióticos por 7 dias e corticoide oral. Apresentou melhora parcial, porém com surgimento de lesões semelhantes em antebraço tratadas, naquele momento, como herpes zóster com antiviral, o que causou eventos adversos com edema de língua.
Cerca de 2 meses do atendimento, iniciou com dor abdominal difusa, constipação alternada com diarreia, inapetência e perda ponderal de 12kg. Além disso, apresentou tosse produtiva, calafrios noturnos, síndrome gripal e dispneia. Por esse motivo, fez uso de antibiótico por 15 dias que foi interrompido devido à diarreia. Quatro dias antes do internamento, iniciou com epigastralgia intensa irradiada para todo abdome, constipação resolvida com laxativo, náuseas, vômitos, disúria.
Nos antecedentes pregressos, tinha história de hipertensão arterial e artralgia crônica em metacarpofalangianas, punhos, cotovelos, ombros. Usava enalapril (10mg de 12/12h). Do ponto de vista ginecológico, era G1C1A0 e tinha uma história prévia de eclâmpsia. Negava tabagismo e etilismo. Sua mãe possuía artrite reumatoide e fibromialgia.
Ao exame físico da admissão, apresentava-se hipocorada, com dor abdominal leve à palpação de andar superior do abdomen, discreta hepatomegalia, edema MMII 1+/4+, sem cacifo. Existiam lesões purpúricas em membros inferiores e artrite metacarpofalangianas e interfalangeanas proximais. A Tabela 1 mostra os principais exames laboratoriais à admissão.
Sorologias para doenças sexualmente transmissíveis e hepatites foram negativas, além de diversas hemoculturas e uroculturas que também foram negativas. Os demais achados de exames laboratoriais eram sem alterações e/ou sem relevância.
Uma radiografia de seios da face apresentou espessamento do revestimento mucoso dos seios maxilares. Tomografia de crânio (Figura 1) apresentou espessamento da mucosa de revestimento com cistos de retenção/pólipos nos seios maxilares.
A tomografia de tórax apresentou múltiplas imagens nodulares com densidade de partes moles, associadas a discreto vidro fosco esparsas nos pulmões, em maior número nos lobos inferiores medindo até 5 mm de diâmetro médio axial (nódulos sólidos? granulomas inflamatórios?). Linfonodomegalia medindo 12mm no menor eixo axial na cadeia pré-vascular. O ecocardiograma apresentou fração de ejeção preservada (67%), ventrículo esquerdo com hipertrofia concêntrica discreta, disfunção diastólica grau I, refluxos aórticos, mitral e tricúspide discretos e hipertensão pulmonar leve.
Foi realizada uma biópsia renal que demonstrou 2 glomérulos globalmente esclerosados e 3 glomérulos com crescentes fibrosos. Além disso, observou-se alargamento por edema do espaço túbulo-intersticial com discreto infiltrado granulomonuclear com plasmócitos (Figura 2), além de fibrose (30-40%) com proporcional atrofia tubular. A reação por imunofluorescência revelou pauci-reatividade, destacando-se traços/trapping de marcação para C3 (Figura 3) e Kappa em alças (Figura 3). As demais pesquisas realizadas, que incluíram IgA, C3, Fibrinogênio, C1q, IgM e Lambda, foram negativas. Portanto, concluiu-se que tratava de uma glomerulonefrite crescêntica focal, em fase esclerosante, provavelmente forma pauci-imune tipo III, podendo corresponder a Vasculites Associadas ao ANCA tal como a Poliangiíte Microscópica ou Granulomatose com Poliangiíte (granulomatose de Wegener).
Durante o internamento, a paciente apresentou quadro de hemoptise sugestivo de hemorragia alveolar, com necessidade de intubação orotraqueal e de 24 dias em terapia intensiva. Além disso, necessitou de hemodiálise por piora progressiva da função renal, mantendo-se esse procedimento em clínica após alta.
A paciente recebeu pulsoterapia com metilprednisolona 1g/dia por 3 dias seguida de prednisona oral 80mg/dia além de ciclofosfamida endovenosa mensal (960mg/pulso ou 15mg/kg com ajuste de dose para disfunção renal) durante o internamento, com melhora. Recebeu alta para o ambulatório de reumatologia, no qual continuou tratamento com prednisona 80mg/dia (1mg/kg/dia), pulsos de ciclofosfamida. Além disso, fez uso profilático de sulfametoxazol-trimetoprima (400/80mg/dia) e reposição de cálcio e vitamina D pelo uso de corticoide e risco de osteopenia.
DISCUSSÃO
A paciente descrita possuía quadro clínico sugestivo de GPA, com envolvimento de vias aéreas superiores e inferiores, glomerulonefrite pauci-imune e ANCA positivo.
As manifestações otorrinolaringolológicas mais comuns em pacientes com GPA são principalmente destruição óssea e cartilaginosa de septo nasal, crostas nasais, sinusite, otite média, dor de ouvido, otorreia, rinorreia persistente, secreção nasal purulenta/sanguinolenta, úlceras orais e/ou nasais e policondrite, além de perda auditiva condutiva e/ou neurossensorial2. A paciente em questão apresentou envolvimento de seios maxilares com espessamento de mucosa, cistos e pólipos, demonstrado em tomografia.
As vias aéreas podem ser acometidas por rouquidão, tosse, dispneia, estridor, sibilos, hemoptise ou dor pleurítica, estenose traqueal ou subglótica, consolidação pulmonar e/ou derrame pleural, doença pulmonar intersticial, fibrose pulmonar e hipertensão arterial pulmonar. Pode-se encontrar achados radiográficos como nódulos, opacidades irregulares ou difusas e infiltrados pulmonares fugazes e adenopatia hilar2. No caso descrito, observou-se presença de lesões nodulares e, mais tarde — durante o internamento —, um quadro compatível com hemorragia alveolar.
O envolvimento renal na GPA pode ser a forma de manifestação inicial da doença em 18% dos casos, aparecendo mais tardiamente em 77% a 85% dos casos. Ocorre geralmente nos primeiros dois anos do início da doença, com apresentação típica de glomerulonefrite rapidamente progressiva. Além disso, pode manifestar-se como hematúria assintomática intermitente e piora da creatinina ao longo de dias/semanas, ou com aumento rápido de creatinina com hematúria, hipertensão e edema1,2 A proteinúria subnefrótica também pode estar presente. Caso seja menor que 1g/24h, pode sugerir glomérulos fibrosados ou fibrose tubular. Caso seja maior de 3g/24h, pode sugerir glomerulonefrite necrosante ou outra doença glomerular concomitante (como nefropatia membranosa) ou, ainda, padrão histológico atípico com deposição de imunocomplexos1. Observou-se, no caso em questão, insuficiência renal com necessidade de terapia substitutiva renal e biópsia compatível com GPA ou PAM, do tipo glomerulonefrite pauci-imune.
Além disso, o envolvimento cutâneo da GPA pode ser encontrado na forma de vasculite cutânea em 30 a 50% dos casos. Apresenta-se como púrpura de extremidades inferiores, urticária, livedo reticular, nódulos, eritema nodoso, pioderma gangrenoso e síndrome de Sweet (dermatose neutrofílica febril aguda)4,5. A paciente descrita apresentou quadro compatível com vasculite em membros inferiores e em antebraço, que foram as manifestações clínicas iniciais da doença.
Todavia, alguns pontos merecem consideração quanto ao diagnóstico de GPA. Um deles é o de que o ANCA apresentado possuía padrão de imunofluorescência do tipo ANCA-p, enquanto o esperado em GPA seria o de ANCA-c. A pesquisa do ANCA é um teste que deve ser realizado em qualquer suspeita de vasculite. A imunofluorescência indireta (IIF) é a forma mais sensível de detecção. Ensaios imunoenzimáticos (ELISA) para proteinase 3 (PR3) e mieloperoxidase (MPO) são mais específicos. Em 82% a 94% dos pacientes com GPA ou PAM, o ANCA é positivo, com um valor preditivo positivo (VPP) de 90%. A GPA está associada ao PR3-ANCA e c-ANCA, enquanto a PAM está associada principalmente ao MPO-ANCA e p-ANCA. O p-ANCA apresenta-se muito mais prevalente que o c-ANCA quando se trata de PAM, e o contrário é verdadeiro para GPA. Entretanto, cerca de 10% dos pacientes com GPA ou PAM são ANCA negativos, o que não exclui o diagnóstico. Além disso, o status do ANCA pode mudar com o tempo6.
Pode-se considerar também a possibilidade de poliangeíte microscópica (PAM) como possível diagnóstico, visto as semelhanças das manifestações apresentadas7. Hematúria, hemoptise, púrpura, neuropatia periférica, dor abdominal, hemorragia gastrointestinal, sinusite, febre, perda ponderal, mialgias e artralgias são manifestações frequentes da PAM. A hemorragia alveolar ocorre em até 30% dos casos e é acompanhada de manifestações renais em 97% dos casos. Como no quadro relatado, artralgias e mialgias podem preceder por anos o surgimento dos acometimentos renais e pulmonares. Além disso, caracteriza-se como principal causa da síndrome "pulmão-rim", devendo ser considerada em pacientes com hemoptise e disfunção renal1.
A histopatologia da lesão glomerular é idêntica na PAM, na GPA e na Síndrome de Churg-Strauss (SCS), dificultando a diferenciação diagnóstica. Nos exames de imagem, por definição, a PAM não causa inflamação granulomatosa (nódulos ou cavidades pulmonares e lesões ósseas destrutivas no trato respiratório superior), por isso sua presença deve ser indicativa de GPA7
Quanto à sobreposição com LES, o ANCA-p falso positivo pode ocorrer em pacientes lúpicos que são FAN positivos (e vice-versa) já que os padrões de imunofluorescência são muito parecidos. Isso pode ter acontecido na situação descrita. Todavia, isso não explica a presença do anticorpo anti-dsDNA que é considerado um dos mais específicos para o LES8.
O anticorpo anti-dsDNA é útil para diagnóstico e seguimento do LES, principalmente em pacientes com nefrite lúpica. A comparação entre quimioluminescência, utilizando como referência o teste de imunofluorescência indireta, demonstra que, para o diagnóstico de LES, quando esse anticorpo é pesquisado pelo primeiro método, apresenta 100% de sensibilidade e 82% de especificidade5. A paciente em questão apresentava esse anticorpo positivo, FAN positivo em altos títulos (1/640) com característica de núcleo pontilhado fino denso, anemia e linfopenia. Quanto às manifestações clínicas de LES, a paciente apresentava artrites, lesões cutâneas sugestivas de vasculites e disfunção renal com necessidade de hemodiálise. Dessa forma, observa-se que a paciente também apresenta um quadro sugestivo de LES conforme os critérios diagnósticos EULAR/ACR 2019, contemplando mais de 10 pontos e pelo menos um critério clínico7,9.
Alguns pontos quanto à interpretação dos autoanticorpos apresentados merecem observação: a primeira é a de que o padrão de imunofluorescência do tipo pontilhado fino denso como o apresentado neste caso, é comumente encontrado em indivíduos saudáveis10, embora tenha sido descrito em uma pequena porcentagem de pacientes com LES11. A segunda é a de que o anticorpo ANCA-p pode ser encontrado na nefrite lúpica (em até 70%), mostrando uma associação positiva com a atividade e agressividade da doença4. Apresenta-se positivo quando a doença está em atividade, porém sua associação com remissão é desconhecida. Está associado à hipercelularidade endocapilar, necrose, formação de crescentes, inflamação intersticial, atrofia tubular e fibrose intersticial4,6,12— achados compatíveis com os apresentados no caso clínico. A terceira observação é a de que, em vasculites ANCA associadas, tem sido descrito que o FAN pode estar presente em até 50% dos casos e o anti-dsDNA em até 20%13. Assim sendo, embora a positividade do anti-dsDNA apresente uma forte indicação da possibilidade de lúpus, o seu encontro não deve ser relacionado exclusivamente a esse diagnóstico.
Embora o diagnóstico de LES não seja estabelecido pelo resultado da biopsia renal, alguns achados histopatológicos corroboram essa hipótese. A apresentação de glomerulonefrite membranosa sobreposta com glomerulonefrite proliferativa difusa, com padrão de imunofluorêscencia em full house, torna o diagnóstico de nefrite lúpica provável. O padrão full house é caracterizado pela presença de IgG, IgM, IgA, depósitos de C3 e C1q e ocorre em 71% das nefrites lúpicas, com especificidade de 90%. A associação de vasculite associada ao ANCA e nefropatia full house foi descrita em apenas 3% dos casos5,6 No caso apresentado, a imunofluorescência apresentou apenas positividade para C3 e cadeias Kappa, sem características compatíveis com nefrite lúpica. A literatura mostra uma descrição de 8 casos de superposição entre LES e vasculite ANCA com glomerulonefrite que demonstrava a existência de glomerulonefrite pauci-imune em 5 deles, enquanto a glomerulonefrite lúpica classe 4 foi encontrada em outros 2 e a classe 2 em 1 paciente14. Dessa maneira, observa-se que a lesão renal vista nos casos de sobreposição pode ser semelhante a qualquer uma das duas vistas nessas doenças.
O protocolo de tratamento para todo paciente com vasculite associada ao ANCA com a doença ativa deve incluir glicocorticoides sistêmicos, terapia imunossupressora e/ou biológica associada15. A dose inicial de prednisona é de 0,5 a 1 mg/kg/dia e não há evidência de superioridade da terapia endovenosa, exceto quando há acometimento de órgãos vitais. Nesse caso, deve-se optar pela pulsoterapia endovenosa com metilprednisolona 15 mg/kg/dia ou 0,5 a 1,0 g/dia por um a três dias no início do tratamento8. A introdução da ciclofosfamida modificou a história natural da doença, melhorando a resposta ao tratamento e a sobrevida. Além disso, o rituximabe é uma opção terapêutica para indução da remissão da doença15 Também essas drogas funcionam em casos de glomerulonefrite pelo lúpus. Formas mais brandas ou limitadas das vasculites associadas ao ANCA podem ser tratadas com metotrexato8. A plasmaferese é indicada em pacientes com glomerulonefrite rapidamente progressiva e creatinina sérica >5,8 mg/dL, uma vez melhora a sobrevida renal quando associada a glicocorticoides e ciclofosfamida. Porém, ainda não há evidências da eficiência dessa forma de tratamento para a hemorragia alveolar15.
CONCLUSÃO
O presente caso demonstra a dificuldade no diagnóstico diferencial entre GPA e LES e ilustra a possibilidade de sobreposição dessas duas entidades, o que se acredita ser o diagnóstico final da paciente descrita. Embora o tratamento das duas entidades seja muito parecido, todos os esforços devem ser feitos na obtenção de um diagnóstico definitivo, já que o curso futuro e o prognóstico da doença podem diferir.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - análise e edição; Administração do Projeto, Supervisão & Escrita - rascunho original; Validação, Software; Recursos & Aquisição de Financiamento; Curadoria de Dados & Análise Formal: Manfredini GB, Skare TL.
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