RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Número Atual: 34 e-34404 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34404

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Relato de Caso

Papilomatose confluente e reticulada de Gougerot - Carteuad: relato de caso

Confluent and reticulated papillomatosis of Gougerot - Carteuad: case report

Bruno Porto Soares*; Isabella de Azevedo Dossin; Juliana Correa Marques-da-Costa; João Carlos Regazzi Avelleira; Flavia de Freire Cassia

Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

Bruno Porto Soares
Serviço de Dermatologia, Hospital Federal da Lagoa. Rio de Janeiro, RJ, Brasil
E-mail: brunoportosoares@gmail.com

Recebido em: 8 Julho 2023
Aprovado em: 31 Março 2024
Data de Publicação: 06 Julho 2024.

Editor Associado Responsável: Dr. Agnaldo Soares Lima
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil.
Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.
Comitê de Ética: Número do Parecer - 5.199.753.
Conflito de Interesses: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Resumo

INTRODUÇÃO: A papilomatose confluente e reticulada é uma afecção dermatológica rara da epiderme, de curso benigno e etiopatogenia incerta, caracterizada pelo aparecimento lento e progressivo de pápulas acastanhadas ou róseas com padrão reticulado periférico localizadas preferencialmente no centro do tronco, axilas e pescoço. Acomete todas as raças, gêneros e faixas etárias, com predileção por adolescentes e adultos jovens com fototipos mais altos.
RELATO DE CASO: Paciente 14 anos, masculino, há dois anos iniciou quadro com surgimento de pápulas pontilhadas, de superfície áspera, acastanhadas, confluentes, periaxilares com padrão reticulado periférico. Não houve resposta ao tratamento com uso de creme de ureia, aos antifúngicos tópicos e à fricção de álcool nas lesões. O exame micológico direto foi negativo. Glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada, insulina de jejum, índice de resistência insulínica HOMA estavam normais. O exame histopatológico evidenciou hiperceratose, papilomatose, adelgaçamento da granulosa e acantose focal interpapilar confirmando o diagnóstico clínico de Papilomatose Confluente e Reticulada, foi instituído tratamento com doxicicilina 100 mg/dia associado a adapaleno 0,1% à noite por 60 dias com excelente melhora do quadro.
CONCLUSÃO: A papilomatose confluente e reticulada é uma dermatose rara, de curso benigno, que deve ser reconhecida precocemente, de forma a evitar diagnósticos e terapêutica equivocados, além de custos dispendiosos para os pacientes.

Palavras-chave: Dermatose; Papilomatose; Hiperpigmentação; Ceratose.

 

INTRODUÇÃO

Descrita em 1927 pelos dermatologistas franceses Gougerot e Carteaud, a papilomatose confluente e reticulada (PCR)1 é uma afecção dermatológica rara da epiderme caraterizada clinicamente pelo aparecimento lento e progressivo de pápulas acastanhadas ou róseas com padrão reticulado periférico localizadas preferencialmente no centro do tronco (sobretudo regiões intermamária, interescapular e epigástrica), axilas e pescoço. As mucosas, palmas e plantas são geralmente poupadas. As lesões, na maioria das vezes, são assintomáticas, no entanto descamação fina e prurido podem estar presentes em alguns casos2,3.

A sua etiologia ainda é incerta, entretanto acredita-se que possa ser decorrente da alteração da diferenciação e maturação dos queratinócitos ou reação anormal da epiderme secundária a microrganismos4. Essas hipóteses são fundamentadas pelos achados de microscopia eletrônica que evidenciam alteração arquitetural das células da camada córnea, além da proliferação de grânulos lamelares nos queratinócitos da granulosa2,5, bem como o isolamento de Dietzia papillomatosis, actinomiceto aeróbico Gram-positivo, em paciente imunocompetente com PCR5. Provável predisposição genética tem sido investigada após relatos de casos familiares4,5.

Este artigo descreve caso clínico típico, com confirmação histopatológica e excelente resposta ao tratamento proposto, discute os diagnósticos diferenciais chamando a atenção dessa entidade, por vezes subdiagnosticada na prática clínica.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 14 anos, fototipo IV de Fitzpatrick, há dois anos iniciou quadro com surgimento de lesões acastanhadas periaxilares ligeiramente pruriginosas com descamação ocasional. Realizou tratamento prévio com creme de ureia 10% e antifúngicos tópicos sem melhora do quadro.

O exame físico evidenciou sobrepeso (peso: 78 kg, altura 166 cm, índice de massa corporal - IMC: 28,3), e pápulas pontilhadas, de superfície áspera, acastanhadas, confluentes e periaxilares com padrão reticulado periférico. O centro axilar bilateralmente apresenta papilomatose com aspecto macerado (Figura 1).

 

 

Foram sugeridas as hipóteses diagnósticas: pitiríase versicolor, dermatose terra firma-forme, acantose nigricans e PCR para as lesões periaxilares e na região central. Não houve resposta à realização de fricção com álcool 70% nas lesões. O exame micológico direto foi negativo. A glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada, insulina de jejum e índice de resistência insulínica HOMA (homeostasis model assessment) estavam dentro dos valores de referência. O exame histopatológico periaxilar evidenciou hiperceratose, papilomatose, adelgaçamento da granulosa e acantose focal interpapilar (Figura 2).

 

 

A clínica e os exames complementares confirmaram o diagnóstico de PCR nas lesões periaxilares, sendo instituído o tratamento com doxicicilina via oral 100 mg/dia associado a adapaleno 0,1%, tópico, à noite, por 60 dias.

Após o tratamento, observou-se regressão importante das lesões, exceto na área central de acantose nigricans, sendo mantida nas consultas de seguimento (Figuras 3 e 4).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A PCR é uma dermatose sem envolvimento sistêmico que acomete todas as raças, gêneros e faixas etárias, com predileção por adolescentes e adultos jovens do sexo feminino de 10 a 35 anos com fototipos mais altos1,2, dados compatíveis ao caso relatado.

Os critérios de diagnóstico da PCR foram propostos por Davis et al. (2006)6 com base em um estudo retrospectivo em 39 pacientes: (a) achado clínico de máculas/placas acastanhadas, algumas reticuladas e papilomatosas; (b) localização na porção superior do tronco e pescoço; (c) exame micológico negativo; (d) ausência de resposta a antifúngicos; (e) e excelente resposta à minociclina e/ou outros antibióticos.

O estudo histopatológico, ainda que não seja específico, pode apresentar hiperceratose, na maioria das vezes ortoceratósica, com papilomatose irregular, acantose focal e adelgaçamento da camada granulosa. Hiperpigmentação na camada basal, sem alteração no número de melanócitos também pode ser observada7.

O principal diagnóstico diferencial deverá ser feito com a pitiríase versicolor, cuja identificação do fungo ou de suas hifas pela preparação com KOH ou pela biópsia confirma a doença. As lesões cutâneas localizadas em áreas intertriginosas podem ser confundidas com acantose nigricans, mas a PCR extrapola as áreas classicamente afetadas pela acantose nigricans para lesões generalizadas pelo tronco e distingue-se também pela característica pontilhada das suas pápulas, no entanto muitas vezes podem coexistir no mesmo paciente2,8.

A dermatose neglecta e a dermatose terra firme-forme são condições raras clinicamente semelhantes à PCR. A primeira é decorrente do acúmulo progressivo de sebo, suor, queratina, restos celulares e impurezas exógenas, localizadas no tronco, ombros e pescoço, que podem ser removidas com água e sabão ou álcool 70%9-11. Já a segunda, é um distúrbio da maturação dos queratinócitos que, apesar da higienização normal, leva à retenção de queratina, sebo, suor e melanina preferencialmente no pescoço, face e tronco, não sendo removidas pela água e sabão, mas com excelente resposta à fricção com algodão embebido ao álcool 70%. A simples remoção das lesões de aspecto verrucosas com álcool 70% permite a distinção dessas condições clínicas com a PCR2,12.

Outros diagnósticos diferenciais possíveis com a PCR são com a amiloidose cutânea, cujos aspectos histopatológicos são diferentes da PCR; a doença de Darier, cujas lesões papulosas são de localização folicular e com distribuição regional típica6,8.

Na abordagem terapêutica, são descritos agentes tópicos (ceratolíticos, derivados da vitamina A e D, antimicrobianos) e sistêmicos (antibióticos e retinoides); no entanto, apesar de vários desses terem sido utilizados com sucesso relativo, não existe tratamento padrão4. Relatos mais recentes sustentam a eficácia da minociclina 100mg/dia, e inclusive de outras ciclinas, durante período variável de 8 a 10 semanas, sem recidivas após 12 meses, permitindo constatar ser essa alternativa segura e eficaz8,13,14. A isotretinoína oral na dose de 1 a 2mg/kg/dia por 8 semanas é relatada como possibilidade terapêutica em casos refratários2,15.

No caso apresentado, houve resposta favorável e sustentada por um período de um ano com uso de doxicicilina 100 mg/dia duas vezes ao dia associado a adapaleno 0,1% à noite, por 60 dias.

 

CONCLUSÃO

A PCR é uma dermatose rara, de curso benigno e etiopatogenia incerta, que surge na adolescência e que deve ser reconhecida precocemente, de forma a evitar diagnósticos e terapêutica equivocados, além de custos dispendiosos para os pacientes.

 

REFERÊNCIAS

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2. Basu P, Cohen PR. Confluent and Reticulated Papillomatosis Associated with Polycystic Ovarian Syndrome. Cureus. 2019 Jan;11(1):e3956. DOI: https://doi.org/10.7759/cureus.3956

3. Ferreira LM, Diniz LM, Ferreira CJ. Confluent and reticulated papillomatosis of Gougerot and Carteaud: report of three cases. An Bras Dermatol. 2009 Jan/Fev;84(1):78-81. DOI: https://doi.org/10.1590/s0365-05962009000100012

4. Usta JAR, Ghosn S, Wehbe MH. Confluent and reticulated papillomatosis subsiding spontaneously after delivery: Report of one case. Rev Med Chil. 2016 Nov;144(11):1494-6. DOI: https://doi.org/10.4067/S0034-98872016001100018

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