ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Distrofia muscular de Duchenne e suas intervenções terapêuticas: uma revisão integrativa da literatura
Duchenne muscular dystrophy and its therapeutic interventions: an integrative literature review
Lorena Rodrigues de Carvalho1; Layla Alvarenga Brito1; Marcos Salomão Staut Avelar1; Lucas Barros Xavier Augusto1; Luiza Thomopoulos Mariante1; Larissa Freitas Viggiani1; Henrique Valladão Pires Gama1
Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil
Endereço para correspondência Lorena Rodrigues de CarvalhoRecebido em: 14 Agosto 2023.
Aprovado em: 5 Maio 2024.
Data de Publicação: 19 Novembro 2024.
Editor Associado Responsável:
Dr. Enio Roberto Pietra Pedroso
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil.
Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Fontes apoiadoras: Não há.
Resumo
INTRODUÇÃO: A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) está associada a uma mutação no gene codificante da distrofina, presente no cromossomo X. As manifestações clínicas estão associadas à degeneração da musculatura, levando à fraqueza muscular, problemas de mobilidade e insuficiência respiratória. O diagnóstico rápido e preciso é importante para minimizar os sintomas e melhorar a sobrevida.
OBJETIVO: Fornecer uma visão abrangente dos métodos terapêuticos mais utilizados para tratar os sintomas de seus portadores.
MÉTODO: Revisão integrativa nas bases de dados PubMed, SciELO e Google Acadêmico usando como descritores "Duchenne Muscular Dystrophy", "Muscular Dystrophies", "Therapeutic", em português e inglês, com publicação entre 1998 e 2020.
RESULTADOS: A atividade física foi a intervenção terapêutica mais citada, em conjunto com o tratamento com corticoides, este com benefícios no desenvolvimento neurológico dos pacientes, juntamente com as promissoras terapias gênicas que possibilitam um tratamento mais assertivo. É importante ressaltar a importância da introdução de outros tratamentos individualizados. Essa combinação terapêutica associada com o diagnóstico precoce possibilita uma melhor evolução da doença e manejo dos sintomas, apesar de não existir cura. Essas, contudo, mostram-se opções esperançosas para o futuro, mas ainda carecem de estudos e popularização no presente.
CONCLUSÃO: A atividade física moderada é o tratamento mais recomendado, ainda que haja discordâncias entre os profissionais. Além de melhorar a mobilidade, é fundamental para minimizar os efeitos da insuficiência respiratória e da degeneração cardíaca - sintomas da DMD que representam maior risco aos pacientes. É importante tratar os pacientes de forma multidisciplinar, articulando recursos a fim de amenizar as consequências da distrofia e garantir um tratamento integral dos sintomas.
Palavras-chave: Distrofia muscular de Duchenne; Distrofias musculares; Terapêutica.
INTRODUÇÃO
A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) foi descrita pela primeira vez em 1961, na França, pelo médico Guillaine Benjamin Amand Duchenne. Essa enfermidade é considerada a mais frequente entre as miopatias degenerativas, com incidência estimada de 1 caso para 3500 indivíduos do sexo masculino1.
A DMD é geneticamente ligada ao braço curto do cromossomo X, especificamente no lócus Xp21, e é gerada por uma mutação no gene que codifica a proteína distrofina. A doença ocorre principalmente nos homens, e as mulheres são apenas portadoras na maioria dos casos, podendo desenvolver a doença em algumas situações, como na Síndrome de Turner ou no recebimento de dois genes afetados2. As mutações descritas são, em sua maioria (65%), resultantes de deleções, 30% ocorrem devido à mutação pontual e apenas 5% são duplicações2. Os estudos demonstram que um terço dos casos é decorrente de mutações novas, enquanto dois terços são herdados da mãe assintomática, já que os homens, em geral, não vivem tempo suficiente ou não têm condições de ter filhos2.
As mutações podem levar à produção anormal da distrofina ou até mesmo à sua ausência. Essa proteína compõe o sarcolema, membrana que envolve a fibra muscular ancorando-a ao citoesqueleto da célula. Em indivíduos com o sarcolema afetado, há uma instabilidade da membrana celular e da lâmina basal das células musculares, levando ao rompimento dessas estruturas quando há atividade muscular exacerbada. Essa ruptura ocasiona uma entrada massiva de cálcio no interior das células musculares promovendo, em última instância, a ativação de proteases e a necrose do músculo. Devido à morte celular, há uma liberação de enzimas presentes nas células musculares, em especial a creatinoquinase (CK), para o sangue3. No início da doença, as fibras musculares se regeneram; porém, com o passar do tempo, a necrose se sobrepõe à regeneração e o músculo vai sendo substituído por tecido fibroadiposo3.
Os sintomas clínicos da DMD estão presentes desde o nascimento, mas ficam evidentes a partir dos três anos de idade. As alterações mais frequentemente notadas são fraqueza muscular, principalmente nos membros inferiores, problemas de equilíbrio, atraso no desenvolvimento psicomotor e deformidades ortopédicas. A degeneração da musculatura respiratória é a principal responsável pelas complicações que podem levar a óbito durante a segunda ou terceira década de vida do paciente. Associado aos problemas respiratórios, o comprometimento cardíaco é a segunda principal causa de morte dos portadores da DMD3.
O diagnóstico da DMD é obtido a partir da análise dos sintomas, acompanhado pela história familiar, por pesquisas genéticas, pela dosagem sérica da CK e por biópsia muscular ou microscopia eletrônica. Existe um consenso entre os pesquisadores da DMD, que relatam a frequente demora no reconhecimento e no diagnóstico em quase todos os pacientes. De acordo com eles, esse atraso prejudica o aconselhamento genético familiar e a eficiência dos tratamentos precoces1. Em todos os casos, é necessário reconhecer qual é a melhor intervenção terapêutica a ser realizada de acordo com cada paciente, considerando a evolução da doença para amenizar os efeitos patogênicos e aumentar a qualidade de vida dos portadores.
Dentre os tratamentos utilizados na DMD, o mais recorrente na literatura médica é a fisioterapia, que mantém a força muscular e a mobilidade, além de prevenir as complicações respiratórias, visando promover independência aos pacientes para as atividades diárias. Por outro lado, pesquisas alertam que os exercícios físicos que requerem muita força podem ser prejudiciais e potencializadores da evolução da doença, por isso é necessário cuidado para não fadigar a musculatura fragilizada durante as sessões fisioterápicas3.
Outra possível opção de tratamento comumente adotada é o uso da hidroterapia em crianças portadoras da DMD. É relatado que a água aquecida pode facilitar os movimentos pela força do empuxo e o calor pode aliviar as dores da musculatura4. Além do exposto, a piscina é um ambiente proveitoso para atividades infantis de diferentes faixas etárias, e relatos de casos têm confirmado alterações significantes em relação às pressões inspiratórias e expiratórias4.
Entre as estratégias terapêuticas, os corticosteroides glicocorticoides têm emergido como medicações promissoras para atenuar a progressão dos sintomas e otimizar a funcionalidade dos pacientes. Além disso, outras medicações imunossupressoras, como o deflazacort, estão sendo pesquisadas e utilizadas no longo prazo. Em paralelo às medicações, a investigação genética proporcionou novas informações das mutações e suas conexões com as manifestações clínicas. Apesar dos avanços, os desafios para encontrar terapias mais eficazes requerem contínua pesquisa para aprimorar a compreensão da doença e a qualidade de vida dos pacientes afetados5-8.
OBJETIVOS
Esta revisão integrativa tem por objetivo compilar dados de diferentes tipos de tratamento que podem ser oferecidos aos pacientes acometidos pela DMD e a relação com a melhora observada nos pacientes. Destaca-se a importância de conhecer formas terapêuticas alternativas considerando o variado espectro de severidade apresentada pelos pacientes e, mais importante, a necessidade de mais pesquisas científicas voltadas para contribuição na melhora da qualidade de vida desses indivíduos e suas famílias.
MÉTODOS
Foi realizado um trabalho de revisão integrativa elaborado diante das perguntas norteadoras: "quais são as intervenções terapêuticas usadas no tratamento da DMD?" e "quais são os impactos do diagnóstico e dos tratamentos na qualidade de vida do paciente e da família?"
Foram incluídos relatos de casos e estudos qualitativos e quantitativos que abordam as formas de tratamento da DMD, com data de publicação entre 1998 e 2020. Além disso, os artigos de revisão e artigos com resumos que não se aplicam à temática ou não respondem ao questionamento norteador foram excluídos.
Para seleção dos artigos foram utilizadas bases de dados eletrônicas PubMed, SciELO e o buscador acadêmico Google Scholar. Utilizaram-se os seguintes descritores em português: "Distrofia Muscular de Duchenne", "tratamentos", "intervenções terapêuticas". O principal operador booleano utilizado para as pesquisas foi o "and", seguido pelo "or".
A investigação, executada em março de 2022, foi iniciada pela seleção de artigos a partir da leitura dos títulos e resumos, buscando a exclusão dos que não atendiam ao objetivo desta pesquisa científica. Primeiramente, na busca da base de dados foram localizadas 240 referências sobre o assunto. Após a leitura de títulos e resumos, seguindo os critérios de inclusão, sendo esses artigos originais, data de publicação e exclusão, foram escolhidos 14 artigos originais que, lidos integralmente, foram aprovados para dar sequência ao trabalho. Os idiomas dos artigos pesquisados e incluídos na revisão foram o inglês e o português.
RESULTADOS
O estudo "Análise de dois casos de DMD na Zona Rural de Manhuaçu", realizado por Lopes et al. (2018)2, teve o objetivo de estudar o caso de dois irmãos, não gêmeos, portadores de DMD. A intenção da investigação foi analisar as características da doença de cada paciente, levando em consideração os aspectos genéticos, fisiológicos e imunológicos da doença, comparando o caso com artigos que abordam o tema. Os principais resultados obtidos foram que o diagnóstico da DMD normalmente é tardio, uma vez que os médicos muitas vezes não sabem identificar a doença. Essa dificuldade de identificação pode ocorrer pelo tempo de espera dos resultados do exame, pela falta de informação das características da condição clínica da família para os médicos e pelo não comparecimento das crianças nas consultas. O diagnóstico dos irmãos foi feito levando em conta a clínica de fraqueza muscular, início da marcha tardia de um dos irmãos, o de 9 anos, já o irmão mais novo, 7 anos, iniciou a marcha no período adequado, mas tem hábito de andar na ponta dos pés do outro irmão, além disso, as quedas frequentes e dificuldade em performar habilidades como saltar, correr e brincar foram levadas em consideração.
Ademais, eles tiveram achados laboratoriais significativos, alterações nos níveis da enzima creatinofosfoquinase (CPK), sendo a técnica laboratorial mais específica para análise desse tipo de lesão muscular. Quanto antes o tratamento é iniciado, menor é a evolução da doença, no caso estudado, os dois irmãos tiveram o diagnóstico tardiamente, pois a média no Brasil é de 7,5 anos, sendo que no irmão mais velho a distrofia foi confundida com problemas no quadril. Por se tratar de uma doença genética, não existe tratamento eficaz, sendo utilizado como terapia de controle dos sintomas corticoides e fisioterapia, para além de alívio dos sintomas, fortalecimento muscular e retardo do avanço da condição clínica. Essa alternativa de tratamento foi a escolhida pela família dos pacientes, para retardo da doença e manejo dos sintomas.
O segundo estudo analisado, denominado "Alterações fisiológicas e metabólicas em indivíduo com DMD durante tratamento fisioterapêutico: um estudo de caso"3, teve o objetivo de avaliar as alterações fisiológicas e metabólicas em indivíduos com DMD durante um programa de fisioterapia, relacionando-as com a percepção subjetiva de esforço (PSE) e foi realizado por Gevaerd et al. (2013)3. O estudo foi desenvolvido com a análise de dados de apenas um paciente, um indivíduo de 17 anos, do sexo masculino, com diagnóstico de DMD. Ele apresentou os primeiros sintomas, como quedas constantes, sensação de fraqueza e dificuldades para deambular, aos 4 anos de idade. Aos 5 anos foi diagnosticado com DMD, e aos 10 anos a criança não conseguia mais deambular sem auxílio e começou a utilizar a cadeira de rodas, também nessa idade iniciou o tratamento fisioterapêutico. Para o estudo, foram mensurados os dados de PSE, FC, FR, PA, [LA] e [GLI] de repouso. Sendo que essa mensuração está dividida em três partes: nos intervalos de 0 a 15 minutos; 15 a 30 minutos e 30 a 45 minutos, sendo também realizada antes de começar a sessão de terapia.
Cada fase teve procedimentos e objetivos distintos, visando às diferentes debilidades apresentadas pelo voluntário. Ao final do estudo, foram realizadas 6 sessões de fisioterapia, com intervalos de 1 ou 2 dias entre cada atendimento, em cada sessão foram realizadas 4 coletas dos dados de FC, FR, PA, PSE, [LA] e [GLI], sendo uma em repouso e as demais ao final de cada fase da sessão fisioterapêutica. Após análise dos dados coletados, foi observado que a PSE aumenta em consequência das sessões de fisioterapia. Também foi possível perceber uma relação linear entre as variáveis metabólicas e a PSE, e que as variáveis fisiológicas não apresentam relação proporcional com a PSE.
Outro estudo analisado foi o de Caromano et al. (1998)4 com o objetivo de analisar as respostas fisiológicas em 20 crianças do sexo masculino entre 8 e 15 anos portadoras de DMD, em sessões de hidroterapia de 40 minutos com exercícios ativos de deambulação e com exercícios respiratórios. A análise dos dados foi realizada através da diferença das médias entre os períodos de medição de cada uma das cinco variáveis estudadas para o grupo de crianças. Acerca da frequência cardíaca, observou-se uma redução de 7,3 bpm entre o período inicial de imersão e o período pré-imersão. Entre o período final de imersão e o início da imersão houve um aumento médio de 7 bpm e observou-se também um decréscimo médio de 0,3 bpm entre o período pré-imersão e final da imersão. A temperatura oral apresentou um acréscimo de 0,1 °C entre o período final de imersão e o período inicial de imersão. Em relação à saturação de oxigênio, foi observado um decréscimo nos valores obtidos após a imersão, onde ocorreu diminuição de 2,7% entre o período inicial de imersão e o pré-imersão, além disso, houve um aumento de 0,9% entre o período inicial e final da imersão. Sobre a pressão inspiratória máxima ocorreu um decréscimo de 8 cm de água entre o período inicial de imersão e o período pré-imersão. Por outro lado, a pressão expiratória máxima entre os períodos pré-imersão e inicial de imersão foi observado um acréscimo de 7,4 cm de água.
O estudo Avaliação da frequência cardíaca e da pressão arterial em solo e imersão em pacientes com DMD foi feito por Franzini et al. (2012)9 com o objetivo avaliar a diferença entre a frequência cardíaca (FC) e a pressão arterial (PA) em solo e imersão em pacientes com DMD. Para isso, foram mensuradas e analisadas a FC e PA de 32 indivíduos portadores dessa doença, em solo e após sua imersão em 3 estágios, sendo eles imersão na sétima vértebra cervical, no processo xifoide e em flutuação dorsal, sendo eles divididos em 2 grupos expostos a tempos distintos de imersão. Dentre os principais resultados deste estudo, pode-se apontar uma redução significativa da FC durante e após a imersão dos pacientes, e um aumento importante da PA sistólica e diastólica após a imersão, em ambos os grupos. Quanto à FC, nota-se que esta reduziu de 105 bpm para 99 bpm no grupo A e de 102,5 bpm para 97,5 bpm no grupo B. Acerca da PA, percebe-se um aumento tanto diastólico quanto sistólico em ambos os grupos, sendo que após a imersão ela subiu de 106,8 x 66,5 mmHg para 115,3 x 76 mmHg na média das medidas de indivíduos do grupo A e de 107,5 x 68,4 mmHg para 113,3 x 77,17 mmHg na média das medidas de indivíduos do grupo B. Essas alterações detectadas foram relacionadas a um conjunto de respostas cardiovasculares desencadeadas pela imersão dos pacientes, promovendo um aumento do retorno venoso, do enchimento cardíaco e do volume de contração em pacientes com DMD. Sendo assim, o estudo conclui a necessidade da avaliação da FC e da PA para determinação do tempo de imersão na conduta da hidroterapia em pacientes com essa doença.
O estudo de Pereira et al. (2020)10, denominado "Avaliações simples da função motora e de baixo custo podem ajudar na suspeita diagnóstica da distrofia muscular de Duchenne?", por sua vez, objetivou determinar a sensibilidade de métodos simples e baratos na triagem de crianças para diagnóstico precoce da DMD, sendo eles tempo para levantar, tempo para andar 10 metros e tempo para correr 10 metros. Nesse trabalho 472 crianças foram analisadas segundo tais parâmetros, sendo 344 delas saudáveis e 128 sabidamente portadores da doença em questão, de forma a mensurar a diferença entre as medidas obtidas por esses grupos e assim avaliar a eficiência desses testes.
Dentre os principais resultados deste estudo, observouse uma piora progressiva e significativa nos 3 testes motores, ocorrendo em média a partir dos 7 anos de idade. Nos testes "tempo de levantar do solo" e "tempo de andar 10 metros", a piora foi mais acentuada entre os 6 e 9 anos de idade, sendo os parâmetros estáveis até os 5 anos e após os 9, a maior parte dos pacientes não conseguia realizar tais atividades. Quanto ao tempo de correr 10 metros, foi observada uma piora mais precoce desse parâmetro sendo significativa desde os 4 anos de idade e progredindo de forma acelerada até os 7 anos, tornando os pacientes incapazes de continuá-lo após essa idade. A partir da análise desses dados, os autores foram capazes de definir pontos de corte para triagem, sendo eles para "Tempo de levantar", 2 segundos; para "Tempo de andar 10 metros", 5 segundos, e para "Tempo de correr 10 metros", 4 segundos, sendo esses bons parâmetros para suspeita precoce da DMD em crianças, favorecendo o diagnóstico precoce dessa comorbidade.
Ainda sobre a avaliação da capacidade funcional de pacientes com DMD, o estudo "Avaliação de pacientes com distrofia muscular de Duchenne em laboratório computadorizado de marcha através do índice de alteração da marcha", de Melanda et al. (2011)11, objetiva avaliar a aplicação e correlação do índice de alteração de marcha (GDI), escala de mobilidade funcional (FMS) e o índice de Sutherland (IS) em portadores de DMD, a fim de traçar, de forma mais completa, o perfil de manifestações dessa doença, e assim favorecer e potencializar sua abordagem terapêutica.
Neste estudo foram incluídos 11 portadores de DMD do sexo masculino com idade entre 6 e 11 anos, sendo esses submetidos aos referidos testes, para avaliar, ao final da análise, as principais alterações da DMD. Sendo assim, os principais resultados apresentados foram o GDI médio de 82,5 (±13,5), sendo valores ≥100 esperados para normais, FAQ, FMS (50/500m) e forte com IS (p>0,83 e p≤0,05), de forma que a autora conclui a grande eficácia do uso desses parâmetros para avaliação das alterações mais significativas da DMD e seu impacto na qualidade de vida do paciente, podendo ser usados, portanto, para determinação e estudo de novas abordagens terapêuticas.
Aliado à avaliação da funcionalidade dos pacientes portadores de DMD, o estudo "Quantification of muscle strength and motor ability in patients with Duchenne Muscular Dystrophy on steroid therapy", de Parreira et al. (2007)12, visa comparar a força muscular e as habilidades motoras desses pacientes quando submetidos à corticoterapia. Esse trabalho contou com a participação de noventa pacientes com idade entre 5 e 12 anos que apresentavam DMD, sendo esses submetidos à corticoterapia utilizando deflazacort ou prednisolona, por um período variável de um a sete anos, avaliando-se a evolução natural da doença e o impacto da terapia com corticoides nesta. Ao fim do estudo, notou-se que o índice MRC, utilizado para avaliar a força muscular, foi menor, em média, em pacientes cuja idade de avaliação foi de nove anos ou mais. Com isso, concluiu-se que a relação idade/MRC decresce em média 0,80 pontos a cada ano de aumento da idade (3,65 pontos na história natural). Somado ao índice MCR, a relação idade/escore Hammersmith, usada na avaliação da parte neurológica infantil, diminuiu 0,76 pontos a cada ano de aumento da idade (2,23 pontos na história natural), apontando assim para uma redução do desenvolvimento neurológico progressivo nesses pacientes.
No estudo, "Genetic diagnosis as a tool for personalized treatment of Duchenne muscular dystrophy", de Bello e Pegoraro (2016)13, foi analisado o aconselhamento genético como uma melhor alternativa de manejo dos pacientes portadores de DMD, providenciando tratamentos mais assertivos e individualizados.
Esse estudo levou em consideração para essa afirmação os pacientes MLPA positivos e negativos, delimitando o melhor tratamento para cada grupo. Sendo os pacientes com MLPA positivo, mostrando skipping dos exons 44, 45, 51 ou 53 são mais propensos ao tratamento com oligonucleotídios antissenso ou, no caso do exon 51, aos estudos clínicos com a droga eterplisen nos EUA. Já os pacientes com MLPA negativo, mas com mutações nonsense, são mais aptos ao tratamento com compostos de transleitura de códon de parada, como o ataluren. Há, ainda, novos estudos clínicos promissores com o uso de CRISPR-Cas9 para mutações específicas da DMD.
No artigo de Santos et al. (2006)14, com o título, "Perfil clínico e funcional dos pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne assistidos na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM)", foi realizada uma análise e caracterização do perfil clínico e funcional apresentado por pacientes com DMD que realizam acompanhamento na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM).
Para essa análise, foram coletados 58 prontuários médicos de indivíduos entre 9-25 anos de forma a coletar inúmeros dados, como idade, que é mais frequente na faixa etária da adolescência, enquanto as complicações clínicas mais frequentes foram: hipoventilação, retrações e encurtamentos musculares, principalmente dos membros inferiores, e deformidades osteoarticulares como a retificação da região torácica e lombar da coluna vertebral. Somado a isso, em questão do nível de independência em relação à funcionalidade, foi percebida a dependência para atividades de higiene, vestuário e locomoção. Por fim, foi classificado como heterogêneo o perfil clínico e funcional desses pacientes de modo que a progressão da doença varia de indivíduo para indivíduo dentro da população estudada, mesmo considerando a faixa etária.
A comparação da qualidade de vida de pacientes diagnosticados com DMD em duas perspectivas sob a dos próprios pacientes e seus cuidadores, realizada por meio da escala AUQEI (Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé), foi analisada no artigo "Qualidade de vida: análise comparativa entre crianças com distrofia muscular de Duchenne e seus cuidadores", de Gonçalves et al. (1999)15. Essa avaliação se resume a um questionário com a escala da qualidade de vida da criança, capaz de avaliar a sensação subjetiva de seu bem-estar, e foi aplicada para 36 indivíduos, sendo 18 pacientes com diagnóstico de DMD (faixa etária entre 6 e 12 anos) e 18 cuidadores. A análise das variáveis categóricas foi feita através do Teste Exato de Fisher e das variáveis numéricas pelo Teste de Student. Por fim, podese perceber que não houve diferenças analíticas entre as respostas dos 2 grupos entrevistados e que ambos julgaram que os pacientes possuem boa qualidade de vida.
Uma outra opção para intervenção terapêutica em pacientes portadores de DMD com insuficiência respiratória é a ventilação mecânica não invasiva, porém muitos pacientes jovens não se adaptam a esse tipo de interface. A análise "Ventilação bucal na distrofia muscular de Duchenne: uma estratégia de resgate para pacientes não aderentes", realizada por Fiorentino et al. (2017)16, discorre sobre esse tema. São avaliados dois pacientes que se negavam a utilizar a ventilação não invasiva, por desconforto físico e por inconvenientes sociais do método, que prejudica principalmente a comunicação e pode causar claustrofobia.
A aceitação de ambos os pacientes à ventilação bucal foi além do esperado, e sua utilização diminuiu a apneia do sono do paciente 1 e melhorou o padrão respiratório noturno do paciente 2, que apresenta síndrome de hipoventilação do sono. A ventilação bucal mostrou diminuir a necessidade de backups e ajustes de equipamento, reduziu o sopro de ar nos pacientes e evitou o disparo de alarmes nos aparelhos, o que aumenta e facilita a adaptação dos pacientes ao aparelho.
Os corticosteroides são muito utilizados no tratamento de DMD. No estudo "Developing standardized corticosteroid treatment for Duchenne muscular dystrophy" descrito por Guglieri et al. (2017)17, foram avaliadas as intervenções com corticosteroides em crianças portadoras de DMD, levando em consideração as prescrições de esteroides mais comuns, as complicações desses tratamentos e a prevenção dos efeitos colaterais. Foram acompanhadas 300 crianças, em 5 diferentes países, durante 3 anos, e foram aleatoriamente designadas a um de três diferentes regimes de corticoterapia: prednisolona diária, deflazacort diário ou doses intermitentes de prednisolona (10 dias sim/10 dias não).
Os tratamentos em dias alternados demonstraram ser menos eficaz que o tratamento diário e apesar das evidências claras e consistentes dos benefícios da corticosteroides na DMD, as prescrições permanecem altamente variáveis entre os países. Existem algumas nações como a França e a China em que os corticosteroides são prescritos com pouca frequência e no restante dos lugares com mais frequência. O estudo mostrou que a sobrevivência dos pacientes tem sido prolongada do final da adolescência até o final dos 20 anos, possivelmente devido aos cuidados com a saúde do portador, incluindo o uso de corticosteroides. Os fatores responsáveis pela não aceitação do uso de corticosteroides incluem as preocupações com efeitos colaterais e a falta de familiaridade para preveni-los. Por fim, os autores expõem a necessidade da aprovação de uma padronização no tratamento da DMD, a fim de garantir o uso de corticosteroides, melhorando o cuidado em saúde dos pacientes com essa doença.
DISCUSSÃO
Em relação aos casos de intervenção e seus resultados, pode-se inferir que, apesar da DMD ser incurável, deve haver um tratamento multidisciplinar para minimizar os sintomas e garantir o bem-estar do paciente. Essa doença apresenta manifestações clínicas desde o nascimento, sendo cruciais o diagnóstico e o início do tratamento precoces. De modo geral, a literatura analisada expõe como principais tratamentos a fisioterapia, o exercício físico de baixo impacto e a hidroterapia, além de avaliações da frequência respiratória (FR). Os corticoides são uma opção válida de tratamento medicamentoso. Por último, o aconselhamento genético na DMD traz uma nova era de tratamentos moleculares promissores, que prometem muitos avanços nas intervenções clínicas em casos de distrofia nas próximas décadas.
O início da luta contra a evolução da DMD se dá no diagnóstico da doença, essencial para tratamentos direcionados. Pereira et al. (2020)10 realizaram um ensaio clínico no qual 472 crianças, sendo 344 saudáveis e 128 portadoras da DMD, foram submetidas a 3 testes motores simples e baratos: tempo de levantar, tempo de andar 10 metros e tempo de correr 10 metros. Esses testes visam verificar a diferença nos resultados entre os grupos e, a partir disso, estabelecer parâmetros para triagem de indivíduos portadores da distrofia, permitindo um acompanhamento e um tratamento mais precoces10.
Nesse trabalho, foram observados resultados com diferenças significativas entre os grupos a partir dos 7 anos, nos tempos de levantar e de andar. Essa idade é o período no qual há uma piora intensa e progressiva do quadro clínico da DMD. A partir disso, os autores foram capazes de delimitar valores dentro dos testes motores que indicam fortemente a manifestação da doença, relacionados aos tempos de levantar, andar e correr, o que habilita a introdução desses testes nos exames pediátricos. Esses parâmetros favorecem um diagnóstico precoce através da sua utilização como triagem no exame físico pediátrico, permitindo um início de tratamento antes de complicações mais graves da DMD, tendo, portanto, grande potencial para a melhora da qualidade de vida destes pacientes10.
Lopes et al. (2018)2 descreveram um relato de caso de dois irmãos, de 7 e 9 anos, diagnosticados com DMD. Os pesquisadores construíram um heredograma a partir do histórico familiar e usaram exames das crianças para comparar os casos com trabalhos sobre o tema. Concluiuse que a progressão da enfermidade e suas complicações, embora sejam semelhantes em alguns sintomas, variam consideravelmente de acordo com o portador. Além disso, é exposta a necessidade de um diagnóstico correto e criterioso, fato evidenciado pelo relato da proposta de cirurgia ortopédica nos pacientes, uma vez que a equipe médica acreditou, inicialmente, de forma equivocada, que o quadro dos irmãos se devia a um problema ósseo2.
No campo das possibilidades diagnósticas da DMD, o aconselhamento genético, primeiro passo para se empregar um tratamento molecular personalizado, é uma ferramenta importante para serem estabelecidas as causas exatas da distrofia, determinando os éxons de mutação de cada paciente. No entanto, a variabilidade genética da DMD é muito ampla, o que gera diferentes manifestações e progressões de acordo com o organismo e com o genoma de cada um de seus portadores13. Esse fato torna difícil a utilização de um recurso terapêutico generalizado, mas o avanço dos tratamentos moleculares favorece a intervenção individual e personalizada nas terapias das distrofias. Hoje, para Bello e Pegoraro (2016)13, o método diagnóstico ideal é o tratamento genético, desenvolvido a partir de métodos moleculares de diagnóstico para a adoção de tratamentos direcionados às características de cada paciente13.
A partir daí, será possível escolher drogas, intervenções e terapias mais assertivas de acordo com as particularidades da manifestação da DMD em cada um. Assim, tem-se a terapia genética como promissora, mas a maioria das intervenções estudadas encontra-se ainda em fase de testes. Por isso, esse tipo de diagnóstico e de tratamento são, ainda, muito caros e inacessíveis à maioria da população, o que atrapalha seu uso de maneira generalizada.
Diante da realidade geral da população, o tratamento mais aceito quando se fala das distrofias musculares é a fisioterapia. Gevaerd et al. (2013)3 expõem um estudo desenvolvido com um paciente de 17 anos, portador de DMD em que foram avaliadas a frequência respiratória (FR), a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial (PA), as concentrações de lactato e glicose no sangue e a percepção subjetiva do paciente. Nesse trabalho, foi realizada fisioterapia em três etapas: mobilização passiva para alongar a musculatura, condicionamento respiratório e movimentos ativos do indivíduo de força moderada. Ao final da sessão, a coleta de dados foi repetida e observaram-se as seguintes mudanças: a PSE e a concentração de lactato aumentaram linearmente ao decorrer da fisioterapia; a concentração da glicose e a FR não se alteraram; a FC variou de forma aleatória, e a PA reduziu3.
Dentre os resultados desse estudo, observou-se que a fisioterapia, além de trabalhar na manutenção da mobilidade e da força muscular, tem um papel crucial na prevenção de complicações respiratórias nos pacientes3. Devido ao enfraquecimento do diafragma com a progressão da doença, há uma maior dificuldade de ventilação nos portadores de DMD, o que resulta em insuficiência respiratória, comum nesses pacientes3. Ainda segundo Gevaerd et al. (2013)3, a utilização da Escala CR10 de Borg para PSE, na fisioterapia dos portadores da DMD, pode ser de extrema importância para graduar o cansaço do paciente, uma vez que a fadiga é o fator limitante do tratamento. Entretanto, esses dados são baseados em apenas um estudo de caso e é preciso aprofundá-los em novas pesquisas.
Em outro estudo com enfoque nos sinais vitais de pacientes portadores da DMD, Franzini et al. (2012)9 avaliam a FC e a PA em repouso e em imersão, além de delimitar a importância do tempo de exercício e sua intensidade, uma vez que variações drásticas nos níveis dos sinais vitais são muito perigosas, principalmente em pacientes fragilizados, como os portadores da DMD, que costumam apresentar sério acometimento do miocárdio e do diafragma. Diante disso, notou-se uma diminuição significativa da FC naqueles que permaneceram em imersão, além de aumento importante da PA nos pacientes que foram submetidos à flutuação dorsal9.
A maior parte dos autores alerta sobre atividades que requerem força muscular máxima contra a ação da gravidade, já que essas podem aumentar a degeneração muscular e ocasionar uma evolução mais rápida da DMD nas crianças portadoras. Apesar desse alerta, alguns autores, dentre eles Franzini et al. (2012)9, afirmam também que a atividade física é necessária, uma vez que a inatividade é completamente desaconselhável e seus efeitos são considerados potencializadores da progressão da doença. Assim, atividade física regular de baixo impacto é a prescrição mais adequada e consensual para os portadores de DMD.
Caromano et al. (1998)4 fizeram coletas de dados durante sessões de hidroterapia com 20 crianças do sexo masculino, portadoras de DMD, utilizando como variáveis a FC, saturação de oxigênio, pressão inspiratória máxima e pressão expiratória máxima dos pacientes. Nesse estudo, foram observadas alterações significativas das pressões inspiratória e expiratória máximas, havendo um decréscimo de 8 cm de água e um acréscimo de 7,4 cm de água, respectivamente, após a imersão. Somadas a isso, observaram-se mudanças pouco expressivas na frequência cardíaca e na saturação de oxigênio, comprovando que a hidroterapia auxilia no processo respiratório e não sobrecarrega as crianças portadoras da DMD4.
Sendo assim, Franzini et al. (2012)9 e Caromano et al. (1998)4 concordam que a hidroterapia é uma atividade de grande eficiência para portadores da DMD, apesar de apresentarem métodos e avaliações distintas. Por se tratar de uma atividade de baixo impacto e estímulo razoável para o organismo, a hidroterapia está relacionada a menores riscos de sobrecarga muscular e, consequentemente, evita evoluções negativas dos quadros dos pacientes4,9.
Assim como Franzini et al. (2012)9, Gevaerd et al.(2013)3 defendem a prática controlada de atividades físicas adequadas às necessidades do portador, com o objetivo de desenvolver equilíbrio e aumentar a força de contração da musculatura respiratória. Entretanto, outros estudiosos acreditam que existem dificuldades para alcançar esses objetivos, pelas próprias limitações do portador de DMD, principalmente em função da fraqueza muscular. Além disso, os métodos empregados na reabilitação são bastante restritos em razão do cuidado necessário para não fadigar o paciente, visto que a exaustão muscular pode agravar seus quadros3.
Sobre as intervenções medicamentosas na DMD, o estudo de Parreira et al. (2007)12 disserta sobre a corticoterapia no tratamento de pacientes. O trabalho compara a força muscular e as habilidades motoras de pacientes submetidos ao tratamento com prednisona, prednisolona e deflazacort, corticosteroides empregados com o objetivo de reduzir os ritmos de perda muscular, de avanço da escoliose e de confinamento em cadeiras de rodas12. Numa avaliação com o índice MRC, que mede a força muscular, foi observado que pacientes com idade superior a 9 anos apresentaram pior resposta ao tratamento medicamentoso, o que corrobora a ideia de que as intervenções devem ser precoces. Além disso, foi possível inferir que, nas crianças tratadas com corticoides, a evolução da doença se deu de maneira mais lenta. Portanto, de acordo com os autores, esse tratamento pode aumentar a força muscular, prolongar a deambulação, diminuir o avanço de problemas ortopédicos e de doenças cardíacas, além de aumentar a capacidade pulmonar12.
Contudo, é necessário intervir a partir dos primeiros sinais e sintomas, a fim de desenvolver terapias eficazes e melhorar a qualidade de vida dos pacientes significativamente12.
Apesar desses estudos mostrarem que o uso de corticosteroides pode reduzir a expectativa da perda de força muscular dos portadores de DMD com o passar do tempo, ele não modifica a história da doença. Atualmente, existem pesquisas sobre tratamentos que realmente alterem esse aspecto11.
Segundo Melanda et al. (2011)11, o acompanhamento computadorizado da marcha pode auxiliar esses novos tratamentos, uma vez que ele permite a avaliação global da deambulação após uma intervenção, que não pode ser detectada diretamente no local da intervenção. Além disso, o índice de alteração de marcha (GDI) se demonstrou capaz de mensurar a marcha e produzir um índice numérico único, que funciona como uma nota para a deambulação do indivíduo, através de nove variáveis coletadas em máquinas tridimensionais11. Correlacionado ao GDI, o questionário de avaliação funcional (FAQ) permite que o profissional avaliador entenda como é o cotidiano do portador, e a escala de mobilidade funcional (FMS) proporciona a classificação da capacidade de locomoção e percepção de alterações no decorrer do tempo para distâncias de 5, 50 e 500 metros. Essa avaliação multifatorial permite traçar o perfil de manifestações da doença de maneira mais completa, facilitando a abordagem ao paciente com terapias adequadas11.
Guglieri et al. (2017)17 estão desenvolvendo um ensaio clínico, em 5 países, com crianças de 4 a 7 anos portadoras de DMD. Esse ensaio avalia o tratamento com corticosteroides e busca estabelecer uma conduta padronizada de manejo dos pacientes com distrofia. Durante 3 anos, um grupo de 300 crianças de todo o mundo será tratado, randomicamente, com protocolos de prednisolona diária, deflazacort diário ou prednisolona intermitente (10 dias sim, 10 dias não)14. Diante disso, os pesquisadores poderão avaliar a eficácia dos tratamentos, efeitos colaterais comuns e sua prevenção, a partir dos critérios de avaliação pré-estabelecidos. Esse estudo, além de promissor, é uma grande esperança para o desenvolvimento dos conhecimentos acerca do tratamento com corticoides na DMD, que ainda carece de evidências, mas já se mostra eficaz para prevenir a evolução da doença14.
Diante dessas possibilidades, é importante observar o perfil geral do paciente de DMD, apesar dos mais diversos quadros de manifestação da distrofia. Santos et al. (2006)14 apresentam uma pesquisa realizada em prontuários de 58 pacientes do sexo masculino em tratamento fisioterápico, com o objetivo traçar o perfil clínico e funcional dos portadores de DMD. Os dados colhidos eram referentes à idade, às complicações clínicas, às atividades diárias, ao uso de órteses, à idade de perda da marcha, ao controle do tronco, ao sinal de Gowers e à presença de encurtamentos, retrações e alterações da coluna vertebral.
Em relação à idade, a maioria era adolescente e tinha entre 9 e 25 anos14. Quanto às complicações clínicas mais frequentes, observaram-se retrações, hipoventilação e alteração das curvaturas da coluna vertebral. Sobre o grau de independência em relação à funcionalidade, é exposta a questão da alimentação com e sem apoio, e inferiu-se que, dentro da alimentação, 64,6% eram independentes com apoio e 35,4% sem apoio14. O sinal de Gowers foi numericamente relevante entre 6 e 8 anos de idade e a perda da marcha variou de 6 a 17 anos. Além desses dados, foi observado que, a partir de 13 anos de idade, os pacientes começaram a cursar com miocardiopatias e, entre os músculos afetados, o diafragma foi o último a apresentar acometimento, o que é uma vantagem, visto que esse é o principal músculo responsável pela respiração14. A perda óssea foi encontrada em 31% da população estudada e foi constatado no estudo que ela pode ser agravada pelo uso de corticosteroides.
Em contrapartida, Parreira et al. (2007)12 apresentam a terapia com corticosteroides como possível redutora de problemas ortopédicos, o que leva à necessidade de estudo dessa divergência em futuras pesquisas. Já Santos et al. (2006)14 apontam que o perfil clínico e funcional dos pacientes com DMD é diversificado, ou seja, a evolução da doença é diferente para cada portador.
Nos quadros de progressão da DMD, o sintoma mais incômodo e perigoso é a insuficiência respiratória, que se intensifica com a lesão tecidual do diafragma. Diante desse sintoma, é muitas vezes necessária uma intervenção ventilatória para garantir a oxigenação adequada do organismo do paciente, evitando desfechos drásticos como paradas cardiorrespiratórias17.
Nesse sentido, Fiorentino et al. (2017)16 discutem a utilização de dispositivos de ventilação bucal em substituição à tradicional ventilação não invasiva (VNI). Os pesquisadores descrevem que a VNI é objeto de resistência dentre os pacientes que necessitam de suporte ventilatório, dado o compilado de inconveniências que o apetrecho apresenta. Ele é composto de uma máscara grande, que cobre toda a face, conectada ao aparelho que realiza a ventilação do paciente. Essa máscara, além de não se adaptar bem a todos os tipos de rosto, pode causar lesões por contato e dificulta a comunicação do paciente, que não consegue, por exemplo, chamar seus familiares. Todos esses fatores desencorajam o tratamento, o que leva a piora dos quadros e má evolução dos pacientes.
Assim, a ventilação bucal (VB) se mostrou uma excelente alternativa à VNI tradicional17. A adesão ao tratamento foi intensamente maior e os resultados dos pacientes foram aprimorados graças a isso. Os dois pacientes do estudo relataram melhoras em relação aos desconfortos da VNI, como vazamento de ar, que acabou com a VB, acionamento indevido de alarmes, que ocorria com frequência já que as máscaras não se adaptavam, e menor necessidade de backups17. Pessoalmente, o quadro de apneia do sono do paciente 1 foi diminuído e, para o paciente 2 foi conferida melhora no padrão respiratório noturno e redução do esforço respiratório, melhorando seu quadro de síndrome de hipoventilação do sono. Dessa maneira, é evidente a importância de se desenvolverem estratégias de adaptação dos tratamentos aos pacientes da DMD, que têm prognósticos tão delicados e necessitam de disciplina e constâncias nas terapias propostas, sendo notáveis as melhoras diante de intervenções seguidas à risca17.
Por último, para verificar o bem-estar dos pacientes portadores de DMD, Gonçalves et al. (1999)15 realizaram um estudo para correlacionar a qualidade de vida dos pacientes sob as suas próprias perspectivas e as de seus cuidadores. Para isso, uma avaliação foi realizada por meio da escala AUQEI (Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé), desenvolvida na França por Manificant e Dazord, no ano de 1997, validada e adaptada no Brasil por Assumpção Jr. et al., em 200015. Essa avaliação consiste em 26 questões que avaliam relações familiares, sociais, atividades, saúde e funções corporais, avaliando a sensação subjetiva do bemestar da criança. Cada questão possui pontuação máxima 3, sendo esse valor muito feliz e 0 muito infeliz. Assim, a pontuação máxima da escala é 78 pontos.
Os pesquisadores convidaram 36 voluntários, tendo metade deles diagnóstico de DMD, sexo masculino, faixa etária entre 6 e 12 anos (média de idade: 8±2,05 anos e média de tempo do início dos sintomas de aproximadamente 4 anos), e a outra metade sendo composta pelas mães desses pacientes. Como conclusão dos estudos de Gonçalves et al. (1999)15, as pontuações das escalas entre os pacientes e suas mães não apresentaram diferenças estatisticamente significativas, o que indica que a qualidade de vida da família como um todo está relacionada. Além disso, a pontuação das mães e dos pacientes de diferentes idades e estágios da doença mostrou que a qualidade de vida se relaciona diretamente aos estágios da doença, sendo maior nos períodos iniciais. Diante disso, é muito importante desenvolver tratamentos precoces e eficazes, a fim de intervir cedo e ocasionar menor progressão da distrofia, deixando os pacientes com pequenas sequelas e preservando sua mobilidade e sua saúde.
A partir da revisão literária, notou-se que o campo das terapias convencionais tem muito a investigar sobre a DMD e as necessidades dos seus portadores. São necessários mais testes para avaliar a progressão da doença, além de planejamentos para melhorar a qualidade de vida de acordo com a evolução de cada paciente.
É importante ressaltar que o tratamento da DMD deve ser multidisciplinar, ou seja, são indicados diferentes tipos de terapia simultaneamente para os pacientes, além do diálogo entre as áreas das ciências da saúde, a fim de adequar o tratamento a cada portador e aprimorar a qualidade de vida desses enfermos. Ademais, apesar das discordâncias de métodos, todos os artigos utilizados como referência convergem na adesão aos tratamentos com atividade física para desacelerar sintomas como a insuficiência respiratória e aumentar a expectativa de vida de cada portador.
CONCLUSÃO
Foram demonstradas, ao longo desta revisão, as dificuldades dos profissionais da saúde em encontrar métodos eficazes e indicados para o tratamento dos sintomas da distrofia, adicionadas aos obstáculos encontrados pelos portadores da DMD em conviver com a doença, já que ela não tem cura e apresenta sintomas extremamente incapacitantes. Apesar disso, a fisioterapia é a alternativa mais utilizada e indicada, ainda que haja discordâncias acerca dos seus efeitos.
É unânime, nos artigos abordados, o reconhecimento da necessidade de exercício nesses pacientes. Contudo, autores divergem diante da intensidade das atividades, que podem agravar os sintomas quando realizadas de maneira vigorosa, já que a atividade física de alta intensidade leva à lesão de fibras musculares. Dessa maneira, é importante a atuação profissional da fisioterapia, de forma a adequar as sessões a cada paciente e às suas necessidades e limitações, de acordo com o grau de acometimento da DMD.
Além do exercício, são também abordadas nos artigos intervenções com fármacos corticosteroides, buscando retardar o avanço da doença no organismo do portador. Há controvérsias sobre a adesão a esse tratamento devido aos efeitos colaterais decorrentes da utilização prolongada desse tipo de medicamento, que pode levar a sérios prejuízos ao paciente.
Por último, a terapia genética, uma potencial solução para o tratamento da distrofia, mostra-se um método caro e não acessível à população. Contudo, é evidente que a terapia surte efeitos positivos e desejáveis nos pacientes, que têm uma progressão muito mais lenta da doença. Dessa maneira, é uma pauta urgente e necessária a acessibilização desse tipo de terapia à população.
Portanto, nota-se a efetividade real e aplicável da fisioterapia nos portadores da DMD, melhorando os sintomas e retardando a progressão da distrofia. É importante ressaltar a necessidade do tratamento genético amplo para os doentes que, sendo disponibilizado a todos e associado ao tratamento fisioterápico, agregaria na qualidade de vida e na perspectiva de melhora dos pacientes.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:
Conceptualização, Investigação, Metodologia, Visualização & Escrita - análise e edição: Carvalho, L.R; Gama, H.V.P; Brito, L.A; Avelar, M.S.S; Augusto, L.B.X; Mariante, L.T; Viggiani, L.F. Administração do Projeto, Supervisão & Escrita- rascunho original: Carvalho, L.R; Brito, L.A; Gama, H.V.P; Avelar, M.S.S; Augusto, L.B.X; Mariante, L.T; Viggiani, L.F; Validação and Software: Carvalho, L.R; Brito, L.A; Gama, H.V.P; Avelar, M.S.S; Augusto, L.B.X; Mariante, L.T; Viggiani, L.F. Recursos & Aquisição de Financiamento: Carvalho, L.R; Brito, L.A; Gama, H.V.P; Avelar, M.S.S; Augusto, L.B.X; Mariante, L.T; Viggiani, L.F. Curadoria de Dados & Análise Formal: Carvalho, L. R; Brito, L. A; Gama, H.V.P; Avelar, M.S.S; Augusto, L.B.X; Mariante, L.T; Viggiani, L.F. Todos os autores discutiram, leram e aprovaram a versão final do capítulo.
COPYRIGHT
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