RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Número Atual: 34 e-34407 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34407

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Relato de Caso

Hérnia de Petersen recidivada após bypass gástrico em Y de Roux: relato de caso

Petersen's hernia recurrent after Roux-em-Y gastric bypass: case report

Marcos Augusto de Carvalho1; Gabriel Schiavon de Lima2; Gisele Aparecida Fófano3; Luiza Eduarda da Silva2; Mariane Santos Antonieto2; Marina Carvalho de Souza Lima4; Taynara Caroline Pereira2

1. Hospital da Polícia Militar de Minas Gerias, Minas Gerais, Brasil
2. Centro Universitário Governador Ozanam Coelho, Minas Gerais, Brasil
3. Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
4. Instituto Metropolitano de Ensino Superior, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Taynara Caroline Pereira
E-mail: taynarapereira103@gmail.com

Recebido em: 23 Janeiro 2024.
Aprovado em: 3 Março 2024.
Data de Publicação: 19 Novembro 2024.

Editor Associado Responsável:
Dr. Claudemiro Quireze Jr.
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás. Goiânia/GO, Brasil.

Conflito de Interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Comitê de Ética: Número do parecer - 6.143.786.

Fontes apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.

Resumo

O bypass gástrico laparoscópico em Y de Roux (LRYGB) é, atualmente, um dos métodos mais utilizados nas cirurgias bariátricas. Esse procedimento possui riscos e complicações inerentes às cirurgias, porém distingue-se pela possibilidade de o paciente vir a desenvolver uma hérnia de Petersen/hérnia interna (HI). O relato de caso tem o objetivo de descrever um caso raro de HI recidivada que evoluiu após LRYGB. O caso contempla uma mulher de 38 anos, internada em um hospital da Zona da Mata Mineira, que apresentava dores abdominais difusas e distensão abdominal, semelhantes às apresentadas há dois anos, quando foi diagnosticada com HI. Em virtude da história clínica, patológica pregressa e da sintomatologia da paciente, foi indicada uma videolaparoscopia, em que foi identificada uma HI em gordura mesentérica de enteroenteroanastomose prévia, e posteriormente realizada uma nova herniorrafia.

Palavras-chave: Relato de caso; Bypass gástrico; Y de Roux; Cirurgia bariátrica; Hérnia de Petersen recidivada.

 

INTRODUÇÃO

As cirurgias bariátricas têm se tornado cada vez mais frequentes, uma vez que é o método que apresenta maior eficácia para perda de peso sustentada no longo prazo. Ademais, tem como padrão-ouro o bypass gástrico laparoscópico em Y de Roux (LRYGB)1,2. Uma das complicações das cirurgias bariátricas que utilizam essa técnica é a hérnia interna (HI) ou hérnia de Petersen. Sua baixa incidência varia entre 0,5%-9,7%, por isso é de grande valia a discussão dessa complicação, em especial, por apresentar sintomas inespecíficos, como dor abdominal, náusea, vômitos, além da dificuldade do diagnóstico radiológico por serem intermitentes3-5.

Nesse sentido, se não abordada de forma precoce, pode evoluir com manifestações como obstrução intestinal, isquemia e perfuração intestinal, por isso o diagnóstico precoce é fundamental para a indicação de operação de urgência2,5. Dessa forma, diante da importância de se reconhecer e diagnosticar precocemente essa patologia, o presente relato tem o objetivo de descrever um caso raro de hérnia interna/ hérnia de Petersen recidivada que evoluiu após cirurgia bariátrica por bypass gástrico laparoscópico em Y de Roux.

 

MÉTODOS

Estudo descritivo do tipo relato de caso de uma paciente submetida à cirurgia videolaparoscópica em um hospital da Zona da Mata Mineira. As informações foram obtidas por meio de revisão dos prontuários médicos, laudos e registros fotográficos dos exames realizados e história clínica coletada em entrevista com a paciente. Foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) à paciente. Além disso, o presente relato foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, conforme definido na Resolução CNS 466/12 e aprovado sob o número do parecer 6.143.786, CAAE 70391023.0.0000.8108.

 

RESULTADOS

Paciente feminina, 38 anos, admitida no hospital com quadro de dor abdominal difusa, associada à náusea, distensão abdominal e constipação intestinal há quatro dias. Refere episódio semelhante há dois anos, quando foi submetida à laparoscopia e visualizada hérnia de Petersen, sendo submetida à herniorrafia, sem nenhuma intercorrência no ato cirúrgico. Paciente informa eliminação de flatos e evacuações somente com uso de laxante e nega outras queixas. É alérgica à metoclopramida e nega comorbidades. Relata ter sido submetida à cirurgia bariátrica em Y de Roux há 4 anos.

Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, lúcida e orientada em tempo e espaço, anictérica, acianótica, afebril, hemodinamicamente estável, eupneica em ar ambiente, saturação 97% em ar ambiente, PA: 110/60, FR: 18 irpm, temperatura axilar: 37,5 ºC, abdome plano, flácido e doloroso à palpação profunda em hipocôndrio esquerdo, sem sinais de irritação peritoneal.

Após a admissão, a paciente foi submetida à dieta zero e suporte clínico com sintomáticos para analgesia, antieméticos, protetor gástrico, hidratação venosa e insulinoterapia, caso necessário. Foi realizado exame de tomografia computadorizada de abdome total, porém sem achados sugestivos. Devido à história clínica, à patológica pregressa da paciente e à sintomatologia associada, foi indicada a conduta cirúrgica, sendo realizada a videolaparoscopia. Para início do processo cirúrgico, a paciente foi monitorizada, posicionada em decúbito dorsal sob anestesia geral e entubada (intubação orotraqueal - IOT). Realizou-se a assepsia do sítio cirúrgico e foi realizada punção com agulha de Veress para confecção de pneumoperitônio, criando a cavidade operatória. Foi realizada incisão supraumbilical com posterior passagem de trocater e passagem de ótica; em seguida, foram passados os demais trocateres sob visão direta. Durante avaliação da cavidade abdominal, observou-se fígado, baço, cólon, alças de delgado e bexiga de aspecto habitual; e foi identificada hérnia de Petersen localizada em gordura mesentérica de enteroenteroanastomose prévia (gastroplastia bypass), sucedida por herniorrafia para correção desta. Sem demais alterações, foi feita a revisão da hemostasia e a retirada dos demais trocateres sob visão direta, sucedendo o esvaziamento do pneumoperitônio e a sutura dos ferimentos em pontos de passagem de trocateres, finalizando com curativo estéril e encaminhamento da paciente à recuperação pós-anestésica.

No pós-cirúrgico, a paciente encontrava-se calma, lúcida, consciente e respirando em ar ambiente; contudo, estava pálida, alegando algia intensa em sítio cirúrgico e distensão abdominal. Foi medicada com sintomáticos para analgesia e excesso de gases, obtendo melhora no padrão da dor. No terceiro dia de pós-operatório, a paciente encontravase em repouso no leito, lúcida, responsiva, respirando em ar ambiente, com diurese espontânea, evacuação ausente, sem queixas álgicas, recebendo, assim, alta hospitalar. Em casa, paciente relata apenas dores características do trauma transcorrido pela cirurgia, obtendo alívio após uso de sintomáticos prescritos em alta hospitalar.

 

DISCUSSÃO

A paciente do relato, após dois anos da cirurgia bariátrica, foi submetida a uma primeira herniorrafia para correção de uma hérnia de Petersen diagnosticada por via laparoscópica. As hérnias internas são possíveis consequências das janelas mesentéricas formadas em decorrência do posicionamento do ramo alimentar durante a cirurgia em Y de Roux, dentre essas janelas está o espaço de Petersen6.Para prevenir a ocorrência de HI, deve-se realizar o fechamento desse espaço e de todos os defeitos criados durante a cirurgia, porém o fechamento não garante a resolução por toda a vida do paciente5. Dessa forma, mesmo após a correção, é possível que haja uma recidiva. Na história relatada, após dois anos da primeira herniorrafia, a paciente foi novamente diagnosticada com hérnia de Petersen. Nesses casos a recidiva pode chegar a 3,8% dos pacientes e apresenta um potencial de complicação aumentado e maior morbimortalidade, uma vez que se o espaço for mal fechado, a brecha por onde há a migração da alça jejunal é menor, aumentando as chances de lesão dessa alça6.

A paciente em questão apresentou quadro de dor abdominal difusa, associado à náusea, distensão abdominal e constipação intestinal, com eliminação apenas de flatos, uma sintomatologia semelhante ao episódio ocorrido após dois anos da cirurgia bariátrica, quando foi diagnosticada a primeira hérnia de Petersen. Nos exames realizados, nada além da sintomatologia foi identificado, a tomografia computadorizada de abdome total realizada não apresentou alterações. Segundo a literatura, os sintomas da hérnia interna são inespecíficos, como dor abdominal pós-prandial, náusea e êmese e o exame do abdome geralmente não é relevante8. Os exames complementares geralmente não são específicos, o que torna o diagnóstico ainda mais desafiador. Ademais, achados tomográficos normais, mesmo com contraste nas fases iniciais, não afastam a possibilidade de HI, visto que, apesar de ser considerado o melhor método de imagem para confirmar o diagnóstico, apresenta falha em 20%-30% dos pacientes com hérnia de Petersen5. Nesse caso, a maior precisão é alcançada quando as alças intestinais já estão em estágio avançado de isquemia, e o diagnóstico só é confirmado durante a exploração cirúrgica, sendo a laparoscopia diagnóstica muito útil diante de um caso suspeito de hérnia interna6.

Portanto, diante da sintomatologia inespecífica apresentada pela paciente, acrescida da tomografia computadorizada de abdome total sem alterações, optou-se pela videolaparoscopia diagnóstica e terapêutica, pela qual identificou-se a presença da hérnia de Petersen em gordura mesentérica de enteroenteroanastomose prévia, confirmando a suspeita clínica baseada no histórico de cirurgia bariátrica em Y de Roux com episódio prévio de hérnia.

 

CONCLUSÃO

A sintomatologia inespecífica associada à ausência de alterações nos exames pode dificultar o diagnóstico precoce de HI. Por isso, diante de um quadro como esse, é necessário correlacionar a clínica com a história pregressa do paciente. Ademais, nos casos suspeitos de hérnia interna, a laparoscopia torna-se um método útil para diagnóstico e tratamento. Portanto, é necessário que mais relatos de casos como esse sejam realizados para gerar conhecimento de uma patologia de baixa incidência e de difícil diagnóstico, para facilitar uma conduta mais precisa e rápida, assegurando um tratamento de melhor qualidade para o paciente e evitando possíveis complicações decorrentes de uma recidiva de hérnia interna.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Conceitualização, Investigação & Redação - rascunho original: GSL; LES; MSA; TCP. Curadoria de Dados: MAC, GSL, MSA, MCSL. Administração do Projeto, Supervisão, Validação: MAC, GAF, MCSL. Visualização: MAC, GAF, GSL, LES, MSA, MCSL, TCP. Análise Formal: GAF. Metodologia: GAF, MSA, TCP. Redação - revisão e edição: GAF, GSL, LES, MSA, TCP.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2023 Carvalho et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

REFERÊNCIAS

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