ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Adenomiose e suas implicações sobre a fertilidade e sobre os resultados das técnicas de reprodução assistida (TRA)
Adenomyosis and your implications on fertility and on the results of assisted reproduction techniques (ART)
Laura Bonfim Viana1; Lucas Barbosa de Lima1; Laura Magalhães dos Santos Amaral1; Samira Olivé Domingos1; Maria Clara Magalhães dos Santos Amaral2; Ana Márcia de Miranda Cota2
1. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
2. Centro de Reprodução Humana da Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Ana Márcia de Miranda Cota
E-mail: anamarcia.cota@gmail.com
Conflito de Interesse: Não há.
Recebido em: 15 Maio 2023.
Aprovado em: 08 Novembro 2023.
Data de Publicação: 07 Março 2024.
Editor Associado Responsável: Dr. Frederico Duarte Garcia
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, Brasil.
Resumo
INTRODUÇÃO: A adenomiose é uma invasão benigna do endométrio no miométrio, que produz um útero aumentado com glândulas endometriais ectópicas e estroma circundado pelo miométrio, com alterações hiperplásicas e hipertróficas. Essa condição tem sintomas característicos como sangramento uterino anormal, dismenorreia, dor pélvica crônica, aborto espontâneo e infertilidade.
OBJETIVO: Avaliar a relação entre a adenomiose e a infertilidade, além do seu possível impacto nos resultados da tecnologia de reprodução assistida.
MÉTODOS: É uma revisão, com artigos pesquisados na base de dados PubMed, UpToDate e SciELO, em português e inglês, publicados no período de 1989 a 2021.
RESULTADOS: Atualmente, o diagnóstico da adenomiose é feito por exames de imagem, que permitem o diagnóstico precoce em mulheres jovens e possibilita a investigação da relação entre adenomiose e infertilidade. Essa relação ainda não foi estabelecida, porém diversas teorias têm sido propostas, como o prejuízo no transporte tubário, a diminuição da função espermática relacionada aos níveis de óxido nítrico na cavidade uterina, a implantação prejudicada do embrião e a alteração da contratilidade uterina. Ademais, os resultados das técnicas de reprodução assistida e os resultados da gravidez parecem ser afetados, com estudos apresentando taxas mais baixas de implantação e de gravidez, além de taxas mais altas de aborto espontâneo e parto prematuro.
CONCLUSÃO: Ainda que a adenomiose proporcione impactos negativos na fertilidade das mulheres e na taxa de abortamento, é preciso mais estudos e pesquisas para, por exemplo, definir critérios de diagnóstico e criar protocolos de abordagem à adenomiose.
Palavras-chave: Adenomiose; Infertilidade; Reprodução.
INTRODUÇÃO
A adenomiose foi definida, em 1972, como uma invasão benigna do endométrio no miométrio, produzindo um útero difusamente aumentado, com glândulas e estroma endometriais ectópicos envolvidos por miométrio, com alterações hiperplásticas e hipertróficas. Acomete, em geral, mulheres de 40 a 50 anos, mas pode ser encontrada incidentalmente em mulheres mais jovens, e pode coexistir com outras condições ginecológicas, como endometriose e miomas uterinos1.
Embora 35% das mulheres afetadas sejam assintomáticas no momento do diagnóstico, o restante pode apresentar alguns sintomas como sangramento uterino anormal, dismenorreia, dispareunia, dor pélvica crônica, abortos espontâneos e infertilidade1. Por muitos anos, o diagnóstico da adenomiose era realizado por exame histopatológico de histerectomia. Atualmente, com a melhora da resolução da ultrassonografia transvaginal (USTV) e/ou ressonância magnética (RM), é possível o diagnóstico mais cedo e de forma não invasiva, com uma precisão de 80% a 90%2.
O diagnóstico por imagem melhorou a compreensão da adenomiose e permitiu o diagnóstico mais precoce, em mulheres mais jovens, possibilitando a investigação da relação entre adenomiose e infertilidade3. Essa relação, porém, ainda não está completamente estabelecida. Várias teorias já foram propostas, incluindo transporte uterotubário prejudicado, função espermática reduzida devido a altos níveis de óxido nítrico na cavidade uterina, implantação embrionária prejudicada, contratilidade uterina alterada e muitas outras. Além disso, os resultados das técnicas de reprodução assistida parecem ser prejudicados, assim como o prognóstico da gravidez, com alguns estudos demonstrando menor taxa de implantação e de gravidez, além de maior taxa de abortamento e parto prematuro4,5.
O objetivo desta revisão é avaliar a relação entre a adenomiose e infertilidade, além das suas possíveis implicações sobre os resultados das técnicas de reprodução assistida (TRA).
MÉTODOS
Trata-se de uma revisão de literatura respaldada em artigos encontrados nas bases de dados PubMed, UpToDate e SciELO. Foram utilizados os descritores em inglês e português: "adenomiose" e "infertilidade". Como critério de inclusão foram utilizados trabalhos nos idiomas português e inglês, publicados no período de 1989 a 2021, sendo estudos do tipo revisão de literatura, protocolos clínicos, livros e artigos originais, disponibilizados na íntegra. Foram excluídos trabalhos duplicados, disponibilizados na forma de resumo e em processo de aprovação. Os resultados foram apresentados de forma descritiva (Tabela 1), divididos em categorias abordando: introdução, correlação entre adenomiose e infertilidade, impacto da adenomiose sobre os resultados reprodutivos e tratamentos da adenomiose.
RESULTADOS
Correlação entre adenomiose e infertilidade
Até recentemente, o diagnóstico da adenomiose era realizado, na maioria das vezes, pelo estudo anátomo patológico após histerectomias. A patologia era então relacionada a mulheres multíparas, e não à infertilidade. Com os avanços recentes das técnicas de imagem, o diagnóstico passou a ser feito por ultrassonografia transvaginal e ressonância magnética, o que possibilitou a percepção da condição em outras mulheres que não apenas as multíparas, incluindo mulheres nulíparas e inférteis, permitindo que a relação entre a adenomiose e a infertilidade pudesse ser observada e estudada6.
Um terço das mulheres com adenomiose são inférteis. Uma revisão sistemática mostrou uma diminuição de 28% na taxa de gravidez em pacientes com adenomiose submetidas à fertilização in vitro (FIV), além de um aumento na taxa de abortamento1.
Vários são os mecanismos propostos para se relacionar adenomiose e infertilidade. Entre eles estão as próprias distorções anatômicas causadas pela doença como o aumento global do volume uterino, a presença de adenomiomas intramurais que distorcem a cavidade endometrial; a contratilidade uterina anormal; alterações na vascularização e histologia endometrial; alterações inflamatórias, moleculares e hormonais endometriais7.
A presença de ondas de contração miometriais são fisiológicas e visíveis ao ultrassom. Esta atividade peristáltica é que auxilia o transporte espermático em direção às tubas, sendo fundamental no processo reprodutivo inicial e é dependente da arquitetura da parede miometrial e suas fibras musculares circulares8. Nas portadoras de adenomiose, a invaginação das glândulas endometriais e estroma no miométrio leva à hiperplasia do tecido muscular que culmina com disfunção peristáltica e aumento da pressão intrauterina. Além disso, a zona juncional (ZJ), camada de miométrio adjacente ao endométrio, em mulheres com adenomiose, apresenta hipertrofia nuclear e celular, alterações mitocondriais, entre outras alterações ultraestruturais que podem cursar com disfunção nos canais de cálcio com subsequente perda da contração rítmica, podendo alterar o transporte útero-tubário8.
Durante o período de peri-implantação, a atividade miometrial deve ser mantida a um nível mínimo para facilitar a aposição, a adesão e a penetração do polo embrionário do blastocisto no endométrio decidualizado7. Pesquisas focando nos padrões de contração miometrial durante a transferência de embriões têm demonstrado taxas de implantação e de gravidez mais baixas nas pacientes que apresentam uma atividade uterina da zona juncional de maior frequência9.
A teoria mais aceita atualmente para explicar os fenômenos histológicos é a de que as glândulas endometriais basais invadem o miométrio subjacente, causando adenomiose intrínseca, afetando a ZJ, assim como o miométrio1,10 propôs que a avaliação por ressonância magnética da espessura da ZJ é o melhor fator preditivo negativo de falha de implantação, e um aumento em seu diâmetro está inversamente relacionado com a taxa de implantação. Verificou-se que a falha de implantação era elevada quando a ZJ média era superior a 7mm. Além disso, a receptividade endometrial parece estar comprometida devido à vascularização extremamente aumentada na fase secretora, que pode afetar negativamente as taxas de implantação11.
Alguns critérios ultrassonográficos em pacientes com adenomiose mostraram uma correlação negativa entre resultados de tratamentos de reprodução assistida12. Foi atribuída uma menor taxa de sucesso após a FIV quanto maior fosse o número de critérios identificados na paciente. Os critérios descritos foram: assimetria da espessura miometrial (A), sombras paralelas (B), estriações lineares (C), cistos miometriais (D), ilhas hiperecogênicas (E), adenomiomas (F) e junção endometrial miometrial irregular (G) (Figura 1).
Um estudo sobre os fenômenos moleculares demonstrou uma receptividade endometrial diminuída e uma decidualização comprometida na adenomiose associada às alterações na expressão gênica do HOXA10 (componente necessário da receptividade endometrial com pico na janela de implantação), no LIF (fator inibidor de leucemia), MMP (metaloproteinases), interleucinas (IL-6, IL-8 e IL-10), entre outras13. Já encontraram uma correlação entre uma baixa regulação de FOXO1A em tecido adenomiótico e uma decidualização inadequada, o que poderia comprometer a implantação embrionária em pacientes com adenomiose14. No entanto, ainda não há pesquisas suficientes para provar se essas alterações podem ser restauradas com o uso de progesterona durante a janela de implantação15.
A resposta inflamatória anormal tem sido muito estudada. Macrófagos têm a capacidade de produzir não apenas citocinas pró-inflamatórias como TNF- α (fator de necrose tumoral alfa) e IL-1, mas também radicais livres que podem ser tóxicos para os embriões16. Perceberam que mulheres com adenomiose severa, que apresentaram falha de implantação embrionária, apresentavam aumento na densidade de macrófagos em relação às pacientes controle. No caso da adenomiose, há ainda uma expressão aumentada de IL-1b e CRH (hormônio liberador da corticotropina) no tecido endometrial ectópico17. Relataram um aumento na resposta inflamatória no endométrio devido à presença de um nível elevado da expressão de pro-oxidativos e anti-oxidativos como Cu, Zn-SOD e Mn-SOD. Outros estudos confirmaram esses dados pela investigação da concentração de óxido nítrico no endométrio, da atividade de macrófagos e IL-618. Um aumento da expressão da aromatase do citocromo P450 (P450 aromatase) no endométrio também foi sugerido como um possível mecanismo que afeta negativamente a implantação em mulheres com adenomiose7. A aromatase do cromossomo P450 é uma enzima que catalisa a conversão de androgênios em estrogênios. O microambiente hiperestrogênico mantém aumentada a expressão do receptor α estrogênico durante a fase secretora que deveria habitualmente ter declinado sob o efeito da progesterona. Publicações antigas confirmaram níveis estrogênicos maiores no sangue menstrual em mulheres adenomióticas e um aumento na expressão da aromatase do citocromo P450 no endométrio, respectivamente19,20.
As integrinas são os marcadores de receptividade endometrial mais conhecidos e bem estudados. São receptores transmembrana que, além de serem responsáveis pela receptividade endometrial, ativam vias de sinalização e medeiam a sinalização celular, como a regulação do ciclo celular. Expressões anormais de algumas integrinas, como β-3 e osteopontina (OPN), foram encontradas em pacientes com adenomiose, e foi sugerido que essa expressão era responsável pelas falhas na FIV, mesmo com embriões de boa qualidade. A influência de análogos de GnRH na expressão das integrinas e na receptividade endometrial já foi descrita em animais, mas não podem ser conclusivas na patologia humana15.
Ainda há muitos questionamentos sobre a relação da adenomiose com a infertilidade. Isso ocorre, principalmente, pela diferença de classificações da doença, além da mistura de perfis de pacientes (adenomiose focal e difusa), o que dificulta conclusões mais precisas. Em todas as mulheres afetadas pela adenomiose (focal, difusa ou uma associação dos dois tipos), a prevalência da infertilidade é de 30,2%, sendo 19,8% infertilidade primária e 10,5% secundária21.
Por conseguinte, a partir dos estudos citados acima e tantos outros existentes na literatura sobre o assunto, é possível afirmar que provavelmente existe uma relação entre a adenomiose e a infertilidade. Essa relação se deve a fenômenos moleculares e histológicos, que ainda não são completamente compreendidos, sendo necessário que mais estudos metodologicamente adequados sejam realizados. A elucidação da relação adenomiose e infertilidade propiciará um melhor entendimento sobre as menores taxas de gravidez em portadoras de adenomiose, inclusive nas submetidas a tratamentos de reprodução assistida, além do surgimento de possíveis intervenções terapêuticas e estratégias durantes os tratamentos visando melhoria nos resultados.
Impacto da adenomiose sobre os resultados reprodutivos
Estudos recentes vêm demonstrando que a adenomiose afeta negativamente a fertilidade, além de aumentar o risco de complicações obstétricas, como abortamento, parto prematuro e a ruptura prematura das membranas amnióticas22. No entanto, ainda existem poucos estudos que avaliam o impacto da adenomiose sobre os resultados reprodutivos das técnicas de reprodução assistida, como taxa de implantação, taxa de gravidez e de nascido vivo23.
Younes e Tulandi (2017)2, em sua meta-análise, que avaliou 15 estudos, demonstraram que mulheres com adenomiose tinham um pior desfecho nos ciclos de FIV. Pacientes com adenomiose que foram submetidas à FIV, apresentaram taxa de implantação, de gravidez clínica, de gravidez evolutiva e de nascido vivo significativamente menores quando comparadas com mulheres sem adenomiose. O odds ratio para taxa de gravidez clínica quando se comparou mulheres com adenomiose e mulheres sem adenomiose submetidas à FIV foi de 0,73, 95%IC=0,60-0,90. A meta análise demonstrou que a presença da adenomiose foi associada a uma redução de 41% na taxa de nascido vivo (OR=0,59, 95%IC=0,42-0,82). Além disso, o grupo de mulheres com adenomiose apresentou uma taxa de abortamento significativamente mais alta (OR=2,2, 95%IC=1,53-3,15). Esses dados estão de acordo com uma revisão sistemática e meta-análise anterior4 que evidenciou uma taxa de gravidez clínica de 40,5% para mulheres com adenomiose submetidas à FIV comparada com 49,8% em mulheres sem adenomiose (RR=0,72; 95%CI=0,55- 0,95).
Chiang et al. (1999)24 estudaram a relação da taxa de aborto e a disfunção da ZJ em pacientes inférteis submetidas à FIV e concluíram que a taxa era maior em mulheres com um útero difusamente aumentado ao ultrassom sem massas uterinas distintas em comparação com as com útero de tamanho normal. Já Mijatovic et al. (2010)25 não observaram diferenças significativas nas taxas de gravidez em pacientes inférteis com adenomiose em associação à endometriose que foram pré-tratadas com agonista do GnRH de longa duração. Além disso, Thalluri e Tremellen (2012)26 perceberam taxas de gravidez clínica significativamente mais baixas em pacientes submetidas à FIV com adenomiose em ciclos que utilizaram o protocolo antagonista de GnRH quando comparadas com pacientes sem adenomiose (23,6% x 44,6%, p=0,017).
Em um estudo avaliando ciclo de ovorecepção, observou-se que mulheres com adenomiose apresentaram o dobro de risco de abortamento quando comparado com o grupo de mulheres sem adenomiose, indicando um impacto sobre a evolução da gestação27.
Tratamentos da adenomiose
O tratamento da adenomiose ainda é discutido e questionado por diversos especialistas, sendo que o tratamento clínico e a abordagem cirúrgica estão entre os métodos de escolha para uma possível terapêutica dessa patologia28. A decisão entre a abordagem clínica ou cirúrgica dependerá dos sintomas apresentados pela paciente e do desejo ou não de gravidez.
O tratamento medicamentoso para adenomiose pode ser utilizado para o alívio dos sintomas tais como dismenorreia e sangramento uterino anormal. Dentre a abordagem clínica, temos os anti-inflamatórios não esteroides (AINES), os contraceptivos hormonais orais, progestágenos, dispositivos intrauterinos liberados de progesterona e o agonista do hormônio liberador de gonadotrofinas. Por outro lado, o tratamento definitivo para adenomiose é a histerectomia. Contudo, para pacientes que desejam a gravidez, o tratamento medicamentoso ou a histerectomia não podem ser adotados29.
Os contraceptivos hormonais orais são uma ótima opção para reduzir o sangramento uterino anormal, além de melhorar a dismenorreia, por induzir uma decidualização podendo resultar, assim, em uma amenorreia por atrofia endometrial. No entanto, existem ainda poucos estudos que avaliam o impacto do uso dos contraceptivos hormonais orais em pacientes com adenomiose e sua relação com a fertilidade futura dessas pacientes23.
Outra opção de tratamento medicamentoso usado é o agonista do hormônio liberador de gonadotropina (GnRHa)2. Essa droga tem como principal ação reduzir macroscopicamente e microscopicamente a adenomiose e diminuir os efeitos clínicos, como sangramento normal, dor e infertilidade30. O GnRHa possui um efeito antiproliferativo no tecido endometrial, induz apoptose e reduz a reação inflamatória e a angiogênese, ajudando na regressão da doença2. É importante destacar que essa estratégia resultou em alguns relatos de casos de gravidez e partos bem-sucedidos nas mulheres submetidas a esse tratamento28. Uma desvantagem do uso dessa medicação é o fato de possuir efeito transitório, desse modo, é cotado para ser usado com uma terapia adjuvante pré-operatória no tratamento cirúrgico28. Em sua meta análise, Younes e Tulandi (2017)2 concluem que o uso do GnRHa antes da FIV parece ser benéfico para a taxa de gravidez em mulheres com adenomiose. No entanto, esse resultado foi baseado em apenas dois estudos30,31. Assim, mais estudos se tornam necessários para confirmar esse efeito potencialmente benéfico do uso do GnRHa prévio ao ciclo de FIV.
O dispositivo intrauterino (DIU) de levonorgestrel vem surgindo como uma nova opção para o tratamento conservador da adenomiose32. Estudos randomizados que avaliaram o uso do dispositivo em mulheres com adenomiose associado à menorragia demostraram uma redução significativa tanto do volume uterino quanto da espessura média da ZJ. Seus efeitos clínicos apresentam resultados satisfatórios no controle dos sintomas de dismenorreeia e da menorragia, além de relatos de gestação espontânea após o seu uso23,32.
O dienogeste (DNG), que é um derivado progestacional 19-norsteroide, é uma progestina oral sintética com ligação altamente seletiva aos receptores de progesterona, vem sendo apontado como uma nova alternativa terapêutica para o subgrupo de pacientes com adenomiose e dor pélvica. Esse medicamento exerce efeitos anovulatórios e hipoestrogênicos leves, atividade antiproliferativa em células endometriais humanas. A partir desse perfil hormonal, o DNG é usado como tratamento para sintomas álgicos em pacientes com endometriose. Assim, alguns estudos têm demonstrado uma eficácia e boa tolerância do DNG em pacientes com adenomiose e queixa álgica33.
O tratamento cirúrgico pode ser dividido em uma abordagem conservadora reservada para adenomiose focal ou adenomioma2 ou a histerectomia. No entanto, por razões óbvias, a histerectomia não é uma opção terapêutica para as pacientes inférteis ou para as que desejam preservar a sua fertilidade. Para esse perfil de pacientes, a cirurgia conservadora pode ser uma opção terapêutica. Contudo os dados disponíveis na literatura ainda são controversos e insuficientes, principalmente porque a maioria dos estudos publicados não foi desenhada com essa finalidade.
A excisão cirúrgica (laparoscópica ou por laparotomia) do adenomioma ou adenomiose focal tem como objetivo a preservação do útero, a fim de preservar a fertilidade futura da paciente, assim como a melhora significativa da dismenorreia28. Porém existem alguns empecilhos na escolha da cirurgia, eles são: dificuldade de selecionar uma boa candidata para se submeter a essa abordagem cirúrgica (problema para determinar a extensão da adenomiose em uma determinada paciente), possível não eliminação completa da adenomiose e sequelas pós-operatórias, como aderências pélvicas, formação de sinequia na cavidade endometrial, risco aumentado de rotura uterina durante o trabalho de parto, maior risco de abortamento, parto prematuro e complicações na placenta, como acretismo28,34.
Já a cirurgia para a redução miometrial, que consiste na remoção cirúrgica dos tecidos do miométrio afetados, é uma opção terapêutica alternativa. Trata-se de um procedimento cirúrgico complexo envolvendo a remoção dos tecidos adenomióticos, o que está associado com um risco aumentado de sangramento intraoperatório, além de uma maior chance de ruptura uterina durante a gravidez subsequente e sinequia intrauterina. Não existem estudos controlados que avaliam o efeito dessa cirurgia sobre a fertilidade, não devendo, portanto, ser uma abordagem para pacientes que buscam a preservação da fertilidade29.
A embolização das artérias uterinas pode ser capaz de produzir alterações nas áreas de adenomiose com diminuição da vascularização da ZJ, porém esse tipo de tratamento não é indicado para pacientes inférteis devido ao risco de induzir uma insuficiência ovariana prematura, além de poder interferir na receptividade endometrial32.
A terapia focal com ultrassom focalizado de alta intensidade (HIFU – "High Intensity Focused Ultrasound") utiliza o efeito térmico do feixe de ultrassom, que causa necrose coagulativa dentro da lesão adenomiótica alvo. Dessa forma, esse método estaria indicado para quadro de adenomiose focal, sendo inadequado para a forma difusa. A vantagem desse método seria um tempo de recuperação mais rápido quando comparado com as técnicas cirúrgicas clássicas35.
CONCLUSÃO
A adenomiose tem um impacto negativo na fertilidade com redução na taxa de gravidez e aumento na taxa de abortamento. O tratamento da infertilidade associada à adenomiose é ainda um assunto muito complexo e que necessita de mais suporte científico para definição da melhor conduta e abordagem. Até o momento não há evidência científica para se indicar nenhum tratamento cirúrgico para mulheres com adenomiose e desejo de gravidez ou que estejam em tratamento de infertilidade. A cirurgia para adenomiose, seja ela conservadora ou radical, fica reservada para os casos de mulheres sintomáticas (dismenorreia e sangramento uterino anormal) com prole definida.
Com base nos dados atuais, as recomendações para definição do melhor tratamento da adenomiose em mulheres inférteis são baseadas em evidências fracas, sendo que as técnicas de reprodução assistida são um recurso disponível nesses casos. A literatura nos mostra que a utilização de agonista do GnRh antes do ciclo de FIV pode ser benéfica, melhorando os resultados reprodutivos. No entanto, ainda é necessário realizar mais estudos para responder às dúvidas ainda existentes, definir critérios de diagnóstico e criar protocolos de abordagem à adenomiose.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
AM Miranda propôs o tema desenvolvido e participou da revisão e da orientação. MC Magalhaes participou da revisão e da orientação. LB Viana participou do levantamento bibliográfico e dos resultados do artigo, realizou a introdução e a conclusão do artigo e o envio do artigo. LB Lima participou dos resultados do artigo e do levantamento bibliográfico. SO Domingos realizou a produção das referências e da metodologia, e participou do levantamento bibliográfico e da produção do resultado do artigo. LM Amaral produziu o resumo do artigo em questão, assim como participou do levantamento bibliográfico e da produção do resultado do artigo. Todos os autores conceptualizaram, discutiram, leram e aprovaram a versão final do artigo.
COPYRIGHT
Copyright© 2023 Viana et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.
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