RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 35 S23-S32 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2025v35s5.03

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Artigo de Revisão

Dor abdominal funcional crônica em pediatria: revisão integrativa sobre o tratamento com hipnoterapia

Maria do Carmo Barros de Melo1; Gabriel Batista Teixeira Souza1; Victória Barros Bottaro2; Millena Azevedo Coelho1; Pedro de Melo Cerqueira3

1. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais -Brasil
2. Faculdade de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil
3. Médico pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Betim. Iniciação Científica Voluntária pela UFMG em 2022. Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Maria do Carmo Barros de Melo - mcbmelo@medicina.ufmg.br

Resumo

INTRODUÇÃO: A dor abdominal crônica é queixa frequente em pediatria, sendo a dor abdominal funcional responsável por 90 a 95% dos casos. O manejo requer uma abordagem ampla envolvendo as desordens do eixo intestino-cérebro-microbioma. A hipnoterapia tem demonstrado boas evidências como uma das formas de abordagem.
OBJETIVO: Consolidar conhecimentos sobre hipnose e tratamento da dor abdominal crônica funcional em crianças e entender melhor as técnicas e a relevância/evidência científica dos estudos.
MÉTODOS: Revisão Integrativa que incluiu artigos publicados entre 2001 e março de 2024, nas bases de dados PubMed e BVS, em português, inglês ou espanhol que discutem se hipnose/hipnoterapia auxilia no tratamento da dor abdominal funcional em crianças. Foram excluídos: relatos de casos, artigos sem resposta à pergunta norteadora ou que incluíram pacientes maiores de 18 anos de idade exclusivamente.
RESULTADOS: Inicialmente foram selecionados 90 artigos. Após leitura do título, resumo e artigo na íntegra, foram selecionados 12 artigos. Os artigos demonstram que a hipnoterapia é útil no tratamento da dor abdominal funcional das crianças. Estudos randomizados controlados mostram os benefícios da hipnose e os mais recentes demonstram que é possível realizar a técnica por áudio em formato domiciliar, com redução dos sintomas e melhora da qualidade de vida.
CONCLUSÕES: A hipnoterapia deve ser considerada como uma das formas de abordagens da dor abdominal, com boa resposta e controle, reduzindo a chance de perpetuação dos episódios dolorosos na vida adulta. Protocolos específicos devem ser elaborados e seguidos pelos pediatras e gastroenterologistas pediátricos. O formato domiciliar por áudio demonstra bons resultados e melhor custo-benefício.

Palavras-chave: Dor Abdominal. Hipnose. Pediatria.

 

INTRODUÇÃO

A dor abdominal crônica é uma queixa comum em consultórios de pediatria e gastroenterologia pediátrica, podendo ser de origem orgânica ou funcional. A dor abdominal funcional (DAF) ocorre em 90 a 95% dos casos. Os critérios de Roma, em sua quarta edição de 2016, definem os distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIFs) na infância e na adolescência como dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável (SII), dor abdominal sem outra especificação e enxaqueca abdominal.1 É necessário, para o diagnóstico, que os sintomas não sejam explicados por outra condição médica. Caso o paciente apresente sinais ou sintomas de alerta, as causas orgânicas devem ser pesquisadas. Para dispepsia funcional, SII e dor abdominal sem outra especificação, os sinais e sintomas incluídos como critérios diagnósticos devem ser cumpridos por pelo menos dois meses antes do diagnóstico. Para a enxaqueca abdominal é necessário a presença de dois episódios e os critérios serem cumpridos pelo menos seis meses antes do diagnóstico.1

Na dispepsia funcional, os critérios diagnósticos devem incluir um ou mais dos seguintes sintomas: (1) incômodos pelo menos quatro dias por mês; (2) plenitude pós-prandial; (3) saciedade precoce, dor epigástrica ou queimação não associada à defecação. Na SII a dor abdominal deve ocorrer por pelo menos quatro dias por mês associada a um ou mais dos seguintes fatores: (1) relação com a defecação; (2) mudança na frequência das fezes; (3) mudança na forma (aparência) das fezes; e (4) naquelas crianças com constipação, a dor não se resolve com a resolução da constipação. Na dor abdominal funcional sem outra especificação é necessário que os episódios ocorram pelo menos quatro vezes por mês e que todos os seguintes sintomas estejam presentes: (1) dor abdominal episódica ou contínua que não ocorre apenas durante eventos fisiológicos (como por exemplo, comer, menstruação); e (2) que não exista critérios suficientes para o diagnóstico de síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional ou enxaqueca abdominal. Na enxaqueca abdominal, além da necessidade dos critérios serem cumpridos pelo menos seis meses antes do diagnóstico e da ocorrência de pelo menos dois episódios, devem estar presentes todos os seguintes itens: (1) dor abdominal intensa paroxística, periumbilical aguda, medial ou difusa, com duração de uma hora ou mais (deve ser o sintoma mais grave e angustiante); (2) episódios separados por semanas a meses; (3) dor incapacitante e que interfere nas atividades habituais; (4) sintomas estereotipados em cada paciente; (5) dor associada a dois ou mais de sintomas específicos (anorexia; náusea; vômitos; dor de cabeça; fotofobia; palidez).

A percepção dolorosa é determinada por fatores individuais, como a idade, gênero, nível cognitivo, experiência prévia com a dor, aprendizado familiar (capacidade de enfrentamento) e cultural (significado social dos eventos dolorosos). Fatores biopsicossociais interferem no surgimento e no controle da dor, sendo relevantes as influências do ambiente familiar e das relações sociais do paciente.2 Atualmente a terminologia de doenças funcionais têm caído em desuso e a proposta para a quinta edição dos critérios de Roma em 2026 é de utilizar o termo "desordens do eixo intestino-cérebro-microbioma", como forma de enfatizar a importância da interação desses sistemas.3,4

A hipnoterapia tem sido utilizada há muitos anos para tratamento de dor crônica, com evidências clínicas relevantes, entre elas para a DAF em crianças. Durante a hipnose clínica é possível adquirir um estado de relaxamento e ao mesmo tempo focado, fazendo com que o paciente seja influenciado por sugestões terapêuticas destinadas a promover mudanças fisiológicas e psicológicas. A hipnose clínica é segura, eficaz e não tem efeitos adversos quando realizada por profissionais capacitados, podendo ajudar na redução dos episódios dolorosos e de quadros de ansiedade, fobias, distúrbios do sono e enurese.5 Diante das crescentes publicações abordando a hipnoterapia nos casos de DAF, o objetivo do estudo aqui apresentado é de entender melhor as técnicas e a relevância/evidência científica dos estudos publicados. A revisão integrativa foi a metodologia escolhida, por proporcionar a síntese do conhecimento e a incorporação dos resultados na prática.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de revisão integrativa (RI) desenvolvido conforme proposto por Soares et al.6 Foram incluídos artigos publicados até o dia da pesquisa oficial (20 de março de 2024), em português, inglês ou espanhol, revisões de literatura ou artigos originais com abordagem de crianças ou adolescentes até 18 anos de idade e tratamento da DAF com utilização de hipnoterapia. Como critérios de exclusão foram considerados: relato de caso, estudos que não responderam à pergunta norteadora e/ou que abordaram pacientes acima de 18 anos de idade exclusivamente. Para a estratégia de busca foi utilizado o portal PubMed e a BVS (LILACS - com exclusão do MEDLINE). Dentro dessas plataformas foi utilizada a expressão de busca: "Children AND abdominal pain AND hypnosis"; "abdominal pain AND hypnotherapy AND children"; "Criança AND dor abdominal AND hipnose"; "Children AND abdominal pain AND hypnosis".

A busca na literatura teve como objetivo consolidar conhecimentos sobre hipnose e tratamento da dor abdominal crônica em crianças. A pergunta norteadora da busca foi: "A hipnose/hipnoterapia auxilia no tratamento de doenças funcionais gastrointestinais em crianças?" Os estudos identificados foram inicialmente avaliados, por dois pesquisadores e ao final de cada resultado pela pesquisadora coordenadora, a partir da análise dos títulos e posteriormente dos resumos. Para tal foi utilizado a plataforma "Rayyan"7, a qual utiliza ferramenta de inteligência artificial para gerenciar e selecionar referências em estudos sistemáticos, disponibilizando funções de importação de dados, exclusão, identificação de artigos duplicados e filtros pré-determinados. Permite a compilação de artigos segundo avaliadores pré-determinados e supervisão pelo coordenador do estudo.

A seguir, foi realizada a leitura da íntegra da publicação, seleção e análise. Para compilação dos dados foi elaborado um instrumento, com a finalidade de extrair e analisar os dados dos estudos incluídos, composto dos seguintes itens: (1) Identificação do estudo, (2) Instituição sede, (3) Tipo de publicação, (3) Características metodológicas, (4) Avaliação do rigor metodológico e (5) Nível de evidência. A identificação conteve itens como o título do artigo, o ano e o fator de impacto do periódico. No item 2 e 3, foram extraídos o local do estudo, se multicêntrico ou não. O item 3 conteve dados como o tipo de publicação, a questão de investigação, o tratamento dos dados e as conclusões. Já o item 4 conteve a clareza da metodologia, a identificação de limitações e os pontos fortes. Em nível de significância, item 5, sendo os artigos classificados de acordo com o Instituto Joanna Briggs, o que garante o rigor científico e é comumente utilizado em pesquisas de revisão sistemática.8

Por fim, utilizamos roteiros padronizados para avaliar a qualidade metodológica dos estudos incluídos. Para os ensaios clínicos randomizados, utilizamos o CONSORT9 e para os estudos observacionais utilizamos o STROBE10, de acordo com o que utilizado em revisões sistemáticas. Foi avaliado se os artigos atendiam aos respectivos roteiros desses dois instrumentos de avaliação.

 

RESULTADOS

Foram identificadas 90 referências, incluindo ambas as bases de dados. A seleção por título e resumo resultou em 62 referências, das quais foram removidas 50 publicações após a avaliação das referências na íntegra. Dessa forma, no total, foram incluídas 12 referências nessa RI. Na tabela 1 são apresentadas as bases consultadas, respectivas estratégias de busca e o total de referências recuperadas.

 

 

A figura 1 demonstra o fluxograma com cada etapa da busca dentre as referências encontradas nas bases de dados.

 

 

Na tabela 2, são apresentados dados sintetizados dos 12 artigos selecionados ao final da análise na íntegra, com o nível de evidência (JBI), o qual é utilizada em revisões sistemáticas.

 

 

Pode-se notar que alguns autores se dedicaram ao tema e publicaram mais de um artigo ou algumas vezes os autores pertencem a um grupo de pesquisa e a primeira autoria diverge, com aumento do número de publicações nos últimos anos, sendo relevante as publicações holandesas. Nos estudos analisados, notase a utilização das técnicas de hipnoterapia na DAF em pediatria. A seguir, na tabela 3, estão sintetizados os dados dos resultados segundo os autores.

 

 

Os métodos utilizados no tratamento por hipnoterapia variaram entre os estudos, sendo que em cinco foi utilizado hipnoses áudio guiadas por CD13,16,17,18, em cinco terapias individuais por especialistas (HTI) 13,14,15,17,18, em um HT em grupo com especialista19, cinco terapias guiada para as queixas intestinais (HTGI)14,16,20-22 e um HT que abordou sintomas gerais, sem focar nas queixas intestinais16. Um estudo11 pesquisou poliformofismos genéticos relacionados à submissão com resposta à hipnose, o que foi identificado em adultos, mas em crianças não houve associação. Outro avaliou a HT associada a um programa educativo de neurociências para crianças (PNE4Kids), mas não ocorreram benefícios adicionais. Os autores recomendam aumentar o número de sessões, visto que um grupo de pacientes realizou 1 sessão de HT e 1 sessão do programa e o outro grupo de 2 sessões de HT.15 Gorka et al. (2023)12 pesquisou a adesão às diretrizes holandesas para tratamento de DAF, concluindo que a adesão é maior quando autorrelatada, mas menor na vida real. A maioria dos estudos abordou SII13,14,17,19,21,22 e DAFNE (dor abdominal funcional não especificada)13,17,19,21,22 e alguns incluíram DAF13 em geral. Vasant et al. (2020)14 demonstrou que a HTGI é altamente eficaz na SII, devendo ser considerada como primeira linha de tratamento. Gulewitsch et al. (2013)19 conduziu estudo com tratamento hipnótico e comportamental padronizado breve realizado por psicólogos capacitados (2 sessões de grupo para crianças e 2 para pais, semanais, com duração de 90 minutos) comparando com os pacientes que aguardavam em lista de espera, os quais receberam apenas orientações gerais. O grupo 1, além da HT presencial, fazia exercícios de HT por áudio (CD) 5 vezes por semana em casa por 4 semanas, demonstrando a eficácia da abordagem. Vlieger et al. em estudos conduzidos em 2010 e 2007 demonstraram os benefícios da HTGI em relação ao tratamento médico padrão.21,22

 

DISCUSSÃO

O presente estudo apresenta uma revisão integrativa sobre o uso de técnicas baseadas em hipnoterapia para o manejo e tratamento da dor abdominal funcional. Os artigos examinados trazem uma análise extensa e detalhada sobre a eficácia de abordagens terapêuticas inovadoras, particularmente a hipnoterapia guiada para as queixas intestinais (HTI - na língua inglesa: Gut-Directed Hypnotherapy, GDHT), no tratamento de crianças e adolescentes com DAF. Os estudos analisados fornecem evidências sólidas sobre os benefícios clínicos da hipnoterapia em melhorar os sintomas gastrointestinais, a qualidade de vida e o bem-estar psicológico dos pacientes pediátricos, demonstrando um impacto significativo e prolongado que sobressai à abordagem habitual baseada em medicamentos. As contraindicações relatadas do uso da hipnose como ferramenta terapêutica são: condições psiquiátricas graves ou dissociativas ou psicóticas; transtorno de conversão; transtorno convulsivo; uso e abuso de drogas e álcool; atraso grave no desenvolvimento e dificuldades de compreensão; demência.5

Chogle et al. (2023)5 recomendam que os médicos devem estar preparados e devem se capacitar para abordar a DAF em crianças com a hipnoterapia. Causas orgânicas para a dor devem ser descartadas previamente. A sessão típica compreende 3 fases: (1) indução; (2) sugestões terapêuticas; (3) re-alerta. Antes da sessão é importante conversar com o paciente, entender melhor a queixa, as experiências prévias e esclarecer ao paciente sobre o processo da hipnose, obtendo o consentimento para o início da sessão. Na fase de indução é necessário promover um relaxamento e buscar um estado com foco nas frases de indução terapêutica, as quais devem ser individualizadas. Podem ser utilizadas técnicas respiratórias para relaxamento, visualização de imagens, entre outros. Como exemplo, falas como "faça respirações profundas, relaxe a musculatura a cada respiração...". Na fase de sugestões terapêuticas devem ser abordadas as questões primordiais de cada paciente. Na fase de re-alerta é solicitado que o paciente, quando estiver pronto, abra os olhos e sintonize no ambiente no modo alerta. Ao final, deve-se discutir a vivência, traçar tarefas para casa e orientar sobre o acompanhamento.5 A sessão deve ser conduzida apenas por profissionais experientes, mas é importante que os pediatras e gastroenterologistas pediátricos conheçam as fases e entendam o processo.

Rutten et al. (2014b)23 desenvolveram protocolo para comparar HT guiada por áudio com HT individual com especialistas com o objetivo de avaliar custo-efetividade. A seguir, realizaram estudo multicêntrico nacional na Holanda, utilizando os critérios de Roma III.18 Pas et al. (2020)15 aplicaram questionários, em crianças com DAF, relativos a: intensidade da dor, ansiedade, qualidade de vida (KIDSCREEN-52), crenças sobre a dor e estratégias de enfrentamento. Uma porcentagem significativamente maior de pacientes com SII tinha histórico familiar positivo. As características dos pacientes com subtipos de SII não diferiram. Pacientes diferiram apenas com relação à estratégia de enfrentamento focada no problema. Relatam que diferentes subcategorias de distúrbios gastrointestinais funcionais relacionados à dor abdominal na infância não são entidades clínicas separadas, mas representam expressões variáveis ??da DAF, que podem responder de forma diferente às abordagens terapêuticas e podem ter características fisiológicas diversas. Mais estudos são necessários para melhor compreensão dessas expressões. Alguns estudos12,14-19,26 demonstram redução significativa nos escores de dor abdominal quando a hipnoterapia foi utilizada, seja ela focada no intestino ou apenas terapia de abordagem geral. Também foram analisados os resultados de hipnoterapia realizada em domicílio, com o uso de áudio (CD) contendo instruções detalhadas para a prática da terapia, desenvolvidos por terapeutas capacitados ou diretamente por profissional hipnoterapeuta de centros especializados em tal prática. Em ambos os cenários, constatou-se a eficácia do tratamento ao avaliar-se desfechos como: náuseas, sintomas dispépticos, índice de qualidade de vida, absenteísmo escolar dos pacientes e no trabalho pelos pais, sintomas de depressão e ansiedade.

Allen et al. (2011)24 propõem incluir mentoria em pares para adolescentes com dor abdominal crônica (fibromialgia, cefaleia e dor abdominal) como forma de melhorar o autogerenciamento e a adesão ao tratamento padronizado médico ou HT. Esses estudos enfatizam a necessidade da adoção de diários da dor, questionário de qualidade de vida relacionada à saúde e busca de estratégias de enfrentamento, focados em aspectos individuais e faixa etária dos pacientes.

Para além dessas variáveis, a hipnoterapia também se mostrou vantajosa quando comparada ao tratamento farmacológico padrão utilizado em muitos países ou a nenhum tratamento14,19,26. O protocolo padrão utilizado nos estudos foi uma abordagem gradual, iniciando com orientação acerca das restrições alimentares e novos estilos de vida sugeridos para melhora dos sintomas dispépticos. A não resolução com essas indicações indicou a necessidade de abordagem farmacológica, na qual utilizou-se Inibidores de Bomba de Prótons (IBP), às vezes associados à domperidona. Outros fármacos e fitoterápicos também foram prescritos, como ondansetrona, misturas de ervas medicinais, laxantes, óleo de hortelã.

Vasant et al. (2020)14 sugerem que a hipnoterapia é altamente eficaz para a abordagem da SII em crianças e adolescentes, com 88% de resposta. Demonstram também que, assim como adultos, crianças e adolescentes com SII sofrem sintomas debilitantes não colônicos, com boa resposta.

O conhecimento dos protocolos recomendados em caso de dores "funcionais" é fundamental para correta abordagem, porém, deve-se avaliar, também, a adesão desses protocolos por parte dos médicos, agentes de saúde e pais. Esse tópico foi abordado por Gorka et al. (2022)12, ao avaliar a adesão às diretrizes de tratamento para distúrbios funcionais gastrointestinais por parte dos pediatras e residentes de pediatria de hospitais na Holanda. Essa pesquisa constatou que a adesão ao tratamento autorrelatada é maior que a real adesão, o que permite fazer questionamentos quanto aos resultados na prática.

O comportamento infantil é extremamente moldado e alterado com base no comportamento parental. Nessa linha, Pas et al. (2020)15 abordaram a "catastrofização" da dor pelos pais e a maneira como isso afeta as crianças. O referido estudo revelou que as crianças cujos pais não têm poder de enfrentamento e valorizam a dor tendem a apresentar mais ansiedade e medo, além de incapacidade funcional. A partir dessa análise, sugere-se que os pais também sejam incluídos nas sessões de tratamento terapêutico, com o intuito de melhorar o poder de enfrentamento da dor e de assimilar as melhores práticas para auxiliar no tratamento de seus filhos, o que, segundo o estudo, é fator para melhor resposta ao tratamento. É de conhecimento médico que as crianças com dor abdominal pontuam mais alto em questionários que avaliam distúrbios como ansiedade, depressão e outras queixas somáticas.19

Ganzevoort et al. (2023)25 publicaram protocolo de um estudo a ser desenvolvido de forma a avaliar o custo-efetividade de hipnoterapia domiciliar guiada por áudio com avaliações ao longo de 12 meses. O formato proposto é interessante e condizente com o momento atual de uso de tecnologias e mídia e no futuro deverá ser disponibilizado para todos na atenção primária em saúde, auxiliando os pacientes a superarem as dores, reduzindo a cronicidade e perpetuação dos sintomas. Rexwinkel et al. (2022 )13 concluem que não foram encontradas diferenças entre crianças com SII e aquelas com DAF com relação aos principais resultados: frequência e intensidade da dor abdominal, sintomas de depressão e ansiedade, somatização, qualidade de vida relacionada à saúde, crenças sobre dor e estratégias de enfrentamento. Uma porcentagem significativamente maior de pacientes com SII tinha histórico familiar positivo para DAF. As características dos pacientes com subtipos de SII não diferiram. Pacientes com DAF ou DAFNE diferiram apenas com relação à estratégia de enfrentamento focada no problema.

Browne et al. (2019)26 publicaram proposta de estudo randomizado multicêntrico para comparar a eficácia da hipnoterapia guiadas para as queixas intestinais com o tratamento médico padrão em crianças com náusea funcional crônica ou dispepsia funcional. O estudo visa determinar se a hipnoterapia é superior ao tratamento médico padrão na redução de 50% da náusea em longo prazo e os resultados ainda não foram publicados.

O prazo de HT dos estudos foi de 3 meses na maioria dos estudos,11,13,14,16,17,20-22 com boa resposta, e o acompanhamento variou, mas com média de até 6 anos,13 demonstrando que a resposta permanece e que o sucesso do tratamento é obtido de forma permanente.

Como fator limitante deste estudo devemos enfatizar que ainda existem poucas publicações com evidência científica e como o tratamento é mais abrangente e os grupos de pacientes não são uniformes, ainda são necessários mais estudos para entender melhor as respostas para cada subtipo de DAF. Ocorreu abordagem de diferentes critérios de Roma (II, III e IV) devido ao período diverso de publicações.

Uma reflexão importante para os profissionais que abordam pacientes com DAF é sobre a necessidade de capacitação de médicos e psicólogos em HT, de forma a garantir a possibilidade de uso e a resposta adequada. No Brasil, os profissionais que podem utilizar a hipnose como terapêutica são os médicos, psicólogos e dentistas.

 

CONCLUSÃO

Em crianças com DAF as opções de tratamento eficazes são escassas e a hipnoterapia pode ser considerada um deles, em um estágio mais precoce do que em adultos, com o potencial adicional de prevenir a perpetuação dos episódios dolorosos e de melhorar a qualidade de vida dos pacientes e dos familiares. Os pediatras devem estar preparados para reconhecer o quadro de DAF, a sua influência na saúde do paciente e na vida familiar, buscando abordagens que envolvam a hipnoterapia. Em alguns pacientes pode ser também necessário a avaliação da presença e abordagem adequada de sintomas de ansiedade e/ou depressão.

 

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