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CAPES/Qualis: B2
Fatores de risco para colonização por bactérias hospitalares multirresistentes em pacientes críticos, cirúrgicos e clínicos em um hospital universitário brasileiro
Risk factors for colonization by multiresistant hospital bacterias in critical, surgical and clinical patients in a Brazilian university hospital
Rosineide Marques Ribas1; Paulo Pinto Gontijo Filho2; Renata Cristina Cezário3; Patrícia Ferreira Silva 4; Débora Regina Pena Langoni5; Anderson Silveira Duque6
1. Doutora. Professora Adjunta. Microbiologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
2. Professor Titular. Microbiologia, Instituto de Ciências Biomédicas da UFU
3. Doutora em Imunologia e Parasitologia Aplicadas, UFU. Professora na Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC, Campus Araguari)
4. Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia-MG. Médica-Residente no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
5. Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Médica-Residente no Hospital Escola da Faculdade de Medicina de Catanduva-SP
6. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia. Médico-Residente SUS-São Paulo
R: Nordau Gonçalves Melo, no 1.245 B: Santa Mônica
Uberlândia - MG CEP: 38408-218
E-mail: rosi_ribas@yahoo.com.br
Recebido em: 20/01/2008
Aprovado em: 24/06/2009
Resumo
OBJETIVOS: avaliar os fatores de risco intrínsecos e extrínsecos associados à colonização por microrganismos resistentes aos antibióticos em pacientes clínicos, cirúrgicos e críticos internados no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU).
CASUÍSTICA: foi realizado um estudo em pacientes colonizados (n=78) e não-colonizados (n=155), incluindo pacientes clínicos (n=126), cirúrgicos (n=72) e críticos (n=35), com idade média de 56,5 anos e tempo de internação de 10,5 dias. A pesquisa de colonização foi realizada na narina e intestino a partir da coleta de material com auxílio de swab e o cultivo primário em meios de ágar MacConkey contendo 2 µg/mL de ceftazidima e ágar manitol salgado com 6 µg/mL de oxacilina. A multirresistência foi caracterizada pelo teste de difusão com disco. Foi preenchida uma ficha individual contendo dados demográficos, fatores de risco intrínsecos e extrínsecos e uso de antimicrobianos.
RESULTADOS: no total, aproximadamente 35,0% dos pacientes estavam colonizados; 39,7% estavam colonizados por estafilococos e 35,9% por bacilos gram-negativos (multirresistentes). Os pacientes críticos representaram 54,3% do total. Os fatores de risco associados à presença desses microrganismos incluíram: internação igual ou superior a sete dias (p<0,0001; OR=7,97; IC=3,54-18,47); uso de antibióticos (p=0,003; OR=2,38; IC=1,31-4,32), uso de > 2 antibióticos (p=0,0004; OR=2,83; IC=1,545,21); e internação na Unidade de Terapia Intensiva (p=0,008; OR=2,80; IC=1,27-6,19).
CONCLUSÃO: a taxa de colonização dos pacientes por Staphylococcus aureus e bacilos gram negativo resistentes foi alta e associada principalmente ao uso de antibióticos e internamento na UTI.
Palavras-chave: Infecções Bacterianas; Infecção Hospitalar; Fatores de Risco; Resistência Microbiana a Medicamentos.
INTRODUÇÃO
A utilização excessiva e inapropriada de antimicrobianos é mundialmente prevalente, entretanto, é particularmente trágica em países como o Brasil, que possuem, em comum, essa prática como responsável pela emergência de resistência bacteriana, recursos limitados para a aquisição de antimicrobianos1, higiene precária e procedimentos de prevenção e controle de infecções pouco eficientes nos hospitais.2,3,4 A resistência antimicrobiana resulta em elevada morbidade, mortalidade e custos para os hospitais e o sistema de saúde.3,5,6
Os pacientes colonizados com bactérias resistentes, embora possuam menos probabilidade de representar a fonte de transmissão, apresentam, epidemiologicamente, a mesma importância dos clinicamente infectados.5
O propósito deste estudo foi avaliar os fatores de risco para a aquisição de bactérias multirresistentes, S.aureus e bacilos gram negativo, por pacientes críticos, cirúrgicos e clínicos internados em hospital universitário mineiro.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Este estudo foi realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), instituição universitária, pública, com 503 leitos e que oferece assistência de nível terciário.
Desenho do estudo: foram realizados três inquéritos de prevalência pontual em intervalos de quatro meses, de maio/2003 a maio/2004. Os dados foram coletados por intermédio de vigilância ativa, seguindo o preenchimento de uma ficha individual contendo os seguintes dados: idade, tempo de hospitalização, comorbidades, procedimentos invasivos (ventilação mecânica, uso de cateter vascular central, dreno, sonda vesical, entre outros) e uso de antibióticos.
A vigilância epidemiológica compreendeu as unidades de clínica médica, cirúrgica e terapia intensiva.
Para a pesquisa de colonização, materiais de narina, boca e intestino foram coletados com swabs estéreis e transportados para o laboratório de microbiologia em tubos contendo 1 mL de TSB (Tripticase Soy Broth).
As técnicas microbiológicas utilizadas constaram de cultivo primário dos espécimes clínicos, utilizandose os meios ágar manitol salgado com 6 µg/mL de oxalina (para Staphylococcus aureus and Staphylococcuscoagulase-negativos) e ágar MacConkey com 2 µg/mL de ceftazidime para bacilos gram negativo. Para a identificação do Staphylococcus aureus, utilizaram-se os seguintes testes: fermentação do manitol, morfologia celular a partir de características observadas na coloração de gram e produção de catalase e coagulase livre. As amostras de gram negativo foram caracterizadas como pertencentes à família Enterobacteriaceae e ao grupo dos bacilos não-fermentadores pelos testes de oxidação-fermentação (OF) e de oxidase.
A identificação de gênero e espécie foi feita pelos seguintes testes:
Família Enterobacteriaceae - fermentação da lactose, produção de indol, motilidade, utilização de citrato, hidrólise de ureia, produção de gás sulfídrico, fenilalanina desaminase, lisina e ornitina descarboxilase e reação do vermelho de metila;
Bacilos gram-negativo não-fermentadores: redução do nitrato, utilização do gluconato, produção de pigmento, atividade da lisina descarboxilase, urease, produção de indol, hidrólise de acetamida e de esculina.
Análise estatística: os dados epidemiológicos foram analisados por intermédio do programa Statistic 4.5 for Windows e Epi-Info, versão 5.0. O teste X2 e exato de Fisher foram realizados para avaliar os fatores de risco para colonização. Esses aspectos foram comparados individualmente versus uma variável resposta (análise univariada) a partir de contingência do tipo dois por dois (2 x 2).
RESULTADOS
A população estudada constou de 233 pacientes com idade média de 56,5 anos e média de internação de 10,5 dias. Desses pacientes, 33,5, 39,7 e 35,9%, respectivamente, estavam colonizados por patógenos multirresistentes, por S. aureus e por bacilos gram negativo (Tabela 1).
A maioria (54,2%) dos pacientes estava internada na unidade Clínica Médica, entretanto, entre os colonizados, 54,3% estavam nas unidades críticas. Esses valores foram considerados estatisticamente significantes (Tabela 2).
A frequência de pacientes colonizados por bactérias multirresistentes em uso de dois ou mais antibióticos foi de 66,7%, com diferença significante quando comparados com o grupo de pacientes não-colonizados (Tabela 3).
Os seguintes fatores de risco foram detectados pela análise univariada como significantemente associados à colonização: internação igual ou superior a sete dias (p < 0,0001; OR = 7,97; IC = 3,54-18,47), dois ou mais procedimentos invasivos (p = 0,0004; OR = 2,83; IC = 1,54-5,21), uso de antibióticos (p = 0,003; OR = 2,38; IC = 1,31-4,32); uso de > dois antibióticos (p = 0,0004; OR = 2,83; IC = 1,54-5,21) e internação na Unidade de Terapia Intensiva (p = 0,008; OR = 2,80; IC = 1,27-6,19) (Tabela 4).
DISCUSSÃO
O uso abusivo de antibióticos é fator importante na emergência de fenótipos de resistência e colonização por microrganismos resistentes. A prescrição desses medicamentos é feita nas primeiras 24 horas da suspeita clínica em função do prognóstico negativo. A terapêutica empírica, quando essa intervenção não é feita, é adotada visando à melhor cobertura possível e, preferencialmente, com base em dados epidemiológicos. Há relatos na literatura de que o uso inapropriado dos antimicrobianos está entre 41 e 91%.7-15
A resistência antimicrobiana, embora seja considerada um problema crítico atual, especialmente entre microrganismos associados às infecções hospitalares nos países desenvolvidos11, é mais grave em países em desenvolvimento, como o Brasil3, onde faltam recursos financeiros e humanos1, laboratórios de microbiologia e qualidade desejável na maioria dos existentes12. A falta de higiene e de controle de infecção constitui, ainda, fatores importantes observados nos países em desenvolvimento, o que contribui para facilitar a disseminação das bactérias resistentes entre os pacientes.13
O principal fator de risco associado à infecção é a colonização por bactérias potencialmente patogênicas14. O problema de resistência é mais significativo nas Unidades de Terapia Intensiva, onde se verifica frequência cada vez mais elevada de infecções causadas por patógenos resistentes15, principalmente porque sofrem alta pressão seletiva pelo uso excessivo de antibióticos, frequentemente com mais morbidade e mortalidade e custos mais altos14.
Este trabalho evidencia que o uso de antibióticos ocorreu em aproximadamente 54% dos pacientes colonizados, sendo administradas preferencialmente as cefalosporinas de amplo espectro. A maior densidade de prescrição de antibióticos e a presença desses pacientes em unidades críticas refletem taxas mais elevadas, neste trabalho, de pacientes colonizados.
A colonização bacteriana das mucosas e da pele é frequentemente o primeiro passo na patogênese das infecções hospitalares.5 Há numerosos estudos identificando os fatores de risco para colonização ou infecção por patógenos multirresistentes, com destaque para S. aureus, Enterococcus spp, bacilos gram negativo e Cândida spp. Existem muitos trabalhos que identificam fatores de risco que são específicos para alguns microrganismos. Safdar e Maki11, em revisão de 74 publicações sobre o assunto, utilizando análise multivariada, verificaram que os fatores predisponentes tradicionais são comuns, incluindo: idade avançada, tempo de permanência hospitalar, gravidade da doença de base, alimentação enteral, transferências entre hospitais e unidades, cirurgias, exposição a procedimentos invasivos e utilização de antibióticos, especialmente cefalosporinas.5
A maioria dos fatores de risco analisados neste estudo associou-se à colonização bacteriana, excetuando-se a idade, apesar de aproximadamente 41% dos pacientes colonizados apresentarem idade igual ou superior a 60 anos.
Os dados aqui apresentados confirmam que a taxa de colonização por bactérias resistentes foi elevada quando comparada com as de outros estudos realizados nos Estados Unidos, associada principalmente ao uso de antibióticos e à internação do paciente na Unidade de Terapia Intensiva.
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