RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 3

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Artigo Original

Aspectos do comportamento sexual em universitários

Aspects of university students' sexual behavior

Stella Maria Melo Bastos Braga1; Roberto Assis Ferreira2; Marco Antônio Duarte3; Sarah Gonçalves Fonseca4; Rodrigo D' Assunção Ferreira4

1. Médica pediatra do Serviço de Saúde do Adolescente do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenador do Curso de Especialização em Medicina do Adolescente/Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
3. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientador no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
4. Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

Stella M. Melo Bastos Braga
R: Jacarandá, nº 405 Condomínio Retiro das Pedras
Belo Horizonte - MG CEP: 30140-970
Email: stellabbraga@gmail.com

Recebido em: 14/12/2008
Aprovado em: 22/04/2009

Resumo

OBJETIVOS: descrever a prevalência de comportamentos sexuais de risco para DST/AIDS entre estudantes da UFMG.
MÉTODOS: estudo descritivo, transversal, com amostragem aleatória, representativa, estratificada. A população alvo era de alunos que ingressaram na UFMG no primeiro semestre de 2004. O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário aplicado em 362 alunos com idades entre 18 e 25 anos.
RESULTADOS: entre os entrevistados, 58,6% eram do gênero masculino, sendo que 65,7% dos universitários já haviam iniciado a vida sexual. A idade média na primeira relação foi de 16,4 anos, sendo mais precoce no sexo masculino. Entre os alunos sexualmente ativos, 69,2% relataram ter tido um a três parceiros sexuais durante toda a vida. Nos últimos dois meses, 60,9% tiveram um único parceiro e 30,3% não tiveram nenhum parceiro. A relação mais frequente foi pênis-vagina. Houve predomínio de heterossexualidade. Menos da metade dos sexualmente ativos declarou uso constante de preservativos nas relações sexuais. A maioria dos alunos não se enquadrou nos motivos apresentados para justificar o não-uso constante do preservativo.

Palavras-chave: Comportamento Sexual; Preservativos/utilização; Estudantes; Universidades.

 

INTRODUÇÃO

O interesse pelo conhecimento do comportamento sexual dos jovens vem crescendo nas últimas décadas, tanto pelo aumento da taxa de fecundidade, como pela alta prevalência de doenças sexualmente transmissíveis.

A importância relativa das jovens de 15 a 19 anos no cômputo da taxa de fecundidade total no Brasil tem aumentado nos últimos anos. Responsável por 9% em 1980, passou para 14% em 1991. A fecundidade desse grupo etário já responde por 20% do total de filhos tidos, em 2000, pelas mulheres ao longo de todo o período reprodutivo (15 a 49 anos).1

A incidência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) nos adolescentes e jovens também vem aumentando nos últimos anos em todo o mundo, podendo trazer consequências imediatas para a saúde, como uretrites, salpingites e, em longo prazo, infertilidade, gravidez ectópica ou câncer de colo uterino. Além disso, as DSTs são facilitadoras da contaminação do HIV.2,3

Costa et al.4 enfatizaram que os adolescentes podem estar sob risco particularmente elevado de infecção pelo HIV e outras DSTs, já que a maioria dos jovens se envolve em comportamento de alto risco, como a relação sexual sem proteção, início sexual precoce e mais números de parceiros.4

Vários estudos brasileiros têm revelado que o uso de preservativos entre adolescentes e jovens é baixo. A atividade sexual geralmente não é programada e 33% ou menos usavam preservativos.5-7

Nos Estados Unidos, Suíça, Canadá e Inglaterra, a maior parte dos adolescentes que apresentam DST/AIDS tem noções sobre o uso do preservativo, entretanto, não pratica de maneira consistente a prevenção, não se incluindo em grupo de risco.8-13

Segundo Hubner14, o nível de escolaridade tem forte impacto sobre a vida sexual dos adolescentes e jovens. Observa-se na Colômbia, República Dominicana, Guatemala e México que as mulheres que receberam 10 anos ou mais de escolaridade tinham quatro vezes menos probabilidade de iniciar sua atividade sexual antes de completar os 20 anos do que aquelas que receberam apenas quatro anos de escolaridade.14

O conhecimento do comportamento sexual dos universitários é importante para orientar o planejamento de ações na área de saúde e educação voltadas para a vida sexual desses jovens.

 

OBJETIVOS

Descrever aspectos do comportamento sexual de alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): idade na primeira relação sexual com penetração, número de parceiros sexuais, tipo de ato sexual praticado, sexo biológico do parceiro, frequência do uso do preservativo e motivos para o nãouso do mesmo.

 

ALUNOS E MÉTODOS

Foi realizado estudo descritivo com base em um corte transversal. A população alvo é formada pelos alunos que ingressaram na UFMG no primeiro semestre de 2004, com idades entre 18 e 24 anos. O cálculo amostral foi realizado baseando-se num planejamento de amostragem aleatória e estratificada. A seleção dos cursos nas diversas áreas foi feita por sorteio e os entrevistados em cada curso foram escolhidos de forma também aleatória O instrumento de coleta de dados foi um questionário contendo questões fechadas abrangendo os seguintes dados: idade, gênero, estado civil, situação atual de moradia, idade na primeira relação sexual com penetração, número de parceiros sexuais, tipo de relação sexual praticada, sexo biológico do parceiro sexual, uso de preservativo e razões para o não-uso do mesmo. O questionário não permitiu a identificação do aluno, garantindo o sigilo das informações.

Foram entrevistados 362 universitários com idades entre 18 e 25 anos: 18 a 20 anos (77,1%), 21 a 23 anos (20,2%) e 24 a 25 anos (2,7%). O grupo etário mais significativo (18 a 20 anos) é uma população com idade dentro da faixa etária considerada jovem, com suas características próprias. Esses dados são semelhantes aos encontrados no estudo do perfil socioeconômico e cultural dos alunos de graduação da UFMG da Fundação Mendes Pimentel. Segundo esse estudo, a população de alunos da UFMG é basicamente composta de jovens entre 19 e 22 anos. Aproximadamente 69,0% deles têm até 22 anos, indicando que grande parte deles não demora a ingressar na universidade após a conclusão do Ensino Médio. Quanto ao gênero, 58,6% eram homens. A maioria dos alunos (75,1%) morava com os pais. Apenas um era casado.

Para análise e processamento dos dados, foi construído um banco de dados com o software EPI-INFO, com dupla digitação por profissionais distintos. As medidas descritivas são apresentadas em porcentagens e tabelas com a média, mediana, mínimo (mín), máximo (máx) e desvio-padrão (d.p.). O valor de n refere-se ao tamanho da amostra avaliada. As comparações entre os sexos e os grupos etários quanto às variáveis de interesse foram realizadas utilizando-se o teste do qui-quadrado. Nos casos em que ocorreram valores esperados inferiores a cinco, utilizou-se o teste exato de Fisher. A comparação entre os sexos e quanto à idade em que ocorreu a primeira relação sexual com penetração foi realizada utilizando-se o teste de Mann-Whitney, devido à distribuição das variáveis não ser normal. Todos os resultados foram considerados significativos para uma probabilidade de significância inferior a 5%.

Este projeto foi submetido à avaliação pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG, tendo sido aprovado.

 

RESULTADOS

Entre os alunos entrevistados, 65,7% declararam que já tiveram relações sexuais com penetração e 34,3% nunca tiveram. O percentual de 75% dos alunos masculinos que já tiveram relações sexuais com penetração foi superior aos 52,7% observados no grupo feminino (χ2 = 19,46, p < 0,001) (Figura 1).

 


Figura 1 - Distribuição dos alunos segundo a ocorrência de relação sexual com penetração, considerando o sexo.

 

Os alunos entre 23 e 25 anos apresentaram percentual superior de atividade sexual em relação aos da faixa etária de 18 anos (χ2 = 10,17, p= 0,038).

A idade na primeira relação sexual com penetração variou de 10 a 21 anos, com média igual a 16,4 anos (dp 1,8). Entre os alunos que relataram já ter iniciado atividade sexual, observou-se que 47,9% tiveram a primeira relação sexual com penetração entre 14 e 16 anos e 43,3% entre 17 e 19 anos (Figura 2).

 


Figura 2 - Distribuição dos alunos segundo a idade na primeira relação sexual com penetração. 67 casos sem informação.

 

Os homens tiveram a primeira relação sexual com idade média de 16,2 anos (dp 1,9) e as mulheres com 16,9 anos (dp 1,6 p= 0,02) (Tabela 1).

 

 

A maioria dos alunos entrevistados com atividade sexual teve, durante toda a vida, um a três parceiros, sendo que 32,9% tiveram apenas um e 36,3% tiveram dois ou três. Nos últimos dois meses, 60,9% tiveram um único parceiro e 30,3% não tiveram nenhum parceiro.

Avaliando-se o grupo masculino, observou-se que 39,6% tiveram dois a três parceiros durante a vida, 38,4% tiveram quatro ou mais e 22,0% apenas um parceiro. No grupo feminino, 55,1% tiveram um único parceiro, 29,5% tiveram dois a três parceiros e 15,4% tiveram quatro ou mais durante toda a vida. O percentual de mulheres que teve apenas um parceiro sexual durante toda a vida foi mais alto que o dos homens (χ2 = 27,89, p < 0,001). A partir de 20 anos ocorreu mais alto percentual do número de parceiros durante toda a vida em relação ao grupo de 18 anos (χ2 = 26,11, p< 0,001). Quanto ao número de parceiros nos últimos dois meses, o grupo masculino relatou que 52,8% tiveram um único parceiro e 35,8% nenhum. No grupo feminino, 77,2% tiveram um único parceiro e 19,0% nenhum parceiro (χ2 = 13,50, p< 0,01).

A maioria dos alunos (98,7%) ressaltou ter tido relação sexual do tipo pênis-vagina, 85,3% declararam que já praticaram sexo oral e 24,7% relação sexual com penetração anal. Não houve diferença entre os sexos quanto à frequência da relação sexual tipo pênis-vagina e oral. Quanto ao sexo anal, os homens relataram mais frequência (χ2 = 4,03, p= 0,04). Não houve diferenças quanto ao tipo de relação sexual quando comparadas as faixas etárias.

No tocante ao sexo biológico do parceiro sexual, entre os homens, 96,9% informaram relação sexual apenas com mulheres (heterossexual), 2,5% com homens e mulheres (bissexual) e 0,6% apenas com homens (homossexual). No grupo feminino, 96,2% mencionaram relação apenas com homens (heterossexual), 2,5% apenas com mulheres (homossexual) e 1,3% com homens e mulheres (bissexual).

Os resultados mostraram que 45,8% dos alunos usaram preservativo em todas as vezes que tiveram relação sexual com penetração (uso constante), 50,4,% tiveram uso inconstante e 3,8% nunca fizeram uso de preservativo (Figura 3).

 


Figura 3 - Distribuição dos alunos que já tiveram relação sexual segundo a frequência do uso do preservativo.

 

No grupo masculino, 51,5% sempre utilizaram preservativo em suas relações e 45,8% tiveram uso inconstante ou nunca usaram. No grupo feminino, 34,2% relataram que sempre seus parceiros utilizaram o preservativo e 65,8% uso inconstante ou nunca foi utilizado (χ2 = 6,43, p< 0,011). Observou-se que, entre os alunos de 18 a 20 anos de idade, a maioria utilizou preservativo em todas as relações sexuais (53,6%). Entre aqueles com idades entre 21 e 22 anos, 31,6% fizeram uso constante do preservativo, sendo que a maioria declarou uso inconstante ou nunca usou (68,4%). No grupo com idades entre 23 e 25 anos, 23,8% faziam uso constante do preservativo e a maioria (66,7%) fez uso de forma inconstante ou nunca usou (χ2 = 9,67, p= 0,046).

Os principais motivos descritos pelos universitários para o não-uso constante do preservativo em todas as relações foram: diminuição do prazer (38,0%), quebra do clima da transa (33,3%), o(a) parceiro(a) não gosta (15,5%) e por achar que não precisa (15,5%). Os motivos menos destacados foram: não saber usar (0,8%), ter vergonha de pedir para o parceiro usar (1,6%), ter medo de ser mal compreendido (2,3%) e não saber ou não ter onde comprar (2,3%).

Entretanto, a maioria dos universitários com atividade sexual declarou outro motivo (56,6%) para justificar o não-uso constante do preservativo (Figura 4).

 


Figura 4 - Distribuição dos alunos segundo a justificativa para o não-uso constante do preservativo.

 

Houve diferença entre os sexos quanto à justificativa "tem vergonha de comprar", sendo mais frequente no sexo feminino (Fisher, p=0,039). Também se verificou mais tendência no grupo feminino à justificativa "porque o parceiro não gosta", sendo que este motivo foi apontado por 23,1% delas e 10,4% dos homens (χ2 = 3,81, p= 0,051).

 

DISCUSSÃO

Na discussão dos resultados, alguns aspectos devem ser considerados.

A amostra utilizada é representativa da população de estudantes da UFMG. Assim, os resultados deste trabalho aplicam-se a essa população específica, não podendo ser generalizados para a população jovem de maneira geral.

Sabe-se que o questionário é um instrumento que tem suas limitações. Os dados foram coletados por meio de autorrelato. O questionário anônimo, preenchimento voluntário e garantia quanto ao caráter sigiloso das informações foram os procedimentos utilizados para minimizar essas limitações.15

Para caracterização do início da atividade sexual, foi pesquisada a prática da relação sexual com penetração. Neste estudo, a análise dos dados revelou que a maioria dos jovens universitários já tinha tido relação sexual com penetração. O percentual do grupo masculino foi superior ao feminino.

A idade da primeira relação sexual com penetração variou de 10 a 21 anos, com média de 16,4 anos. A média da idade no primeiro ato sexual com penetração foi mais baixa entre estudantes homens.

O percentual mais elevado de rapazes com atividade sexual vem sendo observado pelos pesquisadores, podendo refletir valores de nossa sociedade que, apesar de grandes mudanças, mantêm diferenças quanto à vivência da sexualidade entre os gêneros. Também pode ser questionado mais constrangimento das moças para se manifestar em relação a esse assunto.

A idade na primeira relação sexual com penetração tem sido utilizada como um dos principais indicadores para o estudo do comportamento sexual em jovens.

Porém, para Wellings e Field13, o evento da primeira relação sexual com penetração, isolado, não é real indicador de atividade sexual. O comportamento sexual da população jovem envolve uma variedade de práticas que não necessariamente termina em relação sexual com penetração. Essas práticas geralmente iniciam-se tempo antes da primeira relação sexual com penetração. Entretanto, a relação sexual com penetração é marcada de importante implicação na saúde, desde que, quando desprotegida, leva a riscos como gravidez não planejada e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo HIV/AIDS.

Os resultados aqui apresentados também mostram que a média da idade na primeira relação sexual dos universitários da UFMG foi acima da dos jovens da população brasileira.5 Além disso, não só confirmam os observados em outros estudos com universitários brasileiros16-20, mas também acentuam que o nível de escolaridade pode influenciar o comportamento sexual desses jovens.

A multiplicidade de parceiros também tem sido preocupação quanto ao risco de DST/AIDS em jovens. Segundo Gir17, as chances de contrair doenças sexualmente transmissíveis, incluindo HIV/AIDS, são diretamente proporcionais ao número de contatos sexuais mantidos.

Neste estudo, um terço dos entrevistados sexualmente ativos declarou ter tido apenas um único parceiro em toda a vida. Percentual semelhante tiveram os com dois ou três parceiros, ocorrendo o mesmo com os que tiveram quatro ou mais. Nos últimos dois meses, a maioria dos universitários teve apenas um único parceiro, mostrando a predominância da relação monogâmica.

Considerando o gênero, o grupo feminino apresentou percentual mais elevado de um único parceiro durante toda a vida. No grupo masculino, predominaram dois ou mais parceiros. Possivelmente essas diferenças podem ser explicadas também por desigualdade de condutas sexuais culturalmente estabelecidas para os gêneros.

O tipo de relação sexual mais ressaltado pelos universitários neste estudo foi o intercurso pênis-vagina, seguido pelo sexo oral, em ambos os gêneros. A relação anal foi a que apresentou menor proporção e mais relatada entre os homens.

Wellings e Field13 sugerem que a prática do sexo oral é muito comum na população jovem. Conforme observado em nosso estudo, foi frequente esse tipo de intercurso.

Kipke et al.21 discutiram que o fator de risco mais comumente associado à transmissão de HIV entre adolescentes e jovens é a relação sexual desprotegida. Três tipos de relação acarretam risco: vaginal, oral e anal. Estudos sobre transmissão preconizam que a relação anal passiva possa ser a via de transmissão mais ativa do que a vaginal que, por sua vez, mais ativa que a oral. De acordo com esses autores, os preservativos são uma barreira eficaz contra as DSTs, incluindo o HIV. Porém, poucos adolescentes e jovens usam regularmente o preservativo durante a relação vaginal e menos adolescentes ainda destacam a utilização durante as relações oral e anal. Assim, o tipo de relação sexual está também relacionado com o uso mais ou menos frequente do preservativo.

Carneiro et al.16 observaram que, entre os universitários pernambucanos, durante a prática do sexo anal e oral, 32 e 73,8%, respectivamente, nunca usam o preservativo.

Cabe sublinhar, portanto que, devido ao elevado número de relação oral detectado entre os universitários deste estudo, percentual importante desses jovens pode estar exposto a riscos.

Quanto ao sexo biológico do parceiro neste estudo, houve predomínio absoluto de heterossexualidade em ambos os sexos. A atividade homossexual foi relatada por poucos estudantes. Quanto à atividade bissexual, também baixo número de universitários declarou praticar essa atividade. Esses achados são confirmados em outros estudos.11,13,20

O sexo biológico do parceiro apresentava importância fundamental no início da epidemia da AIDS, quando a relação homossexual, principalmente masculina, estava relacionada com maior transmissão do HIV. Hoje, com a feminilização da AIDS, isso perde importância do ponto de vista epidemiológico.

Neste estudo, verificou-se que elevado número de jovens tem relações sexuais desprotegidas: mais da metade dos universitários mencionou uso inconstante do condom ou que nunca usou. Menos da metade, que pratica relação sexual com penetração, assegurou o uso do preservativo em todas as relações sexuais.

Considerando o gênero, houve diferença significativa entre homens e mulheres quanto à frequência do uso do preservativo, mais prevalente entre os rapazes. Esses resultados são semelhantes aos encontrados na pesquisa do Ministério da Saúde com a população brasileira22, na qual foi encontrada diferença significativa do uso do preservativo entre homens e mulheres entre 16 e 25 anos de idade, ou seja, 52,8 e 35,4%, respectivamente.

Esses dados também podem estar relacionados com a diferença no comportamento sexual entre os gêneros. O uso mais frequente do preservativo entre os rapazes poderia ser explicado pelo mais alto número de parceiras sexuais casuais, pouco conhecidas. As moças teriam menos parceiros, com relacionamentos mais estáveis, julgando-se com baixo risco ou com mais dificuldade de negociar o uso do condom.

Segundo Gil23, as jovens têm mais dificuldade e menos chance de propor o uso da camisinha, sobretudo quando o parceiro é estável, uma situação que a torna potencialmente exposta ao risco de contrair DST/AIDS.

Nos últimos anos, muitos esforços têm sido realizados para controlar a expansão das infecções sexualmente transmissíveis para deter o aumento do número de mortes causadas pela AIDS e evitar o significativo número de gravidez não planejada na população jovem.

O conceito de dupla proteção na relação sexual tem sido de grande relevância. Assim, o condom é considerado método único capaz de evitar a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a AIDS. Apesar do preservativo não poder ser considerado método infalível em virtude da possibilidade de rompimento e de utilização incorreta, ele apresenta, segundo Gil23, eficácia de 90 a 95%, se utilizado corretamente.

No estudo "Juventudes e Sexualidade", que entrevistou jovens de 14 capitais brasileiras, o percentual que declarou o uso do preservativo em todas as relações sexuais variou de 36,0 a 66,6%.5

Campanhas de educação sexual têm sido muito utilizadas na informação à população jovem sobre os riscos do sexo sem proteção. Estudos realizados com essa população têm demonstrado que a maioria dos jovens conhece sobre a transmissão de DST e AIDS e a eficácia do uso do condom na prevenção dessas doenças, porém, descreve que não há sincronismo entre discurso e prática no uso do preservativo.8,11,15-20

No tocante à faixa etária, comprovou-se neste estudo que quanto maior a idade, menos uso constante do preservativo. Esses dados podem estar associados a relacionamentos mais estáveis e à confiança no parceiro.

O motivo mais alegado pelos jovens universitários para o não-uso constante do preservativo em ambos os sexos foi a "diminuição do prazer". Segundo Abramovay et al.5, a construção de que há mais prazer quando as práticas sexuais são mais naturais condiciona a recusa ao uso do preservativo, considerado artificial.

O segundo motivo, em ambos os sexos, foi que o preservativo "quebra o clima da transa", também relacionado com o argumento de que o sexo com o uso do condom perderia a naturalidade, interferindo na espontaneidade do ato.

Em terceiro lugar, com o mesmo percentual, foram aludidas duas justificativas: "porque acha que não precisa" e "porque o(a) parceiro(a) não gosta".

Considerando o gênero, houve mais tendência no grupo feminino à justificativa "porque o parceiro não gosta" e a diferença significativa em "ter vergonha de comprar", sugerindo que o comportamento sexual varia de acordo com o gênero.

Confirmando esses dados, a pesquisa do Ministério da Saúde22 encontrou, na população sexualmente ativa, alto percentual (74,0%) de expostos ao HIV/AIDS, baseado no uso de preservativo e tipo de relação. O grande responsável por esse elevado índice de exposição é o não-uso do preservativo nas relações estáveis com um único parceiro. Entre os entrevistados, os que declararam possuir apenas relações eventuais possuíam percentual mais elevado que utilizou o preservativo.

Paiva et al. 24, em trabalho com grupos de jovens em São Paulo, constataram que, "apesar de acharem que qualquer pessoa pode ter AIDS, muitos acreditam que com a vida que levam não vão se contaminar. Conhecem e confiam em seus namorados e namoradas porque eles não usam drogas ou elas não transam com qualquer pessoa". Com parceiros ainda desconhecidos tendem a lembrar e usar mais o preservativo.

Entretanto, neste estudo, a análise dos motivos para o não-uso do preservativo mostrou que a maioria dos universitários não conseguiu se enquadrar nos motivos oferecidos no questionário e optou por outro motivo. Quais seriam esses motivos que manteriam os jovens em risco? Aqui, o grau de instrução não estaria dificultando o acesso ao conhecimento de formas de sexo seguro. Tem sido defendido que condutas e hábitos sexuais não se definem somente em termos educacionais.

 

CONCLUSÃO

A maioria dos universitários já iniciou atividade sexual com penetração, sendo que a proporção de estudantes do sexo masculino sexualmente ativos é maior que a do sexo feminino. A atividade sexual nesses universitários iniciou-se mais tarde que nos jovens brasileiros de maneira geral, sendo os rapazes mais precoces. Houve diferença no comportamento sexual entre os gêneros, variando o número de parceiros durante toda a vida. No grupo feminino, a maioria teve apenas um parceiro. No grupo masculino, a maioria teve dois ou mais parceiros, predominando, todavia, as relações monogâmicas. O tipo de relação sexual com penetração mais frequente foi pênis-vagina, seguido pela relação oral. A prática de relação anal foi pouca, sendo mais frequente no grupo masculino. Houve predomínio de heterossexualidade, com poucas relações homossexuais e bissexuais. O uso do preservativo, em todas as relações sexuais, ocorreu em menos da metade dos universitários, sendo mais frequente no grupo masculino e caindo o uso com o aumento da idade. O sexo seguro não é praticado pela maioria dos jovens, estando expostos às DST/AIDS e/ou gravidez não planejada. O motivo para o não-uso ou uso inconstante do preservativo não foi indicado pela maioria dos universitários. Os motivos mais relatados para o não-uso ou uso inconstante do preservativo foram: diminuição do prazer, quebra do clima da "transa", recusa do parceiro e por achar que não precisa.

 

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