RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 3

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Artigos de Revisão

Toracotomia de reanimação

Resuscitative thoracotomy

Paulo Roberto Lima Carreiro

Cirurgião do Hospital João XXIII - FHEMIG - Belo Horizonte/MG

Endereço para correspondência

Hospital João XXIII
Av. Professor Alfredo Balena, nº 400 B: Santa Efigênia
Belo Horizonte - MG CEP: 30130-100
E-mail: paulocarreiro@uol.com.br

Recebido em: 15/05/2008
Aprovado em: 03/09/2009

Resumo

A toracotomia de reanimação é procedimento cirúrgico de emergência que pode salvar muitas vidas, desde que indicado no momento correto e em situações específicas. O objetivo deste artigo é rever os principais estudos publicados e, baseados numa análise crítica dos resultados apresentados, definir as melhores indicações desse procedimento.

Palavras-chave: Toracotomia; Ressuscitação Cardiopulmonar; Massagem Cardíaca; Traumatismos Torácicos.

 

INTRODUÇÃO

A indicação de toracotomia para a realização de massagem cardíaca interna para reanimar pacientes em parada cardiorrespiratória devido à anestesia com clorofórmio foi preconizada por Schiff, em 1874.1 Mais de duas décadas se passaram até que Ludwig Rehn descrevesse o primeiro caso de sutura de uma laceração cardíaca realizada com sucesso em seres humanos.2 No início do século XX, as indicações de toracotomia para tratamento de lesões cardíacas e paradas cardiorrespiratórias induzidas por anestésicos se tornaram mais frequentes. Com a descrição da desfibrilação cardíaca por Zoll et al., em 1956, e da massagem cardíaca externa por Kouwenhoven, em 1960, as indicações de toracotomia para reanimação virtualmente desapareceram.3,4 Somente em 1967, após as publicações de Beall et al.5, ressurgiu o interesse na toracotomia como medida de reanimação em vítimas de traumas.

Apesar do elevado número de trabalhos publicados, principalmente nas décadas de 80 e 90, o papel da toracotomia de reanimação (TR) nos pacientes gravemente traumatizados ainda é motivo de controvérsias. Mesmo sendo procedimento salvador em pacientes selecionados, seu uso indiscriminado pode aumentar consideravelmente os custos com a aplicação de recursos em pacientes sem chances de sobrevivência e expor os profissionais de saúde a riscos desnecessários de contaminação ocupacional.

Neste artigo foi realizada revisão das principais indicações de TR, com análise crítica dos resultados da literatura e apresentação de proposta para utilização racional desse método de reanimação em pacientes traumatizados.

 

DEFINIÇÃO DOS TERMOS

Existe grande variedade de termos utilizados na literatura que se referem à TR. O emprego desses termos depende das circunstâncias e local onde o procedimento é realizado e das condições clínicas do paciente. Os termos mais frequentemente utilizados são: toracotomia de reanimação, de emergência, de ressuscitação, na sala de emergência, de urgência. Essa diversidade de termos traduz situações clínicas, na maioria das vezes, bastante distintas, o que acaba dificultando a avaliação dos resultados da literatura, pois enquanto alguns autores se referem a pacientes submetidos à toracotomia em ambiente pré-hospitalar, outros incluem em seus resultados pacientes operados no centro cirúrgico, com condições clínicas controladas.6,7 A melhor definição deve ser baseada na urgência do procedimento em relação às condições fisiológicas do paciente. Por isto, será usado, neste trabalho, o termo toracotomia de reanimação (ou emergência) a ser realizada à admissão, com o objetivo de reanimação do paciente agônico ou in extremis. Este paciente é o que apresenta sinais clínicos com risco iminente de parada cardiorrespiratória, caracterizados pela presença de inconsciência, movimentos ventilatórios pulmonares agônicos, ausência de pulsos periféricos e diminuição da perfusão periférica. Os sinais vitais são representados pelos sinais que expressam a atividade fisiológica mensurável (frequências cardíaca e respiratória e pressão arterial sistêmica). Os sinais de vida são os que indicam atividade do sistema nervoso central (movimentos respiratórios, reação pupilar, Escala de Coma de Glasgow acima de 3, atividade elétrica detectável no eletrocardiograma, pulso palpável). A diferenciação entre sinais vitais e sinais de vida é importante, pois o paciente pode apresentar ausência de sinais vitais e com sinais de vida presentes, que serão fundamentais na decisão de indicar ou não uma TR.

 

INDICAÇÕES

As bases fisiológicas para as indicações de TR dependem do mecanismo e da localização da lesão e têm como principais objetivos: controle do sangramento, alívio de tamponamento cardíaco, clampeamento da aorta descendente para redistribuição do fluxo sanguíneo para o cérebro e coração, tratamento da embolia gasosa e massagem cardíaca direta.8-12

A justificativa para a realização de massagem cardíaca interna se deve ao fato de que em pacientes hipovolêmicos as compressões torácicas externas são ineficientes para manutenção de um débito cardíaco e perfusão tissular mínimos.12,13

As indicações para realização de TR e os possíveis benefícios fisiológicos estão sumarizados no Tabela 1.

 

 

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A comparação adequada dos trabalhos disponíveis na literatura é dificultada por vários fatores, como:7,9,11,14-18 a maioria é retrospectiva; existe muita confusão na terminologia aplicada e na definição de TR, sendo que alguns autores incluem em suas séries toracotomias realizadas em caráter de urgência e sem os objetivos de reanimação (emergência) descritos no Quadro 1; muitos trabalhos não estratificam seus resultados de acordo com o mecanismo de trauma (contuso x penetrante por arma de fogo ou arma branca), nem em relação à localização das lesões (tórax ou abdome); existem diferenças significativas no nível de cuidados pré- hospitalares, principalmente em relação ao tempo de resposta e nível de cuidados prestados na cena (básico x avançado); diferenças na condição fisiológica dos pacientes no momento de realização da TR, principalmente na definição de sinais vitais e sinais de vida; falta de uniformidade na interpretação dos resultados, pois enquanto alguns consideram sobreviventes apenas os pacientes que receberam alta hospitalar sem sequelas neurológicas, outros consideram os que sobreviveram 24 horas após realização da TR; significativa diferença de experiência na realização do método entre os vários centros.

A Tabela 2 apresenta os principais resultados da literatura, considerando o número de pacientes, o mecanismo de trauma e os seus resultados.

 

 

Os resultados da Tabela 2 ressaltam variação na sobrevida de 0 a 42%. Essa diferença decorre de vários fatores, principalmente do mecanismo de trauma e da localização das lesões, sendo que os piores resultados ocorrem nas séries em que predominam pacientes com traumas contusos.

Boyd et al.18 observaram, em metanálise de 23 artigos publicados entre 1955 e 1988, dados de muita importância em relação a essas varáveis. De 2.294 pacientes estudados, a taxa de sobrevida global foi de 11%, sendo 14 e 2% em pacientes com trauma penetrante e contuso (p<0,01), respectivamente. A análise dos pacientes com traumas penetrantes revela resultados melhores naqueles com trauma por arma branca do que por arma de fogo (26 x 8%, p<0,01). Os pacientes com sinais de vida à admissão têm cinco vezes mais chances de sobreviver quando comparados aos admitidos sem sinais de vida (p<0,01).

Em estudo de Rhee et al.9, foram avaliados 24 estudos publicados entre 1974 e 1998, totalizando 4.620 pacientes. A taxa global de sobrevida foi de 7,4%, com 92,4% dos sobreviventes sem sequelas neurológicas. Em relação ao mecanismo de trauma, houve sobrevida de 8,8 e de 1,4% entre os que apresentavam traumas penetrantes e contusos, respectivamente. As taxas de sobrevida nos pacientes com traumas penetrantes avaliados separadamente foram de 16,8 e 4,3% nos ferimentos por arma branca e por arma de fogo, respectivamente. As taxas de sobrevida foram, respectivamente, de 10,7, 4,5 e 0,7% para as lesões torácicas, abdominais e múltiplas, respectivamente. Nos pacientes com lesões cardíacas submetidos à TR, a sobrevida foi de 19,4%. A constatação de sinais de vida à admissão também está relacionada com melhores resultados (11,5 x 2,6%).

O Comitê de Trauma do American College of Surgeons relatou achados semelhantes aos trabalhos anteriores, após avaliar 96 publicações que incluíam 7.035 pacientes entre 1966 e 1999. Os melhores resultados foram encontrados quando a TR foi realizada em vítimas de traumas penetrantes.14 A sobrevida global foi de 7,83%, sendo de 11,16 e 1,6% no trauma penetrante e contuso, respectivamente.

A qualidade do atendimento pré-hospitalar também tem impacto nos resultados, não só devido à redução do tempo de transporte dos pacientes para os centros de trauma, mas também pelas manobras avançadas de reanimação iniciadas na cena da ocorrência. Durham et al. demonstraram que os pacientes submetidos à intubação endotraqueal no pré-hospitalar toleraram mais tempo de reanimação quando comparados àqueles em que a intubação não foi realizada (9,4 x 4,2 minutos, p< 0,001).25

Na literatura inexiste trabalho com nível de evidência classe I, isto é, prospectivo, randomizado e controlado, entretanto, a análise dos resultados mostra que os melhores resultados da TR são obtidos em vítimas de traumas penetrantes por arma branca no tórax e admitidos com sinais de vida.

Deve-se considerar, ainda, que a TR é procedimento de alto custo e com riscos para a equipe de profissionais envolvidos no procedimento. Mazzorana et al.27 calcularam que os custos da TR seriam de U$ 93.175 por procedimento bem-sucedido, porém, ao limitar a indicação apenas para as vítimas de traumas penetrantes e com sinais de vida à admissão, esses custos seriam reduzidos para U$ 20.137. Deve-se considerar que os riscos da TR para a equipe envolvem a utilização de instrumentos cirúrgicos cortantes numa situação de emergência e com muita possibilidade de contato com sangue do paciente. Sikka et al.30 descreveram que a probabilidade de soroconversão pelo vírus da imunodeficiência humana e pelo vírus C da hepatite é de, respectivamente, 0,00004 e 0,0027. A soroprevalência do vírus da imunodeficiência humana em vítimas de traumas penetrantes é maior se comparada à da população geral, estando próxima de 15%.30

 

TÉCNICA CIRÚRGICA

A incisão mais frequentemente usada é a toracotomia ântero-lateral esquerda no quinto ou sexto espaço intercostal, iniciando-se na junção costo-condral anteriormente e passando pela linha axilar média lateralmente, seguindo a borda superior do arco costal. As principais vantagens dessa incisão são a facilidade e rapidez para sua execução, permitindo acesso adequado para a massagem cardíaca direta, clampeamento da aorta descendente e destamponamento do saco pericárdico. O tratamento de algumas lesões cardíacas, pulmonares ou de grandes vasos pode ser dificultado por este acesso, o que pode ser contornado com a extensão da toracotomia para o lado direito (Clamshell) ou com a indicação da esternotomia combinada.8 Karmy-Jones et al.7 salientaram que das 102 TRs realizadas em sua série, 97 foram ântero-laterais e que em 20% dos casos essa abordagem foi inadequada.

A esternotomia mediana permite melhor acesso às estruturas do mediastino anterior e médio, porém sua utilização em caráter de emergência é limitada, pelo alto grau de dificuldade e necessidade de equipamento adequado para serração do esterno. A toracotomia direita fica reservada para controle de sangramentos de lesões penetrantes envolvendo o hemitórax direito. Os procedimentos a serem realizados, após o acesso à cavidade torácica, dependerão das lesões encontradas e do objetivo que motivou a indicação da TR (Tabela 1). As principais complicações cirúrgicas estão descritas no Tabela 3.

 

 

 

CONCLUSÕES

A análise dos trabalhos apresentados permite as seguintes observações em relação à TR:

Os melhores resultados são obtidos no trauma penetrante, ferimento torácico, lesão cardíaca, presença de sinais de vida à admissão;

a chance de sobrevida é próxima de zero nos pacientes com traumas contusos, especialmente naqueles sem sinais de vida à admissão;

a sua realização requer profissionais treinados, materiais e recursos adequados;

é procedimento de alto custo e com riscos de contaminação para os profissionais de saúde envolvidos;

a limitação das suas indicações aos pacientes que podem se beneficiar do procedimento reduz os riscos de contaminação para a equipe, otimiza a utilização de recursos e aumenta as taxas de sobrevida;

é necessária análise crítica dos resultados apresentados na literatura.

A toracotomia de reanimação somente deve ser realizada em instituições, com profissionais especializados e treinados para a sua realização, em pacientes com sinais de vida à admissão e especialmente naqueles com traumas penetrantes.

 

REFERÊNCIAS

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