RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 3

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Relato de Caso

Causa inusitada de insuficiência renal aguda: relato de caso

A catastrophic cause of acute renal failure: case report

Janine Dias Alves1; Helen Caroline Costa Nunes1; Edson Nogueira A Rodrigues Júnior2;Francisco Roberto Lello3

1. Acadêmicas da Universidade José do Rosário Vellano-UNIFENAS
2. Médico-Residente de Nefrologia do Hospital Universitário Alzira Velaeno - Alfenas/MG
3. Médico Nefrologista do Hospital Universitário Alzira Velaeno - Alfenas/MG

Endereço para correspondência

Janine Dias Alves
R: Custódio de Melo, nº 39 B: Jaraguá
Belo Horizonte - MG CEP: 31270-790

Resumo

É relatado o quadro clínico de paciente feminino, com 39 anos de idade, que desenvolveu falência renal aguda devido à oclusão aórtica suprarrenal. Houve necessidade de uso de método dialítico e evolução com cronicidade da lesão renal.

Palavras-chave: Insuficiência Renal Aguda/diagnóstico; Insuficiência Renal Aguda/terapia; Obstrução da Artéria Renal.

 

INTRODUÇÃO

Apesar dos grandes avanços no diagnóstico e tratamento da insuficiência renal aguda (IRA), esta síndrome ainda permanece com taxas de mortalidade em torno de 50%.1 A trombose bilateral das artérias renais é uma causa rara e grave de IRA. Seu prognóstico está relacionado ao diagnóstico precoce e à instituição de terapia agressiva para restauração do fluxo arterial renal.

 

RELATO DE CASO

Paciente feminino, 49 anos de idade, leucoderma, admitida no HUAV apresentando há 17 dias náuseas e dor em flanco direito de moderada intensidade e caráter contínuo e na última semana acrescida de anúria. Nega febre ou hematúria prévias. Tabagista 35 maços/ano, há seis anos sob tratamento regular de hipertensão arterial sistêmica moderada. Apresentava-se ao exame com mucosas visíveis normocoradas e hidratadas, eupneica, pressão arterial sistêmica de 200x100 mmHg e frequência cardíaca de 86 bpm. O abdômen mostrava-se tenso, com ruídos hidroaéreos diminuídos, doloroso à palpação de flanco direito, sinal de Giordano presente à direita e sopro abdominal periumbilical. Os pulsos pediosos estavam ausentes e os femorais bilateralmente diminuídos.

Sofreu há 12 e seis anos, respectivamente, infarto agudo do miocárdio e nefrolitíase. Alérgica à penicilina. Ausência de cirurgias prévias. Os exames laboratoriais revelaram: hemácias: 4,0 milhões/mm3; hemoglobina: 13,3 mg/dL; hematócrito: 40,2%; leucócitos totais: 8.700 mm3; creatinina: 6,9 mg/dL; ureia: 111,4 mg/dL; glicose: 107,3 mg/dL; sódio: 126 mEq/L; potássio: 4,6 mEq/L; cálcio iônico: 0,75 mmol/L; proteínas totais: 4,3 g/dL; albumina: 3,2 g/dL; globulina: 1,1 g/dL; e relação A/G: 2,9. A telerradiografia do tórax destacou área cardíaca normal, sem sinais congestivos. O exame ultrassonográfico do abdômen evidenciou rim esquerdo com volume (9,7x5,1 cm), forma e contorno normais, espessura cortical (16mm) e ecogenicidade normais; rim direito diminuído de volume (6,3x1,9 cm), espessura cortical reduzida e aumento difuso de sua ecogenicidade; ausência de imagem sugestiva de cálculos; ausência de hidronefrose; bexiga vazia. O doppler das artérias renais foi inconclusivo. A arteriografia renal mostrou aorta abdominal com irregularidades parietais difusas e oclusão após a emergência do tronco celíaco. O fluxo da artéria mesentérica superior era precário e a região estava irrigada por colaterais das artérias mesentéricas superior e inferior. Concluiu-se como oclusão aórtica suprarrenal (Figuras 1 e 2). Estavam negativos o FAN, a antitrombina III, as proteínas C e S. A paciente permaneceu anúrica durante a internação e foi submetida à confecção de fístula artério-venosa com boa patência e mantida em hemodiálise.

 


Figura 1 - Obstrução aórtica abaixo da Emergência do Tronco Celíaco

 

 


Figura 2 - Região mesentérica irrigada por rede de colaterais

 

 

DISCUSSÃO

A nefropatia isquêmica é causa de hipertensão arterial sistêmica e insuficiência renal em longo prazo. Sua real incidência é desconhecida. Evolui, em geral, de forma progressiva e em alguns pacientes pode ocorrer IRA, devido ao uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECA), ou trombose das artérias renais. A formação dos trombos arteriais se dá em local de lesão arterial ou de turbulência, sobrepondo-se à existência de placa aterosclerótica e geralmente são oclusivos.2 As vasculites e os traumas constituem-se em outras lesões vasculares que predispõem à trombose.

Essa paciente apresentava sinais e sintomas de vasculopatia arterial crônica, evidenciada pelas lesões parietais difusas na aortografia, com sintomatologia de claudicação intermitente e ausência de pulsos em membros inferiores.3 O rim direito era de tamanho reduzido, sugerindo isquemia renal crônica levando à hipertensão renovascular. O rim esquerdo apresentava morfologia normal e ausência de fluxo. Estes dados confirmam a instalação aguda de lesão oclusiva trombótica em leito vascular previamente aterosclerótico.

A oclusão aórtica crônica incide em 1 a 8% da população e apresenta escassa sintomatologia devido à extensa rede de colaterais.4 As manifestações clássicas da isquemia renal aguda são constituídas por dor nas regiões lombares, usualmente sem irradiação e associadas a náusea, vômitos e, frequentemente, hematúria. Podem estar presentes dor à palpação abdominal e aumento da temperatura corpórea e da pressão arterial.1 Além dos sintomas de vasculopatia crônica referidos pela paciente, a dor abdominal associada à anúria, na ausência de uso prévio de agentes nefrotóxicos ou lesões obstrutivas, sugere o diagnóstico presuntivo de lesão vascular aguda, que foi confirmado pela arteriografia.

O diagnóstico pode ser estabelecido por métodos não-invasivos como o doppler de artérias renais, tomografia computadorizada e angiorressonância. A arteriografia, apesar de ser método invasivo, é considerado padrão-ouro no diagnóstico anatômico das lesões renais.5

O tratamento baseia-se na terapia com trombolíticos para revascularização do segmento comprometido, devendo ser observado o tempo de isquemia ao qual o órgão foi submetido e avaliadas a sua vitalidade e função.6 A trombectomia, angioplastia percutânea e autotransplante são intervenções cirúrgicas que devem ser consideradas, avaliando-se a relação risco x benefício.

No caso em questão, a terapia com trombolíticos não foi utilizada devido ao tempo transcorrido entre o início dos sintomas e o diagnóstico correto. A angioplastia tornou-se inviável devido ao extenso comprometimento trombótico e o autotransplante foi descartado por não haver leito vascular disponível para o reimplante. A paciente permaneceu, assim, em tratamento dialítico de manutenção.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho alerta sobre a etiologia pouco comum da IRA associada à trombose aórtica suprarrenal, cursando com anúria. Objetiva, ainda, enfatizar a necessidade da precocidade diagnóstica e discutir as formas de terapia intervencionista para que seja diminuído o risco de evolução para cronicidade e melhorado o prognóstico do paciente.

 

REFERÊNCIAS

1. Suassuna JHR, Faria RA, Gomes CP. Doenças vasculares dos rins. In: Riella MC, editor. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. São Paulo: Guanabara Koogan; 2003. p.519-36.

2. Cotran RS, Kumar V, Collins T, editors. Robbins: Patologia estrutural e funcional. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.111-6.

3. Sequeira JC, Beckmann CF, Levin, DC. Suprarenal Aortic Occlusion. AJR Am J Roentgenol. 1979;132(5):773-6.

4. Surowiec SM, Isiklar H, Sreeram S, Weiss VJ, Lumsden AB. Acute occlusion of the abdominal aorta. Am J Surg. 1998;176(2):193-7.

5. Albers MTV. Isquemia renal. In: Lane JC, Bellen BV, editors. John Cook: o exame do paciente vascular. São Paulo: BYK; 1998. p.103-4.

6. François D, Delgrange B. A case of acute renal failure caused by thrombosis of both renal arteries.Acta Clinica Belgica. 1994;49:3-4.