ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
A nova dinâmica institucional do Hospital das Clínicas da UFMG: o projeto de unidades funcionais e a contratualização com o SUS/BH
The new institutional dynamics of the "Hospital das Clinicas" (HC) of the Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): the functional units project and contrating with the unified health system of the city of Belo Horizonte (SUS/BH)
Mônica Aparecida Costa1; Joaquim Antônio Cesar Mota2; Ricardo Castanheira Pimenta Figueiredo3
1. Médica Sanitarista, Mestre em Medicina - Programa Saúde da Criança e do Adolescente - FM/UFMG
2. Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Diretor Geral do Hospital das Clínicas no período de 1998 a 2000
3. Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Vice-diretor Geral do Hospital das Clínicas no período de 2000 a 2002; Diretor Geral do Hospital das Clínicas 2002-2006
Mônica Aparecida Costa
R: Camapuã, nº 303 B: Alto Barroca
Belo Horizonte - MG CEP: 30430-450
E-mail: mcosta@hc.ufmg.br
Recebido em: 12/02/2009
Aprovado em: 15/05/2009
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
Analisou-se a evolução do Hospital das Clínicas da UFMG de 1998 a 2006, abordandose as principais diretrizes que nortearam a sua gestão institucional nesse período - a reorganização administrativo-gerencial a partir da implantação das Unidades Funcionais e a reformulação das relações com o SUS. Realizou-se o regaste histórico com base em pesquisa qualitativa com análise documental e entrevistas com lideranças institucionais. A análise da dinâmica de sua organização e funcionamento foi contextualizada a partir das principais diretrizes e estratégias de ação definidas nos Planos Diretores e referenciadas no processo de democratização institucional, descentralização administrativa e de contratualização com o gestor municipal. O projeto das Unidades Funcionais adquiriu relevância progressiva no cenário institucional, modificando o processo decisório a partir da descentralização do planejamento e da gestão, profissionalização de quadros para funções estratégicas de coordenação e da negociação de compromissos e metas com avaliação de resultados. De forma progressiva, o hospital ampliou sua inserção no SUS, com participação crescente no processo de produção do cuidado à saúde, além do desenvolvimento de novas atividades no campo da formação e qualificação de recursos humanos, funcionando como um "braço regulador" da Secretaria Municipal de Saúde de BH. Nesse período de análise, observaram-se modificações importantes como o crescimento da instituição em tamanho e complexidade, tanto de processos quanto de produtos, com ampliação das atividades assistenciais, dos campos de estágio para ensino de graduação e pós-graduação, otimização da estrutura existente e reorganização dos processos de trabalho, com melhoria dos indicadores de desempenho hospitalar e melhor qualificação das atividades docente-assistenciais.
Palavras-chave: Hospital de Ensino; Sistema Único de Saúde; Gestão em Saúde; História da Medicina.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, discute-se a evolução do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) de 1998 a 2006, abordando-se as principais diretrizes que nortearem a sua gestão institucional, a reorganização administrativo-gerencial a partir da implantação das Unidades Funcionais (UF) e a reformulação das relações com o Sistema Único de Saúde (SUS). Utilizou-se a metodologia da pesquisa qualitativa com análise documental e entrevistas com lideranças institucionais. A inexistência de um acervo documental dificultou o resgate da história; e a análise apresentada é resultado de consultas aos arquivos da Assessoria de Planejamento do HC/UFMG (ASPLAN/HC) complementadas por informações obtidas por meio de comunicação verbal com seus diretores e integrantes da ASPLAN, além da própria vivência e memória dos autores deste trabalho.
O principal interesse deste estudo é realizar análise crítica da evolução do HC/UFMG após o seu III Seminário realizado em 1998, destacando-se as mudanças significativas observadas na dinâmica institucional e induzidas pela política de descentralização do planejamento e da gestão e de mais integração e articulação com a rede do SUS. Esta pesquisa complementa o trabalho referente ao período de 1928 a 1998, que abordou principalmente a relação do HC com a UFMG, especialmente a Faculdade de Medicina (FM/UFMG), analisando-se as relações de poder.1
O PROJETO DE UF E A INSERÇÃO NO SUS
O III Seminário significou marco no processo de definição política e de planejamento do HC/UFMG a partir da mobilização dos diversos atores reunidos em decorrência de crise que extrapolava os indicadores financeiros, ameaçando a integridade institucional e colocando em risco a sua manutenção e funcionamento. As diretrizes e recomendações aprovadas possibilitaram a incorporação progressiva, no imaginário institucional, de valores e princípios fundamentais para a necessidade de reformulação organizacional e de mais integração ao SUS. Estabeleceram-se como prioridade, no período de 1998-2000, a elaboração e implantação de projeto de descentralização administrativo-gerencial para reordenar a gestão e o funcionamento do HC/UFMG, possibilitando a construção coletiva de projeto de desenvolvimento institucional capaz de comprometer e envolver os diversos atores com a sua viabilidade e desenvolvimento.
Questionou-se, em essência, a maneira como o processo decisório ocorria na instituição, caracterizado, principalmente, por negociações feitas entre a sua Diretoria e os Chefes de Serviço a partir das demandas específicas de cada especialidade, relacionadas, na maioria das vezes, à solicitação de leitos, salas cirúrgicas, consultórios, recursos humanos e equipamentos. O processo de gestão era centralizado, com nítida divisão de trabalho e responsabilidades. De um lado, a Diretoria se encarregava da manutenção do hospital, realizando processos de gestão interna para aumento do faturamento e redução dos custos e de gestão externa buscando fontes alternativas de financiamento e empréstimos durante as crises. De outro lado, o corpo clínico, constituído por docentes, médicos contratados e residentes, concentrava suas atividades especialmente no ensino e na assistência, demandando incorporação tecnológica crescente e melhores condições estruturais, sem envolvimento significativo com as questões afeitas à sobrevivência do HC/UFMG. O pessoal técnico-administrativo, por sua vez, participava de forma mais efetiva dos processos gerenciais, responsabilizando-se muitas vezes pela implementação de mecanismos de controle e redução dos custos definidos no nível da Diretoria Administrativa e da Diretoria Geral, buscando mediar demandas existentes com a escassez de recursos.
Nessa perspectiva, a proposta de descentralização administrativo-gerencial era insuficiente para modificar a dinâmica do processo decisório de forma a comprometer o conjunto de atores envolvidos no cotidiano do HC/UFMG com o tema do planejamento e da gestão. Tratava-se, na verdade, de modificar radicalmente a inserção dos diversos segmentos da organização, construindo identidade institucional capaz de agregar interesses e projetos tão diversos. Para isso, optou-se pelo processo de democratização interna, caracterizado especialmente pela constituição de fóruns colegiados, considerados locais estratégicos para o planejamento, comunicação e adesão dos agentes, resultando em projeto essencialmente coletivo.
Foi elaborado, em 1998, o Projeto de Revitalização do HC/UFMG como alternativa para superar as dificuldades financeiras, possibilitando que a instituição cumprisse suas atribuições assistenciais, de ensino e pesquisa, integrada ao SUS, segundo as diretrizes estabelecidas no III Seminário. Adotou-se a proposta da descentralização administrativo-gerencial e estabeleceram-se estratégias de desenvolvimento do modelo assistencial, de recursos humanos e de modernização administrativa. O Plano de Desenvolvimento Integrado de Recursos Humanos (PLIDERH), criado em agosto de 1998, implantou o Programa de Gestão de Desempenho com o objetivo de integrar as políticas de recursos humanos no contexto do Projeto de Revitalização do HC/UFMG, definindo, juntamente com os trabalhadores, o conjunto de ações necessárias para alcance dos objetivos e metas de cada setor.2
Em 1999, dando sequência ao Plano de Revitalização, foi elaborado o projeto das UFs. Adotaram-se os princípios que norteavam os modelos teóricos de gerenciamento participativo, apostando na implantação de estrutura de poder descentralizado com profissionalização do quadro de pessoal para o exercício de funções estratégicas de coordenação, além do estabelecimento negociado de compromissos e metas com avaliação de desempenho e remuneração adicional. A proposta apresentava correspondência com a lógica de Unidades de Produção e Unidades Operativas discutidas no âmbito do HC/UFMG em 1992 e 1994, respectivamente, diferenciando-se, entretanto, por se constituir numa proposta mais radical de democratização, não exclusivamente vinculada à descentralização das questões administrativas e gerenciais. Optou-se pela agregação de serviços e setores que apresentavam afinidade de processos e produtos do trabalho realizado, na perspectiva da sua missão administrativa ou assistencial, para a criação das UFs.
Como objetivo geral, buscou-se construir a dinâmica de funcionamento do HC/UFMG baseada no compromisso com a missão institucional, implantando dispositivos capazes de reduzir a fragmentação e o isolamento das diferentes racionalidades operantes, agregando-as em torno de projeto elaborado coletivamente e pautado na qualificação da assistência, ensino e pesquisa, com otimização da capacidade instalada e racionalização dos recursos. Nesse sentido, propôs-se a implantação de modelo de planejamento participativo e democrático construído em cada UF a partir do levantamento de problemas, definição de prioridades, metas e indicadores, tendo como objetivo o cumprimento da missão específica e sua coerência com a missão institucional.3
O modelo de UF apostou no gerenciamento descentralizado dos recursos existentes, propondo estrutura de poder local constituída por funções de coordenação, além da implantação de dispositivos no campo da gestão. Destacou a importância da política de desenvolvimento e de motivação de recursos humanos centrada na ética da responsabilidade com o usuário e com a instituição. Além disso, apresentou demandas no campo da informação, desencadeando processos de revisão do sistema de custos e faturamento, reformulando a gestão financeira do HC/UFMG no sentido da descentralização orçamentária por UF.3
Após a aprovação pelo Conselho Administrativo do HC/UFMG, o projeto de UF foi amplamente discutido na comunidade universitária, sendo a proposta de sua composição o principal ponto de debate. Em agosto de 1999, foi feito o lançamento oficial do projeto para toda a comunidade universitária.
Nesse ínterim, foram realizados quatro cursos de capacitação gerencial para profissionais de nível superior, qualificando cerca de 100 profissionais do HC/UFMG. Tais cursos associaram conteúdos tradicionais da administração hospitalar à perspectiva metodológica de integração ensino-serviço, combinando teoria com períodos de prática no local de atuação dos profissionais, encarregados de desencadear, com o apoio da ASPLAN, o processo coletivo de planejamento estratégico na abrangência das respectivas UFs. Dessa maneira, pretendeu-se constituir o espaço colegiado para construção do plano de ação da UF, agregando representação de todos os serviços e setores componentes, almejando-se que, ao final do curso, ela pudesse dispor de colegiado interno e de plano de trabalho negociado. Além desses eventos, foram realizados dois cursos de qualificação gerencial para profissionais de nível médio, capacitando cerca de 60 profissionais.
A elaboração da estrutura gerencial das UFs envolveu a revisão criteriosa das funções gratificadas existentes no HC/UFMG, ressaltando a necessidade do estabelecimento de lógica única capaz de reformular a sua definição, especialmente em relação ao perfil, atribuições e valores de remuneração. Criou-se, como resultado desses estudos, a estrutura gerencial nas UFs assistenciais, organizada de acordo com a lógica das profissões, implantando, além da gerência, coordenação médica, de enfermagem e administrativa, mantendo-se, porém, as chefias dos serviços médicos já existentes.
Foi implantado o Programa de Incentivo ao Desempenho (PID) como estratégia fundamental para a motivação e envolvimento dos trabalhadores com os objetivos, processos e produtos da instituição, constituído pelo pagamento de remuneração variável de acordo com o alcance de metas previamente negociadas entre cada UF e a Diretoria. Foi implantado processo de avaliação semestral das metas pactuadas semestralmente e relacionadas aos indicadores gerais e específicos, gerando prêmio de remuneração proporcional ao desempenho obtido, pago individualmente a cada funcionário, variando apenas em função do absenteísmo específico do profissional.4
A implantação da gestão colegiada, entre os diversos avanços obtidos com o projeto de UF, foi certamente dos elementos estratégicos mais importantes, por modificar a dinâmica do processo decisório na instituição, constituindo espaços coletivos de manifestação dos vários atores com seus distintos interesses e racionalidades. Neste sentido, o modelo de UF propôs a reformulação do processo de gestão do HC/UFMG, acrescentando ao seu Conselho Administrativo, instância máxima de decisão institucional, os Colegiados Internos e Gestor das UF.
A criação do Conselho de Saúde durante o I Seminário de Usuários do HC/UFMG, em 29 de maio de 1999, como órgão de representação social, representou outro avanço importante no processo de democratização institucional. Foi constituído por 16 usuários, oito representantes dos gestores e prestadores e por oito trabalhadores do HC/UFMG. Esse Conselho representa instância política de defesa da qualificação da assistência de maneira integrada aos outros fóruns de participação popular por meio de inserção formal no Conselho Municipal de Saúde.5
O processo de implantação das UFs ocorreu de forma lenta e progressiva, refletindo a falta de organização interna e de articulação entre setores e serviços, explicitando áreas de conflitos importantes. Os primeiros contratos de gestão foram assinados em julho de 2001 e os últimos no segundo semestre de 2005. Foram feitas diversas avaliações sobre o modelo de UF e seu processo de implantação no HC/UFMG. A maioria das dificuldades observadas possuiu estreita relação com o que caracteriza e confere grande complexidade às organizações hospitalares universitárias - a existência das diferentes racionalidades: adocrática, burocrática e profissional - que ordenam as relações e os processos de trabalho e tensionam o cotidiano pelas disputas por espaços de poder e de exercício de autonomia, subsumindo muitas vezes o território do cuidado como o eixo orientador da dinâmica de funcionamento institucional, capaz de agregar os diferentes interesses e projetos em conflito.
O período de 2000-2002 foi marcado pela implantação das primeiras UFs, com assinatura dos Contratos de Gestão com a Diretoria. Além da manutenção das diretrizes anteriores, implantou-se a descentralização orçamentária, pela reformulação do sistema de custos e faturamento; intensificaram-se as discussões sobre a constituição das UFs assistenciais; e implementaram-se novas atividades na gestão de recursos humanos, segundo as definições e prioridades estabelecidas pelo PLIDERH.
Em 2003, iniciou-se a elaboração coletiva do Plano Diretor, com a realização de oficinas de trabalho com a participação de representantes da comunidade hospitalar, unidades acadêmicas e usuários. As linhas mestras aprovadas incluíram a aprovação do Regimento do HC/UFMG, a obtenção da acreditação hospitalar, a consolidação do projeto de Humanização Hospitalar, a implementação de política de comunicação e de plano de investimentos, o aprimoramento da relação com as unidades acadêmicas e o aperfeiçoamento do modelo institucional de desenvolvimento de pesquisa. O Plano Diretor estabeleceu estratégias de consolidação do modelo de UF, de aprimoramento da captação de recursos financeiros e da participação ativa da Diretoria nas gestões políticas feitas pela Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino (ABRAHUE) junto aos Ministérios da Saúde (MS) e da Educação (MEC) em defesa de política de financiamento adequada para os Hospitais Universitários (HU). Foi definida ainda, como prioridade, a implantação do Colegiado da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão e reordenamento da relação do HC/UFMG com a FM/UFMG, de acordo com as diretrizes do PROMED.6
Como avanços do período 2002-2004, destacaramse a ampliação significativa de serviços assistenciais na média e alta complexidade, especialmente para os pacientes cardiológicos, e o início da Telessaúde como sistema de segunda opinião médica com discussões de casos on-line para profissionais da rede de saúde por intermédio dos especialistas do HC/UFMG e das unidades acadêmicas envolvidas.7 O Conselho Universitário da UFMG transformou o HC/UFMG em Unidade Especial e aprovou o seu novo Regimento.8 O Estatuto da UFMG de 1999 define a constituição da Universidade por Unidades Acadêmicas e Unidades Especiais. A Unidade Especial constitui-se no estabelecimento de ensino com sede e estrutura administrativa próprias, autorizado a realizar atividades de pesquisa e extensão, entretanto, sem autorização de concessão de diplomas de graduação. Diferencia da Unidade Acadêmica, que realiza atividades de pesquisa e extensão e oferece curso superior e concede diploma de graduação.9
No final do primeiro semestre de 2004, foi realizado o IV Seminário do HC/UFMG para avaliação e reformulação dos projetos institucionais prioritários, precedido de alguns eventos importantes. Esse Seminário reafirmou a característica dos HUs no SUS como polos de prestação de assistência qualificada e referenciada para os usuários da rede de saúde, educação permanente, desenvolvimento de pesquisas relevantes para o país, definição e avaliação de procedimentos e de incorporação tecnológica, em consonância com as diretrizes dos MS e MEC.10
A Oficina do Modelo Assistencial e de Ensino do HC/UFMG, realizada em maio de 2004, salientou a importância da atuação da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão e das unidades acadêmicas para a reestruturação do ensino e da assistência. Propôs a reorientação do modelo pedagógico a partir do compromisso com a atenção integral do paciente, cuja necessidade define o perfil tecnológico dos serviços e ações de saúde a serem utilizados, devendo o aluno percorrer os diversos níveis das linhas de cuidado. Entre as propostas aprovadas, destaca-se a busca pela qualidade na assistência, ensino e processos de trabalho como eixo central do Programa de Humanização e necessidade de envolver os docentes e alunos nas ações de projetos desenvolvidos no HC/UFMG, incluindo participação nas discussões da gestão administrativo-financeira.10
O HC, de forma progressiva, ampliou sua inserção no SUS, com participação crescente no processo de produção do cuidado e desenvolvimento de novas atividades no campo da formação e qualificação de recursos humanos, funcionando como "braço regulador" da Secretaria Municipal de Saúde de BH (SMSA). Como resultado desse processo, o HC/UFMG constituiu-se em parceiro diferenciado do gestor municipal, exercendo papéis fundamentais no SUS, inclusive em situações de crise, ampliando leitos e aumentando a oferta de serviços ambulatoriais.
Em dezembro de 2004, foram definidos os termos de compromisso do HC/UFMG com o gestor do SUS/BH, segundo as diretrizes nacionais estabelecidas pelo MS e MEC. Após a certificação como hospital de ensino, foi celebrado, em janeiro de 2005, o Convênio Global, nos termos de compromissos previamente negociados. As grandes alterações previstas na contratualização relacionaram-se aos ambulatórios do HC/UFMG, especialmente quanto aos fluxos de acesso e ao processo de referência e contrarreferência dos pacientes de Belo Horizonte e de outros municípios, para serviços da rede de saúde.11
Em relação ao atendimento hospitalar, o Convênio Global destacou a inserção do HC/UFMG no sistema de urgência e emergência da cidade, constituindo-se como referência para a média e alta complexidade, e valorizou a implementação do Programa de Humanização, a modernização administrativa, o controle social e a gestão participativa.11
Observa-se, ao se analisar a evolução do HC/UFMG entre 1998 e 2005, melhora significativa de todos os indicadores tradicionais do desempenho hospitalar, destacando-se o aumento da taxa de ocupação, estabilização da média de permanência em torno de 5,5 dias, aumento do número de partos e redução do percentual de cesáreas e crescimento progressivo de leitos e do número de internações (Tabela 1).
Notou-se, associada à ampliação das atividades assistenciais realizadas, significativo avanço no desenvolvimento do ensino e pesquisa, configurando novos campos de estágio da graduação e de produção do conhecimento técnico-científico.
A avaliação do Convênio Global, após um ano de sua assinatura, demonstrou acentuado aumento das primeiras consultas médicas das especialidades gerais, assim como reordenamento progressivo dos agendamentos via Central de Marcação do SUS/BH. Como principal limitante para o cumprimento das metas ambulatoriais, verificam-se dificuldades para o desenvolvimento de estratégias capazes de vincular os pacientes contrarreferenciados para as redes municipais de origem, pela insuficiência de serviços ou pela falta de resolutividade dos problemas de saúde mais complexos.12-14
A gestão de 2004-2006 concluiu as assinaturas dos Contratos de Gestão das UFs; ampliou o horário de visitas aos pacientes; aderiu ao Programa "Hospital Amigo da Criança"; diversificou o Projeto Telessaúde; criou o Núcleo Hospitalar de Epidemiologia; implementou o projeto de extensão "Inserção dos Docentes da UFMG na Assistência à Saúde da População", com pagamento da atividade assistencial para professores da FM/UFMG. Obteve-se o credenciamento do HC/UFMG como Centro de Referência em Cardiologia, Alta Complexidade em Nefrologia, para realização de transplante autólogo de medula óssea e transplante cardíaco. Na área de ensino e pesquisa, houve a implantação do projeto ELSA (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto) em parceria com a FM, o credenciamento do Centro de Pesquisa Clínica do HC/UFMG, a realização do Curso de Especialização de Controle em Infecção Hospitalar e de Aperfeiçoamento em Gerenciamento de Resíduos em Saúde.13
CONCLUSÕES
As gestões do HC/UFMG foram marcadas, a partir de 1998, por duas grandes diretrizes, que anteriormente já germinavam. De um lado, o desenvolvimento de processo de reformulação interna caracterizado por princípios e estratégias que se apresentaram primeiro no campo gerencial, descentralizando a gestão e democratizando a instituição. Apesar da constituição de fóruns colegiados e de revisão de processos de trabalho; da constatação de grande dependência entre os diversos setores; e do aparecimento de sinais de tensão entre as diferentes razões ordenadoras do funcionamento da instituição, surgiram várias interrogações no tocante à produção da assistência e do ensino, expressas a partir do posicionamento dos diversos segmentos quanto à proposta de mudança institucional. A construção progressiva e irreversível de nova inserção do HC/UFMG no SUS, amparada, inclusive, por diretrizes políticas nacionais, resultou, por outro lado, em novo perfil de hospital, caracterizado por crescimento em tamanho e complexidade de processos e de produtos.
De forma marcante, essas diretrizes aconteceram de maneira simultânea e associada, potencializandose mutuamente. Observou-se, gradativamente, como questão relevante, que a implementação dessas linhas prioritárias promoveu crescimento significativo de serviços assistenciais e de incorporação tecnológica no HC/UFMG, tendo como referência o cenário nacional permeado de crises financeiras dos HUs federais, com redução das atividades desenvolvidas.
O projeto de UF adquiriu relevância progressiva no contexto interno institucional, mobilizando discussões, explicitando conflitos, provocando posicionamentos e desnudando resistências e omissões. Possibilitou, como analisador organizacional, a publicização do cotidiano, do entrelaçamento entre o mundo das regras e normas e o das transgressões e dos acordos informais, dos diferentes interesses e valores que condicionam a inserção e as práticas dos diversos atores.
A realidade institucional, mesmo que tenha sido modificada, manteve elementos conservadores expressos nos processos produtivos do cuidado e do ensino e nas relações de poderes-saberes estabelecidas entre os diversos agentes. A democratização provocada pelas UFs requer radicalização, no sentido de legitimar os fóruns coletivos como espaços de comunicação e produção de entendimentos e compromissos de ação.
REFERÊNCIAS
1. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Missão e Relações Intra e Inter Institucionais. Estrutura Organizacional e gerencial. Financiamento. Modelo Assistencial e Pedagógico. Sistema de Recursos Humanos. In: Relatório Final do III Seminário do Hospital das Clínicas. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 1998. Não publicado.
2. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Plano Diretor 1999-2000. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 1999. Não Publicado.
3. Jorge AO. A gestão hospitalar sob a perspectiva da micropolítica do trabalho vivo [tese]. Campinas (SP): UNICAMP; 2002.
4. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Relatório de Execução do Convênio Global entre Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e Hospital das Clínicas da UFMG 1o Semestre de 2005. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2005. Não publicado.
5. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Conselho de Usuários do Hospital das Clínicas da UFMG. Documento. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 1999. Não publicado.
6. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Plano Diretor do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais: Gestão 2002-2004. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2003. Não publicado.
7. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Plano Diretor do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais: Gestão 2004-2006. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2004. Não publicado.
8. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Regimento do Hospital das Clínicas da UFMG. Anexo à Resolução Complementar número 01/04 de 29/01/2004. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2004. Não publicado.
9. Universidade Federal de Minas Gerais. Estatuto da UFMG. Belo Horizonte (MG): Editora UFMG; 1999.
10. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Anais do IV Seminário do Hospital das Clínicas. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2004. Não publicado.
11. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - HC/UFMG, Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte - SMSA. Convênio de Gestão: Plano operativo anual. Proposta 2005. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2004. Não publicado.
12. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Modelo de Gestão Descentralizada do HC/UFMG: unidades funcionais. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2005. Não publicado.
13. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Plano Operativo do Convênio Global entre Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e o Hospital das Clínicas da UFMG Ano 2006. Belo Horizonte (MG): HC/UFMG; 2006. Não publicado.
14. Carmo M. Hospitais universitários e integração ao Sistema Único de Saúde. Belo Horizonte [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; 2006.
Copyright 2023 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License