RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 4

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Artigo Original

Pesquisa de substâncias antagonistas tipo bacteriocinas produzidas por amostras de staphylococcus aureus meticilina resistentes isoladas de pacientes internados no hospital regional do município de Barbacena, Minas Gerais

Research of antagonist substances bacteriocins produced by samples of methicillin-resistant staphylococcus aureus isolated from patients admitted to regional hospital of Barbacena-City, Minas Gerais

Roberta Chaves Araújo1; Cirlene Dimas Ferreira2; Cristina Maria Miranda Bello3

1. Acadêmica do 11º período do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Barbacena, MG
2. Técnica em Patologia Clínica da Faculdade de Medicina de Barbacena, MG
3. Mestre em Ciências, Professora da Faculdade de Medicina de Barbacena, MG

Endereço para correspondência

Rua Bernardo Guimarães, 2.014, apto. 401, Lourdes
CEP: 30140-082, Belo Horizonte - MG
Email: roberta1907@hotmail.com

Recebido em: 15/09/2008
Aprovado em: 27/08/2009

Instituição: Faculdade de Medicina de Barbacena-Minas Gerais

Resumo

OBJETIVOS: detectar a produção de bacteriocinas, determinar a suscetibilidade das amostras coletadas a essas substâncias e estabelecer possível correlação entre bacteriocinas e sua ação antimicrobiana.
MÉTODOS: foram coletadas 14 amostras isoladas de processos infecciosos causados por cepas de Staphylococcus aureus/Meticilina resistentes (MRSA), de pacientes do município de Barbacena-MG. Essas amostras foram previamente identificadas, caracterizadas como MRSA, preservadas à temperatura de -80ºC em freezer, em meio apropriado de manutenção com crioprotetores, skim-milke, e submetidas a testes no laboratório.
RESULTADOS: foram realizados 196 testes, sendo que 100% das amostras testadas mostraram-se produtoras de bacteriocinas. As cepas MRSAs eram, em 71,4% dos casos, sensíveis à ação de bacteriocinas produzidas pelas bactérias testadas, tendo o seu crescimento inibido. O fenômeno de autoantagonismo foi também observado em 57,1% das bactérias estudadas.
CONCLUSÃO: os resultados demonstraram o alto potencial antimicrobiano das MRSAs isoladas. O autoantagonismo exerce marcante papel na manutenção do equilíbrio entre as comunidades microbianas que constituem a flora humana normal. Diante do aumento e da rápida disseminação de bactérias patógenas multirresistentes, encontradas em ambientes hospitalares e na comunidade, as bacteriocinas estudadas poderiam oferecer solução alternativa na terapêutica de infecções envolvendo esses patógenos.

Palavras-chave: Staphylococcus aureus; Agentes Antibacterianos; Antimicrobianos; Bacteriocinas.

 

INTRODUÇÃO

Os Staphylococcus são cocos gram positivo, imóveis e dispostos em cachos irregulares. Compõem parte da flora normal de hospedeiros humanos e usualmente colonizam pele e mucosa de pessoas sadias.1 O gênero Staphylococcus tem pelo menos 30 espécies, sendo de importância clínica as espécies S. aureus, S. epidermidis e S. saprophyticus. Os S. aureus se destacam por serem os principais patógenos que colonizam pessoas saudáveis na comunidade e por participarem de infecções em pacientes hospitalizados.2

Os produtos antagonistas microbianos são constituídos por grande variedade de inibidores, entre os quais estão os antibióticos "clássicos" de baixo peso molecular, enzimas, bacteriófagos e bacteriocinas. As bacteriocinas apresentam na atualidade importante repercussão no meio científico. Há indícios de que a bacteriocinogenicidade possa relacionar-se à virulência de alguns microrganismos e ser responsável por importante vantagem competitiva em situações de colonização e agressão.3

O achado de amostras de MRSA em casos clínicos graves é cada vez mais frequente em todo o mundo, situação preocupante que tem contribuído para a busca de novas drogas antimicrobianas e para a instauração de linhas de pesquisa que visem a compreender melhor o mecanismo de agressão do S. aureus ao hospedeiro humano.

Este trabalho objetiva o estudo da produção de bacteriocinas por amostras de MRSA e sua correlação com a ação antimicrobiana.

 

MÉTODOS

Este estudo foi realizado no Laboratório de Microbiologia da Faculdade de Medicina de Barbacena-MG no ano de 2007. Foram coletadas 14 amostras isoladas de processos infecciosos causados por cepas de MRSA, de pacientes assistidos no Hospital Regional do município de Barbacena nesse período. Os pesquisadores não tiveram acesso a informações sobre a origem dessas amostras, nem sobre a causa da internação do paciente. O interesse foi verificar a capacidade dessas bactérias em produzir substâncias antagonistas tipo bacteriocinas e a sua ação antimicrobiana. O Comitê de Ética ao qual a pesquisa foi submetida julgou não ser necessária a sua avaliação, em decorrência do não-envolvimento do paciente nesse processo.

As amostras foram previamente identificadas, caracterizadas como MRSA pelo Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Regional de Barbacena-MG e transportadas ao Laboratório da Faculdade de Medicina de Barbacena. Elas foram preservadas à temperatura de -80ºC em freezer, em meio apropriado de manutenção com crioprotetores, skim-milke, e submetidas a testes em que foram avaliadas a produção de bacteriocinas e a determinação da suscetibilidade a essas substâncias.3,4

A metodologia utilizada para detectar a atividade bacteriocinogênica foi o método da camada dupla, segundo Farias et al3.

Foi realizada a inoculação de cada uma das 14 amostras de MRSA no centro de 14 placas de hipertônico manitol, denominadas amostras produtoras, e em 14 tubos contendo tioglicolato, denominadas amostras reveladoras, num total de 196 placas e 196 tubos. As culturas foram incubadas a 37ºC por 48 horas e, a seguir, submetidas à ação do clorofórmio por 20 minutos, quando as placas foram entreabertas por mais 20 minutos para que evaporasse o clorofórmio. A função do clorofórmio era eliminar os microrganismos presentes, deixando apenas a substância de interesse, a bacteriocina, caso tivesse sido produzida. Essas culturas foram, em seguida, recobertas com ágar tioglicolato contendo um inóculo da amostra reveladora. Após incubação a 37ºC por 24-48 horas, as placas foram avaliadas quanto à presença ou ausência de halos de inibição do crescimento da bactéria reveladora. A existência desse halo significava que a bacteriocina sintetizada pela amostra produtora, a que foi inoculada na placa, inibiu o crescimento da amostra reveladora, aquela inoculada no tubo e vertida sobre a placa. Cada amostra isolada foi testada para a produção de substâncias do tipo bacteriocinas contra todas as demais isoladas, inclusive contra elas mesmas.3,4

 

RESULTADOS

Foram realizados 196 testes, sendo que 100% das amostras mostraram-se produtoras de bacteriocinas. Observou-se que 71,4% das amostras de MRSAs estudadas eram sensíveis à ação das substâncias antagonistas produzidas pelas amostras avaliadas, tendo o seu crescimento inibido. Foi também registrado o fenômeno de autoantagonismo em 57,1% das bactérias estudadas.

A Tabela 1 descreve os resultados obtidos quanto à sensibilidade das bactérias reveladoras às bacteriocinas sintetizadas pelas amostras produtoras, dispostas na vertical. A palavra sim indica que a substância antagonista produzida pela amostra indicada na vertical inibiu o crescimento das amostras numeradas na horizontal, consideradas sensíveis a essa substância. Em verde, destaca-se o fenômeno do autoantagonismo em que as MRSAs produzem bacteriocinas que, além de inibirem o crescimento de outras bactérias, atuam inibindo o seu próprio crescimento.

 

 

Na Figura 1 destacam-se as amostras três e 14, cujas bacteriocinas apresentaram o maior espectro de ação ao inibir 100% das bactérias estudadas. O cruzamento dos resultados do gráfico e da tabela permite identificar que as amostras de maior espectro de ação (1,2,3,4,5,6,13,14) também foram as que apresentaram o autoantagonismo destacado de verde na Tabela 1.

 


Figura 1 - Espectro de ação das bacteriocinas sintetizadas pelas amostras produtoras.

 

DISCUSSÃO

A grande variedade de fatores de virulência produzida pelo Staphylococcus aureus, associados à sua capacidade de adquirir resistência a antibióticos, a tem tornado um dos microrganismos responsáveis por altas taxas de morbidade e de mortalidade em hospitais. No Brasil, S. aureus é o microrganismo mais comumente isolado de infecções hospitalares5 e, atualmente, tem sido frequente seu achado em infecções adquiridas na comunidade.6

As bacteriocinas representam um dos sistemas menos estudados de defesa microbiana. Enquanto não se conhece muito sobre as suas relações evolutivas e seu papel ecológico, fica claro que a sua abundância e diversidade indiquem serem arsenais de eleição microbiana.7

Os microrganismos produtores dessas substâncias antagonistas são, em geral, imunes à suas próprias bacteriocinas, devido ao mecanismo de autoproteção, que é específico da bactéria produtora.8,9 O fenômeno do autoantagonismo pode também ocorrer, sendo observado em 57,1% das bactérias avaliadas neste estudo. O autoantagonismo pode relacionar-se ao autocontrole da população da microflora de determinado sítio colonizado nesse organismo. Isso reflete na manutenção do equilíbrio dessa população e, consequentemente, no bemestar e saúde do hospedeiro humano. É evidente, a partir dos dados expostos, que fatores de virulência, como bacteriocinas, têm potencial antimicrobiano com espectro considerável sobre patógenos importantes como MRSA.

Estudos mais aprofundados dessas substâncias colocam as bacteriocinas como novas alternativas para, na prática médica, serem utilizadas como possibilidade terapêutica no controle de processos infecciosos.

 

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos demonstram o elevado potencial antimicrobiano das MRSAs isoladas. O autoantagonismo exerce marcante papel na manutenção do equilíbrio entre as comunidades microbianas que constituem a flora normal humana. Diante do aumento e da disseminação rápida de bactérias patógenas multirresistentes, encontradas em ambientes hospitalares e na comunidade, as bacteriocinas estudadas poderiam oferecer solução alternativa na terapêutica das infecções envolvendo esses patógenos.

 

REFERÊNCIAS

1. Ballows A, Hausler WJ, Hermann KL, Isenberg HD, Shadomy HJ. Manual of clinical microbiology. 5th ed. Washington: American Society of Microbiology; 1991.1364 p

2. Cavalcanti SMM, França ER, Vilela MA, Montenegro F, Cabral C, Medeiros ACR. Comparative study on the prevalence of Staphylococcus aureus imported to intensive care units of a university hospital, Pernambuco, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2006;9(4):436-46.

3. Farias LM, Carvalho MAR, Damasceno CAV, Cisalpino EO, Vieira EC. Bacteriocin like activity of Bacteroides fragilis group isolated from marmosets. Rev Microbiol. 1992;143:51.

4. Miranda CMS, Carvalho MAR, Tavares. Pesquisa, Extração, Caracterização e Purificação Parcial de Substâncias Tipo Bacteriocinas de Actinobacillus actinomycetemcomitans Isoladas de Calitriquídeos. Belo Horizonte: UFMG; 1993.

5. Oliveira GA, Faria JB, Levy CE, Mamizuka EM. Characterization of the brazilian endemic clone of methicillin resistant Staphylococcus aureus (MRSA) from hospitals throughout Brazil. Braz J Infect Dis. 2001;5(4):163-70.

6. Lopes HV. CA-MRSA: um novo problema para o infectologista. Rev Panam Infectol. 2005;7(3):34-6.

7. Rojas JM. Bacteriocinas: una estrategia de competencia microbiana propuesta como alternative de antibióticos dirigidos para el futuro humano. Cidade do México: Universidade Autónoma de México; 1996.

8. Sahl HG, Bierbaum G. Lantibiotics: biosynthesis and biological activities of uniquely modified peptides from Gram positive bacteria. Ann Rev Microbiol. 1998;52:41-79.

9. Ennahar S, Sashihara T, Sonomoto K, Ishizaki A. Class IIa bacteriocins: biosynthesis, structurre and activity. FEMS Microbiol Lett. 2000;24:85-106.