ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Prevalência e gravidade de asma em adolescentes de Belo Horizonte
Prevalence and severity of asthma in adolescents of Belo Horizonte
Cristina Gonçalves Alvim1; Cláudia Ribeiro de Andrade2; Paulo Augusto Moreira Camargos3; Maria Jussara Fernandes Fontes4; Lucas Cardoso de Andrade5; Marcelo Machado Freire5; Marina Mohallem Fonseca5; Marina Horta Azevedo5; Raquel de Melo Santos5; Renata Marcos Bedran5
1. Professora Adjunta Doutora do Departamento de Pediatria da UFMG
2. Professora do Curso de Medicina da UNIFENAS-BH Paulo Augusto Moreira Camargos
3. Professor Titular Doutor do Departamento de Pediatria da UFMG
4. Professora Adjunto Doutora do Departamento de Pediatria da UFMG
5. Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Cristina Gonçalves Alvim
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Avenida Professor Alfredo Balena, 190 / Sala 267
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, CEP 30130-100
Email: cgalvim@terra.com.br
Recebido em: 21/10/2008
Aprovado em: 04/08/2009
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina, Dpto Pediatria. Avenida Alfredo Balena, 190/Sala 267, CEP30130-100, Belo Horizonte, MG, Brasil
Resumo
OBJETIVO: apresentar os resultados do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) em Belo Horizonte, para verificar a prevalência de asma em adolescentes e otimizar as estratégias de sua assistência na rede pública.
MÉTODOS: estudo transversal com o questionário ISAAC, autoaplicado em adolescentes de 13 e 14 anos de idade, nas escolas municipais de Belo Horizonte.
RESULTADOS: foram avaliados 3.088 adolescentes (47,4% masculinos). A prevalência de asma foi de 17,8% (IC95% 16,5-19,2). As manifestações clínicas em 10,9 a 17,4% dos adolescentes asmáticos eram compatíveis com a sua forma de mais gravidade. Não houve diferenças em relação à prevalência de sibilância nos últimos 12 meses quanto ao sexo, mas as meninas responderam afirmativamente com mais frequência às questões referentes a sibilos alguma vez na vida (RP = 0,86, IC95% 0,80-0,93, p<0,001) e tosse noturna nos últimos 12 meses (RP = 0,74, IC95% 0,68-0,80, p<0,001).
CONCLUSÕES: a elevada prevalência da asma brônquica ressalta a necessidade de implantação de programa de assistência aos adolescentes asmáticos, principalmente considerando que 15% deles apresentam sintomas persistentes que requerem tratamento de manutenção em longo prazo.
Palavras-chave: Asma/epidemiologia; Prevalência; Adolescência; Saúde Pública.
INTRODUÇÃO
A prevalência da asma tem aumentado em vários países.1,2 Com o objetivo de compreender melhor essa tendência, um grupo de pesquisadores elaborou um estudo colaborativo multicêntrico denominado International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC)1. A padronização de um questionário sobre sintomas relacionados à asma e o rigor metodológico do protocolo permitem a comparação da prevalência de asma entre diferentes países e entre regiões de um mesmo país e ao longo do tempo.1,2 O questionário de avaliação da prevalência de sintomas relacionados à asma foi aplicado em 150 centros de 56 países, compreendendo o total de 721.601 crianças (entre seis e sete anos) e adolescentes (entre 13 e 14 anos de idade).1 Este artigo apresenta os resultados do ISAAC, realizado em Belo Horizonte entre março e julho de 2002, quanto à prevalência e à gravidade de sintomas relacionados à asma em adolescentes.
MÉTODOS
O protocolo do ISAAC definiu que a população estudada deveria ser de, no mínimo, 3.000 estudantes de 13 e 14 anos de idade, selecionados aleatoriamente, com inclusão de, no mínimo, 10 escolas.1 A Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte forneceu uma lista com a relação das escolas municipais (n=182) e o número de alunos por escola e série. O sorteio foi feito por escola a partir de listagem aleatória gerada no programa Epi Info 6.04.
Nas escolas sorteadas, o questionário foi aplicado a todos os alunos da sétima ou da oitava séries que tivessem 13 ou 14 anos de idade. Cada escola foi visitada no mínimo por duas vezes, evitando-se perdas por absenteísmo escolar.
O questionário, traduzido e validado por Sole et al.3, foi preenchido pelos próprios adolescentes em sala de aula, sob supervisão de um dos pesquisadores, treinado e orientado a não interferir na resposta. Foram analisadas as frequências de sintomas em relação ao total de participantes, com o intervalo de confiança 95% (IC 95%), a associação entre sibilância recente e outros sintomas (índice de Kappa) e a associação entre sintomas e gênero (teste de qui-quadrado de Yates). A frequência de sintomas de mais gravidade clínica foi avaliada no grupo de sibilantes nos últimos 12 meses. Foi calculada a razão de prevalência (RP) para comparar a gravidade entre os indivíduos masculinos e femininos. O projeto de pesquisa e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.
RESULTADOS
Dos 3.262 estudantes incluídos no estudo, 3.088 completaram o questionário (taxa de resposta, 94,7%), sendo 47,4% masculinos e 47,2% com 13 anos de idade.
A prevalência dos sintomas relacionados à asma está apresentada na Tabela 1.
As meninas responderam afirmativamente com mais frequência do que os meninos às questões referentes a sibilos alguma vez na vida (RP = 0,86, IC95 0,80-0,93, p<0,001) e tosse noturna nos últimos 12 meses (RP = 0,74, IC95 0,68-0,80, p<0,001). Em relação às perguntas sobre sibilância nos últimos 12 meses, asma alguma vez na vida e sibilância após exercícios, não houve diferenças significativas entre os gêneros.
É também mostrada na Tabela 1 a distribuição da gravidade entre os 551 adolescentes que apresentaram sibilos nos últimos 12 meses. Observou-se, em 10,9 (IC95% 8,5-13,9) a 17,4% (IC95% 14,4-20,9) desses adolescentes, relato de queixas de mais gravidade clínica. Não houve diferença entre os gêneros quanto à gravidade clínica, ao número de crises (p=0,60) ou à crise com prejuízo da fala (p=0,49). Entretanto, entre as meninas houve mais frequência de sono perturbado por chiado (p=0,04). Foi referida asma alguma vez na vida em 25% (n=138) dos estudantes com sibilos nos últimos 12 meses, entre os quais 24 a 30% apresentavam sintomas de mais gravidade.
O índice de Kappa entre sibilos nos últimos 12 meses e asma alguma vez na vida foi de 0,18; entre sibilos nos últimos 12 meses e sibilo/chiado após exercícios físicos, de 0,32; e sibilos nos últimos 12 meses e tosse noturna, de 0,17.
DISCUSSÃO
As dificuldades metodológicas envolvidas em inquéritos epidemiológicos sobre prevalência de asma são inúmeras, entre elas quanto à sua definição. Não é possível estabelecer a definição de asma em termos de uma única anormalidade mensurável. Pekkanen e Pearce4 ressaltam que a definição a ser usada depende do desenho e objetivo do estudo e que não há padrão-ouro para o diagnóstico da doença, existindo critérios mais sensíveis ou mais específicos. Além disso, o método escolhido para definição de asma deve considerar os custos envolvidos, a existência de padronização, o tamanho necessário da amostra e a taxa de participação e de resposta. A avaliação da hiperresponsividade brônquica (HRB) apresenta especificidade semelhante ou superior, na comparação com questionários, porém sua avaliação envolve questões éticas que dificultam sua aplicação. O diagnóstico médico pode resultar em viés de seleção: incluir apenas pacientes que procuram o médico ou o fazem mais frequentemente. São considerados os questionários que apresentam custo mais baixo e mais aceitação, o que implica menos perda.4
Na ausência de um critério ao mesmo tempo sensível e específico para o diagnóstico de asma, somado à necessidade de estudos epidemiológicos e de comparações interregionais e internacionais, o questionário ISAAC tem sido universalmente aceito e amplamente utilizado. Sua validação foi feita em relação ao diagnóstico clínico, a outros questionários e às medidas funcionais.1,3,5 Jenkins et al.5 compararam o questionário ISAAC com o diagnóstico clínico feito por médico pneumologista em 361 crianças. Encontrou sensibilidade de 85% (IC95%, 73-93%) e especificidade de 81% (IC95%, 76-86%). Nesse mesmo trabalho, a sensibilidade da HRB foi de 47%.
A prevalência de asma ativa em Belo Horizonte (17,8%) foi próxima ou inferior àquela encontrada em outras capitais brasileiras que participaram do ISAAC (24,6% em Salvador, 21,9% em São Paulo, 19,1% em Recife, 18,9% em Curitiba, 18,2% em Porto Alegre)6. Considerando as 20 cidades brasileiras participantes do ISAAC, a prevalência média de sintomas relacionados com asma ativa foi de 19,0% entre adolescentes6 e na América Latina variou entre 5,5 e 28%7. Sua aplicação em vários países revelou acentuada variação na prevalência (3,4 a 31,2%), tendo os mais altos valores sido encontrados na Oceania, América do Norte e Latina (>20%) e os mais baixos na Ásia, África e Leste Europeu (<16%)2. O Brasil situa-se no grupo de países com as mais altas taxas de prevalência.
A concordância fraca entre sibilância recente e outros sintomas relacionados à asma (Kappa<0,40) reflete, provavelmente, que sibilos após exercícios físicos e tosse noturna podem estar presentes em outras condições que não a asma. Em todas as cidades brasileiras que participaram do ISAAC, a verificação de sibilos nos últimos 12 meses foi mais frequente do que asma alguma vez na vida.6 A palavra asma é estigmatizante, o que pode explicar a baixa frequência de resposta positiva à pergunta se o adolescente a possui. A resposta afirmativa sobre a questão de ter tido asma alguma vez na vida é considerada indicativo de ter recebido o diagnóstico de asma feito por médico. Em Belo Horizonte, no grupo que respondeu afirmativamente à pergunta sobre sibilância nos últimos 12 meses, apenas 25% declararam ter tido asma. Essa observação sugere que a asma em nosso meio, especialmente na adolescência, pode ser subdiagnosticada. A vigência de asma no grupo com sibilância recente associou-se a mais frequência de sintomas de mais gravidade. É possível que apenas pacientes mais graves recebam o diagnóstico ou dele se recordem.
Foi reportada mais ocorrência de alguns sintomas relacionados à asma em adolescentes femininos na maioria dos países que participaram do ISAAC, considerando-se a possibilidade de alguma causa hormonal.1 Verificou-se, por outro lado, nos estudos que incluíram escolares, prevalência de sintomas mais alta em meninos, o que parece se relacionar com o menor calibre das suas vias aéreas.1 Estudos sobre asma e outras doenças crônicas na adolescência mostram diferenças entre os gêneros, sendo que o masculino evita revelar a sua doença e o feminino mais facilmente discute seus problemas.8 É possível que esses achados signifiquem a negação pelos adolescentes masculinos, pois o questionário nessa faixa etária é autoaplicativo, enquanto entre seis e sete anos de idade é respondido pelo responsável. No entanto, não houve diferença significativa quanto à prevalência de sibilos nos últimos 12 meses em Belo Horizonte; e as diferenças quanto ao gênero poderiam ser atribuídas à maior valorização dada pelas meninas a sintomas respiratórios inespecíficos.
A distribuição da gravidade no grupo considerado asmático pelo critério do ISAAC mostrou que 15% apresentam mais gravidade. É provável que esses adolescentes tenham necessidade de medicação profilática. Residem em Belo Horizonte aproximadamente 200.000 adolescentes entre 10 e 14 anos de idade, provavelmente 5.000 com necessidade de corticoterapia inalatória.9 A realidade no Brasil é similar, visto que as prevalências encontradas em outras capitais são semelhantes às de Belo Horizonte. Fica evidente a necessidade de um programa nacional de assistência ao adolescente asmático. Deve ser considerada, portanto, a inclusão da asma entre as prioridades das políticas de saúde no país. A realização de pesquisas sobre fatores de risco é um dos requisitos básicos para a prevenção e redução na gravidade da asma.
REFERÊNCIAS
1. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Steering Committee. Worldwide variations in the prevalence of asthma symptoms: the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Eur Respir J. 1998;12:315-35.
2. Ascher M, Montefort S, Bjorstén B, Lai CK, Strachan D, Weiland S, ISAAC Phase Three Study Group. Worldwide time trends in the prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and eczema in childhood: ISAAC Phases One and Three repeat multicountry cross-sectional rates. Lancet. 2006;368:733-43.
3. Solé D, Vanna AT, Yamada E, Rizzo MCV, Naspitz CK. International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) written questionnaire: Validation of the asthma component among Brazilian children. J Investig Allergol Clin Immunol. 1998;8:376-82.
4. Pekkanen J, Pearce N. Defining asthma in epidemiological studies. Eur Respir J. 1999;14:951-7.
5. Jenkins MA, Clarke JR, Carlin JB, Robertson CF, Hopper JL, Dalton MF, et al. Validation of questionnaire and bronchial hiperresponsiveness against respiratory physician assessment in the diagnosis of asthma. Int J Epidemiol. 1996;25:609-16.
6. Solé D, Wandalsen G, Camelo-Nunes I, Naspitz CK; ISAAC Grupo Brasileiro. Prevalence of symptoms of asthma, rhinitis and atopic eczema among Brazilian children and adolescents identified by the International Study of Asthma and Allergies in childhood (ISAAC)-Phase 3. J Pediatr. 2006;82:341-6.
7. Mallol J, Sole D, Asher I, Clayton T, Stein R, Soto-Quiroz M. Prevalence of asthma symptoms in Latin America: the International Study of Asthma and Allergies in Childhood. Pediatr Pulmonol. 2000;30:439-44.
8. Williams C. Doing gender, doing health: teenagers, diabetes and asthma. Soc Sci Med. 2000;50:387-96.
9. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS do Brasil. [Citado em 2009 out 09]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br
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