RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 4

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Artigo Original

Potencialidades do uso de bancos de dados para informação em saúde: o caso das Terapias Renais Substitutivas (TRS) - morbidade e mortalidade dos pacientes em TRS

Capabilities of the use of Database for Information on Health: The case of Renal Replacement Therapies (RRT) - morbidity and mortality of TRS patients

Daniele Araújo Campo Szuster1; Gisele Macedo da Silva1; Eli Iola Gurgel Andrade2; Francisco de Assis Acúrcio3; Waleska Teixeira Caiaffa4; Isabel Cristina Gomes5; Elaine Leandro Machado6; Juliana Alvares6; Augusto Afonso Guerra Júnior6; Odilon Vanni Queiroz7; Graziele Dias Silva7; Diego Moura Carvalho8; Marina Horta Azevedo de Castro8; Heloísa Maris Martins Silva8; Mariângela Leal Cherchiglia9

1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professora Adjunta do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Economia da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (GPES/UFMG)
3. Pós-Doutor em Economia da Saúde e do Medicamento na Universitat Pompeu Fabra - Espanha e Professor Associado I da Universidade Federal de Minas Gerais
4. Pós-Doutora em Epidemiologia na John Hopinks University - Estados Unidos, Professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenadora do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte da Universidade Federal de Minas Gerais
5. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estatística do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais
6. Doutorando(a) do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
7. Mestre em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
8. Iniciação Científica, bolsista FAPEMIG
9. Doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenadora do Projeto TRS

Endereço para correspondência

Mariângela Leal Cherchiglia
Avenida Alfredo Balena, 190
CEP: 30130-100
Fax: 31 3409-9675
Email: cherchml@medicina.ufmg.br

Recebido em: 12/05/2009
Aprovado em: 13/10/2009

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

A coleta sistematizada de informação de pacientes em terapia renal substitutiva (TRS) tem sido desafiadora na maioria dos países. Apesar de sua relevância, ainda não há um sistema nacional de registro que forneça anualmente dados epidemiológicos e econômicos confiáveis. No Brasil, as TRS são procedimentos faturados por meio do subsistema APAC (Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade) que, embora elaborado para fins administrativos, pode subsidiar informações relevantes no monitoramento da linha de cuidado a pacientes portadores de doença renal crônica terminal. Este estudo objetivou a descrição do tratamento das informações contidas na Base Nacional em TRS, discussão de sua potencialidade, apresentando o perfil de morbimortalidade dos pacientes e os seus gastos. Trata-se de base de dados conformada para estudo prospectivo não-concorrente, tendo como fonte de informação a Base Nacional em TRS, desenvolvida a partir da APAC e do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Compreendeu pacientes incluídos na Base de 01/01/2000 a 31/12/2004 e com pelo menos três meses consecutivos de registros. Foram acompanhados até a ocorrência de óbito ou censurados por término do estudo. Obtiveram-se 141.677 pacientes, sendo 51.321 pertencentes à coorte sobrevivente e 90.356 à incidente, para os quais foram apresentados o perfil, gastos e as taxas de prevalência, incidência e letalidade. Assim, a agregação de sistemas de informação tornou possível obter informações de morbimortalidade, oferta de serviços e sobrevida de pacientes em TRS, conforme evolução de seu tratamento, além de análises de sua custo-efetividade.

Palavras-chave: Sistemas de Informação; Sistemas de Saúde; Sistemas de Informação Hospitalar; Diálise Renal; Transplante Renal.

 

INTRODUÇÃO

O monitoramento das linhas de cuidado de alta complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser desenvolvido a partir do Subsistema de Informação de Procedimentos de Alta Complexidade, por meio do instrumento APAC (Autorização de Procedimentos de alta Complexidade/Custo), integrante do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA). O subsistema APAC/SUS, criado em 1996, tem como principal finalidade registrar a produção, a cobrança e o pagamento desses procedimentos no âmbito do SUS. Ele se diferencia dos demais sistemas de informação em saúde pelo grau de detalhamento dos registros - dados de interesse clínico-epidemiológicos e demográficos - e pela forma de identificação do paciente, que inclui a obrigatoriedade do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).1

Entre os procedimentos controlados e faturados por meio do subsistema de APAC destacam-se aqueles de terapias renais substitutivas (TRS), como: hemodiálise (HD), diálise peritoneal (DP) e acompanhamento de transplante renal (TX), utilizados no tratamento da doença renal crônica terminal (DRCT).2

A doença renal crônica (DRC) é problema mundial de saúde pública, sendo que as doenças do rim e trato urinário contribuem com aproximadamente 850 mil mortes anuais e em torno de 15 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade, sendo a 12ª e 17ª causas de morte e de incapacidade, respectivamente.3 A incidência da DRC vem crescendo em todo o mundo quase 8% ao ano.4 No Brasil, a prevalência de pacientes em TRS mais que dobrou na última década, de 24 chegou-se a 60 mil usuários de 1994 a 2004, quando foi gasto um bilhão de Reais em transferências do SUS para pagamento das TRS, equivalente a 5% do total de transferências do Ministério da Saúde para estados e municípios.5

Embora seja reconhecida a importância de se terem informações fidedignas sobre a terapia renal substitutiva, a coleta de dados sistematizada de pacientes em diálise tem sido desafiadora para a maioria dos países. No Brasil, apesar dos esforços, ainda não há um sistema nacional de registro para fornecer informações epidemiológicas e econômicas.6

Este trabalho objetiva descrever o tratamento das informações contidas na Base Nacional em TRS, discutir sua potencialidade, apresentar o perfil de morbidade e mortalidade dos pacientes em TRS, além dos gastos com tais procedimentos, como exemplos. Ele é parte integrante do Projeto TRS - "Avaliação econômico-epidemiológica das terapias renais substitutivas no Brasil" - conduzido pelo Grupo de Pesquisa em Economia da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (GPES/UFMG), que visa a conhecer a situação, o desenvolvimento e os resultados da política de assistência aos portadores de DRCT no Brasil.

 

MÉTODOS

Os dados foram organizados para compor uma base - Base Nacional em TRS - que permitisse análise longitudinal não concorrente. Assim, torna-se possível a investigação de características do paciente, modalidades de TRS utilizadas, realização do transplante renal e morbimortalidade dos pacientes.

Essa Base foi desenvolvida por meio da técnica de pareamento determinístico-probabilistico, a partir do banco de dados administrativo do subsistema APAC e do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), com o objetivo de habilitar o seguimento na coorte.7,8

A população do estudo compreendeu todos os pacientes incluídos na Base Nacional em TRS, no período de 01/01/2000 a 31/12/2004, e que apresentaram pelo menos três meses consecutivos de registros. Os pacientes foram acompanhados até a ocorrência de óbito ou censura por término do período do estudo.

Variáveis

Foram estudadas variáveis demográficas: idade, sexo, município e região de residência; clínicas: diagnóstico inicial da causa de DRC, Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10), modalidade de tratamento (HD, DP e TX), tempo de tratamento; de resultado: óbito, continuidade de tratamento ou perda seguimento; e de gastos: por indivíduo, a cada ano de acompanhamento.

Tratamento dos dados

Definição do início de tratamento

Para a definição do início do tratamento, foram considerados os seguintes campos da APAC: data declarada de início de tratamento (campo "initra"), data do primeiro registro observado em TRS (campo "apa_datref"). Essas informações foram comparadas, a fim de verificar-se a validade desse critério.

Identificação das modalidades de tratamento em TRS

A modalidade de TRS foi estabelecida por meio do código do procedimento principal da APAC (campo "apa_pripal"), correspondente à hemodiálise e diálise peritoneal.

Para a definição da modalidade transplante renal, foi construída uma proxy para identificar os transplantados, que incluiu os códigos dos procedimentos de acompanhamento de transplantes e medicamentos utilizados para imunossupressão (campo "apa_ pripal") associados aos códigos referentes à doença de base (campo "apa_diagpr") do CID-10 Z94.0 (transplante renal) e T86.1 (perda de enxerto renal).

Uma tabela de códigos e descrição de procedimentos principais por data de competência foi elaborada para compatibilizar as mudanças observadas nesses itens de APAC no período analisado, uniformizando-se a descrição dos procedimentos.

Para cada paciente foram identificados os registros de procedimentos relativos à modalidade e/ou confecção de acesso (fistulas, cateter ou treinamento para DP), para cada mês do período de observação.

Foi realizado processo de imputação das informações para as lacunas de registros em modalidades de TRS existentes entre o primeiro mês de observação e a ocorrência do óbito ou o término de acompanhamento do estudo (31/12/2004). O critério de imputação adotado foi o de preenchimento aleatório quando se tratava de intervalos entre modalidades diferentes e repetição em caso da mesma modalidade nos extremos do intervalo.9

Definição da modalidade inicial de tratamento

A modalidade inicial de tratamento foi definida como aquela na qual o paciente permaneceu por pelo menos três meses consecutivos no início do acompanhamento - exceto para os que foram a óbito nos três primeiros meses, para os quais foi considerada a primeira modalidade observada.

Identificação da causa base de entrada em TRS

A causa base de entrada em TRS foi obtida a partir do código CID 10 constante no campo "diag_pripal" da APAC, no primeiro registro do paciente. A categorização, em grupos de causa, da doença de base que originou a DRC foi definida por meio de painel realizado com nefrologistas atuantes no setor e colaboradores da pesquisa, identificando-se 11 grupos: diabetes mellitus, doenças císticas do rim, falência ou rejeição de órgãos, glomerulonefrites, hipertensão/doenças cardiovasculares, causa indeterminada, insuficiência renal aguda, nefrite intersticial/pielonefrite, neoplasias/tumores, transplante de órgãos e tecidos e uropatias.

Gastos individuais mensais com TRS

Um rol de 679 códigos de procedimentos distintos cobrados na APAC foi analisado por painel de nefrologistas, resultando na seleção de 46 códigos de procedimentos, 47 de medicamentos e 10 de exames relacionados às TRS. Assim, todos os gastos referentes ao tratamento foram computados para cada paciente. O mês foi a unidade de tempo de análise. Para a estimação dos gastos, foram considerados: a) os gastos efetivamente incorridos relativos a exames, medicamentos e procedimentos de diálise e de acompanhamento de transplante, em cada mês, ponderados pelo tempo de contribuição do paciente; b) o gasto com a realização do transplante renal pelo SUS, diferido em 120 meses (tempo estimado de sobrevida do enxerto para o Brasil) e ponderado pelo tempo de contribuição em acompanhamento de transplante renal. Os gastos foram ajustados pelo índice de preços ao consumidor amplo - IPCA (IBGE) de 31/12/2006 e convertidos para o Dólar americano, nessa data.

As lacunas de gastos encontradas nos registro de cobrança nos meses correspondentes aos procedimentos de TRS foram imputadas por meio da técnica hot deck, em que se procurou identificar clusters completos de gastos de pacientes com características similares por períodos de 12 meses e, a partir destes, estimar os valores nas lacunas.9 Para os gastos com medicamentos e exames complementares, não houve imputação de dados.

Definição das coortes sobrevivente e incidente

Para a definição das coortes sobrevivente e incidente, foram considerados os registros de início de tratamento da APAC: data declarada de início de tratamento (campo "initra"), data do primeiro registro observado em TRS (campo "apa_datref") e data declarada de transplante renal (campo "dt_trans").

A coorte de sobreviventes considerou aqueles pacientes com início de tratamento anterior ao período de observação (01/01/2000) e incluiu os que apresentavam: a) data declarada de início de tratamento anterior a 01/2000 e com data do primeiro registro observado em TRS anterior a 04/2000; b) data declarada de início de tratamento posterior a 01/2000, porém data declarada de transplante anterior a 12/1999.

A coorte de incidentes considerou os novos pacientes com entrada em TRS a partir de 01/01/2000 e incluiu os que apresentavam: a) data do primeiro registro observado em TRS posterior a 01/2000, aqui compreendido como entrada do paciente às TRS; b) data declarada de início de tratamento anterior a 01/2000 e data do primeiro registro observado em TRS posterior a 04/2000; c) modalidade de diálise (DP e HD) nos três primeiros meses de registros. Para os pacientes incidentes, a data do primeiro registro observado em TRS, constante no campo "apa_datref", foi considerada a data de entrada.

Critérios de elegibilidade

A presente análise incluiu todos os pacientes constantes na Base Nacional em TRS que preenchiam os seguintes critérios: a) data declarada de início de tratamento no período de 01/01/1990 a 31/12/2004, por ser um tempo razoável para a permanência em TRS; b) com óbito registrado após a data declarada de início de tratamento, para corrigir eventuais erros do pareamento, apesar da confiabilidade de 95%8; c) com pelo menos uma APAC efetivamente paga, conforme o critério utilizado pelo DATASUS; d) com pelo menos três meses consecutivos de registros, reduzindo a possibilidade de incluir pacientes agudos; e) com modalidade de diálise inicial definida.

Foram excluídos da coorte incidente os pacientes que tiveram nos três primeiros meses apenas registros de TX, uma vez que a taxa de transplante préemptivo é extremamente baixa no país. Para a identificação dos pacientes transplantados, foi utilizada a proxy de acompanhamento de transplantes e utilização de medicamentos imunossupressores, o que pode ter selecionado indivíduos com outros tipos de transplantes. Foram excluídos da coorte incidente os que não apresentaram modalidade de diálise (HD e DP) nos três primeiros meses de registro.

Para se avaliar se a distribuição do total de paciente foi afetada com a exclusão de casos segundo critérios adotados, foram feitas análises estatísticas para a comparação dos pacientes excluídos e os que permaneceram.

Análise estatística

A análise descritiva inclui distribuições de frequências, medidas de tendência central e de variabilidade para as características estudadas. O teste χ2 foi utilizado para verificar diferenças de proporções entre variáveis categóricas e o teste t-Student para comparação de variáveis contínuas. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o software SPSS® versão 16.0.1, sendo adotado nível de significância de 5%.

Utilizou-se a população estimada para os anos 2000 a 2004 provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística como denominador dos cálculos das taxas de prevalência e incidência.

Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, parecer ETIC 397/2004.

 

RESULTADOS

A Base Nacional em TRS permitiu a caracterização clínico-epidemiológica dos pacientes atendidos em TRS, o conhecimento dos gastos despendidos com esses indivíduos, bem como a construção de indicadores nacionais de saúde.

A Figura 1 apresenta o histograma de frequências da diferença em meses entre a data de referência da primeira APAC de TRS e a data de início do tratamento informada pelo paciente (PAC_INITRA). A mediana das diferenças foi igual a zero e a média, 2,55 meses (desvio-padrão = 12,03).

 


Figura 1 - Distribuição da diferença entre a menor data de referência de uma APAC de TRS e a data de início de tratamento informada pelo paciente.

 

Inicialmente, a Base Nacional em TRS foi constituída por 161.731 indivíduos, sendo 109.819 incidentes e 51.912 sobreviventes. Após tratamento de dados, obteve-se o total de 141.677 pacientes elegíveis (Tabela 1).

 

 

Ao comparar os pacientes elegíveis e não-elegíveis da coorte sobrevivente e incidente da Base Nacional em TRS, observou-se que ambas as coortes apresentaram distribuição semelhante quanto ao sexo, idade, faixa etária, região de residência, causas de insuficiência renal crônica, causas e proporção de óbito.

Finalmente, do total de pacientes que compuseram a Base Nacional em TRS, 51.321 pertenciam à coorte sobrevivente e 90.356 à coorte incidente.

Constata-se, quanto às características da coorte sobrevivente, que a maioria era do gênero masculino, com porcentagem de indivíduos mais alta na faixa etária de 20 a 44 anos e idade média de 44 anos. A Região Sudeste representou a maior proporção de residentes e a causa indeterminada como a de maior causa de DRC, seguida de hipertensão arterial, diabetes mellitus e glomerulonefrites. O óbito no período ocorreu em 40% desses pacientes. Entre as causas de óbito determinadas, apareceram, respectivamente: insuficiência renal crônica não especificada, diabetes mellitus não especificado, doença renal hipertensiva com insuficiência renal e infarto agudo do miocárdio não especificado (Tabela 2).

 

 

A coorte incidente apresentou maioria dos pacientes do gênero masculino, na faixa etária entre 45 e 64 anos, com idade média de 53 anos e residentes na região Sudeste. A causa indeterminada predominou entre as causas de DRC, novamente seguida de hipertensão arterial, diabetes mellitus e glomerulonefrites. A modalidade inicial de tratamento esclhida foi a HD, assim como procedimento no primeiro registro. O óbito no período estudado ocorreu em 42% dos pacientes, sendo que o número mais alto entre as causas definidas aconteceu para insuficiência renal crônica não especificada e diabetes mellitus não especificado (Tab. 2).

Percebeu-se, a partir da composição de indicadores de saúde, crescimento de 5% na prevalência entre os anos de 2000 e 2004. A incidência não apresentou variação média significativa. A letalidade variou entre 12 e 15% nos cinco anos de análise (Tabela 3).

 

 

Quanto à distribuição dos gastos para coorte sobrevivente, verificou-se tendência ao decréscimo dos valores médios anuais incorridos para cada paciente a cada ano de sobrevida, iniciando o primeiro ano com gastos aproximados de R$ 24 mil e reduzindo-se para R$ 16 mil no quarto ano. O mesmo foi constatado para a coorte incidente a partir do segundo ano de seguimento (Tabela 4).

 

 

DISCUSSÃO

A construção da Base Nacional em TRS representou importante marco, pois permitiu a utilização da APAC, substancialmente um sistema administrativo, e do SIM, um sistema epidemiológico, na constituição da linha de cuidado a esses indivíduos, permitindo a análise longitudinal dos dados.

A data de referência da primeira APAC do indivíduo pode ser utilizada como ponto de início do itinerário terapêutico, pois tende a ser próxima da data de início do tratamento informada pelo paciente.

Como verificado a partir do perfil dos pacientes elegíveis, a exclusão de pacientes segundo os critérios estabelecidos não afetou a representatividade da Base e as características iniciais foram mantidas.

A Base Nacional em TRS proporciona a extração de informações de suma importância para a condução da política de tratamento do paciente portador de insuficiência renal crônica terminal. Para exemplificação das potencialidades da Base, foram apresentados os perfis dos pacientes que estavam e entraram em TRS no país no período de 2000 a 2004. Isto incluiu, por exemplo, as condições de sua entrada no sistema, o que identifica o tipo de acesso vascular à entrada em TRS e as principais causas relacionadas à insuficiência renal, além dos gastos incorridos com eles, assim como a construção de indicadores de saúde como taxas de prevalência, incidência e letalidade.

É possível obter também informações de morbidade e mortalidade da insuficiência renal crônica terminal; avaliar a situação da oferta de serviços e sobrevida dos indivíduos conforme a evolução de tratamento adotada para cada paciente e suas características individuais; e identificar características demográficas dos indivíduos que possam subsidiar o estabelecimento das políticas públicas. Em alto grau de complexidade, ainda é possível realizar análises de custo efetividade -pois na Base há dados disponíveis sobre resultados da terapia, dos custos com a mesma e das modalidades de terapia renal substitutiva - e relacioná-las às variáveis clínicas e demográficas dos indivíduos.

Os grandes bancos de dados administrativos têm sido utilizados na avaliação econômica e da qualidade dos serviços de saúde, bem como na identificação de potenciais erros no cuidado prestado ao paciente. Podem ser destacadas, entre as vantagens da utilização desses bancos, o elevado número de casos registrados, o tempo reduzido entre a ocorrência do evento e seu registro no sistema e a possibilidade de identificação do paciente. Ademais, em geral, esses bancos são públicos, disponibilizados em meio magnético e abrangem, de forma bem definida, grandes populações ou subgrupos populacionais.10-14

Há de se ressaltar que, mesmo diante das numerosas possibilidades propiciadas pela base de dados, o uso de um sistema de dados administrativos cujo propósito é o faturamento e não a pesquisa permite o surgimento de muitas informações incompletas, inconsistentes e inexistentes. Outra importante questão estrutural é a representatividade da população coberta, uma vez que muitas bases de dados abrangem somente usuários do setor público ou, ainda, quando incluem usuários do setor privado, podem estar incompletas.10-12

Não há registro sobre a doença e sim sobre procedimentos. Assim, os procedimentos que são comuns a diversas doenças ou a realização de diversos procedimentos por um paciente só podem ser individualizados e identificados quando são utilizadas técnicas computacionais tais como o pareamento determinístico-probabilístico.7

Outro entrave desse sistema são as mudanças recorrentes de códigos quando um mesmo procedimento recebe nova codificação ou é desmembrado em vários códigos durante o tempo, havendo também reutilização desses códigos para expressar procedimento diverso daquele para o qual foi originalmente criado. A dificuldade de identificação adequada do código na Tabela de Procedimentos para alguns problemas de saúde indica a importância de sua revisão. Veras e Martins15, em estudo analisando as informações do SIH, discutem que as mudanças frequentes na prática médica indicam a necessidade de revisões periódicas nas tabelas de procedimentos. Essas recomendações são para evitar gastos desnecessários no reembolso das unidades de saúde e para permitir fonte de informações mais confiável, melhorando a eficiência e qualidade dos serviços prestados à população.

Além disso, muitos indivíduos apresentam como registro de causa de DRC o código CID 10 (R99) de causa indeterminada ou que dificilmente poderia ser considerado causa de DRC. Essas causas passaram a ser classificadas como indeterminadas (45%). A ausência de avaliação sistemática dessa codificação poderia explicar tal fato, como comparativamente pode ser percebido no estudo de Veras e Martins (1994)15 ao avaliarem formulários de AIH. Eles referiram que diagnósticos anotados nos formulários AIHs são frequentemente codificados nos dígitos 8 ou 9, considerados como classificações inespecíficas e residuais para essa categoria, denotando a pouca precisão obtida no processo de codificação desta variável. Identificaram, quando relacionaram os formulários AIHs com os prontuários hospitalares, que os maiores problemas de qualidade da informação diagnóstica dizem respeito à anotação, coleta e codificação. Os prontuários muitas vezes continham informações ilegíveis, incompletas e imprecisas, dificultando a transcrição para os formulários. A codificação era realizada, também na maioria dos casos, sem qualquer treinamento, e a base de classificação diagnóstica adotada no formulário AIH era, para a época, um resumo da CID-9, o que aumenta as chances de erro nas classificações. O estudo mostrou que, entre as variáveis administrativas e demográficas, apresentaram alta confiabilidade: gênero, idade e tempo de permanência.15

Ademais, apesar de se buscar individualizar os pacientes, o elevado número de registros para um mesmo indivíduo (principalmente em se tratando de doenças crônicas) dificulta o processo e aumenta a probabilidade de perda de informação, em detrimento do uso do pareamento probabilístico. Dados declarados, como as datas de início de tratamento e de transplante, sofrem mudanças nos diversos registros do mesmo indivíduo ou têm informação inválida.

Neste estudo foram considerados os registros dos pacientes que tiveram acesso e estão utilizando os serviços de terapia renal substitutiva. Portanto, não se pode afirmar que o universo de pacientes que necessitem desse cuidado esteja representado nessa população, posto que pode haver indivíduos que, apesar de portadores de doença renal crônica terminal, não tiveram acesso ao tratamento no sistema de saúde.

As informações sobre as intercorrências são inexistentes ou pouco consistentes, pois muitas vezes elas se encontram registradas em outro sistema (SIH), cujas informações também são relacionadas ao faturamento. Inviabiliza esta conexão de dados a inexistência de chaves de link entre os sistemas.

Silva et al.16 mencionam que o setor saúde realiza alto número de procedimentos e, em ambiente de constante evolução, foram desenvolvidos vários sistemas de informação em saúde, implicando a fragmentação da informação. Ressalta-se a busca de sua articulação e integração, de modo a evitar o impacto negativo na confiabilidade e credibilidade dos sistemas de informação, causado pela duplicidade dos dados, coleta de dados desnecessários e sobrecarga dos profissionais da saúde.

Diante do exposto, mesmo considerando os entraves citados, acredita-se que as possibilidades de análise a partir da Base Nacional em TRS permitirão o conhecimento aprofundado da assistência prestada aos portadores de doença renal crônica terminal e que, assim, possam contribuir para seu aperfeiçoamento.

 

REFERÊNCIAS

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