RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 23. 2 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20130037

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Educação Médica

Residência médica integrada para o Programa de Saúde da Família

Integrated medical residency for the Family Health Program

Fued Elias Esper1; José Alfredo Borges da Cunha2; Fernando Pádua Junqueira3; Gilca Geraldo Starling Diniz4; Lino Antonio Raimundo Lopes5; Luciana Passos5

1. Professor Titular de Cirurgia Geral do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia-UFU. Uberlândia, MG - Brasil
2. Professor Adjunto de Pediatria do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da UFU. Uberlândia, MG - Brasil
3. Médico Generalista, preceptor do Serviço de Assistência Integrada de Saúde. Uberlândia, MG - Brasil
4. Médica e Diretora da Area de Saúde e Qualidade de Vida da UFU. Uberlândia, MG - Brasil
5. Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Geral II do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da UFU. Uberlândia, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Fued Elias Esper
E-mail: fuedperufu@yahoo.com.br

Recebido em: 26/09/2011
Aprovado em: 14/06/2012

Instituição: Serviço de Cirurgia Geral II do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG - Brasil

Resumo

Este artigo discute a estrutura do programa de Residência Médica, visando à formação de médicos generalistas capazes de atuar em cidades do interior atendendo ao Programa de Saúde da Família e as áreas básicas da Medicina: Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Clínica Médica, urgência, trauma e Anestesiologia. O que se observa é que a maioria dos programas de residência não tem preparado profissionais com esse perfil. A formação desses profissionais se torna imprescindível para que ocorra a interiorização do médico e, com isso, a melhoria da assistência médica no interior.

Palavras-chave: Educação Médica; Internato e Residência/recursos humanos; Médicos; Clínicos Gerais; Programa da Saúde da Família.

 

INTRODUÇÃO

A mudança do modelo de atenção buscando a humanização, integralidade e austeridade na prestação da assistência à saúde dos cidadaos tem na formação e educação dos profissionais o seu principal objetivo. Para tal, são necessárias mudanças no âmbito da educação em todos os seus níveis, de forma primordial na graduação e nas especializações, principalmente aquelas que ocorrem incorporadas aos serviços. A integração dos sistemas de ensino e de saúde é fator estratégico para a consolidação das políticas públicas e construção da nação por todos desejada.

No Brasil, é necessária reformulação curricular para formar o médico em condições de trabalhar na assistência geral à população. Em decorrência do deficiente ensino médico na graduação, o aluno durante o curso se prepara para conseguir residência médica em especialidade. O especialista em saúde da família deve ser elaborado a partir do curso de graduação que seja base fundamental para sua capacitação, o que não acontece na maioria das escolas médicas.

 

OBJETIVOS

Este trabalho objetiva discutir as condições necessárias para formar o médico com competências e habilidades nas diferentes áreas básicas da assistência médica, visando à sua qualificação técnica, ética e humanística para o Programa de Saúde da Família (PSF).

Para isso, é necessário conhecer os princípios e diretrizes do SUS e saber aplicá-los no planejamento da saúde pública do seu local de atuação; conhecer as práticas de vigilância à saúde; conhecer as situações sociais de vida e de saúde das famílias e sugerir medidas de intervenção; desenvolver o enfoque da integralidade da atenção no plano de assistência aos pacientes e às suas famílias; conhecer as etapas para o diagnóstico de saúde da comunidade; saber trabalhar com a comunidade e o controle social em busca de soluções coletivas.

 

NECESSIDADES DE FORMAÇÃO DO MÉDICO PARA O PSF

Em cada uma das áreas que constituem as bases do PSF é necessária a suficiência nas seguintes características:

medicina preventiva e social: é preciso estabelecer o conhecimento de:

o Sistema Unico de Saúde: princípios e diretrizes: sistema de referência e contrarreferência; regionalização; acessibilidade; financiamento em saúde, custos em saúde;

demandas na comunidade: assistidas e reprimidas;

enfoque em Medicina Primária: práticas de promoção, prevenção de doenças, cura e reabilitação; assistência integral à saúde; normas para exame periódico anual;

Programa de Saúde da Família: cadastro, caracterização, problemas e ações de saúde; metas assistenciais; equipe de Saúde da Família;

aspectos de comunicação em saúde: relação paciente-equipe de saúde e usuário-família-grupos de comunidade;

participação do usuário e comunidade: seja no planejamento, controle e avaliação das ações de saúde e direitos do paciente;

doenças de notificação compulsória: busca ativa, assistência e controle;

atestado de óbito: regras de preenchimento, qualidade das informações e aspectos epidemiológicos e legais;

medidas de prevenção: na raiva humana e controle da raiva animal, discussão de casos;

práticas de imunização e conhecimento de práticas de educação popular em saúde;

cirurgia geral: capacitar para realizar com competência e habilidade os seguintes procedimentos: cirurgia em ambulatório; punções e drenagens torácicas; dissecação de veias, cateterismo venoso central; endoscopia para retirada de corpos estranhos; cirurgias orificiais; cirurgias abdominais menores (apendicectomias); hernioplastias - inguinal e de parede abdominal; laparotomias - suturas intestinais, gastrostomias e colostomias; postectomias; traqueostomias;

traumatologia: capacitar para realizar com competência e habilidade os seguintes procedimentos - redução de fraturas; trações e imobilizações; conduta nas fraturas da coluna vertebral; atendimento inicial ao politraumatizado; tratamento inicial de fraturas expostas; reanimação cardiorrespiratória;

ginecologia e obstetrícia: capacitar para realizar com competência e habilidade os seguintes procedimentos: partos e cesarianas; cistos de ovário (exérese); laqueadura de tubas uterinas; perineoplastia; nodulectomia de mama; curagem e curetagem;

pediatria: capacitar para realizar com competência e habilidade os seguintes procedimentos - cuidados gerais com recém-nascidos; puericultura; clínica pediátrica geral; doenças mais comuns dos recém-nascidos; atendimento básico ao adolescente;

anestesiologia: capacitar para realizar com competência e habilidade os seguintes procedimentos - bloqueios anestésicos locorregionais (raquia-nestesia e peridural); emprego e manuseio de drogas relativas a esses procedimentos; intuba-ção orotraqueal e ventilação;

clínica médica: capacitar para realizar com competência e habilidade os seguintes procedimentos - diagnóstico e conduta no infarto agudo do miocárdio; insuficiência cardíaca; arritmias; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); pneumonias; diabetes mellitus; hipertensão arterial sistêmica; insuficiência renal; acidente vascular encefálico; infecção urinária; verminoses; litíase renal; enterites e gastrenterites; megaesôfago e megacolo; exames laboratoriais.

 

MÉTODO

Os campos de prática foram os serviços do SUS do município em parceria com os hospitais universitários e públicos. Esse programa também foi desenvolvido nos ambulatórios periféricos e hospital universitário - ambulatório central integrado à enfermaria de Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Clínica Médica, Cirurgia Geral e pronto-socorro. Participa, ainda, das intercorrências médicas das várias especialidades do Hospital Universitário.

O atendimento também está voltado para um distrito sanitário da cidade e os usuários dos Programas da Saúde da Família (PSF) da Secretaria Municipal de Saúde, levando em conta o perfil epidemiológico da população assistida. A estratégia utilizada visou à reversão do atual e ineficiente modelo assistencial, buscando desenvolver a integralidade da atenção. Aos atendimentos clínicos ou procedimentos cirúrgicos ambulatoriais foram dados enfoques à assistência integral, procurando-se organizar a demanda e reforçar as ações de promoção da saúde.

Coordenadores ou tutores nos diferentes grupos de trabalho atuaram na formação desses profissionais. Preceptores estimularam o aprendizado ativo do médico e não a transferência passiva de informações, bem como enfatizaram a importância do trabalho de equipe multidisciplinar. Integraram-se à equipe com o objetivo de completar as ações de multidisciplinaridade, outros programas que incluíram os cursos de Enfermagem, Serviço Social, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição, Farmácia, Psicologia e Odontologia.

Todas essas atividades foram feitas sob a supervisão constante de professores e preceptores e de forma personalizada. O programa deve durar três anos, sendo que nos dois primeiros o residente deve estar apto ao trabalho-fim a que se propôs. O terceiro ano pode ser opcional, dentro da especialidade, com vistas a formar orientadores que se engajem nesse modelo de formação de médicos (formação especializada de multiplicadores).

 

COMENTARIOS

Existe verdadeira discrepância entre o ensino médico e o sistema de saúde vigente. É notória também a deficiência do ensino e treinamento nas escolas médicas. Ao final do curso o aluno sente-se totalmente despreparado para exercer qualquer atividade médica, tanto nos grandes centros formadores, como nas pequenas e médias comunidades. E se vê obrigado a se preparar melhor. A rigor, essa preparação deveria ser dada durante a graduação, contudo, isso não acontece na maioria das escolas médicas do Brasil. É preciso melhorar o ensino médico, e não complementá-lo com uma especialidade (PSF). Torna-se necessária a existência de um programa de residência médica para preparar médicos com formação generalista que possam trabalhar em pequenas comunidades.

Atualmente, o que se encontra é uma residência médica especializada, que leva geralmente o residente, ao término do programa, a trabalhar em médios e grandes centros, onde o mercado de trabalho já é escasso e competitivo, obrigando-o a exercer atividades profissionais em ambulatórios e prontos-socorros, muitas vezes em áreas diferentes da sua especialização, causando-lhe insatisfação.

As vezes o fator econômico obriga-o a procurar trabalho em cidades menores onde não existe uma política de saúde que busque fixar o médico. Outro fato importante é a falta de preparação profissional para o trabalho nessas comunidades, onde a realidade é outra. Cabe a ele cuidar da prevenção de doenças, da saúde das famílias, assistir os idosos, as crianças e as parturientes, realizar cirurgias de pequeno e médio portes, etc. Para esse modelo assistencial não foi preparado na graduação nem no programa de residência médica. Juntando-se esses dois fatores - a falta de preparo e a não condição de uma política de fixação do médico nos pequenos municípios -, o médico se submete a morar e trabalhar nos centros maiores, obrigando-se a deslocar com periodicidade para as pequenas comunidades, com o objetivo de buscar sua sobrevivência e a de sua família. Dessa forma, não se consegue fixar nessas comunidades e se vê obrigado a permanecer nos grandes centros, frustrado, e muitas vezes se sentindo inútil. Por outro lado, as pequenas comunidades estao ávidas por assistência médica.

A existência de um programa de residência médica integrada abrangente, formando profissionais com competências e habilidades nas diferentes áreas básicas da assistência médica, apta a dar suporte a um programa de saúde da família, pode ser um importante colaborador na solução desses problemas.

Esse programa de residência médica inclui uma série de vantagens, entre elas: fixa o médico nas pequenas e médias comunidades; oferece assistência integrada à família; desenvolve a assistência médica, fomentando o surgimento de serviços resolutivos, bem como colabora no crescimento planejado dos mesmos; evita as transferências desnecessárias de pacientes; diminui os custos com a saúde e/ou prioriza-os; humaniza o atendimento à comunidade; atende à demanda de profissionais com o perfil necessário ao SUS; contribui para a consolidação do SUS no nível dos municípios.

 

PERFIL DO PROFISSIONAL FORMADO

A meta final deve ser formar o médico generalista, de família, capaz de atuar com conhecimento técnico, científico e humanizado em Programas de Saúde da Família e, mais ainda, em comunidades menores, tao necessitadas de tais profissionais. Consequentemente, esse profissional irá implementar políticas de saúde que venham assistir as pequenas comunidades, modificando o modelo assistencial, o gerenciamento dos serviços de saúde, sua eficiência e qualidade.

Ao término do programa o residente deverá estar capacitado a: prestar, na unidade de saúde, assistência integral, contínua com resolutividade e qualidade, atendendo às necessidades de saúde da população; detectar e intervir em fatores de risco ao qual a população possa estar exposta; contribuir para promover a saúde física, mental e social da população; contribuir para promover uma política de saúde voltada para os interesses e necessidades da comunidade onde o mesmo irá atuar, ou seja, fazer política de saúde e não política na saúde da população por ele assistida.

 

CONCLUSÃO

Esse programa proposto prepara o médico para o mercado de trabalho nas várias localidades do país ou, ainda, para futura especialização, se assim o desejar, desde que se reformule o ensino de graduação, profissionalize o médico egresso e evite "prefeiturização" que, infelizmente, tem substituído a municipalização da saúde.