ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Complicações puerperais associadas à via de parto
Puerperal diseases associated to delivery
Juliana Barroso Zimmermmann1; Cristiane Miranda Gomes2; Fernanda Soares Pinho Tavares2; Iara Guimarães Peixoto2; Paula Campos Vieira de Melo2; Dilermando Fazzito de Rezende3
1. Professora de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Barbacena - Fundação José Bonifácio Lafayette Andrada. Doutora em Saúde da Mulher
2. Alunas-estagiárias do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Barbacena - Fundação José Bonifácio Lafayette Andrada
3. Professor de Epidemiologia da Faculdade de Medicina de Barbacena - Fundação José Bonifácio Lafayette Andrada
Profa. Juliana B Zimmermmann
Av. Rio Branco 2406 sala 1101
CEP: 36035-510 Juiz de Fora - Minas Gerais
E-mail: julianabz@uol.com.br
Recebido em: 26/09/2008
Aprovado em: 28/12/2008
Resumo
É necessária a realização de estudos para avaliar as complicações inerentes à cesariana, capazes de excluir fatores sociais, econômicos, infecções prévias e doenças preexistentes.
OBJETIVO: avaliar a frequência de complicações precoces associadas exclusivamente à via de parto (cesariana ou parto normal).
CASUÍSTICA E MÉTODOS: este é um trabalho retrospectivo, realizado pela análise de 314 prontuários de pacientes atendidas em clínica privada, para avaliar as complicações no pós-parto imediato, em 157 e 157 pacientes submetidas ao parto vaginal ou cesariana, respectivamente.
RESULTADOS: as cesarianas não foram associadas à mastite, endometrite, infecção urinária, trombose venosa e hemorragia (p>0,05). A comparação da infecção da ferida operatória perineal (episiotomia) com a da ferida operatória abdominal permitiu identificar índice mais alto de infecção na ferida operatória abdominal (p<0,05), entretanto, todos os casos apresentaram boa evolução após a terapêutica adequada, não se verificando óbito materno.
CONCLUSÃO: a cesariana mostrou-se procedimento seguro, que pode ser executado sempre que seu benefício for superior ao seu risco.
Palavras-chave: Cesárea; Parto Normal; Período Pós-Parto; Complicações do Trabalho de Parto; Transtornos Puerperais.
INTRODUÇÃO
O parto é a expulsão do feto para o mundo exterior, por intermédio das vias genitais. Esta definição exclui as laparotomias, que também trazem o feto para o mundo exterior, chamadas de cesáreas, cesarianas ou tomotocia.1
O Brasil vem apresentando, nos últimos anos, uma das mais elevadas taxas de cesáreas do mundo. Constata-se, concomitantemente, interesse crescente na literatura mundial sobre o conhecimento referente à cesariana. Na Austrália, a taxa de cesariana subiu de 17 para 23% em 10 anos.2 Esse fenômeno foi reportado também na Itália, onde a taxa de cesariana subiu de 11,2 para 33,2% em 20 anos.3 Esses índices chegaram a 18% em países com frequencia tradicionalmente baixa de cesarianas.4 Na América Latina, Belizán et al.5 destacaram aumento da taxa de cesárea no Chile (40%) e no Brasil (27,1%) no período de 1994 a 1996. Essas observações são citadas por Zimmermmann et al.6, que perceberam taxa de cesariana de 29,2% nas pacientes atendidas pelo serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Barbacena. A taxa de cesariana, no Serviço de Gestação de Alto Risco da Universidade Federal de Juiz de Fora, foi de 77,94% no período de 1993 a 1995.7 Em Pelotas, Silveira e Santos8 relataram frequência de 30% de cesariana; e, Mariotoni e Barros Filho9, avaliando 37.731 declarações de nascidos vivos, evidenciaram frequência de 57,1% de cesarianas.
Os médicos ingleses foram questionados sobre a possibilidade de se acatar o pedido da paciente para realização da cesárea e 69% concordaram em aceitálo. Isto também ocorreu com médicos australianos, pois 66% aceitavam o pedido de suas pacientes.10,11 Os que defendem essa conduta respaldam-se no princípio da autonomia da paciente. Essa prática não é respaldada pela Comissão de Ética da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (1999), que afirma serem as cesáreas realizadas por razões não-médicas injustificáveis. Por outro lado, a opinião do Comitê de Ética do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas é de que o médico poderá atender ao desejo da paciente realizando a cesariana a pedido quando não existe contraindicação formal ao procedimento, determinando benefício psicológico a ela.12
Muitos fatores estão relacionados ao aumento de cesarianas e envolvem o aprimoramento da técnica cirúrgica e anestésica, mais disponibilidade de recursos propedêuticos capazes de definir riscos para o feto, aumento da incidência de gestações em pacientes com cesariana prévia, além de fatores socioculturais relacionados à praticidade do parto programado.12 O grande problema dessa prática é a sua associação com complicações maternas e fetais, como, por exemplo: acidentes anestésicos, hemorragias, lesões vesicais e intestinais, alongamento da incisão miometrial, embolia amniótica e infecção puerperal. Destacam-se, além disso, complicações tardias como a obstrução intestinal por aderências, endometriose nas incisões, acretismo placentário nas gestações subsequentes, placenta prévia e aumento dos índices de cesariana.13 Burrows et al.14 relatam que a cesariana se associa a risco mais alto de endometrite quando comparada com o parto normal. Outros trabalhos também demonstraram mais incidência de complicações quando a via de parto foi a cesariana.15 Duarte et al.13 referiram que podem existir complicações para o recém-nascido associadas à cesariana, como a prematuridade iatrogênica. Lydon-Rochelle16 descreveram que, embora a mortalidade materna nas cesarianas seja maior que no parto normal, em muitas situações ela foi realizada em condições nas quais a gestante apresentava comprometimento por doença, como a hipertensão, diabetes mellitus e até infecções. Esses fatores seriam, então, responsáveis pela morbidade e mortalidade das cesarianas, e não propriamente o ato operatório.
É necessária a realização de estudos para avaliar as complicações inerentes ao procedimento (cesariana), capazes de excluir fatores sociais, econômicos, infecções prévias e doenças preexistentes. Este estudo objetiva avaliar a frequência de complicações precoces associadas exclusivamente à via de parto (cesariana ou parto normal).
PACIENTES E MÉTODOS
Este é um trabalho de corte transversal realizado com uma série de casos obstétricos objetivando determinar possíveis complicações puerperais associadas à via de parto. Assumindo que o percentual de endometrite após o parto vaginal é de 1% e após a cesariana é de 10% e considerando os erros alfa (α) de 5% e o poder de amostragem de 90%, a amostra necessária para a comparação das duas séries de casos foi de 155 participantes para cada grupo, num total de 310 pacientes, conforme cálculo estatístico realizado em programa Epi Info vs. 6.0.
A investigação consistiu na seleção de quantidades iguais de prontuários de pacientes submetidas aos dois tipos de parto (normal e cesariana) entre janeiro de 1999 e julho de 2007, em uma clínica particular. Foram pesquisadas todas as mulheres submetidas ao parto nesse período, o que totalizou 558 prontuários. Foram excluídas deste trabalho todas as pacientes submetidas à cesariana após 12 horas de amniorrexe, a trabalhos de parto prolongados (após 12 horas de trabalho de parto) e a parto vaginal com fórcipe rotacional. Foram também excluídas aquelas com alguma doença crônica sem controle adequado ou submetidas ao parto por equipe médica diversa da constituída pelos pesquisadores. Incluíram-se 314 prontuários, 157 em cada grupo. Todos os pré-natais e partos foram realizados pela mesma equipe médica, que se revezava nos procedimentos, seguindo o mesmo protocolo de avaliação, ambulatorial e de internação.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC).
Os prontuários permitiram a coleta de informações no período de puerpério recente, não sendo feita abordagem direta às pacientes. O prontuário hospitalar foi inicialmente usado para a coleta de dados durante o período de internação. Utilizou-se, a seguir, o prontuário ambulatorial para a coleta de informações tardias da paciente entre o sétimo e 10º. dias de pós-parto, quando as pacientes retornaram para reavaliação. Os dados utilizados foram: idade, idade gestacional, gesta, para, abortos anteriores, tipo de parto e evolução, indicação nos casos de cesariana e intercorrências nas primeiras horas de parto (hipotonia uterina, laceração de trajetos, retenção de restos placentários, hematomas e deiscências, bem como complicações anestésicas). Foram também coletadas as informações relativas ao período de puerpério precoce (dor local, hiperemia e coleções purulentas em ferida operatória, sinais gerais como febre, taquicardia, anemia e taquipneia).
As informações obtidas foram transcritas por digitação para meio magnético e processadas em computador por meio de recursos do programa estatístico do software Epi-Info, versão 6.04. Foram construídas as distribuições de frequência das variáveis examinadas e calculadas as taxas de prevalência indicadas para cada caso e também as médias e desvios-padrão de variáveis expressas em escala numérica. A comparação de grupos identificados entre os participantes do estudo foi realizada em tabelas de contingência, tipo R x C, no caso de variáveis categóricas, ou pela comparação de médias, no caso de variáveis numéricas. No teste de significância estatística das diferenças observadas na análise, utilizou-se o teste do qui-quadrado e/ou o teste de Student, dependendo da natureza dos dados comparados. O nível de significância adotado na análise foi de 5%.
RESULTADOS
Características da amostra de 314 pacientes
A idade média das pacientes dos dois grupos foi de 30 anos (n=185; 58,9%), com desvio-padrão de 4,7 anos. A idade gestacional média foi de 38 semanas (n=293; 93,3%), com desvio-padrão de 1,8 semanas.
Verificou-se, quando se comparou a idade gestacional com a via de parto, associação entre prematuridade e cesariana, de forma que pacientes com idade gestacional inferior a 37 semanas foram submetidas com mais frequência à cesariana (OR=3,4; IC=1,2-9,6; p=0,01). Em relação ao número de gestações e partos, houve mais gestações (p=0,0001; x2=19,45) e partos (p=0,0001; x2 =20,83) nas pacientes que evoluíram para parto vaginal. A multiparidade, deste modo, associou-se a partos vaginais. Não se observaram diferenças quanto à frequência de abortos nos dois grupos (p=0,2). Na Tabela 1 são comparadas as frequências dos números de partos e os números de gestações entre as pacientes submetidas à cesariana e ao parto normal e são apresentados também os resultados do teste do qui-quadrado (x2).
Cesariana: indicações
As principais indicações absolutas (n=109; 69,4%) de cesarianas foram: desproporção céfalo-pélvica (DCP) (n=35; 22,3%); síndromes hipertensivas graves com risco de morte para a mãe ou feto (n=20; 12,7%); cirurgias uterinas prévias (n=15; 9,6%); duas ou mais cesarianas anteriores (iteratividade) (n=14; 8,9%); distócia de apresentação (n=8; 5,1%); sofrimento fetal crônico (n=7; 4,5%); outras doenças maternas graves (n=6; 3,8%); e sofrimento fetal agudo em fase inicial de trabalho de parto (n=4; 2,5%). Entre as indicações relativas (n=48; 30,6%) incluíram-se: uma cesariana anterior (n=32; 20,4%); apresentação pélvica em primigesta (n=7; 4,5%); gestação prolongada (n= 6; 3,8%); e doenças maternas leves (n=3; 1,9%).
Exame físico
Durante o período de internação hospitalar
O período de internação foi menor nas pacientes que evoluiram para parto normal (p=0,0000; χ2 =13,24), com média de 24 horas de internação para as pacientes que evoluiram para parto normal e 60 horas de internação para as pacientes submetidas a cesariana.
Identificou-se nos prontuários (n=314), durante o período de internação, anemia em 2,2% dos casos (n=7), sendo que em 97,8% (n=307) o exame clínico apresentava-se sem anormalidades. A febre foi, nesse período, observada em 0,3% (n=1) das pacientes. A hipertensão arterial foi diagnosticada em 13,4% (n=42) delas. A existência de colostro foi identificada em 98,4% (n=309) das pacientes e a apojadura em 14% (n=44). Não foi registrado caso de mastite, as fissuras mamárias foram descritas em 0,6% (n=2) e o ingurgitamento mamário em 1,6% (n=5) das pacientes.
Não houve hiperemia, hematoma, edema ou deiscência quando a via de parto foi abdominal. A avaliação da ferida operatória perineal (episiorrafia) não identificou hiperemia, abscesso ou deiscência, entretanto, em um caso (0,6%) detectou-se hematoma e em quatro (2,5%) edema. Lóquios sanguíneos e útero contraído foram encontrados em 98,7% (n=310) dos casos. O exame dos membros inferiores revelou edema em 11,1% (n=35) dos casos. As pacientes receberam alta em boas condições, sendo o puerpério considerado fisiológico. A comparação dos dois grupos (cesariana e parto vaginal) não se mostrou diferente quando foram avaliados os seguintes dados clínicos: coloração das mucosas (p=0,3), febre (p=0,5), fissura mamária (p=0,24), ingurgitamento (p=0,68), consistência e contração uterina (p=0,3). A apojadura, entretanto, foi mais frequente nas pacientes que evoluíram para parto vaginal (p<0,001; OR=8,03; IC=3,28-19,64), verificando-se sua presença no pós-parto, ainda durante a internação. A suspensão da lactação foi mais significativa no grupo cesariado (p=0,01), inclusive nas primeiras horas de vida do recém-nascido. As pacientes hipertensas (n=26; p=0,0008; OR=3,6; IC=1,6-8,4) e edemaciadas (n=26; p=0,001; OR=0,3; IC=0,13-0,67) foram submetidas à cesariana significativamente com mais frequência do que ao parto normal, pela necessidade de se interromper, precocemente, a gestação. Não foi evidenciada diferença significativa quanto à classificação do puerpério fisiológico e patogênico (p=0,5) nas pacientes submetidas ao parto normal e à cesariana.
Do sétimo ao décimo dia após o parto (avaliação ambulatorial) nos grupos submetidos ao parto normal e à cesariana
O exame físico das pacientes entre o sétimo e o décimo dias de pós-parto revelou que 95,9% (n=301) encontravam-se normocoradas e 4,1% (n=13) hipocoradas. Identificou-se em 3,8% (n = 12) algum pico febril e a hipertensão arterial esteve presente em 4,5% (n=14). A lactação foi observada em 89,2% das pacientes (n=280). As complicações mamárias também foram mais frequentes, como: mastite (2,9%); fissura (4,1%); e ingurgitamento (5,4%). Não foi salientada, entretanto, diferença estatística entre a manutenção da lactação e a via de parto (p=0,27). Em relação ao exame abdominal e da genitália, a ferida operatória abdominal tinha bom aspecto em 94,9% (n=149). A ferida operatória, em 5,1% (n=8) das cesarianas, acompanhou-se de hiperemia (n=7; 4,5%), edema (n=5,0; 3,2%), hematoma (n=1; 0,6%) e abscesso (n=1; 0,6%). Houve um caso de edema (0,6%) quando o parto foi vaginal, sem hiperemia, hematoma, abscesso ou deiscência.
A contração uterina fixa e os lóquios foram considerados fisiológicos em 99% (n=310) e 99,4% (n = 312), respectivamente. O exame clínico foi sugestivo de infecção puerperal em dois casos (0,6%). Houve um caso (0,3%) de trombose venosa profunda. O puerpério foi considerado patogênico em 5,1% dos casos (n=16), seja pela presença de mastite (2,9%), infecção da ferida operatória (2,5%), endometrite (0,6%) ou infecção do trato urinário (0,3%). Duas pacientes com endometrite foram internadas, sendo prescrita antibioticoterapia com gentamicina e clindamicina (13,3%). Os outros casos de infecção foram tratados em regime ambulatorial, sendo prescrita ampicilina (13,3%) ou cefalexina (60%) ou eritromicina (6,7%). A heparinização foi realizada em uma única paciente (0,3%). A limpeza e a drenagem da ferida operatória foram feitas em 1,6% dos casos. Não houve morte materna e duas pacientes (0,6%) foram reinternadas, recebendo alta após 72 horas sem febre e em boas condições clínicas.
Não foi registrada diferença estatisticamente significativa em relação à coloração das mucosas (p=0,2), febre (p=0,61), mastite (p=0,25), fissuras (p=0,28), ingurgitamento mamário (p=0,50), manutenção da lactação (p=0,18), colo uterino (p=0,31), consistência e volume uterino (p=0,50), quando se associou com a via de parto. A hipertensão arterial sistólica (p=0,005), diastólica (p=0,0007) ou ambas (p=0,002) foi mais significativa no grupo submetido à cesariana. A síndrome hipertensiva representou uma das indicações da realização das cesarianas. O edema de membros inferiores foi mais frequente nas pacientes submetidas à cesariana (p=0,03). Não houve diferença em relação a mastite (p=0,50), endometrite (0,75) e infecção urinária (p=0,50) nas pacientes submetidas ao parto normal ou à cesariana, entretanto, a infecção da ferida operatória abdominal foi mais frequente do que a da episiorrafia nesses dois grupos, respectivamente (p=0,003). Não se apurou diferença significativa quanto ao uso de antibióticos após o parto na drenagem da ferida operatória, na heparinização e na reinternação das pacientes (p>0,05) nos dois grupos estudados.
DISCUSSÃO
Os dois grupos estudados apresentaram pacientes com idade acima de 30 anos. Acredita-se que esses dados estejam associados à seleção das pacientes, pois mulheres com nível intelectual, social e econômico mais alto estão engravidando mais tardiamente, em período de mais estabilidade econômica (gravidez planejada). Em 2004, o Sistema Único de Saúde (SUS) divulgou prevalência de 21,8% de nascidos vivos, considerando a idade materna até 19 anos.17,18 Neste estudo, apenas 1,6% era adolescente. Segundo Yaszlle19, das 7.134 adolescentes atendidas para parto, em Ribeirão Preto, a maioria (80%) recebeu atendimento pelo SUS (2,1% particular; 17,9% convênio e 80,0% SUS). Acredita-se que a categoria de internação possa representar a categoria social à qual o indivíduo pertence, considerando-se o grupo atendido pelo SUS como população de baixa renda. Nesta pesquisa poucas pacientes eram adolescentes, o que sugere que a orientação contraceptiva e sexual, o acesso à medicação e ao médico sejam fatores importantes na diminuição da gravidez indesejada.
As indicações absolutas de cesarianas foram as mais frequentes. A literatura realça que a incidência de cesarianas tem aumentado à medida que se eleva o padrão social das gestantes, não havendo correspondência com o risco obstétrico.20 Isto sugere que indicações não-médicas estão influenciando na decisão da escolha do tipo de parto.21 A desproporção céfalo-pélvica (DCP), doenças maternas e iteratividade (duas ou mais cesáreas anteriores) foram os motivadores de indicações de cesarianas. É provável que a iteratividade represente reflexo de condutas obstétricas prévias. Estes resultados são corroborados por Souto et al.22 ao relatarem que a cesariana de repetição nos Estados Unidos constitui principal fator determinante no aumento das taxas de nascimento por este tipo de parto.
As doenças maternas incluem a doença hipertensiva específica da gravidez considerada grave ou iminência de eclâmpsia e com necessidade de interrupção. A cesariana foi a opção de parto em 57% e em 64% das pacientes portadoras de doença hipertensiva específica da gravidez24 e com síndrome Hellp23, respectivamente. As pacientes portadoras do vírus da imunodeficiência humana (VIH) com carga viral acima de 1.000 cópias e que não estavam em trabalho de parto seguiram a indicação de cesariana de acordo com as orientações do American College of Obstetricians and Gynecologistis, que recomenda o parto operatório.25 Outros casos incluídos como absolutos são indicações clássicas de cesariana, como: DCP e placenta prévia total, em que é impossível o nascimento por via vaginal.17 Stalberg et al.26 descrevem a importância da pelvimetria a fim de evitar a cesariana de urgência, por DCP. Optou-se pela realização de cesariana nos casos de sofrimento fetal agudo e descolamento prematuro de placenta em fase inicial de trabalho de parto. Hofmeyer e Kulier27, entretanto, relatam que a operação cesariana não conseguiu diminuir a mortalidade perinatal quando instalado mecônio ou alteração no batimento cardíaco fetal durante o trabalho de parto (OR=1,18; IC=0,56-2,48).
Nas recomendações relativas de cesarianas incluíram-se a apresentação pélvica e uma cesariana anterior como a sua principal motivação de indicação. Acredita-se que o temor generalizado da apreensão da cabeça derradeira esteja tornando o diagnóstico da apresentação pélvica um motivo para o parto cesáreo. Em estudo realizado no México, a morbidade materna foi maior no parto cesáreo que no vaginal, considerando-se as apresentações pélvicas sem outros fatores indicativos de cesariana, sugerindo que em pacientes selecionadas e com médicos bem treinados, o parto vaginal pode ser boa opção.28 O Projeto Diretrizes descreve evidências científicas de que na apresentação pélvica os fetos beneficiam-se com a cesariana eletiva.29 Existe tendência a se recomendar a cesariana à paciente primigesta em apresentação pélvica, embora ainda não seja uma indicação absoluta no protocolo assistencial desse serviço analisado. Em relação a uma cesariana anterior, o protocolo assistencial não prevê a indicação de cesariana.
Não se ressaltaram discrepâncias nos dados observados ao exame físico no primeiro ao terceiro dias após a realização do parto, em ambos os grupos estudados, para a contração uterina fixa, o fechamento do colo uterino e a evolução do aspecto do lóquios. A associação desses dados com a via de parto mostrou mais incidência de cesariana em partos com fetos prematuros, mas não houve iatrogenia. Em todos esses casos, a interrupção da gestação aconteceu por complicações maternas e/ou fetais associando-se a risco fetal e/ou materno.1,17 Destacou-se mais incidência de cesariana nas pacientes hipertensas quando se associaram hipertensão arterial e edema à via de parto, o que reforça o argumento de que as doenças maternas foram motivadoras da interrupção da gestação.
A multiparidade associou-se a partos vaginais. Estes resultados são compatíveis com a literatura consultada, ao afirmar que cesarianas de repetição e incisões uterinas prévias podem limitar o futuro reprodutivo, pelo risco de rotura uterina. As histerorrafias frequentes e repetidas permitiram a rotura uterina, de forma que alguns autores preconizam a esterilização cirúrgica após três cesarianas. A regulamentação legal da laqueadura tubárea determina a permissão da esterilização voluntária em homens e mulheres com capacidade civil plena e com mais de 25 anos de idade (artigo 10, I da Lei 9.263/1996), sendo permitida a esterilização após o mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, exceto nos casos de comprovada necessidade como, por exemplo, cesarianas sucessivas anteriores.30
A apojadura precoce foi mais frequente nas pacientes que evoluíram para parto normal. O Ministério da Saúde do Brasil normatizou que todo recém-nascido deve ser colocado junto à mãe para sugar durante a primeira meia hora de vida. Estudos apresentados pela Organização Mundial de Saúde comprovam que o contato imediato entre mãe e recém-nascido resulta em vários benefícios: sucção eficiente e eficaz, aumento na prevalência e duração da lactação, influência positiva na relação mãe/filho, mais facilidade para expulsão da placenta e estímulo na involução uterina, sendo, quanto mais longo o intervalo para a primeira mamada, maior a chance do desmame precoce.31 Por isso, independentemente do tipo de parto, deve-se estimular a sucção e a primeira mamada ainda na sala de parto. Neste estudo, a suspensão da lactação ocorreu mais frequentemente nas pacientes cesariadas, mas houve indicação médica: obstétrica nas pacientes soropositivo para o VIH, a fim de reduzir a transmissão vertical; por indicação psiquiátrica, naquelas que poderiam colocar em risco a vida do recém-nascido; e por indicação do serviço de mastologia, pela necessidade de se tratar o câncer de mama.
A recuperação das pacientes submetidas ao parto vaginal ocorreu em intervalo de tempo mais curto, a maioria recebendo alta em até 24 horas de pós-parto. Estes resultados são compatíveis com a literatura e devem ser citados como estimuladores ao parto vaginal.1,17
O exame físico do sétimo ao 10º. dia de pós-parto identificou mais acometimento de infecções, comparado com o período anterior, mas significativamente inferior ao descrito pela literatura médica consultada. Não houve diferença significativa entre as mastites, nos grupos pesquisados, com frequência de 2,9%. Relatam Sales et al.32 que a frequência de fissuras e ingurgitamento em sua série de 70 casos foi de 46 e 47%, respectivamente, mais altas do que neste estudo. Acredita-se que a eficiência do pré-natal garantindo à gestante orientação dos cuidados com seu corpo seja importante fator redutor das mastites puerperais.
Houve diferença significativa de infecção na ferida operatória, mais frequente na ferida abdominal do que na perineal, ao serem comparados os partos por cesariana e normal, respectivamente, apesar da antibioticoprofilaxia e a assepsia e antissepsia. O tratamento foi relativamente simples, resolvendo-se com antibioticoterapia e drenagem da ferida operatória. A endometrite, neste trabalho, apresentou baixos índices, sem associação com a via de parto, assim também observado por Nomura et al.12. Estes dados sugerem que outros fatores estão associados a essas infecções, como: múltiplos toques, tempo de trabalho de parto, doenças maternas não controladas e até a situação socioeconômica.16,33-34
O parto por intermédio da cesariana realizado neste trabalho, apesar de não determinar incremento da mortalidade de casos, quando comparado ao parto vaginal, associa-se a aumento do tempo de internação, atrasa a lactação e eleva os índices de infecção da ferida operatória. A sua realização indiscriminada aumenta os custos e pode transformar a solução em problema. Os dados deste estudo não podem ser extrapolados para a população brasileira, usuária dos serviços do SUS. É possível, nestes casos, que a cesariana possa incrementar os índices de infecção puerperal, não verificado pela amostragem de pacientes de bom nível social e econômico.
Concluiu-se que as cesarianas não foram associadas a: palidez cutâneo-mucosa, trombose venosa profunda, hipotonia uterina, hemorragias precoces ou hematomas, índices de mastites mais altos e infecções urinárias ou endometrites, quando comparadas ao parto vaginal. Determinam, entretanto, mais frequência de infecção na ferida operatória abdominal, quando comparada à ferida operatória perineal do parto vaginal. Acredita-se que o parto vaginal deva ser estimulado, mas cabe ao obstetra, junto com sua paciente, decidir a melhor conduta a ser seguida. A cesariana é um procedimento seguro, que deve ser realizado sempre que o médico julgar que o benefício do procedimento é maior que o risco de sua realização.
REFERÊNCIAS
1. Rezende J, Montenegro CAB. Obstetrícia fundamental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. 689p.
2. Walker R, Turnbull D, Wilkinson C. Increasing cesarean section rates: exploring the role of culture in an Australian community. Birth. 2004;31:117-24.
3. Donati S, Grandolfo ME, Andreozzi S. Do Italian mothers prefer cesarean delivery? Birth. 2003;30:89-93.
4. Hamilton BE, Martin JA, Sutton PD. Department of Health and Human Services Centers for Disease Control and Prevention. Natl Vital Stat Rep. 2003;51:1-20.
5. Belizan JM, Althabe R, Barros FC, Alexander S. Rates and implications of caesarean sections in Latin America: ecological study. BMJ. 1999;319(7222):1397-400.
6. Zimmermmann JB, Rezende DF, Nunes AA,Tourino AG,Almeida FC, Teixeira LMC, et al. Aspectos clínicos e epidemiológicos das pacientes ginecológicas atendidas na Faculdade de Medicina de Barbacena. Rev Med Minas Gerais. 2008;18(3):160-6.
7. Araujo DAC, Zimmermmann JB, Oliveira LCN, Andrade ATL. Gestação de Alto-risco: Prevalência de Patologias e Complicações Materno-Fetais. J Bras Ginecol. 1996;106:315-20.
8. Silveira DS, Santos IS. Fatores associados à cesariana entre mulheres de baixa renda em Pelotas, Rio Grande do Sul. Cad Saúde Pública. 2004;20(2):231-41.
9. Mariotoni GGB, Barros Filho AA. Freqüência de partos cesáreos na regiäo de Campinas, São Paulo. J Bras Med. 1998;75:(2):15-6.
10. Cotzias CS, Paterson-Brown S, Fisk NM. Obstetricians say yes to maternal request for elective caesarean section: a survey of current opinion. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2001;97:15-6.
11. Land R, Parry E, Rane A, Wilson D. Personal preferences of obstetricians towards childbirth. Aust J Obstet Gynaecol. 2001;41:249-52.
12. Nomura RMY, Alves EA, Zugaib M. Complicações maternas associadas ao tipo de parto em hospital universitário. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):9-15.
13. Duarte G, Figueiro Filho EA, Zola FE, Mauad Filho F. Operação cesariana - breve revisão. Femina. 2003;31:(6):489-93.
14. Burrows LJ, Meyn LA,Weber AM. Maternal morbidity associated with vaginal versus cesarean delivery. Obstet Gynecol. 2004;104(3):907-12.
15. Durnwald C, Mercer B. Vaginal birth after Cesarean delivery: predicting success, risks of failure. J Matern Fetal Neonatal Med. 2004;15(6):388-93.
16. Lydon-Rochelle M, Holt VL, Easterling TR, Martin DP. Cesarean delivery and postpartum mortality among primiparas in Washington State, 1987-1996(1). Obstet Gynecol. 2001; 97(2):169-74.
17. Correa MD, Aguiar RLP, Melo VH, Corrêa Júnior MD. Noções práticas de obstetrícia. Belo Horizonte: Coopmed; 2004.
18. Brasil. Ministério da Saúde. Prevalência de nascidos vivos considerando a idade materna. [Citado em 2008 jul.20]. Disponível em: www.datasus.gov.br
19. Yaszlle MEHD. Gravidez na adolescência. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(8):443-5.
20. Rocha JSY, Simões BJG, Guedes GLM. Assistência hospitalar como indicador da desigualdade social. Rev Saúde Pública. 1997;31(5):479-87.
21. Yaszlle MEHD, Rocha JSY, Mendes MC, Patta MC, Marcolin AC, Azevedo GD. Incidência de cesáreas segundo fonte de financiamento da assistência ao parto. Rev Saúde Pública. 2001;35(2):202-6.
22. Souto JCS, Cardozo SE, Schwartz IVD, Passos EP. Cesariana e parto vaginal no Hospital de Clínicas de Porto Alegre em 1998. J Bras Ginecol 1993;103(8):297-301.
23. Celik C, Gezginç K, Altintepe L, Tonbul HZ, Yaman ST, Akyürek C, Türk S. Results of the Pregnancies with HELLP Syndrome. Renal Failure. 2003; 25(4):613-8.
24. Zalapa-Martínez DF, Gómez-García A, Alvarez Aguilar C. Early hebdomadal complications in newborns from mothers with both mild and severe preecampsia. Ginecol Obstet Mex. 2003;71:238-43.
25. Zimmermmann JB, Araújo DAC, Vieira LHC, Vieira CM, Oliveira L, Gama AL, Bellei PMO. Rastreio sorológico para HIV em gestantes. Bol CBR. 2002;37-44.
26. Stålberg K, Bodestedt A, Lyrenäs S, Axelsson O. A narrow pelvic outlet increases the risk for emergency cesarean section. Acta Obstet Gynecol Scand. 2006;85(7):821-4.
27. Hofmeyr GJ, Kulier R. Operative versus conservative management for fetal distress in labour (Cochrane Review). The Cochrane Library, Issue 2, 2007. Oxford: Update Software.
28. Neri Ruiz ES, Valerio Castro E, Cárdenas Arias R, Navarro Milla C. Presentación pélvica, ¿siempre cesárea?. Ginecol Obstet Méx. 1997;65(11):474-7.
29. Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Cesariana. [Citado em 2008 jul.20]. Disponível em: www.febrasgo.org.br
30. Feitosa HN. Esterilização feminina. Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, 2004. [Citado em 2008 jul.20]. Disponível em http://www.socego.com.br/cremec_4.asp.
31. Brasil. Ministério da Saúde. Amamentação na primeira hora de vida pode salvar sete mil bebês a cada ano. [Citado em 2008 jul.20]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_ detalhe.cfm?co_seq_noticia=34258.
32. Sales NA, Vieira GO, Moura MSQ. Mastite puerperal: estudo de fatores predisponentes. RBGO. 2000;22:627-32.
33. Lumbiganon P, Thinkhamrop J, Thinkhamrop B. Vaginal chlorhexidine during labour for preventing maternal and neonatal infections (excluding Group B Streptococcal and HIV). In: The Cochrane Library, Issue 2, 2005. Oxford: Update Software.
34. Smaill F, Hofmeyr GJ. Antibiotic prophylaxis for cesarean section (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2, 2005. Oxford: Update Software.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License